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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Academic year: 2021

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na análise da fatura, consideramos fundamental ter em conta os vários aspectos que circundam e compõem uma obra. Atentar a fatores como escolha do material, poética, linguagem expressiva, subjetividade do artista, entre outros, permite-nos ter uma noção mais abrangente da obra. Para tanto, o contato direto com a obra é imprescindível, principalmente quando se trata de pintura. A topografia de uma pintura fornece as pistas de sua fatura. Há muita informação na superfície de uma pintura: densidades de tinta, empastes, veladuras, cores e pinceladas, e estas são essenciais para uma apreensão mais abrangente da obra. Consideramos, também, que ter acesso a uma amostragem ampla do processo do artista, confere maior legibilidade à pesquisa. Elementos que fizeram parte de trabalhos de uma determinada fase vão aparecer em outros trabalhos de outras fases, não de uma maneira literal1. Muitas vezes, são características sutis de composição, de uso de cor ou pinceladas que se fazem recorrentes em fases ou obras alternadas. (ANEXO R), (ANEXO S), (ANEXO T). São questões que pertencem ao mundo interno e subjetivo do artista, como nos coloca Pareyson ao considerar que o estilo é a própria espiritualidade do artista.

Portanto, o modo de formar, o “estilo” envolve na arte toda a vida espiritual do artista, porque este no seu formar segue um modo singular e inconfundível, unicamente seu e não de outrem, que é o seu modo de formar, o modo que não pode ser senão seu, e que é a sua própria espiritualidade feita, toda ela, modo de formar: estilo. (PAREYSON, 1993:31).

A pintura de cada artista tem suas particularidades, uma vez que é portadora de características da personalidade e vivência de seu autor. Pela condição de singularidade da

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O escorrido de tinta incorporado à pintura, por exemplo, tem sido uma constante na obra de Fábio Miguez.

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obra é impossível que se possa fazê-la sem que, a cada vez, se vá inventando a maneira como fazê-la. A obra é o resultado de uma operação que a realiza, elabora e conclui, baseada em suas leis internas de organização.

Mas como a pintura tem elementos constitutivos que pertencem a sua linguagem, comuns a todo artista que pinta, pode-se falar de uma fatura, na pintura, num âmbito mais geral. A fatura é um fazer, mas não um fazer qualquer. No procedimento pictórico, todo artista vai se deparar com algumas instâncias do processo que constituem, por exemplo, a escolha de material, definição da dimensão do suporte, etc. Cada elemento que vai sendo escolhido pelo artista, confere singularidade a seu trabalho, e aquilo que era “igual” para todos passa a se diferenciar, passa a ser único, carrega, através das várias tomadas de decisões, a subjetividade do artista e sua maneira peculiar de formar a obra.

A formação da pintura não pode prescindir de uma forma física. A obra depende de sua materialidade para sair de sua condição metafísica; deve migrar do mundo das idéias para o campo da forma materializada, de tal sorte que se pode afirmar que a exteriorização física é

um aspecto necessário e constitutivo da arte e não apenas algo de inessencial (sic) e de acréscimo, como se dissesse respeito unicamente à comunicação. (ibid.44). Porém, apenas a

materialização não garante a existência de uma obra de arte; é necessário que se acrescente a interioridade do artista, suas crenças, suas experiências e o modo como ele se relaciona com o mundo.

Uma vez diferenciada e conquistada a singularidade da obra por parte do artista, faz-se pertinente perguntar se apenas isso é o suficiente para se ter uma obra de arte. Aqui podemos refletir com base em algumas colocações de Richard Wollheim sobre a “pintura como arte”.

Como vimos anteriormente, para Wollheim, para que se tenha uma obra de arte, se faz necessária por parte do artista a descrição das etapas percorridas por ela para conceber a obra, pois tal descrição é a garantia de que ele tem consciência de suas intervenções na superfície

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da tela, e esta consciência confere sua intenção. Quanto mais detalhada é a descrição por parte do artista, mais nítida se torna a sua intenção. Esta consciência indica que suas tomadas de decisões vão sendo intencionais e passam a se relacionar com interferências anteriores. É estando sensível aos elementos depositados na obra que o artista tem condições de tornar sua operação poética e não mecânica.

Há um domínio da linguagem que diferencia uma boa pintura de uma pintura ruim. O artista irá se valer de um domínio técnico para concretizar a sua obra. Ele necessita dar forma a materiais inertes, de modo que sejam portadores de suas idéias, formadores da obra. Mas é claro que o domínio técnico não é por si só suficiente, ainda que tal capacidade possibilite maior clareza na formalização da intenção do artista. A estreiteza da relação entre artista e obra, na formação da mesma, incidirá na qualidade da obra. O respeito ao processo formativo irá diferenciar a obra de arte de uma pintura puramente técnica.

O artista processa e vai sendo processado pela obra, não segue etapas previamente traçadas. Não há um projeto rígido que anteceda à construção da obra. Aqui reside um problema complexo, se pensarmos este procedimento formativo na prática de uma pintura que segue procedimentos técnicos, como por exemplo, a pintura a óleo. Todos nós sabemos que esta técnica requer um conhecimento, um cumprimento de etapas, a utilização adequada de seus instrumentos. Deve haver uma articulação entre intenção artística e material para que a obra possa se instaurar enquanto tal. O artista deve estar devidamente sensível e envolvido, mergulhado no processo de feitura de sua obra para poder ter a capacidade de escuta em relação ao trabalho que está concebendo. Wollheim considera, num âmbito mais geral, que uma análise adequada de pintura deve também levar em conta dois aspectos fundamentais e inseparáveis: o veículo da pintura e o significado da pintura. É preciso explicar como os

materiais brutos da pintura se convertem em veículo e como esses veículos são empregados para gerar significado, bem como as muitas variedades de significado nas quais esses usos podem resultar. (WOLLHEIM, 2002:23). O artista deverá atentar ao que está fora da obra

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(material inerte), ao que está colocado na obra (a tinta que está posta), à sua própria intenção e à forma como estes elementos vão se relacionando entre si. O rumo é dado à medida que o processo avança. As indicativas do que a obra deve ser vão sendo fornecidas durante o processo de criação pelo artista, o que está posto e o que está por ser colocado na obra.

Muitas vezes, num processo criativo algumas questões que estão colocadas em uma pintura serão resolvidas mais adiante, em obras sucessivas. Afinal, a obra é o processo. Há que se ter serenidade de deixar uma pintura ser o que ela é. Daí a importância de se ter acesso a um conjunto de obras. A problemática do pintor, sua poética e questões ficam mais evidentes, comunicam-se entre si. No ato de pintar, o artista vai um pouco além. Os olhos do artista guiam-no para que ele possa manter um rumo certo, porém, este rumo não está dado, ele é construído pelo olhar. Manter a pintura no rumo é uma expressão, uma metáfora, que

significa tornar a pintura aceitável para os olhos: são os olhos que determinam a aceitabilidade, segundo critérios muito variados. (ibid.43).

Heidegger transporta para a obra questões importantes como a instauração de uma verdade através da própria obra, no sentido de uma abertura que dela provém. A instauração da verdade, na sua acepção de princípio (Anfang) é a adotada por Heidegger por seu caráter de salto (Sprung) antecipatório que já contém oculto em si o fim, e onde o que há de vir já

está ultrapassado, ainda que de forma velada. Sempre que o ente na totalidade enquanto ele próprio exige a fundamentação na abertura, a arte atinge a sua essência histórica como instauração. (HEIDEGGER, 1993:61).

O início da carreira artística de Fábio Miguez aconteceu num período bastante propício para a pintura no âmbito de veiculação, valorização e de mercado. Havia uma atenção voltada para esta atividade proveniente de críticos, curadores, galeristas e público.

A pintura vem reafirmando o seu espaço, numa convivência com as demais manifestações artísticas, ocupando destaque em diversas mostras nacionais e internacionais, importantes feiras de arte e bienais. No âmbito nacional, podemos citar a presença da pintura, tanto na V Bienal do Mercosul (2005), como também na 27ª Bienal Internacional de São

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Paulo (2006); no internacional importantes feiras de arte contemporânea como a Arco em Madri, e mostras como a Documenta de Kassel.e a Bienal de Veneza de 2003. Vários artistas que surgiram na década de 80 seguem pintando e têm seus trabalhos consolidados, compondo parte das obras de acervos de museus e coleções importantes. A pintura se insere no sistema das artes como uma prática contemporânea, o que aponta para a sua atualização enquanto linguagem. Ao ser absorvida e entendida no panorama contemporâneo, por parte dos especialistas que compõem dito sistema, a pintura encontra a sua legitimação.

Desde os anos oitenta Fábio Miguez vem aprofundando sua pesquisa artística. Fábio Miguez esgarça os limites da pintura dentro da própria linguagem e com recursos pictóricos. É este o lugar ocupado pela pintura de Fábio Miguez num contexto contemporâneo que o artista não desconhece. Agora está claro que o quadro contemporâneo não é sustentado pela

moldura, se é que ainda a tem. Ao contrário, o quadro sustenta a moldura. Qual é a unidade e a força que o permite fazer isso? (GADAMER, 1988:128). Os anseios que a própria obra

propõe são totalmente coerentes e compatíveis de serem expressos através da pintura. Acreditamos que a tônica do trabalho de Fábio Miguez provém da própria fatura de suas obras. Há um constante diálogo entre o artista e sua pintura. Em seus depoimentos, esta idéia fica reforçada. Percebe-se que as questões inerentes à pintura povoam suas telas. Ele não pinta um tema, exerce pintura.

Referências

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