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Perseguição religiosa no Irã e a opressão à fé bahá'í

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA – UNISUL KIAN BARTAR GRANFAR

PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA NO IRÃ E A OPRESSÃO À FÉ BAHÁ’Í

Florianópolis 2011

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KIAN BARTAR GRANFAR

PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA NO IRÃ E A OPRESSÃO À FÉ BAHÁ’Í

Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do titulo de Bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Prof. João Batista da Silva, Msc.

Florianópolis 2011

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KIAN BARTAR GRANFAR

PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA NO IRÃ E A OPRESSÃO À FÉ BAHÁ’Í

Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do titulo de Bacharel em Relações Internacionais.

Florianópolis,

__________________________________________________________ Professor e Orientador: Prof. João Batista da Silva, Msc.

Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL

__________________________________________________________ Prof. José Baltazar D’Andrade Guerra, Dr.

Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL

__________________________________________________________ Profª Kátia Regina Macedo, Msc

(4)

Dedico este trabalho aos meus queridos avós, maternos e paternos, in memorem, que dedicaram suas vidas à humanidade com muito esforço e sacrifício, além de meus queridos pais que participaram desta preciosa jornada, que me trouxe a vida aqui neste país maravilhoso, que os recebeu tão calorosamente.

(5)

AGRADECIMENTOS

Agradeço profundamente as valiosas orientações do Professor João Batista da Silva que contribuíram para a realização deste trabalho de conclusão de curso.

De igual modo aos Professores, José Baltazar D’Andrade Guerra e Kátia Regina Macedo pela nobre postura da Banca Examinadora.

(6)

O nacionalismo desenfreado, distinto de um patriotismo são e legítimo, deve ceder o lugar de uma lealdade mais ampla - ao amor à humanidade como um todo. A esse respeito, Bahá'u'lláh afirmou que "a terra é um só país, e os seres humanos seus cidadãos." O conceito da cidadania mundial é uma conseqüência direta da contração do mundo através dos avanços tecnológicos e da incontestável interdependência das nações. O amor a todos os povos do mundo não exclui o amor de cada pessoa ao seu país. E as vantagens das partes, numa sociedade mundial, são melhor servidas pela promoção das vantagens do todo. As atividades internacionais atuais, em vários campos que nutrem a afeição mútua e um sentido de solidariedade entre os povos, precisam ser substancialmente incrementadas. (A CASA UNIVERSAL DE JUSTIÇA)

(7)

RESUMO

A identificação da violação aos direitos humanos aos seguidores da Fé Bahá’í no Irã, busca de algum modo, impactar a comunidade internacional para a criação de novas medidas sobre esta questão: o não cumprimento das Leis de Proteção dos Direitos Humanos no país. Destacam-se as opressões e atrocidades que os adeptos da Fé Bahá’í, uma minoria religiosa daquele Estado, sofre por limitação de liberdade não somente de profissão da fé, como também das limitações impostas ás suas próprias vidas, em seu contexto mais amplo, ou seja: manter o direito á liberdade de expressão e religiosa, ao exercício da singularidade pautados na dignidade humana. Trata-se, pois, de um complexo conflito sócio histórico, cuja duração alcançou o século XXI. Enfatiza-se, que a implantação e reconhecimento dos Direitos Humanos devem ser respeitados sob quaisquer circunstâncias, uma vez que defendemos que todos os homens são iguais, não havendo distinção ou preferências de credo, cor, religião, estando todos, sob o domínio da justiça e igualdade Divina, e em pleno no exercício da cidadania. Tratamos, especificamente, de um momento historicamente complexo, sob a tutela dos Direitos Humanos, referente à pratica da Fé dos bahá’ís do/no Irã. Na esperança de contribuir para o esclarecimento da atual situação, buscando estágios de evolução para a mesma é o que intentamos com este trabalho.

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ABSTRACT

The identification of human rights violations to the followers of the Baha'i Faith in Iran, seeks in some way, impact the international community to create new measures on this issue: non-compliance with the Laws for the Protection of Human Rights in the country. We highlight the oppression and atrocities that the followers of the Baha'i Faith, a religious minority in that country, suffers not only limited freedom to profess one's faith, but also the limitations imposed on their own lives, in a broader context, they are retained the right to freedom of expression, guided by the pursuit of uniqueness of human dignity. It is therefore a complex historical conflict, whose length reached the twenty-first century. It is emphasized that the establishment and recognition of human rights must be respected under all circumstances, since we hold that all men are equal, without distinction or preference creed, color, religion, all being under the rule of Divine justice and equality, and the full exercise of citizenship. We deal specifically with a complex historical moment, under the protection of Human Rights, referring to the practice of the Faith of the Bahá’ís in Iran. It is intended by this work, the hope to contribute to the clarification of the current situation, seeking stages of evolution for this cause.

(9)

Sumário

1 INTRODUÇÃO ... 9

1.1 EXPOSIÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA ... 9

1.2 OBJETIVOS ... 10 1.2.1 Objetivo geral ... 10 1.2.2 Objetivos específicos ... 11 1.3 JUSTIFICATIVA ... ...11 1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ...13 1.5 ESTRUTURA DA PESQUISA ...14 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA...15

2.1 CONCEITO DE RELIGIÃO E MINORIA RELIGIOSA...15

2.2 DIVERSIDADE E LIBERDADE RELIGIOSA...19

2.3 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E A LIBERDADE RELIGIOSA E DE EXPRESSÃO...21

2.4 COMUNIDADE INTERNACIONAL E ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS: UMA BREVE DEFINIÇÃO...33

3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS ...36

3.1 UM BREVE HISTÓRICO DA FÉ BAHÁ’Í ...36

3.2 POSICIONAMENTO DO GOVERNO IRANIANO EM RELAÇÃO ÀS PERSEGUIÇÕES AOS BAHÁ’ÍS...44

3.3 O SISTEMA DA ONU: ALGUMAS CARACTERÍSTICAS...51

3.4 O BRASIL NO CONTEXTO DA DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS E DA LIBERDADE RELIGIOSA ...60

3.5 A VISITA AO BRASIL DA IRANIANA SHIRIN EBADI, PRÊMIO NOBEL DA PAZ E SUA DEFESA AOS DIREITOS HUMANOS...66

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...70

(10)

1 INTRODUÇÃO

Neste trabalho cuida-se de demonstrar e compreender a Fé Bahá’í no contexto da diversidade e liberdade religiosa, que é uma característica da cultura humana, apontando para a opressão sofrida por seus seguidores no Estado iraniano.

Trata-se de relevante tema de Direitos Humanos, vez que verte sobre questões atinentes à liberdade e à tolerância – valores que precisam ser cultivados e respeitados em vista de uma convivência pacífica.

Aqui será apresentada a exposição do tema e do problema da pesquisa, os objetivos gerais e específicos, a justificativa do tema e a metodologia aplicada ao trabalho de pesquisa.

1.1 EXPOSIÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA

A perseguição aos bahá’ís tem seu marco no momento em que está fé é revelada aos homens. Contudo, a lógica nos levaria a pensar que com o passar dos anos e séculos estas perseguições estariam chegando a um fim. Porém, a realidade atual dos bahá’ís que ainda moram no Irã não diverge nem um pouco em relação às perseguições do passado, pois estes ainda continuam sendo perseguidos em pleno século XXI.

Durante muitos anos as perseguições não tiveram uma grande amplitude mundial. Contudo, após o estabelecimento da República Islâmica em 19791, tendo-se o retorno do Ayatolláh Khomeini2 de seu exílio, os ataques aos bahá’ís no Irã

1

SECRETARIA NACIONAL DE AÇÕES COM A SOCIEDADE E O GOVERNO DA COMUNIDADE BAHÁ’I DO BRASIL. Disponível em: <http:// sasg.bahá’i.org.br> . Acesso em: 25 out 2011.

2

Autoridade religiosa xiita iraniana, líder espiritual e político da Revolução Iraniana de 1979 que depôs Mohammad Reza Pahlevi, na altura o xá do Irã. É considerado o fundador do moderno Estado xiita e governou o Irã desde a deposição do xá praticamente como um faraó considerado pelos seus seguidores quase como um Deus até à sua morte em 1989.

(11)

aumentaram de maneira explosiva, e a cada ataque, uma acusação é feita em seu desfavor.

As acusações3, na sua grande maioria, afirmam que a Fé Bahá’í não é uma religião e sim uma seita, a qual esconderia um partido político; dos bahá’ís serem agentes de potências estrangeiras; de serem espiões de Israel; de serem contrários ao Islã e a Maomé (de serem seus inimigos); de estarem envolvidos com prostituição, adultério e imoralidade e de insultarem o Livro Sagrado dos Muçulmanos, o Alcorão. Afirma, ademais, que os bahá’ís que se encontram no Irã são diferentes daqueles que residem em outros países, no sentido de serem perigosos e que representam uma ameaça para o governo iraniano.

O Tema da presente pesquisa é a perseguição religiosa no Irã, enfocando a opressão à Fé Bahá’í. O problema formulado à pesquisa consiste em responder: A relação do Estado iraniano com a Comunidade Bahá’í constitui violação aos Direitos Humanos?

1.2 OBJETIVOS

Aqui serão expostos o objetivo geral e os objetivos específicos, de modo a responder à questão problema e melhor circunstanciá-lo.

1.2.1 Objetivo geral

A presente pesquisa monográfica visa identificar as violações aos Direitos Humanos que ocorrem no Oriente Médio em plena atualidade com enfoque em um

3

SECRETARIA NACIONAL DE AÇÕES COM A SOCIEDADE E O GOVERNO DA COMUNIDADE BAHÁ’I DO BRASIL. Disponível em: <http:// sasg.bahá’i.org.br> . Acesso em: 25 out 2011.

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país: o Irã, descrevendo a perseguição do governo iraniano e relatando as opressões e atrocidades que os adeptos da Fé Bahá’í, uma minoria religiosa daquele Estado, sofre diante do preconceito religioso ali exercido.

1.2.2 Objetivos específicos

Especificamente este trabalho tem os seguintes objetivos:

a) Demonstrar a proteção das liberdades religiosas e de expressão no quadro da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU;

b) Caracterizar historicamente a Fé Bahá’í, e descrever alguns de seus princípios;

c) Identificar a violação aos Direitos Humanos aos seguidores da Fé Bahá’í.

1.3 JUSTIFICATIVA

As razões que me remetem à presente pesquisa monográfica vinculam-se à minha ascendência iraniana e à atual circunstância em que se encontra a relação entre o Estado iraniano e os seus nacionais, preponderantemente a comunidade Bahá’í, face aos desígnios religiosos vinculados àquele modelo de Estado. Trataremos de descrever algumas das conseqüências que apontam para um regime de perseguição e opressão a alguns segmentos religiosos, limitando e impedindo a liberdade não somente de profissão da fé, como das limitações que impõem à própria vida em seu contexto mais amplo: manter o direito à vida e a uma vida com qualidade, pautado na dignidade e nos direitos humanos. Isto remete na violação dos Direitos Humanos, em toda sua

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plenitude. Trata-se, pois, de uma circunstância inaceitável, mas lamentavelmente presente, em pleno século XXI.

A minha condição de brasileiro (nato) é uma decorrência do regime opressor do Estado iraniano a partir da Revolução Islâmica em 1979, que trouxe, dentre outras conseqüências o processo migratório, levando minha família paterna a deixar o Irã para buscar refúgio no Brasil.

É importante ressaltar que a busca de refúgio se efetivou em outros Estados soberanos no mundo e que a presença da Comunidade Bahá’í em diversos países também se deve ao pioneirismo dos nossos ancestrais, a exemplo dos meus avôs maternos que migraram para o Brasil na década de 1950, com o propósito de difundir e professar a Fé Bahá’í.

Desta forma, pretendo contribuir com um pouco da experiência adquirida através da vinda dos meus avôs maternos como pioneiros Bahá´ís bem como a minha família paterna, que teve que fugir de seu país de origem, pós Revolução Islâmica em 1979.

Complemento algumas histórias que foram contadas pelos meus avôs maternos, Valiollah Bartar Isfahani e Turan Golestani Bartar sobre sua experiência como pioneiros na década de 50. Foi através da plena obediência, ao chamado do Guardião da Fé Bahá´í, conhecido como Shoghi Effendi, na cruzada dos dez anos, que iniciaram sua trajetória. Centenas de pessoas, tocadas por este chamado e aderindo aos pressupostos do novo movimento religioso, trabalharam e trabalham em prol da Causa Maior: o estabelecimento da Paz Mundial.

Para contextualizar minimamente, as dificuldades do processo migratório sofrido por minha família, recorro às minhas lembranças: do meu avô contando, a respeito de sua chegada em 1953, no Porto de Santos. Chegaram com uma criança de colo (meu tio, Mostafa Bartar Isfahani), e um único baú com seus pertences, fora confiscado e em troca de suas singelas posses, foram colocadas pedras. Tiveram que dormir, acampados, na praia de Santos, por mais de uma semana.

Sem saber da cultura do país, dos costumes, da língua, sem ter um trabalho que lhe rendesse verba mensal, meus avôs foram guerreiros e batalharam incessantemente por toda uma vida até meados do ano 2000, quando faleceram ainda

(14)

com muita garra e perseverança por sua crença e esperança de contribuir para melhora das relações de paz, fraternidade e fé na vida, conseqüentemente, no mundo.

Com esta descrição tento demonstrar somente parte, do que compõe inúmeras histórias de vida como as que acabo de descrever. Acredito que estou permeado por isto, justifico meu interesse pelo tema abordado em relação ao Irã e as injustiças vividas pelos bahá´ís, que tão bravamente lá vivem, ou melhor, tentam viver agarrados à sua crença de que o mundo pode ser um único país e os seres humanos seus cidadãos, premissa maior da Fé Bahá’í.

A relevância acadêmica deste trabalho é significativa tanto para a ciência quanto para a formação em Relações Internacionais. O motivo da escolha deste tema é justamente alertar e mobilizar o ser humano em geral, proporcionando acesso a verdadeiras informações, uma vez que há pouca divulgação destas questões que tanto oprimem e fazem sofrer a comunidade Bahá’í, dentro e fora do país.

Trata-se, pois, de um assunto atual, importante para todos os defensores dos Direitos Humanos, caracterizando interesse dentro das Relações internacionais, vez que versa sobre liberdade religiosa, liberdade de expressão, e o sistema da ONU à respeito deste tema.

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa será predominantemente qualitativa descritiva, podendo apontar dados, de caráter exploratório, recorrendo-se a periódicos como jornais e revistas com informações pessoais, sistematizadas, atualizadas em literatura específica, tais como publicações sobre a criação da Fé Bahá’í, livros, ferramentas eletrônicas como a internet, artigos científicos e o próprio site da Fé Bahá’í, além de informações jurídicas, de Direito Internacional, Constitucional e de Direitos Humanos.

A respeito deste assunto, Triviños4 (1992) afirma que a pesquisa de cunho qualitativo implica os passos do investigador, seja ele experiente ou não, no sentido

4

(15)

deste envolver-se no processo e nos resultados do estudo, exigindo severidade maior na objetivação, originalidade, coerência e consistência das idéias.

1.5 ESTRUTURA DA PESQUISA

Para os fins aqui propostos o presente trabalho consistirá de uma introdução, que compreende a exposição do tema e do problema, os objetivos, a justificativa e os procedimentos metodológicos, dois capítulos centrais dedicados à revisão bibliográfica – abordando alguns conceitos de religião e minorias religiosas, a diversidade e liberdade religiosa e de expressão, a proteção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aborda também uma breve definição de comunidade internacional e de organizações internacionais – o outro, para apresentação e análise de dados em que se descreverá sobre um breve histórico da Fé Bahá’í, sobre o posicionamento do governo iraniano em relação às perseguições aos bahá’ís, uma explanação sobre o sistema da ONU, e a perseguição religiosa no Irã. Aponta ainda, a aplicabilidade das normas internacionais aos crimes de perseguição e finalizando com uma narrativa sobre o Brasil, no contexto da defesa dos Direitos Humanos dos bahá’ís no Irã e da liberdade religiosa, trata também da visita ao Brasil da iraniana Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da paz e sua defesa aos Direitos Humanos. Após serão tecidas as considerações finais e apontadas as referências bibliográficas.

(16)

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Visando melhor contextualização e compreensão do tema de pesquisa serão aqui abordadas questões atinentes à diversidade e liberdade religiosa, bem como se traçará o conceito de religião e minorias religiosas, juntamente com uma breve definição de comunidade internacional. Também aqui, será explanado um demonstrativo da Declaração dos Direitos Humanos.

2.1 CONCEITO DE RELIGIÃO E MINORIA RELIGIOSA

Segundo trata a autora Émile Durkheim5, a religião pode ser definida pelo: ‘’ sobrenatural e pelo misterioso’’ definido em função da idéia de Deus ou de ser espiritual. Para aquele que vê na religião uma manifestação natural da atividade humana, todas as religiões são instrutivas, sem exceção, pois todas exprimem o homem a sua maneira e podem assim ajudar a compreender melhor esse aspecto de nossa natureza. A religião seria, portanto, uma espécie de especulação sobre tudo o que escapa a ciência e de maneira mais geral ao pensamento claro.6

Complementando o conceito de religião, Mario de França Miranda, afirma que religião é aquilo que fornece à sociedade o sentido global da realidade, dando-lhe unidade, tornando possível a vida social e conferindo identidade ao indivíduo. Podemos dizer que religião implica um transcender do cotidiano e um voltar-se para uma realidade totalmente outra, fora do âmbito do mundo, mas agindo e se manifestando na vida humana. 7

Miranda diz:

5

.DURKHEIM, Emile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p 3,4 e5.

6

DURKHEIM, loc.cit.

7

MIRANDA, Mario de França. Inculturação da Fé: uma abordagem teológica. São Paulo: EdiçOes Loyola, 2001. p . 50.

(17)

Ao afirmar que a ação salvífica de Deus só se encontra concretamente em suas objetivações de cunho doutrinário, cúltico, ético, comunitário, artístico, estamos assegurando que a interpelação de Deus e a resposta do ser humano a ela acontecem consciente e explicitamente no interior de uma religião. Esta é uma realidade complexa, difícil de ser definida com precisão, já que indica um fenômeno que pode ser abordado a partir de diferentes perspectivas, gerando, assim, compreensões diversas de si mesmo. 8

A ética normativa baseou-se sempre na religião. Somente a religião é capaz de criar um sistema de valores e ideais transcendentais nos quais os valores centrais da sociedade podem ser ajustados. Ela constrói uma hierarquia de valores, declara alguns deles como sendo absolutos e universais, enquanto outros são relativos e particulares. Sanciona, nega, diferencia e determina as prioridades. Traduz os valores em padrões de conduta, transmitindo-os, através da educação, às gerações mais jovens, mantendo-os vivos na consciência da sociedade. 9

Fosse final o desaparecimento da religião, as conseqüências para a sobrevivência da humanidade seriam desastrosas. Se, contrariamente à opinião prevalecente hoje em dia, a religião ainda tem futuro, existem duas possibilidades: ou as antigas religiões têm o poder renovador de romper com as formas rígidas de suas ortodoxias ou algo novo está chegando. Ou seja, em nossos tempos uma revolta está ocorrendo similar à que ocorreu quando o mundo da Antiguidade decaiu e surgiu o Cristianismo. 10

Ludwig Feuerbach foi insistente ao demonstrar que Deus era meramente uma reflexão entre o homem e Deus. Segue dizendo que é na realidade uma relação entre o homem e seu próprio ser, ao qual ele conferiu os mais elevados atributos de sua espécie: “O que o homem declara concernente a Deus, ele na verdade declara algo relacionado consigo mesmo”. 11 A religião é “a natureza humana refletida, espelhada em si mesma” e “Deus é o espelho do homem”. 12 E segue que “a vida futura é o presente

8

MIRANDA, loc.cit.

9

ERICH, Kellner. Experiment eines kritischen Christentums, Analysen, Modelle, Aktivitaten der Paulus- Gesellshaft. Mondsee:Undated. Religionlose Gesellschaft. Sind wir morgen Nihilisten? Gesprache

der Paulus- Gesellshaft. Wien: 1976, p. 7. 10

SCHAEFER, Udo. O Domínio Imperecível. A Fé Bahá’í e o Futuro da Humanidade. 1a ed. Mogi Mirim: Editora Bahá ‘í do Brasil, 2008. p. 120-121.

11

FEUERBACH, Ludwig. A essência do Cristianismo. Editora Vozes, 2007. p.30

12

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no espelho da imaginação”. 13 “O início, meio e fim da religião é o próprio homem”. 14 No que tange a respeito da definição de minorias religiosas, que é um dos focos deste trabalho, pode-se dizer que “minorias religiosas são grupos que professam uma religião distinta da professada pela maior parte da população.” 15

Entendemos a importância de salientar que o primeiro instrumento normativo internacional a tratar do tema das Minorias Religiosas foi a Declaração Universal dos Direitos das Minorias da ONU em 1966 feito pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. 16

José Augusto Lindgren Alves17 adverte que houve hesitação que provinha da dificuldade de conciliação das posições assimilacionistas dos Estados do Novo Mundo (formados por populações imigrantes) e as dos Estados do Velho Mundo, com grande gama de grupos distintos em seus territórios nacionais, a saber: desconfianças dos Estados em relação aos instrumentos internacionais de proteção dos direitos das minorias, vistos como pretextos para interferência em assuntos internos; ceticismo quanto ao fato de se abordar, em escala mundial, as situações distintas das diversas minorias; a crença na ameaça à unidade e à estabilidade interna dos Estados pela preservação da identidade das minorias em seu território e, finalmente, a idéia de que a proteção a grupos minoritários constituiria uma forma de discriminação.

Assim houve a necessidade de uma definição de minoria, a Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e a Proteção das Minorias, criada pela ONU, encomendou ao perito italiano Francesco Capotorti um estudo que resultou na seguinte definição de minoria: 18

Um grupo numericamente inferior ao resto da população de um Estado, em posição não-dominante, cujos membros - sendo nacionais desse Estado - possuem características étnicas, religiosas ou lingüísticas diferentes das do resto da população e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um sentido

13 Ibid, p.182 14 Ibid, p.185 15

MONTEIRO, Adriana Carneiro; BARRETO, Gley Porto;OLIVEIRA, Isabela Lima de; ANTEBI, Smadar. Minorias étnicas, lingüísticas e religiosas. Disponível em: www.dhnet.org.br . Acesso em: 25. Nov.2011.

16

Ibid.

17

Ibid.

18

MONTEIRO, Adriana Carneiro; BARRETO, Gley Porto;OLIVEIRA, Isabela Lima de; ANTEBI, Smadar. Minorias étnicas, lingüísticas e religiosas. Disponível em: www.dhnet.org.br . Acesso em: 25. Nov.2011.

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de solidariedade, dirigido à preservação de sua cultura, de suas tradições, religião ou língua.

Podemos sugerir que faça parte da definição A comunidade internacional constitui uma unidade natural e espontânea onde a vida do individuo coincide com a vida em conjunto na unidade, o qual não poderá conviver à margem do grupo 19

Cabe aqui salientar que há duas definições para caracterizar minorias, envolvendo as concepções sociológica e antropológica.

Segundo Moonen20 “na sociologia o termo minoria normalmente é um conceito puramente quantitativo que se refere a um subgrupo de pessoas que ocupa menos da metade da população total e que dentro da sociedade ocupa uma posição privilegiada, neutra ou marginal”.

No aspecto antropológico, por sua vez, a ênfase é dada ao conteúdo qualitativo, referindo-se a subgrupos marginalizados, ou seja, minimizados socialmente no contexto nacional, podendo, inclusive, ser uma maioria em termos quantitativos. 21

Segue abaixo uma posição da Fé Bahá’í sobre as minorias, explanada pelo Guardião desta Fé, Shoghi Effendi, que diz:

Discriminar contra qualquer raça por estar ela atrasada socialmente, imatura politicamente e numa minoria numericamente, é violação flagrante do espírito que anima a Fé de Bahá'u'lláh. O reconhecimento de qualquer divisão ou partição em suas fileiras é alheio a seu próprio propósito, seus próprios princípios e ideais. Uma vez que seus membros hajam reconhecido plenamente a pretensão de seu Autor e, identificando-se com sua Ordem Administrativa, tenham aceito sem reservas os princípios e leis incorporados em seus ensinamentos, deve ser automaticamente obliterada toda diferenciação de classe, credo ou cor, jamais sendo permitido, sob pretexto algum, por maior que seja a pressão de acontecimentos ou de opinião pública, que ela ressurja. Se há alguma discriminação que deva ser tolerada, não deveria ser contra, mas sim, a favor da minoria, seja racial ou outra. Diferente das nações e povos da Terra – quer sejam do Oriente ou do Ocidente, democráticos ou autoritários, comunistas ou capitalistas, pertencentes ao Velho Mundo ou ao Novo – os quais ou desatendem ou espezinham ou extirpam as minorias, quer racial, religiosa ou política, dentro da esfera de sua jurisdição, toda comunidade organizada alistada sob o estandarte de Bahá'u'lláh deve considerar que é sua primeira e inescapável obrigação nutrir, encorajar e salvaguardar toda minoria pertencente a qualquer fé, raça, classe ou nação em seu seio. 22

19 Ibid. 20 Ibid. 21 Ibid. 22

(20)

2.2 DIVERSIDADE E LIBERDADE RELIGIOSA

ROSA MARIA GODOY SILVEIRA (et al)23 em artigo intitulado “Diversidade Religiosa e Direitos Humanos” ressalta que desde tempos remotos na história, dos inícios da presença humana na Terra, os seres humanos têm buscado respostas para o enigma da sua própria existência e da criação do Universo como um todo, bem como do sentido da vida terrena e após a morte. Salienta que nessa busca, o humano criou formas de comunicação e linguagem, inventou e aprimorou tecnologias e produziu os mais variados tipos de conhecimentos, como o religioso, o artístico, o filosófico e o científico, entre outros.

Assim, prossegue a autora, os seres humanos condicionados por fatores genéticos, geográficos, culturais e sociais perceberam-se como seres finitos e inconclusos em um mundo que se impõe em constante ameaça (caos). Mas, ao mesmo tempo, descobriram-se como seres de transcendência, não determinados pelo mundo, pois, pelas ações e relações, produziam inúmeras possibilidades para sua sobrevivência.

Na raiz da finitude humana está, portanto, a transcendência; é na busca e na descoberta de respostas que transcendem os seus próprios limites, que o humano (re)orienta seu sentido sobre a vida, deparando-se também com algo maior, indescritível e indefinível: o mistério/sagrado. Ele comporta o oculto, o invisível, que costura os fatos pelo lado de dentro. Retrata o encontro do homem consigo mesmo e com o mundo. E neste encontro, ocorre um processo de significação.

Aduz ALMEIDA 24 (1995, p. 53) para esclarecer que o termo sagrado pode ser compreendido como uma “[...] relação de significados com o conjunto da existência; relação esta que é mediatizada, mas é também transcendente. Nós captamos esse

23

SILVEIRA, Rosa Maria Godoy; OLIVEIRA, Lilian Blanck de; RISCKE-KOCH, Simone; CECHETTI, Élcio. Diversidade Religiosa e Direitos Humanos. Disponível em:

www.redhbrasil.net/...on.../mod_3_3.3.6_diver_religiosa_rosa.pdf. Acesso em: 19 de outubro de 2011.

24

ALMEIDA, 1995, p. 53 apud SILVEIRA, Rosa Maria Godoy; OLIVEIRA, Lilian Blanck de; RISCKE-KOCH, Simone; CECHETTI, Élcio. Diversidade Religiosa e Direitos Humanos. Disponível em:

(21)

significado por meio de elementos materiais, mas sabemos que o sagrado não se reduz a esses elementos.

Desse modo, prossegue ROSA MARIA GODOY SILVEIRA, no terreno da busca religiosa, a humanidade já construiu e continua construindo diferentes e múltiplas respostas à problemática da criação e da existência. De buscas e respostas se originam diferentes concepções sobre a(s) divindade(s), enquanto figura(s) ou fonte(s) da criação, em torno do qual se organizam um conjunto de crenças, mitologias, doutrinas ou formas de pensamento relacionadas com a esfera do sobrenatural, divino, sagrado e transcendental, além de rituais e códigos morais.

Prossegue a autora, as religiões, portanto, fazem parte da cultura humana, presentes em todos os povos, em todas as épocas históricas. Nesse sentido, embora diferentes, todas têm algo em comum: a busca de uma relação com o mundo metafísico.

Esclarece, todavia, que ao longo da história, infelizmente, a convivência dos seres humanos, dos grupos sociais, das várias sociedades, com outros seres humanos, ou seja, com o Outro, nem sempre foi pacífica. A intolerância se expressa diante de várias diversidades: de gênero, de etnia, de geração, de orientação sexual, de padrão físico-estético, e, também, de religião/religiosidade.

Destaca que a intolerância religiosa pode causar espanto, mas muitos conflitos e guerras violentas foram e ainda são travados em nome de uma determinada crença religiosa ou de outra. Este é um problema extremamente complexo porque tais confrontos, costumeiramente, não carregam motivações exclusivamente religiosas, mas a estas se somam razões de ordem econômica, social, política, cultural, variáveis a cada experiência histórica.

E conclui que é no exercício do diálogo com o diferente, que o ser humano gesta a possibilidade de se flagrar também um diferente e um Outro, diante de alguém Outro. Dialogar não é falar do Outro, sobre o Outro, dialogar é prioritariamente falar com o Outro. Assim, diante de uma realidade caracterizada pela diversidade religiosa, não há mais condições de uma perspectiva de entrincheiramento, de fixação num único itinerário, sem se dar conta das complexidades, contribuições e desafios de outros caminhos. A abertura ao Outro, a permeabilidade para a dinâmica da relação, do

(22)

(re)conhecimento das diferenças, como enriquecimento do singular nas pluralidades, aparecem na atualidade como passagens imprescindíveis para a construção das identidades, autonomia e cidadania.

O diálogo, portanto, é um espaço de interação e educação, que provoca e encaminha a libertação comunitária. Nesse exercício, saberes são socializados, revendo situações, limites, posturas, decisões, em um movimento que atinge, emociona, desaloja e desafia o individual e o coletivo, onde o objetivo e o subjetivo se casam numa dança em que o corpo expressa o conflito e o desejo do surgimento de uma nova consciência, um novo passo. Nesse lugar de encontros, “não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que em comunhão buscam saber mais”25 homens e mulheres que, na (re)apropriação de suas palavras e sentidos, vão sendo mais, conhecendo-se e reconhecendo-se sujeitos e agentes da e na história.

2.3 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E A LIBERDADE RELIGIOSA E DE EXPRESSÃO

Segue abaixo, os artigos 18º e 19º da Declaração Universal Dos Direitos Humanos26, uma vez que estes são fundamentais para garantir a fundamentação pautada neste trabalho:

Artigo XVIII

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Artigo XIX

25

FREIRE, 1987, p. 81 apud SILVEIRA, Rosa Maria Godoy; OLIVEIRA, Lilian Blanck de; RISCKE-KOCH, Simone; CECHETTI, Élcio. Diversidade Religiosa e Direitos Humanos. Disponível em:

www.redhbrasil.net/...on.../mod_3_3.3.6_diver_religiosa_rosa.pdf. Acesso em: 19 de outubro de 2011.

26

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponível em:

http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em: 7 de novembro de 2011.

(23)

Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

As atuais concepções de direitos humanos fundamentais, de acordo com Moraes27 “surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosófico-jurídicos, das idéias surgidas com o cristianismo e com o direito natural”, e que ainda segundo Moraes essas idéias tinham um ponto em comum no que ele relata ser “a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporâneo” e que também “a previsão dos direitos humanos fundamentais direciona-se basicamente para a proteção à dignidade humana em seu sentido mais amplo”.

Em relação ao histórico da Declaração Universal dos Direitos Humanos, Comparato28 expõe que durante a sessão de 16 de fevereiro de 1946 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, ficou assentado que a Comissão de Direitos Humanos, que viria a ser criada, teria três etapas para desenvolver seus trabalhos. Na primeira etapa, o autor observa que “incumbir-lhe-ia elaborar uma declaração de direitos humanos, de acordo com o disposto no artigo 55 da Carta das Nações Unidas”. Logo após, “dever-se-ia produzir, no dizer de um dos delegados presentes àquela reunião, 'um documento juridicamente mais vinculante do que uma mera declaração' ” documento esse, que poderia ser um tratado ou convenção internacional. Portanto, o autor utilizando-se, das palavras do mesmo delegado, relata que “seria preciso criar 'uma maquinaria adequada para assegurar o respeito aos direitos humanos e tratar os casos de sua violação'”.

A primeira etapa foi concluída pela Comissão de Direitos Humanos em 18 de junho de 1948, com um projeto de Declaração Universal de Direitos Humanos, aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro do mesmo ano. Ainda de acordo com Comparato, a segunda etapa do desenvolvimento da criação

27

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 19-22.

28

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 6a ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 225 – 226.

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da Comissão em Direitos Humanos completou-se em 1966, devido a aprovação de dois Pactos, um sobre direitos civis e políticos, e outro sobre direitos econômicos, sociais e culturais. Antes disso, porém, o autor relata que a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou várias convenções sobre direitos humanos.

A terceira etapa para o autor consiste na criação de mecanismos capazes de assegurar a universal observância desses direitos, mas ainda não foi completada. “Até o momento, o que se conseguiu foi instituir um processo de reclamações junto à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, objeto de um protocolo facultativo, anexo ao Pacto sobre direitos civis e políticos.” Para Moraes29 a proclamação da resolução número 217 A (III) pela Assembléia Geral das Nações Unidas em dez de dezembro de 1948:

[...] reafirmou a crença dos povos das Nações Unidas nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, visando à promoção do progresso social e à melhoria das condições de vida em uma ampla liberdade.

Comparato30 ressalta que a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi escrita sob o impacto das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, e com omissão a qualquer referência a União Soviética e aos vários abusos cometidos pelas potências ocidentais. Além disso, o autor ressalta também que nem todos os membros das Nações Unidas naquele período compartilhavam por inteiro as idéias expressas no documento: “embora aprovado por unanimidade, os países comunistas (União Soviética, Ucrânia e Rússia Branca, Tchecoslováquia, Polônia e Iugoslávia), a Arábia Saudita e a África do Sul abstiveram-se de votar.”

De qualquer maneira, a Declaração, trazendo novamente os ideais da Revolução Francesa, para Comparato “representou a manifestação histórica de que se formara, enfim, em âmbito universal, o reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens, como ficou consignado em seu artigo I”. A materialização desses ideais em direitos efetivos, como mencionado na

29

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 36.

30

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 6a ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 225 – 226.

(25)

disposição introdutória da Declaração, “far-se-á progressivamente, no plano nacional e internacional, como fruto de um esforço sistemático de educação em direitos humanos.”

Com a intenção de esclarecer e justificar o fundamento dos direitos humanos, muitas teorias foram criadas, dentre elas, Moraes31 destaca a teoria jus naturalista, a teoria positivista e a teoria moralista ou de Perelman.

Assim sendo, a teoria jus naturalista, segundo Moraes “fundamenta os direitos humanos em uma ordem superior universal, imutável e inderrogável.”, portanto, conforme o item I.1 da Declaração e Programa de Ação de Viena, que foi adotada através de consenso pela Conferência Mundial dos Direitos Humanos no dia 25 de junho de 1993, destaca-se que “os direitos humanos e liberdades individuais são direitos naturais de todos os seres humanos; sua proteção e promoção são responsabilidades primordiais dos governos”. No que se refere à teoria positivista Moraes afirma que diferentemente da jus naturalista ela:

[...] fundamenta a existência dos direitos humanos na ordem normativa, enquanto legítima manifestação da soberania popular. Desta forma, somente seriam direitos humanos fundamentais aqueles expressamente previstos no ordenamento jurídico positivado.

O que fica evidente na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU que anuncia a necessidade dos direitos da pessoa humana serem “protegidos pelo império da lei, para que a pessoa não seja compelida, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão”.

A teoria moralista e de Perelman, conforme Moraes32 destaca que essa teoria “encontra fundamentação dos direitos humanos fundamentais na própria experiência e consciência moral d e um determinado povo, que acaba por configurar o denominado espiritus razonables”.

A incomparável importância dos direitos humanos fundamentais não consegue ser explicada por qualquer das teorias existentes, que se mostram insuficientes. Na realidade, as teorias se completam, devendo coexistir, pois somente a partir da formação de uma consciência social (teoria de Perelman), baseada

31

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 34.

32

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 34-35.

(26)

principalmente em valores fixados na crença de uma ordem superior, universal e imutável (teoria jus naturalista) é que o legislador ou os tribunais (esses principalmente nos países anglo saxões) encontram substrato político e social para reconhecerem a existência de determinados direitos humanos fundamentais como integrantes do ordenamento jurídico (teoria positivista). O caminho inverso também é verdadeiro, pois o legislador ou os tribunais necessitam fundamentar o reconhecimento ou a própria criação de novos direitos humanos a partir de uma evolução de consciência social, baseada em fatores sociais, econômicos, políticos e religiosos.

A necessidade de conexão e ligação da teoria jus naturalista e da positivista para a eficácia dos direitos humanos fundamentais pode ser encontrada no preâmbulo da Constituição francesa de três de setembro de 1791, no que afirma “O povo francês, convencido de que o esquecimento e o desprezo dos direitos naturais do homem são as causas das desgraças do mundo, resolveu expor, numa declaração solene, esses direitos sagrados e inalienáveis”.

A necessidade de proteção e efetivação dos direitos humanos no cenário internacional tornou possível o aparecimento no direito internacional público uma disciplina independente nomeada Direito Internacional dos Direitos Humanos que tem como finalidade tornar concreta a eficácia dos direitos humanos fundamentais, segundo Moraes33 “por meio de normas gerais tuteladoras de bens da vida primordiais (dignidade, vida, segurança, liberdade, honra, moral entre outros) e previsões de instrumentos políticos e jurídicos de implementação dos mesmos”.

O aperfeiçoamento da proteção dos direitos humanos fundamentais em títulos de contratos internacionais começou há pouco tempo. Primeiramente iniciou-se com declarações internacionais, mas sem caráter-vinculativo, para posteriormente tornar-se tratados internacionais, esses, com o objetivo de obrigação perante seus Estados signatários o cumprimento de suas normas.

Na arena internacional, para Moraes34 a mais importante conquista dos direitos humanos fundamentais foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem ratificada em Paris em dez de dezembro de 1948. “Até a fundação das Nações Unidas em 1945, não era seguro afirmar que houvesse, em direito internacional público,

33

MORAES, loc.cit.

34

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 36.

(27)

preocupação consciente e organizada sobre o tema dos direitos humanos”35. Em relação à criação da Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948, Moraes ainda expõe que:

Foi elaborada a partir da previsão da carta da ONU de 1944, que em seu artigo 55 estabeleceu a necessidade dos Estados-partes promoverem a proteção dos direitos humanos, e da composição, por parte da Organização das Nações Unidas, de uma comissão dos Direitos Humanos, presidida por Eleonora Roosevelt, a Declaração Universal dos Direitos do Homem afirmou que o reconhecimento da dignidade humana inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, bem como que o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que as pessoas gozem da liberdade de palavra, de crença e de liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade tem sido a mais alta inspiração do homem comum.

Ao abordar-se tecnicamente a questão da força jurídica, segundo Comparato36 a Declaração Universal dos Direitos do Homem é uma recomendação que a Assembléia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros (Carta das Nações Unidas, artigo 10). Nessas circunstâncias, para o autor “costuma-se sustentar que o documento não tem força vinculante.” Foi por esse motivo segundo o autor que a Comissão de Direitos Humanos “concebeu-a originalmente, como uma etapa preliminar à adoção ulterior de um pacto ou tratado internacional sobre o assunto.”

Esse entendimento, prossegue o autor “peca pelo excesso de formalismo”. Atualmente no mundo reconhece-se “a vigência dos direitos humanos independente de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais”, porque o autor exemplifica “se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não”. E ressalta:

A doutrina jurídica contemporânea, de resto, como tem sido reiteradamente assinalado nessa obra, distingue os direitos humanos dos direitos fundamentais, na medida em que esses últimos são justamente os direitos

35

REZEK, 1996 apud MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral,

comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 36.

36

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 6a ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 226-228.

(28)

humanos consagrados pelo Estado mediante normas escritas. É óbvio que a mesma distinção há de ser admitida no âmbito do direito internacional.

Entende, assim, que, a par dos tratados ou convenções, o direito internacional é também formado pelos princípios gerais de direito e os costumes, como, por exemplo, declara o artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Portanto, para o autor os direitos definidos na Declaração de 1948 referem-se, integralmente, ao que o costume e os princípios jurídicos internacionais reconhecem, atualmente, como normas imperativas de direito internacional geral.

Assim sendo, Comparato37 expõe que a própria Corte Internacional de Justiça assim tem entendido, por exemplo, ao julgar, em 24 de maio de 1980, o caso dos funcionários da embaixada norte-americana em Teerã que foram transformados em reféns, a Corte declarou que a privação indevida de seres humanos de sua liberdade, e o fato de sujeitá-los ao sofrimento por constrangimentos físicos “é, em si mesmo, incompatível com os princípios da Carta das Nações Unidas e com os princípios fundamentais enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.”

Inegavelmente, Comparato pontua que a Declaração Universal de 1948 representa a culminância de um processo ético que teve seu início e embasamento na Declaração de Independência dos Estados Unidos e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, e ainda da Revolução Francesa, segundo o autor levou ao reconhecimento da igualdade essencial de todo ser humano em sua dignidade de pessoa, isto é, como fonte de todos os valores, independentemente das diferenças, sejam elas, conforme o artigo II, de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. E esse reconhecimento universal da igualdade humana só foi possível segundo Comparato quando, ao término da Segunda Guerra Mundial, “percebeu-se que a idéia de superioridade de uma raça, de uma classe social, de uma cultura ou de uma religião, sobre todas as demais, põe em risco a própria sobrevivência da humanidade.”

Oportuno salientar que a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou dois pactos internacionais de direitos humanos em 16 de dezembro de 1966, pactos esses,

37

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 6a ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 226-228.

(29)

que desenvolveram minuciosamente o conteúdo da Declaração Universal de 1948: O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Ao primeiro deles segundo Comparato38 foi anexado um Protocolo Facultativo, que atribuía ao Comitê de Direitos Humanos, criado por aquele Pacto, “competência para receber e processar denúncias de violação de direitos humanos, formuladas por indivíduos contra qualquer dos Estados-Partes.”

Segundo Comparato “completava-se, assim, a segunda etapa do processo de institucionalização dos direitos do homem em âmbito universal e dava-se início à terceira etapa”, etapa essa, segundo o autor, “relativa à criação de mecanismos de sanção às violações de direitos humanos”. Nesses mecanismos, entretanto, a atuação do Comitê de Direitos Humanos limita-se aos direitos civis e políticos, “sem que ele tenha poderes para formular um juízo de condenação do Estado responsável pela violação desses direitos”. Além disso, em oposto ao que fora estipulado na Convenção Européia de Direitos Humanos de 1950, a competência do Comitê para receber e processar denúncias, mesmo quando formuladas por Estados-Partes, “depende do reconhecimento expresso do Estado apontado como violador dos direitos humanos”.

Comparato39 ainda relata que a criação de “dois tratados e não um só, compreendendo o conjunto dos direitos humanos segundo o modelo da Declaração Universal de 1948, foi o resultado de um compromisso diplomático”. Ainda de acordo com o autor:

As potências ocidentais insistiam no reconhecimento, tão-só, das liberdades individuais clássicas, protetoras da pessoa humana contra os abusos e interferências dos órgãos estatais na vida privada. Já os países do bloco comunista e os jovens países africanos preferiam pôr em destaque os direitos sociais e econômicos, que têm por objeto políticas públicas de apoio aos grupos ou classes desfavorecidas, deixando na sombra as liberdades individuais.

Decidiu-se, por essa razão, no entendimento de Comparato pela separação dessas duas séries de direitos em diferentes tratados, limitando-se a fiscalização do Comitê de Direitos Humanos unicamente aos direitos civis e políticos, e declarando-se que os direitos que têm por objeto programas de ação estatal seriam realizados de

38

Ibid, p. 279.

39

(30)

forma progressiva, “‘até o máximo dos recursos disponíveis’ de cada Estado (Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, art. 2, alínea 1).”

Essa divisão do conjunto dos direitos humanos em dois Pactos distintos para Comparato40 “é, em grande medida, artificial”, pois:

Temos, assim, que o direito a autodeterminação dos povos é reconhecido, de forma idêntica, no art. 1 de ambos os Pactos, o mesmo sucedendo com o direito de sindicalização (art. 22 do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos e art. 8 do Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais). De qualquer forma, os redatores estavam bem conscientes de que o conjunto dos direitos humanos forma um sistema indivisível, pois o preâmbulo de ambos os Pactos é idêntico. A unidade essencial do sistema de direitos humanos foi, aliás, afirmada pela Resolução n. 32/120 da assembléia Geral da ONU, em 1968, e confirmada pela Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993, na Declaração de Viena [...].

Comparato ainda pontua que é necessário entender que os Pactos Internacionais de 1966 vêm de antes da histórica terceira etapa de reconhecimento dos direitos humanos, qual seja, tornou sagrado o respeito aos direitos da humanidade. Direitos esses, como o direito de acesso aos recursos do fundo marinho, direitos à preservação do meio ambiente e do patrimônio cultural da humanidade.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 (conforme Anexo C) dedica o seu artigo primeiro ao direito da autodeterminação dos povos, priorizando a defesa pela independência dos povos coloniais em segundo ao direito a soberania nacional sobre todos os recursos naturais disponíveis em seu território. Tais princípios demonstram uma consciência global sobre a necessidade de superação do colonialismo e imperialismo.

Segundo Crawford41 a grande dificuldade em relação ao direito de autodeterminação dos povos “reside, justamente, na exata definição do que seja um povo, como titular desse direito”, ou seja, “povo é uma ‘context-dependent notion’, que representa uma categoria insuscetível de definição abstrata: o seu sentido só se precisa

40

Ibid., p.281.

41

CRAWFORD, 1993 apud COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 6a ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.286, grifo do autor.

(31)

no contexto da declaração onde a palavra é empregada.”

Observa-se que a significação do termo começou a ser demarcado a partir de 1945, diferentemente da noção de minorias. Segundo Comparato42 “esse último termo, [...] passou a designar grupos incluídos em uma sociedade organizada sob a forma de Estado, os quais não têm necessariamente vocação para a independência.”

Conforme o artigo segundo e terceiro do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 (conforme Anexo C) tais artigos acrescidos do artigo vigésimo sexto exibem o princípio da igualdade indispensável a todos os seres humanos junto com o princípio de dignidade no domínio de todas as pessoas. Para Comparato “[...] trata-se de direitos comuns a todos os seres humanos, a despeito das diferenças que possam entre eles existir [...].”

Entende-se, pela linha de pensamento de Comparato que a discriminação, costumeiramente fundada em tradições culturais em relação ao gênero, como por exemplo, em relação à irracional idéia de que mulher é inferior ao homem; identidade de gênero no caso das pessoas trangêneras e também por orientação no caso dos gays, lésbicas e bissexuais, manifestam a recusa do direito a diferença que é a negação do reconhecimento e respeito dos dados biológicos e culturais que compõem o universo dessa população.

Comparato43 discorre que para o sistema de direitos humanos, “a distinção entre desigualdades e diferenças é de capital importância”. Para o autor a desigualdade atribui-se a “situações em que indivíduos ou grupos humanos acham-se juridicamente, uns em relação aos outros, em posição de superioridade-inferioridade”, o que resulta na rejeição da “igualdade fundamental de valor ético entre todos os membros da comunhão humana”. Portanto, entende-se que a concepção de desigualdade constitui em todos os momentos a negação da dignidade de uns contrapostos a outros. As

42

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 6a ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.287.

43

(32)

diferenças segundo o autor são ao contrário das desigualdades, “manifestações da rica complexidade do ser humano”.

Em todo o curso da História, e em todos os lugares, porém, os indivíduos ou grupos diferentes sempre foram vistos com suspeita, ou tratados com desprezo; ou seja, na raiz de toda desigualdade encontramos uma diferença, quer biológica, quer cultural, quer meramente patrimonial.

Comparato em citação a Teilhard de Chardin acredita que a humanidade “se enriquece pela união de suas diferenças” relacionando que sem a existência de sexos, raças ou culturas distintas, a humanidade deixaria de ter toda a sua competência evolutiva e de criação, portanto, para o autor, “enquanto as desigualdades devem ser perpetuamente combatidas, as diferenças, quando não contrárias à dignidade humana, hão de ser estimuladas e apoiadas”. O autor reconhece a existência de fatos freqüentes que representam grandes ameaças a pessoa humana, ameaças essas oriundas de costumes sociais ou tradições religiosas44.

Os artigos vigésimo sexto e vigésimo sétimo do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 (conforme Anexo C) tratam diretamente da discriminação, sendo essa, entendida como “toda distinção, exclusão, restrição ou preferência” conforme relatado na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965, a qual, enquanto instrumento com força legal, passou a ter efeito a partir de janeiro de 1969, estimula a eliminação de todas as formas de discriminação baseadas nas diferenças de raça, sexo, dados culturais ou situação econômica.

O artigo vigésimo sexto segundo a interpretação de Comparato prevê que a discriminação viola o princípio da igual dignidade de todo ser humano, independente de quaisquer diferenças individuais ou grupais, enquanto que a desigualdade referida no artigo vigésimo sétimo “implica na violação do chamado ‘direito a diferença’, que nada

44

(33)

mais é o direito ao reconhecimento da própria identidade cultural.”45

Na abordagem desse tema Comparato salienta que devem ser observadas várias convenções internacionais aprovadas pelas Nações Unidas:

[...] a de 21 de dezembro de 1965, sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial; a de 30 de novembro de 1973, sobre a supressão e punição do crime de apartheid; e a convenção de 18 de dezembro de 1979, sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra mulheres.46

De acordo com a concepção de minorias por Rouland47 o autor observa que “nunca se pode esquecer a sua ação desestabilizadora do regime político, quando os seus direitos não são reconhecidos e protegidos”.

Comparato48 (grifo do autor) observa que “o Pacto não define o conceito de minoria”, redigido no artigo vigésimo sétimo. Esse esclarecimento da noção de minoria somente foi exposto em um relatório da Subcomissão de lutas contra as medidas discriminatórias aprovado em 1977 ao qual “incluem-se algumas notas específicas, de natureza objetiva ou subjetiva.” Ainda segundo o autor:

Quatro são os critérios conceituais de natureza objetiva para o reconhecimento de uma minoria populacional. O Primeiro deles é a existência, no seio da população de um Estado de grupos que se distinguem por características étnicas, religiosas ou lingüísticas estáveis, nitidamente diferentes das que prevalecem no restante da população. O segundo critério, decorrente do próprio sentido literal do termo, é de ordem numérica: tais grupos não devem constituir a maioria da população. Em terceiro lugar, porém, a noção de minoria discriminada pressupõe o fato político de que tais grupos não se encontram em situação de poder na sociedade: a proteção exigida pela norma do art. 27 não diz respeito, como é óbvio, às minorias oligárquicas. Em quarto e último lugar, a discriminação violadora desse direito humano supõe que discriminadores e discriminados pertencem ao mesmo Estado.

45

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 6a ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 323.

46

COMPARATO, op.cit., p. 323.

47

ROULAND, 2004 apud COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 6a ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 323-324.

48

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 6a ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.324.

(34)

Comparato além de enumerar os quatro conceitos de natureza objetiva para o reconhecimento de uma minoria populacional pelas Nações Unidas, ele enumera que o critério subjuntivo para o reconhecimento de uma minoria, o mesmo deve manifestar inequivocamente, “o desejo de preservar sua identidade cultural”. Entretanto, como observado no relatório de 1977 acima referido, “essa manifestação de vontade coletiva pode e deve ser inferida, [...] do fato de que o grupo minoritário conservou durante um tempo razoavelmente longo as suas características culturais próprias, que o diferenciam do restante da população.”49

A Assembléia Geral da ONU em referência ao tema acabou aprovando em 18 de dezembro de 1992 a Declaração sobre os Direitos de Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais, ou Étnicas, Religiosas ou Lingüísticas.

2.4 COMUNIDADE INTERNACIONAL E ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS: UMA BREVE DEFINIÇÃO

Sendo elementos importantes deste trabalho, cabe uma breve e sucinta definição destes temas, com o fim de observar um conhecimento introdutório.

Segundo Odete Maria de Oliveira, registrou-se um debate na década de quarenta, que se prolongou ate a década de cinqüenta, sobre a distinção entre comunidade internacional e sociedade internacional. 50

A comunidade internacional constitui uma unidade natural e espontânea onde a vida do individuo coincide com a vida em conjunto na unidade, o qual não poderá conviver à margem do grupo. A comunidade contempla uma forma de ser do individuo nela incorporado. Na comunidade, o individuo pertence. Já quanto a definição de sociedade internacional a autora diz que a sociedade apresenta-se como uma

49

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 6a ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 324-325.

50

OLIVEIRA, Odete Maria. Relações Internacionais: estudos de introdução. Editora Juruá: Curitiba, 2004. p. 130.

(35)

unidade, de certa forma, artificial, onde não ocorre a necessidade lógica de viver em conjunto, pois o viver individual precede o conviver comunitário. A sociedade contempla uma forma de estar, onde o individuo apenas participa. A comunidade forma uma integração, enquanto que a sociedade é estabelecida pela soma das partes. Na comunidade regem valores convergentes, éticos, comuns. Na sociedade, valores divergentes, primam a legislação, a convenção, o normatizado. 51

Dentro do contexto de comunidade internacional, encontramos uma definição de sociedade civil global a partir das autoras Monica Hertz e Andrea Ribeiro Hoffmann, que invoca a existência ou o processo de desenvolvimento de uma sociedade civil que se estenda por todo o globo, ou seja, que perpasse as fronteiras dos estados. 52

Comunidade Internacional pode ser entendida também como o universo do relacionamento internacional, que, na percepção tradicional da doutrina, envolvia apenas os Estados, abrange na atualidade um rol variado de atores, que inclui também as organizações internacionais e organizações não-governamentais. 53

No conceito da Fé Bahá`í a formação de uma comunidade mundial, a percepção do conceito de cidadão do mundo e a fundação de civilização e cultura mundiais devem ser consideradas, em virtude de sua própria natureza, no que diz respeito à vida neste planeta, como os limites extremos na organização da sociedade humana, embora o homem como individuo possa, ou melhor, deva, em conseqüência de tal consumação, continuar indefinidamente a progredir e desenvolver-se. 54

Ainda este conceito sugere uma comunidade mundial em que todas as barreiras econômicas seriam permanentemente demolidas, e definitivamente reconhecida à interdependência do Capital e do Trabalho; em que o clamor do fanatismo religioso e das lutas religiosas teria sido silenciado para todo o sempre; em que a chama da animosidade racial teria sido finalmente extinta; em que um código único de direito internacional - produto do juízo ponderado dos representantes federados do mundo - teria como sua sanção a intervenção imediata e coercitiva das

51

OLIVEIRA, op. cit, p. 130.

52

HERTZ, Monica. HOFFMANN, Andrea Ribeiro. Organizações Internacionais: Historia e Praticas. Editora Elsevier: Rio de Janeiro, 2004. p. 223.

53

RASCUNHO JURÍDICO. Disponível em: http://rascunhojuridico.wordpress.com/2011/04/03/conceito-e-sujeitos/ Acesso em: 25 nov 2011.

54

(36)

forças combinadas das unidades federadas; e, finalmente, uma comunidade mundial em que a fúria de um nacionalismo caprichoso e militante teria sido transmutada numa consciência permanente da cidadania mundial. 55

Em relação a Organizações Internacionais encontramos nas ponderações de Hertz e Hoffmann, que Organizações Intergovernamentais Internacionais (OIG), formadas por Estados, ou Organizações Não-Governamentais Internacionais (ONGI), ambas são formas institucionalizadas de realizar a cooperação internacional. A rede de organizações internacionais faz parte de um conjunto maior de instituições que garantem uma certa medida de governança global. As autoras ainda afirmam que normas, regras, leis, procedimentos para a resolução de disputas, ajuda humanitária, a utilização de força militar, programas de assistência ao desenvolvimento, mecanismos para coletar informações são algumas das praticas que produzem a governança global.56

A respeito do assunto, Oliveira cita Esther Barbé, que refere-se às Organizações Internacionais como ‘’uma associação de Estados estabelecida mediante um acordo internacional por 3 ou mais Estados, para a realização de objetivos comuns, dotada com estrutura institucional e com órgãos permanentes, próprios e independentes dos Estados-membros.’’ 57

A autora ainda traz os ensinamentos de Manuel Medina que define Organizações Internacionais ‘’como todo grupo ou associação que se estende por cima das fronteiras de um estado e que adota uma estrutura orgânica permanente.’’ 58 Evidencia também, a contribuição do autor Philippe Manin, que percebe a Organização Internacional como uma ‘’entidade constituída pela vontade comum dos Estados, dotada de órgãos próprios, investidos de certa permanência e encarregada de cumprir as funções de tipo internacional que lhe são atribuídas por ato constitutivo.’’ 59

55

A CASA UNIVERSAL DE JUSTIÇA. A Promessa da Paz Mundial. Mogi Mirim. Ed. Bahá`í do Brasil, 1985. p. 23

56

HERTZ, Monica. HOFFMANN, Andrea Ribeiro. Organizações Internacionais: Historia e Praticas. Editora Elsevier: Rio de Janeiro, 2004. p. 17-18.

57

ESTHER BARBÉ apud OLIVEIRA, Odete Maria. Relações Internacionais: estudos de introdução. Editora Juruá: Curitiba, 2004. p. 210.

58

MANUEL MEDINA apud OLIVEIRA, Odete Maria. Relações Internacionais: estudos de introdução. Editora Juruá: Curitiba, 2004. p. 210.

59

PHILIPPE MANIN apud OLIVEIRA, Odete Maria. Relações Internacionais: estudos de introdução. Editora Juruá: Curitiba, 2004. p. 210.

(37)

3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

Para melhor contextualizar o tema pesquisado buscou-se descrever um breve histórico da Fé Bahá’í, informar sobre a posição do governo iraniano em relação às perseguições aos Bahá’ís, bem como demonstrar a posição do sistema da ONU e algumas de suas características, em relação à perseguição religiosa – ressaltando a aplicabilidade das normas internacionais aos crimes de perseguição, finalizando com a posição adotada pelo Brasil no contexto da defesa dos Direitos Humanos e da liberdade religiosa aos Bahá’ís no Irã e posteriormente, a visita ao Brasil da iraniana Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da paz e sua defesa aos Direitos Humanos.

3.1 UM BREVE HISTÓRICO DA FÉ BAHÁ’Í

A Fé Bahá’í é uma religião que tem sua origem no Irã, antiga Pérsia. Aparece no curso da história em meados do século XIX, tendo por fundador e profeta, Bahá’ú’lláh, um nobre persa nascido em Teerã em 1817.60

Esta religião, ainda desconhecida por muitos, tem sua origem no Islam61. Ela surge das tensões internas daquela religião, mas ao mesmo tempo ela é totalmente independente dos princípios Islâmicos. É importante se esclarecer que a religião Bahá’í não possui nenhuma ligação direta com os princípios do Islam, seus ensinamentos muitas vezes soam totalmente contrários aos ensinamentos islâmicos. O único fator de

60

FÉ BAHÁ’Í- comunidade Bahá’í do Brasil. Diponível em:www.bahai.org.br>acesso em: 12 outubro 2011.

61

Religião fundada por Maomé na Arábia no século VII que recebeu de Deus a revelação corânica. O corão ou Alcorão e o hardith (tradição do Profeta) formam a tradição (sunna), que serve de modelo imperativo aos muçulmanos. Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Ed. Universo, 1988, p. 3297.

(38)

coincidência é que ela nasce no berço do Islam e num período onde se acreditava que Maomé iria ressurgir.62

Para que se entenda o aparecimento desta nova religião é necessário que se volte um pouco no tempo. O Islam tem sua origem no mundo Árabe, e, como a maioria das grandes religiões, ao longo do tempo, foi se dividindo em diferentes seitas. A principal delas era a Shiah, que acreditava que através dos desejos do profeta

Muhammad, seus discípulos, chamados de Imams, teriam herdado sua liderança

espiritual. Porém, a grande maioria dos muçulmanos, chamados de Sunni, criticavam estes seguidores, acreditando que era apenas necessário seguir a sunna - o caminho ou modo de se conduzir perante as leis e tradições impostas por Muhammad. 63

Após a morte de Muhammad, o mundo muçulmano começou a ser guiado por uma séria de dinastias escolhidas teoricamente pelo profeta, porém, eram representadas, na sua grande maioria, por famílias importantes e poderosas da época. A primeira dinastia foi dominada pelos Sunnis, através de duas famílias, os Umayyads e os Abbasids. Estes diziam que os Imams (Shiah) eram uma fonte de perigo para o mundo Islam. Assim, começou-se um extermínio dos Imams como forma de proteção à dinastia Sunni. Os primeiros a serem mortos foram os netos de Muhammad; Hasan e

Husayn. 64

Embora o Shiah Islâmico fosse perseguido no mundo árabe, ele foi muito bem aceito no Irã. Acreditava-se que os Imams eram lideres religiosos, e assim, a dinastia Shiah teve seu início na Pérsia. Porém, a linha de tradição Imam chegou a um fim no ano de 873 d.C. O último Imam, uma criança naquela época, foi escondida para não ter o mesmo destino de seus antecessores. Dessa maneira, acreditava-se que ele fosse ressurgir para anunciar um reino de justiça pelo mundo. 65

Durante um período de 69 anos, após o desaparecimento do último Imam, acreditou-se que ele teria mantido contato com seus seguidores através de uma série de representantes. Esses intermediários tinham o título de báb, que em árabe significa

A Porta, pois era a única maneira de contato com o último Imam. Até o ano de 941 d.C

62

HATCHER, William S.; MARTIN, J.Douglas. The Bahá’í Faith – The Emerging Global Religion. New york: Harper & Row, 1985, p.2.

63 Ibidem, p.3/4. 64 Idem, p.5. 65 Idem, p.5.

Referências

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