• Nenhum resultado encontrado

Futebol arte, discursos à parte : exame discursivo de três diferentes jornais e seus respectivos contratos e estratégias na cobertura da copa 2010 em um país de terceiro mundo.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Futebol arte, discursos à parte : exame discursivo de três diferentes jornais e seus respectivos contratos e estratégias na cobertura da copa 2010 em um país de terceiro mundo."

Copied!
136
0
0

Texto

(1)0. Universidade Federal de Ouro Preto Instituto de Ciências Humanas e Sociais Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos da Linguagem. FUTEBOL ARTE, DISCURSOS À PARTE Exame discursivo de três diferentes jornais e seus respectivos contratos e estratégias na cobertura da Copa 2010 em um país de Terceiro Mundo. Fernando França Mendanha.

(2) 1. FERNANDO FRANÇA MENDANHA. FUTEBOL ARTE, DISCURSOS À PARTE Exame discursivo de três diferentes jornais e seus respectivos contratos e estratégias na cobertura da Copa 2010 em um país de Terceiro Mundo. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras: Estudos da Linguagem da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem. Linha de Pesquisa: Tradução e Práticas Discursivas Orientador: Menezes. Mariana Agosto de 2012. Prof.. Dr.. William. Augusto.

(3) 2.

(4) 3. Ao meu pai e minha mãe, por me darem vida e todo sentido a ela; Ao meu avô, por ensinar-me que grandes histórias se narram com o coração; E a Karen, meu amor e minha companheira para as grandes histórias que a vida ainda nos reserva..

(5) 4. Agradecimentos. Pouco mais de dois anos se passaram e o sonho finalmente aparece próximo, transcrito em páginas e páginas de dissertação. E pensar que houve dias em que tudo pareceu distante, tão longo quanto os quase 300 km que desafiaram o mineiro do vale do aço para a terra do minério e das minas históricas. Seria um regresso? Não para quem faz do desafio o caminho para ousadia. Sim, foi preciso doses de ousadia ao tomar alguns passos atrás, para só depois entender a hora certa de novamente seguir adiante. E isso não se faz sem as benções e a proteção divina. Muitas foram as viagens, as preocupações, as noites em claro, as orações, as lágrimas e os inúmeros momentos de felicidade e alegria em que meu companheiro de todas as horas mostrava-me sua presença constante. Obrigado, meu Deus, por esse presente chamado mestrado em minha vida. Obrigado também por aqueles a quem escolheu como meus guias por esses caminhos da vida. Ao João e à Gabriela, que foram muito mais que meus pais: verdadeiros amigos, fomentadores de sonhos, treinadores e torcedores de uma conquista da qual também fazem parte. Aos meus irmãos Michele, Ricardo e Flávia, agradeço pelo incentivo e, principalmente, pela cobrança. Chata, é verdade, mas essencial para instigar a confiança e a vontade de surpreender ainda mais. Dos familiares, retribuo o carinho enorme recebido de todos, sempre, mesmo quando não entendiam ao certo o tamanho o desafio. Aos amigos, meu agradecimento por todos os votos de força e sucesso, juntamente com todos os momentos de ausência por causa dos estudos. A compreensão de ontem mostra que valeu a pena esperar para brindarmos melhor hoje, amanhã e em diversas outras ocasiões. De todos, alguns obrigados especiais: aos mestres do conhecimento e da vida, Sávio Tarso e Cássio Miranda, pelos conselhos sempre sábios; a Elisabeth Camilo, descobridora de revistas, de boas ideias e de atalhos no caminho da pesquisa; a Thisiany Oliveira, Vanessa Mendes, Juliano Mendes, Andrea Costa, Lílian Carneiro e Mariana Carvalho, pelo companheirismo de todas as horas; ao Boça e ao Giorgio, pela companhia e amizade; e à minha “irmã-gêmea” Alice Meira, pela coragem que me passa desde o primeiro dia em que nos falamos, pela reciprocidade, pelas conversas, pelas risadas, por abrir as portas da república e me acolher quando mais precisava. Obrigado por tudo..

(6) 5. À cidade de Mariana, pela simpatia e pelo prazer que foi morar aí por um ano. Ao Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto, pela oportunidade e pela qualidade do programa de pós-graduação. Ao meu mestre, professor e orientador William Menezes, um agradecimento enorme pelo interesse na pesquisa, pelas aulas e reuniões, pela confiança no meu trabalho e no meu potencial e, principalmente, pela paciência durante todo esse período. Aos “meus chefes” da Direta Comunicação, da Usiminas Mecânica, da Usiminas e da Fundação São Francisco Xavier, “operários da notícia”, companheiros de grandes momentos, verdadeiros mestres da comunicação. Forte abraço! E à Karen Amorim, por quem, mais que merecidamente, reservo todos os meus agradecimentos e sentimentos neste momento. Sua presença surgiu como presente de boasvindas no mestrado. Do encontro desses dois “peixes fora d‟água” no aquário das Letras, nasceu nossa união de afinidades, amizade, respeito, parceria, paixão, amor. Em terras históricas, fomos construindo nossa história, que agora ganha mais uma recente conquista. Ao meu amor, o desejo de compartilhar, analisar e produzir inúmeros outros discursos de felicidade sobre uma vida ainda inteira pela frente. Obrigado por tudo, hoje e sempre..

(7) 6. “Em nossa diversidade racial, em nosso idioma, em nossa religião e diversidade étnica, entre o fraco e o poderoso, nós somos um só, com um só destino.” Nelson Mandela.

(8) 7. Resumo. Em 2010, pela primeira vez, a Copa do Mundo FIFA de Futebol chegou ao continente mais pobre do planeta, na África do Sul, ganhando holofotes e despertando o imaginário de todo o mundo sobre o futebol e a cultura daquele país. Ao provocar sentimentos, avaliações, valores e discursos socioculturais tão distintos em relação às edições passadas do evento, o presente trabalho lança mão dos estudos da vertente Semiolinguística da Análise do Discurso, de Patrick Charaudeau, para uma abordagem específica. O objetivo desta pesquisa é apresentar e analisar recortes discursivos com viés político-sociocultural construídos por três jornais – Folha de S. Paulo, A Bola e Jornal dos Desportos – de três diferentes países – Brasil, Portugal e Angola, respectivamente, – nos meses de antecedência e realização da Copa, a fim de responder a questões: quais as estratégias utilizadas e os discursos construídos sobre a África do Sul? Aos olhos dos jornais, a África do Sul tornou-se o foco desse evento ou manteve-se uma perspectiva eurocêntrica, referindo-se a sede da competição como periferia do mundo desenvolvido? Para tanto, serão abordadas questões como construção do contrato comunicacional, estratégias discursivas e modos de organização do discurso, a fim de desvendar as finalidades discursivas dos textos que compõem o corpus de pesquisa.. Palavras-chave: África do Sul, futebol, Copa do Mundo FIFA, Semiolinguística, Contrato Comunicacional, estratégias discursivas e imaginários sócio-discursivos..

(9) 8. Abstract. For the first time, in 2010, FIFA World Cup arrived in the planet‟s poorest continent, the South Africa, and this place became the focus of the world, arousing the imagination of every side of the world about the football and the culture of this country. By the creation of so many different feelings, evaluations, values and socio-cultural discourses in relation to the past editions of the event, this paper makes use of the Semiolinguística studies, part of the Discourse Analysis‟ scope, applying the views of Patrick Charaudeau, for a specific approach. The purpose of this research is to present and analyze discursive clippings with a socialcultural-political aspect presented by three newspapers – Folha de S. Paulo, A Bola and Jornal dos Desportos – from three different countries – Brazil, Portugal and Angola, respectively – in the previous months of FIFA World Cup‟s happening, in order to answer to the following questions: what are the strategies applied and the discourses built about South Africa? From the standpoint of the newspapers, did South Africa become the focus of this event or what was remained was a Eurocentric perspective, referring to the headquarters of the competition as a periphery of the developed world? To achieve this answers, in this research it will be approached subjects like the communication contract, discursive strategies and modes of discourse organization, in order to uncover the discursive purposes of the texts that comprise the corpus of this research.. Keywords: South Africa, football, FIFA World Cup, Semiolinguística, Communication Contract, discursive strategies and socio-discursive imaginaries..

(10) 9. Sumário 1 – Introdução ............................................................................................................. 10 2 – Contextualização histórica ..................................................................................... 14 2.1 - O mundo da bola ..................................................................................... 14 2.2 - A África no mundo .................................................................................. 19 2.3 - O mundo na África do Sul ....................................................................... 27 3 – Referencial Teórico ................................................................................................ 33 3.1 - Comunicação na Pós-Modernidade ......................................................... 33 3.2 - O olhar contemporâneo da Análise do Discurso ..................................... 35 3.3 - Semiolinguística: uma análise discursiva ................................................ 37 3.4 - O lugar da argumentação na Semiolinguística ........................................ 41 3.5 - Estratégias discursivas ............................................................................. 42 3.6 - A organização do discurso ....................................................................... 44 3.7 - Sobre representações, estereótipos e imaginários ..................................... 47 3.8 - A questão da identidade ........................................................................... 50 4 – Metodologia e Análise do corpus ........................................................................... 54 4.1 - Tipo de pesquisa ...................................................................................... 54 4.2 – Fontes para constituição do material de pesquisa ................................... 56 4.3 - Procedimentos para constituição do corpus e análise de dados .............. 58 4.4 - Análises e discussão dos resultados ........................................................ 60 4.4.1 - Expectativas e impressões antes da Copa ................................. 61 4.4.2 - Aspectos econômicos antes da Copa ........................................ 74 4.4.3 - Expectativas e impressões durante a Copa ............................... 86 4.4.4 - Aspectos econômicos durante a Copa ....................................... 97 5 – Considerações finais ............................................................................................ 105. Referências bibliográficas .......................................................................................... 111 Anexos ....................................................................................................................... 118.

(11) 10. 1. Introdução. Os anos já não são mais os do período quinhentista e das caravelas de além-mar, e sim, os do tão aguardado século XXI. Mas nem por isso o mundo globalizado de hoje segue alheio a descoberta de “novas terras”, a novas formas de olhar e compreender os vários povos que o habitam. O exótico, o excêntrico, o diferente ou até mesmo o semelhante, ainda sim, são capazes de exercer fascínio, aflorar sentimentos e despertar curiosidades sobre as relações humanas em diversos lugares, encontros e eventos, principalmente por meio da linguagem. Em meio a essa diversa aldeia global, o presente trabalho embarca numa viagem com o expresso da bola mais famoso e conectado com todo o planeta dos últimos oitenta anos, chamado Copa do Mundo FIFA de Futebol, para uma análise de sua mais recente parada: o terceiro mundo. Após cinco competições seguidas em países de primeiro mundo – Itália 1990, Estados Unidos 1994, França 1998, Japão e Coreia do Sul 2002 e Alemanha 2006 – pela primeira vez, em 2010, a Copa do Mundo chegou ao continente mais pobre do planeta, trazendo holofotes da mídia de diversos países para a África do Sul. Com isso, o país de Nelson Mandela ganhou manchetes nos cinco continentes, despertando a curiosidade e o imaginário das pessoas sobre o futebol e a cultura do país-sede. O Mundial de 2010 provocou uma série de manifestações e discursos socioculturais, ao colocar em questão a relação de poder entre países ricos e em desenvolvimento, numa proximidade como pouco se vê. Em debate, a predominância – seja ela correta e justificada ou meramente superficial e errônea – ou a não-predominância de uma visão eurocêntrica e etnocentrista impressa por órgãos de comunicação de diversas partes do mundo em relação à nação sul-africana, tornando inevitáveis as comparações entre esta e a edição anterior do evento, na Alemanha. Assim sendo, os trabalhos partem de notícias publicadas em três diferentes veículos de comunicação, três grandes jornais de continentes e países diferentes – Folha de S. Paulo, do Brasil, A Bola, de Portugal e o Jornal dos Desportos, de Angola – e que têm em comum traços da tradição e a língua portuguesa. O objetivo central desta pesquisa é investigar as práticas discursivas dos periódicos citados no que tange a construção do discurso sobre a África do Sul enquanto país sede da Copa do Mundo FIFA, nos momentos finais de preparação e durante a realização do evento. Para isso, será apresentado um corpus a partir de.

(12) 11. matérias que privilegiam o viés esportivo, mas também o político, o econômico e o sociocultural, construídas por tais mídias na cobertura do torneio. Mais especificamente, o trabalho ainda buscará examinar, de forma contrastiva, os discursos predominantes sobre a África do Sul nos textos analisados e o posicionamento dos veículos de comunicação assinalados, a fim de comparar suas semelhanças e diferenças na tentativa de descobrir os olhares de representantes de três continentes sobre o país sede. Ao fazê-la, pretende-se também estudar os contratos comunicacionais dos referidos jornais, examinando as suas restrições e estratégias (legitimidade, credibilidade e captação) articuladas na organização do discurso. Em especial, desenvolver uma análise a partir de procedimentos pertencentes a três modos de organização do discurso (o modo descritivo, com a descrição e qualificação dos seres do mundo; o modo narrativo, com as narrativas que orientam condutas desses seres do mundo; o modo argumentativo, no que se refere aos valores e aos chamados procedimentos discursivos). Neste sentido, as análises focam sobre questões ainda em aberto, a fim de desvendar respostas para as seguintes perguntas: quais foram os discursos predominantes sobre a África do Sul antes e durante a Copa do Mundo de 2010? Quais estratégias de construção discursiva, em seus diferentes contextos, prevaleceram? Aos olhos desses representantes de continentes distintos, a África do Sul tornou-se o foco desse evento ou a visão que o mundo teve dela continuou sendo eurocêntrica, referindo-se a sede da competição como periferia do mundo desenvolvido? A escolha da abordagem da Copa do Mundo FIFA África do Sul 2010 e todo o contexto político que a envolve oferece a este pesquisador um estudo prazeroso sobre a globalização do esporte e da comunicação. Se há séculos a visão etnocêntrica europeia olhava para suas excolônias com certa perversidade, trabalhar com tais veículos – um sul-americano, um europeu e um africano, todos de tamanha relevância para a comunicação, contribui para pensar os “efeitos” dessa visão em relação à imagem do terceiro mundo nesta rede global hoje (HOBSBAWM, 2007, p.56). Principalmente se considerarmos as inúmeras transformações ocorridas nestes territórios nas últimas décadas. Inseridos em um mundo cada vez mais interdependente e reconfigurado, por conta do avanço do capitalismo e suas sucessivas crises pontuais, tais países agora são considerados não mais coadjuvantes, mas importantes atores globais. Atores estes que, segundo Hobsbawm (op. cit.), à medida que se desenvolvem e crescem economicamente, também passam a incorporar e a consumir de forma ainda mais.

(13) 12. incisiva, diversos produtos deste mundo capitalista interdependente e reconfigurado. A Copa do Mundo FIFA de futebol, como campeonato mais importante do esporte supostamente mais popular do planeta, nos serve como bom e peculiar exemplo para entender melhor esse fenômeno. A arte sempre será produto da imaginação de uma pessoa. O futebol é parte da comunidade, da economia, da estrutura política. É um microcosmo singular. (FOER apud GWERCMAN, 2004, p.1). O futebol é uma prova de que nada escapou da nova configuração mundial das últimas décadas. O avanço tecnológico com a globalização acentuou disparidades, mas também integrou povos, entrelaçou nações. As corporações privadas, grande parte patrocinadoras do futebol, passaram não só a impulsionar o desenvolvimento econômico, mas também a influenciar nas questões políticas. E alguns dos países entregues por décadas à pobreza e ao subdesenvolvimento, com a nova ordem econômica souberam, aos poucos, se ajustar nos trilhos do desenvolvimento, conquistando posição de maior relevância no cenário mundial, dentre eles, a África do Sul, o país sede da Copa em 2010. (HOBSBAWM, 2007, p.56) A pesquisa parte, então, do postulado de que os jornais, como publicações jornalísticas de massa e empresas de mercado, seguem seu ofício de comunicar baseados em uma dupla lógica de restrições e manobras, como argumenta Charaudeau (1996). Um jogo comunicativo no qual o jornalista tem o dever de informar, acrescentar um conteúdo apurado com clareza, legibilidade; e ainda a liberdade de escolha sobre como estruturar sua narrativa, da forma que achar mais conveniente e adequada para captar seu público-alvo, de acordo com suas intenções, dentre elas, a de fazer vender seu produto. É assim que a mídia, por meio de seus textos, se comunica e “encena”, ou seja, “utiliza componentes do dispositivo de comunicação”, seja a narrativa, a descrição ou a argumentação, “em função dos efeitos de sentido que pretende produzir em seu interlocutor” (CHARAUDEAU, 2009, p.68). É assim também que a mídia, de certa forma, mantém um papel importante na construção, desconstrução e ênfase de determinados saberes, crenças e representações sociais disseminadas na sociedade (MACHADO, 2001). O estudo será, portanto, relevante pela possibilidade de estudar o campo discursivo e a maneira como se constroem narrativas e se produzem significações. Contextualizar este fenômeno por meio da pesquisa científica ressalta a importância históricocomunicacional para o projeto de país que o Brasil deseja construir e transmitir ao mundo, ao.

(14) 13. se postar, após a África da Sul, como o país a sediar a Copa do Mundo de 2014. A presente pesquisa, além de evidenciar no campo do jornalismo esportivo e cultural uma significativa relevância para a comunicação, possibilita extrair elementos que venham refletir sobre a prática jornalística e apontar, criticamente, o que é válido ou não continuar sendo realizado. Abre caminhos para descobrir de que forma as narrativas contemporâneas contribuem para o jornalismo na pós-modernidade e como os atuais órgãos e meios de comunicação conseguem atender a essas questões e satisfazer seu público-alvo. Na tentativa de contextualizar tais fenômenos e responder a todos esses questionamentos, o estudo busca embasamento na vertente Semiolinguística da Análise do Discurso para trilhar pelos caminhos do Jornalismo, da História e da Sociologia. Um bom percurso para quem pretende excursionar, entender e desvendar os discursos que envolvem esta viagem especial à Copa do Mundo FIFA na África do Sul..

(15) 14. 2. Contextualização histórica "O futebol liga os homens no amor e no ódio. Faz que eles gritem as mesmas palavras e admirem e exaltem os mesmos heróis." (José Lins do Rego). 2.1. O mundo da bola Ele está nos campos de grama, de terra batida, de areia, de material sintético, nas ruas. Joga nos cinco continentes pelos pés de meninos, meninas, homens e mulheres que o renovam e fazem deste, não apenas o esporte mais popular do mundo, mas a expressão de uma paixão, de um modo de vida através da arte, como bem expressou o jornalista Armando Nogueira (1991, p.1). “Sou dos tempos em que o futebol brasileiro sabia refinar sua técnica, elevando-a às culminâncias da arte: o drible era poesia, o passe era prosa, o chute era êxtase e o gol, delírio pleno.” O futebol, ao longo de décadas, tornou-se um sentimento comum a milhares de pessoas em todo o mundo, capaz de ir além e transcender aos 90 minutos de um simples jogo com os pés e uma bola, como canta a música da banda Skank. Posso morrer pelo meu time Se ele perder, que dor, imenso crime Posso chorar, se ele não ganhar Mas se ele ganha, não adianta Não há garganta que não pare de berrar A chuteira veste o pé descalço O tapete da realeza é verde Olhando para bola eu vejo o sol Está rolando agora, é uma partida de futebol Quem não sonhou em ser um jogador de futebol? (ROSA e REIS, 1995, faixa 1. 2min e 31s.). Entender o porquê sobre o fascínio do planeta neste esporte foi um dos propósitos do jornalista norte-americano Franklin Foer, ao decidir escrever Como o futebol explica o mundo (2005). No livro, suas experiências em viagens por diversos países deixam claros os poderes simbólicos e culturais que o futebol exerce em diferentes povos. “Evidentemente, o futebol não é a mesma coisa que Bach ou o budismo. Mas frequentemente provoca um sentimento mais profundo que a religião e, tal como esta, é uma parte do tecido comunitário, um repositório de tradições (p.9)”. Seguindo esta linha de raciocínio, Nicolau Sevcenko (1994, p.35) evidencia que “o futebol se presta maravilhosamente para consolidar vínculos de identidade plenos de carga afetiva”..

(16) 15. Uma paixão que “irmana estranhos”, fazendo seus adeptos “comungarem ideais, objetivos e sonhos, consolidando gigantescas famílias vestindo as mesmas cores.” Disseminado em um mundo capitalista, seria (apenas) esta a base do sucesso de sua difusão mundo afora? Como esporte de equipe, ele exige talentos e reflexos individuais específicos, mas que só funcionam bem se harmonizados num conjunto ordenado, numa “solidariedade coletiva”. A complexidade de jogadas e de variáveis próprias do jogo, ora esperadas, ora imprevisíveis e imponderáveis, que cercam 22 atletas numa partida contribui para um cenário mítico em torno deste ritual da bola. Além disso, o jogador não precisa ser, de fato, extremamente alto, extremamente forte ou extremamente veloz. “Isso favorece ainda mais tanto a identificação do torcedor com o jogador, como a disposição de qualquer pessoa de praticar esse esporte”, que, para facilitar sua ação, chega a dispensar material esportivo específico e até adota a arte de improvisar para fazê-lo funcionar. Desde o campo, a até a bola, as traves e o uniforme, “com um mínimo de custos e um máximo de emoção e divertimento, além de algumas canelas escoriadas.” (SEVCENKO, 1994, p.36) Se buscarmos por registros passados, muito se diz sobre as origens e os relatos de jogos com a bola nos pés, praticado em diversas civilizações da humanidade ao longo dos tempos. O que a história recente, de fato, nos conta sobre o hoje popularmente conhecido futebol é que sua formatação como prática esportiva começou em 1848, na Inglaterra. Trata-se do aparecimento do Primeiro Regulamento de Cambridge, destinado a unificar as distintas regras que eram utilizadas nos jogos e passatempos da época. (GUIA OFICIAL FIFA, 2010, p.162) Com o surgimento da The Football Association1, em 1863, novas regras foram criadas, como a proibição para correr com a bola nas mãos e a obstrução de jogadas com chutes nas canelas, rasteiras ou agarrões. Dezenove anos mais tarde, a partir de um encontro da entidade inglesa com associações da Escócia, País de Gales e Irlanda, foi a vez da unificação das regras em confrontos de equipes do Reino Unido, com a criação da International Football Association Board (IFAB). O esporte bretão ganhava então a forma que conhecemos até os dias atuais e se separava definitivamente do rúgbi. Nascia assim o futebol. (GUIA OFICIAL FIFA, 2010, p.162) O rúgbi e o futebol são duas variantes do mesmo conjunto original de regras. Nas escolas inglesas do século XIX, os dois esportes eram rivais. Em algumas triunfou o. 1. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Football_Association>. Acesso em: 03 de mar. 2011, às 12h34..

(17) 16. jogo com as mãos; em outras, aquele jogado com os pés. (FONTENELLE, 2010, p.29). Pela facilidade de jogo, o futebol parece ter ultrapassado os pátios das escolas inglesas mais rapidamente que o rúgbi, chegando às ruas, às classes operárias e passando a ser visto como o esporte das massas. Isso explica bastante sua popularização no mundo, somado a uma época em que a navegação e o comércio mundiais cresciam juntos com a revolução industrial inglesa. E onde atracavam navios ingleses, possivelmente desembarcavam juntos marujos/jogadores e algumas bolas de futebol, como aconteceu no extremo sul da África, colonizada pela Inglaterra. Já em Paris, na França, a Fédération Internationale de Football Association (FIFA) surgiria anos mais tarde, em 1904, adotando as regras da IFAB e incorporando-a. Daí em diante, a FIFA tornou-se a principal entidade do futebol mundial, com 208 países e/ou territórios associados (mais até que a ONU), responsável por disseminar, organizar e incentivar o esporte nos demais continentes. A Copa do Mundo FIFA, disputa esportiva realizada a cada quatro anos entre 32 seleções nacionais2 pela taça de melhor do planeta, durante 30 dias em um paíssede previamente escolhido, há 80 anos figura-se como a principal competição organizada pelo órgão. E desde sua origem, não há como negar. “Os estreitos vínculos entre futebol, política e economia sempre acompanharam” os destinos e a realização das Copas do Mundo (FRANCO JÚNIOR, 2010, p.7). A não inclusão do futebol como modalidade esportiva nos Jogos Olímpicos de 1932, nos Estados Unidos, devido à baixa popularidade do esporte na América do Norte, abriu espaço para realização de sua primeira edição com 13 seleções, em 1930, no Uruguai. Em 1934, na Itália, e 1938, na França, o Mundial se transforma em oportunidade para Benito Mussolini experimentar os poderes da competição como propaganda do regime facista. (VILLA, 2010, p.3) Com quatro estrangeiros que Mussolini „importou‟ para reforçar a Azzurra – um brasileiro e três argentinos, (...) há quem diga que a Itália foi favorecida pelas arbitragens. Fora a goleada ante os EUA, todos os outros jogos terminaram com vitórias apertadas, inclusive a final contra a Tchecoslováquia (2 a 1). (...) A vitória nacional era questão de honra. (VILLA, 2010, p.3) Em 1938, o brasileiro Leônidas da Silva tornou o primeiro negro artilheiro de uma Copa do Mundo. (...) Caçado em campo, não pôde jogar a semifinal contra a Itália, partida que tirou o Brasil da final do Mundial. Muitos anos depois, seus inimigos o acusaram de ter sido comprado por Benito Mussolini, (...) assim como Domingos da 2. Número de participantes nos moldes atuais, a partir da edição de 1998..

(18) 17. Guia, que fez o pênalti sobre o italiano Piola, lance que decidiu o jogo. Puro racismo. Fora da esfera esportiva, a política que já esteve presente em 1934, nunca mais deixou de bater ponto nos Mundiais. (VILLA, 2010, p.3). Sob olhares políticos, por que então as Copas passaram a ter tanto interesse dos Estados Nacionais? Os motivos podem ser os mais diversos, como aponta o historiador Hilário Franco Júnior (2010, p.1-7), representados, por exemplo, no crescimento da autoestima de brasileiros e argentinos em cada ano de conquista de seus nove títulos; o sentimento de unidade nacional reforçado percebido pelos alemães como vencedores em 1990 e organizadores em 2006; de orgulho e de diversidade vivenciada pelos franceses, anfitriões e vencedores em 1998 e até mesmo como afirmação de uma identidade étnica sentida pelos croatas, com a conquista do terceiro lugar naquele mesmo ano. “De fato, as Copas do Mundo atuam como depositárias de esperanças e frustrações de comunidades inteiras”, reforça Franco Júnior (2010, p.5). Para o presidente da entidade máxima do futebol, Joseph Blatter, tudo isso acrescenta e embeleza ainda mais o esporte que move milhões de apaixonados em todo planeta. O futebol, por sua universalidade, é capaz de construir pontes entre os povos e, da mesma maneira, transmitir à sociedade valores como a solidariedade, o respeito, a esportividade e o jogo limpo. E a FIFA sabe perfeitamente que tem a obrigação de mostrar estes valores (In: GUIA OFICIAL FIFA, 2010, p.6). Contudo, nem só de belas ideologias vive o esporte. A Copa do Mundo já consagrou-se há tempos por outros valores além destes citados por Blatter. Um produto de consumo da indústria cultural altamente rentável, que ultrapassa a concepção de ser uma mera competição esportiva (FRANCO JÚNIOR, 2010, p.6). Sua necessidade mercadológica sempre esteve presente em todas as suas edições. Isso justifica, por exemplo, o fato de América do Sul e Europa se revezarem como sedes desde as primeiras disputas. A popularidade do futebol e o mínimo de infraestrutura compatível para sua prática em tais regiões arrastavam multidões para os estádios e fazia da venda de ingressos a principal fonte de renda para os organizadores. Com o tempo, as placas de publicidade de patrocinadores do evento e o licenciamento de produtos começaram a surgir como alternativas de renda nos estádios3. Mas foi o surgimento da televisão e das transmissões via satélite a grande revolução na forma como a Copa passou a ser vista pelo mundo. A tecnologia na comunicação, detida pelas nações mais ricas, avançara cada vez mais numa velocidade sem precedentes, como aponta o. 3. Disponível em <http://www.ludopedio.com.br/rc/upload/files/094547_Proni%20(D)%20-%20Esporte-Espet%C3%A1culo% 20e%20Futebol-Empresa.pdf>. Acesso em: 13 de mar. 2011, às 15h44..

(19) 18. jornalista Yan Boechat (2010, p.78). “Os campeonatos disputados em países do Hemisfério Sul, como Uruguai (1930), Brasil (1950), Chile (1962) e Argentina (1978), ocorreram em uma época em que a polarização econômica não era tão explícita como nesses tempos de globalização.” A capacidade de conectar instantaneamente diferentes pontos do planeta tornou as distâncias irrelevantes, na medida em que agregava ainda mais audiência e retorno financeiro aos patrocinadores e à grandiosidade do evento. Em 1990, os direitos de transmissão internacional da Copa foram vendidos por 65 milhões de dólares, o equivalente a 41% do faturamento do campeonato. Em 2006, o valor era de 1,97 bilhão de dólares. O número de patrocinadores também subiu de nove para quinze. As cotas televisivas se tornaram a principal fonte de arrecadação dos clubes e, por conseguinte, da Fifa. A televisão mudou o futebol. Com o desenvolvimento tecnológico, o aumento dos investimentos nas transmissões esportivas e a generalização dos jogos ao vivo, o futebol virou um espetáculo global. (...) Quem estava em casa, no bar ou no restaurante, passou a acompanhar a partida como se estivesse no estádio. Enquanto os jogadores corriam e os torcedores vibravam, os patrocinadores ocuparam todos os espaços disponíveis para propagandear seus produtos: na camisa, na bola, nas chuteiras, nos calções, no gramado, nas arquibancadas, na voz dos locutores, na tela. (PINHEIRO, 2010a)4. O futebol passou a carregar o “conflito essencial da globalização”, com “relações contraditórias entre o teor cada vez mais comercial do esporte e a fidelidade emocional dos torcedores” (PINHEIRO, 2010a), a ponto de levantar questionamentos pertinentes. Afinal, o que muda com essa nova ordem? Como passa a ser a relação torcedor/consumidor? Vale a pena investir em sediar uma Copa do Mundo? Por que muitos países querem isso? E quais as chances reais de um país subdesenvolvido voltar a sediar o Mundial? “O último Mundial em um país do Terceiro Mundo ocorrera no México, em 1986, quando uma Copa ainda não custava os US$ 6 bilhões estimados hoje” (FONTENELLE e SORG, 2010, p.25). Dos anos de 1980 para cá, o mercado passa então a ditar as regras do esporte com a mesma habilidade de transformar eventos em espetáculos, de elevar a Copa do Mundo à categoria de maior espetáculo da Terra5. Mudava não só a concepção de se planejar e sediar o evento; mudava a forma como o mundo inteiro passou a vê-lo. As últimas Copas do Mundo foram marcadas pela padronização. De tal forma a Fifa – a Federação Internacional do Futebol – profissionalizou a organização do evento 4. A referência “PINHEIRO, 2010a” diz respeito às informações contidas na reportagem “A Copa do Cabo ao Rio” e a referência “PINHEIRO, 2010b” às informações contidas na reportagem “Diamantes negros”, ambas de autoria da jornalista Daniela Pinheiro e publicadas na revista Piauí, nas edições 44 e 43 respectivamente. Os trechos retirados dessas reportagens não trarão identificadas páginas, apenas o ano, pelo fato de estarem postadas no site em uma única página. 5. Disponível em <http://veja.abril.com.br/especiais/extras/fechado/tetraCopa.html>. Acesso em 13 de mar. 2011, às 16h12..

(20) 19. que lhe pertence que, seja nos Estados Unidos, seja na Coreia do Sul ou na Alemanha, todos os torneios se parecem: o mesmo ritual que saúda a entrada dos times, as mesmas placas propaganda podem ser vistas em volta do campo e o máximo que se vê de “cor local” é o vídeo de promoção turística que antecede a transmissão. Nem sempre foi assim. (FONTENELLE, 2010, p.4). Ao pleitear ser sede da edição 2010, a África do Sul fala ao mundo que pode ser mais um importante player disposto a entrar nesse mercado global e a dar conta do recado. Afinal, nas últimas décadas, as grandes competições esportivas passaram a ser vistas também como grandes oportunidades de recuperação de cidades, difusão da imagem do país sede, aumento da autoestima da população local, incremento do turismo a médio e longo prazo e atração para novos investimentos. A obrigação de organizar o torneio num período determinado e curto, de certa forma, impulsiona obras e intervenções urbanas benéficas para a população, gerando empregos (PINHEIRO, 2010a). E para o país mais rico do continente, receber a maior competição da FIFA em solo africano pela primeira vez, em 80 anos, o pensamento não podia ser diferente. A beleza da Cidade do Cabo, as muitas reservas animais, os cenários de mar e montanha da Rota Jardim, os indianos de Durban, a fervilhante Soweto. O país da próxima Copa quer se mostrar ao mundo da melhor forma. Não será fácil: o abismo social é tremendo, a violência ronda e há problemas que parecem insolúveis, como o péssimo sistema de transporte nas metrópoles. Mas levando-se em conta que na África do Sul o fim do apartheid ainda está fresco, os progressos do país nos últimos anos são notáveis. Uma classe média negra começa a ocupar seu espaço em Johannesburgo, lugar cheio de shoppings, lojas de grife e mansões para brancos. E o futebol, o esporte negro por excelência do país, entra na conta: o sucesso do Mundial, o primeiro em solo africano, vai ajudar a elevar a auto-estima não só da nação, mas de todo o continente. (VIEIRA, 2010, p.12).. Ao colocar seu time de 50 milhões de habitantes em campo após anos de espera, durante 30 dias de competição e diante de outros tantos olhares, flashes, elogios, críticas e expectativas de todo o mundo, como pesquisadores, resta-nos pesquisar e saber quais as principais impressões pulsaram e marcaram a África do Sul. Para tanto, escolhemos três desses olhares que apresentaremos mais adiante para analisarmos nesta pesquisa. Uma tarefa um tanto quanto desafiadora, mas não menos instigante.. 2.2. A África no mundo Se o futebol, “com toda sua complexidade, é capaz de nos servir como uma metáfora da nova ordem social” (FOER, 2005), não seria exagero afirmar que ele também nos presta como.

(21) 20. importante instrumento de compreensão do passado. Pelas terras da última Copa do Mundo, a bola já rola desde as últimas décadas do século XIX, antes mesmo de Charles Miller desembarcar com as duas primeiras pelotas no Brasil, em 1894. “A Guerra dos Bôeres, entre 1899 e 1902 – o conflito que é uma espécie de „evento fundador‟ da atual África do Sul –, contribuiu indiretamente para a popularização do futebol”, quando soldados britânicos jogavam bola nas horas vagas, “diante de entusiasmadas plateias de negros e de imigrantes indianos” (FONTENELLE, 2010, p.28). Os nativos rapidamente dominaram a arte da bola nos pés e o futebol se espalhou entre “pobres, negros e renegados.” (BOECHAT, 2010, p.79) Estaria armado aí o cenário para a África do Sul se tornar uma potência do futebol do século XX, não fossem dois fatores que impediram seu desenvolvimento: a concorrência do rúgbi e o racismo. (...) Aos poucos as escolas sul-africanas para brancos baniram o futebol de suas atividades. (...) As partidas de rúgbi contra os colonizadores ingleses fomentou sua associação com o nacionalismo africânder. (...) Na África do Sul racista, o rúgbi virou o esporte dos brancos; o futebol, o dos negros. (FONTENELLE, 2010, p.29). Situado na rota comercial europeia para as Índias, o sul da África foi colonizado por holandeses, aos quais vieram se juntar alemães e franceses. “Foram eles que, a serviço da Companhia das Índias Ocidentais, haviam montado um posto de abastecimento para suas fragatas, em meados do século XVII, e deram origem aos africâneres, chamados pejorativamente de bôeres” (PINHEIRO, 2010b)6. Inúmeras disputas por terra e gado, desde então, foram travadas por esses novos moradores com os moradores nativos da região. Os africâneres se apropriaram de boa parte do território e as tribos negras permaneceram „independentes‟ apenas em espaços limitados. Em 1860, no quadro das disputas imperialistas europeias, os ingleses desembarcaram com artilharia pesada para derrotar africâneres e nativos e dominar a região. Anos mais tarde, a descoberta de diamante em solo sul-africano novamente provocara turbulências naquele território. Migrações em massa ocorriam para ocupar as áreas de exploração e os ânimos cada vez mais se acirravam entre elites locais, estrangeiros europeus, nativos e operários de origem asiática. A disputa colonial entre países e elites europeias se justificava nas riquezas abrigadas ao sul do continente africano. Ainda hoje, a região se destaca por deter as maiores reservas do mundo de minério de cromo, vanádio e andalusite, abrigar explorações de inúmeros metais de importância industrial, como antimônio, carvão, zinco, chumbo, zinco, fosfatos, diamantes 66. A referência “PINHEIRO, 2010a” diz respeito às informações contidas na reportagem “A Copa do Cabo ao Rio” e a referência “PINHEIRO, 2010b” às informações contidas na reportagem “Diamantes negros”, ambas de autoria da jornalista Daniela Pinheiro e publicadas na revista Piauí, nas edições 44 e 43 respectivamente..

(22) 21. (CREVELS, 1996, p.29), e ainda ocupar a vice-liderança na produção mundial de ouro7. Entretanto, o desenvolvimento oriundo da exploração mineral não se traduziu em igualdade e desenvolvimento social para toda a população ao longo de sua história. Desde a instalação dos africâneres no local e a posterior dominação britânica no fim do século XIX, a consolidação do poder econômico nas mãos de uma classe dominante local se deu com a criação e o domínio de grandes mineradoras, que, através da abrangência de investimentos nesta e em diversas outras áreas, controla até os dias atuais, boa parte da economia privada do país (CREVELS, 1996, p.27). Entre disputas por terras e descobertas de diamantes, guerras entre bôeres e ingleses, aos poucos, os negros nativos da região ficavam à mercê das conquistas bélicas, econômicas e sociais. Aos brancos, os objetivos estavam cada vez mais claros: restringir e preservar as riquezas de uma pequena elite, usando o poder político sustentado no mito de superioridade de sua raça para separar colonizadores e nativos, ricos e pobres, brancos e negros. Com o território dominado, africâneres e britânicos se entenderam e proclamaram a União Sul-Africana (em 1910). Foram promulgadas as primeiras leis de segregação racial, como o passaporte que restringia o ir e vir dos negros e os proibia de comprar terras fora das reservas tribais. Mas foi só no final da década de 1940, quando o Partido Nacional ganhou as eleições, que se montou o regime do apartheid, da separação racial. O casamento inter-racial virou crime. As escolas e bairros foram divididos. Os negros perderam o direito de votar, ter propriedades e de frequentar praias, piscinas, cinemas e hospitais destinados aos brancos. O Partido Nacional criou também os bantustões - dez nações tribais pretensamente autônomas, instaladas em áreas descontínuas correspondentes a apenas 13% do território nacional. (...) Na África do Sul, os africâneres foram minoria populacional e classe dominante por quase 350 anos. Não se consideravam um poder exterior porque não tinham para onde retornar. A integração racial, no seu modo de ver, significava suicídio. (PINHEIRO, 2010b). De modo geral, espalhando-se por todo continente, a visão etnocentrista européia durante os séculos XIX e XX retratava uma África repleta de indivíduos negros, vivendo em inúmeras tribos primitivas na natureza, sem tecnologia avançada, sem proteção bélica e sem uma cultura a altura do intelecto da população dos Estados Nacionais consolidados (VICENTINO e DORIGO, 2001). Cobiçada por ingleses, franceses, belgas, italianos, holandeses e alemães, algumas áreas eram vistas como “enorme importância estratégica, como o norte e o extremo sul da África, o Senegal e o canal de Suez, rota que liga o mar Mediterrâneo ao mar Vermelho, encurtando o caminho marítimo entre Europa e Ásia”, explica o historiador Marco Antônio Villa (2010, p.3). Contudo, para ampliarem o progresso econômico europeu e 7. Disponível em <http://www.estadao.com.br/noticias/economia,china-se-tornou-maior-produtor-mundial-de-ouro-em2007,111352,0.htm>. Acesso em 18 de mai. 2011, às 11h51..

(23) 22. dominar esse continente selvagem não bastavam apenas armas e munições. Era preciso também, na opinião do sociólogo Demétrio Magnoli (2009), ganhar a adesão da própria população nacional na Europa, esclarecida pelas luzes do Iluminismo e pelo surgimento da educação pública e da imprensa moderna (jornal, telégrafo, telefone). Naquele tempo, o tráfico negreiro e a prática da escravidão já haviam sido abolidos. A grande ideia então criada para essa conquista se formulava em torno do mito da raça. O Imperialismo precisava desesperadamente do mito da raça, porque as potências não podiam se expandir para África e para Ásia sem conquistar o apoio da opinião pública européia. Então, como passar a ideia de dominar outros povos? O mito da raça surge justamente para realizar essa conciliação com as ideias iluministas de igualdade natural difundidas na época. “Todos somos iguais, mas não tão iguais assim, porque existem raças. A biologia, na prática, diz que somos um pouco diferentes. Por isso, os europeus têm uma função na África e na Ásia: eles devem civilizar as raças inferiores”, diziam. Esse é o fardo do homem branco, segundo o pensamento racial europeu do século XIX, para “elevá-los ao seu próprio nível cultural e econômico”. (MAGNOLI, 2009, 1 post. 113min. 15s.). No exército de colonizadores europeus que desembarcavam por lá estavam tanto militares quanto intelectuais, como biólogos, médicos e antropólogos, que aplicavam o pensamento racial em diversas práticas da ciência. Através deles, clãs familiares de um mesmo povo ou região em comum podiam ser simplesmente (e/ou erroneamente) classificados e nomeados como tribos ou etnias diferentes. E assim, dissolvendo o passado e a história de milhares de pessoas, tais identidades passavam então a ser assumidas por meio de direitos e deveres impostos pelos europeus. O poder sobre essas “etnias criadas” eram controlados de acordo com a conveniência e com a necessidade dos colonizadores (como a oferta de cargos públicos a uma etnia majoritária e negação às demais minoritárias nas colônias britânicas, por exemplo), sem se preocupar com a possibilidade de surgirem ódio e rivalidades entre elas. Assim, o problema da discriminação entre brancos e negros, aos poucos, ganhava outro aliado: a discriminação entre negros e negros. “O racismo se torna importante quando se quer separar homens livres. A ideia de raça é sempre, inevitavelmente, essencialmente, por definição, uma busca por pureza, por separação, por fronteiras que não desaparecem. E para existir raça, precisam existir fronteiras”, completa Magnoli (op. cit.). Com a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a recém-criada Sociedade das Nações, antecessora da Organização das Nações Unidas (ONU), decide redistribuir as colônias daquele país e realizar uma nova partilha européia do continente. E as justificativas novamente remontam às questões de inferioridade pela raça, pré-formuladas no Imperialismo..

(24) 23. Para a nova entidade, os povos africanos não eram „capazes de se dirigir por si mesmos nas condições particularmente difíceis do mundo moderno‟. Portanto França e Inglaterra tinham recebido a tutela provisória das colônias até que elas pudessem caminhar sozinhas. Tal decisão da Sociedade das Nações firmou o princípio de que a relação entre colonizador e colonizado não era um fim em si mesmo, mas um caminho que preparava os povos africanos para sua independência. (VILLA, 2010, p.2). Na África, “o longo passado colonial e o ainda mais longo passado de rivalidades étnicas continuavam a gerar instabilidade política, desigualdade social e penúria material”. Mais da metade dos países africanos8 enfrentaram guerras e/ou sofreram golpes de estado ao longo do século passado, segundo o historiador Hilário Franco Júnior (2010, p.2). O fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) despontou uma pequena luz de esperança ao continente (ofuscada, em parte, pela sombra da Guerra Fria nas décadas seguintes), com a libertação de vários territórios. Em 1961, a antiga União Sul-Africana obtém sua independência e decide por sua saída da Comunidade Britânica. Contudo, ainda com o apartheid, que passara a chocar e a envergonhar o mundo, o país foi banido das competições internacionais de futebol, até 19929. Nesse período, um dos maiores líderes de resistência ao regime surge para seu país e para todo o mundo. Membro do Congresso Nacional Africano (CNA), partido de oposição ao governo, ele comandou manifestações sindicais, táticas de desobediência civil, ataques de luta armada e foi bastante perseguido, até ser preso e condenado à prisão perpétua. Na cadeia, jamais se entregou. Continuou líder da militância e tornou-se símbolo de uma resistência que, como conta a jornalista Daniela Pinheiro (2010), deixava o país cada vez mais “ingovernável” e, ao mesmo tempo, isolado do resto do mundo, devido às sanções econômicas sofridas. Ainda sim, um exemplo único a ser seguido. Nelson Mandela teve muitos professores em sua vida, mas o maior de todos foi a prisão. A prisão moldou o homem que vemos e conhecemos hoje. Ele aprendeu sobre a vida e a liderança a partir de muitas fontes: o pai distante; o rei de Thembu, que o criou como filho; seus amigos e companheiros leais, Walter Sisulu e Oliver Tambo; figuras históricas e chefes de Estado, como Winston Churchill e Haité Selassié; as palavras de Maquiavel e Tolstói. Mas os 27 anos que passou na prisão tornaram-se o teste que o fortaleceu e consumiu tudo o que era insignificante. A prisão ensinou-lhe autocontrole, disciplina e foco – as qualidades que considera essenciais à liderança – e ensinou-lhe como se transformar num ser humano completo. O Nelson Mandela que saiu da prisão aos 71 anos era um homem diferente do que entrou nela aos 44. (STENGEL, 2010, p.40) 8. Segundo o site da enciclopédia Wikipédia, a divisão administrativa da África hoje se dá com 53 países e seis territórios. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81frica>. Acesso em 15 de mar. de 2011, às 11h59. 9 Informações contidas na revista Viagem E Turismo e Placar – Especial África do Sul. São Paulo: editora Abril. Edição 169-B, nov. 2009..

(25) 24. A então República da África do Sul, que renasceu nos anos de 1990, três anos depois de derrubar o apartheid, trouxe na figura de seu primeiro presidente eleito pela esmagadora maioria negra, Nelson Mandela (de 1994 a 1999), um símbolo de esperança por dias melhores, para todos. Seu passado de resistência e luta contra o regime opressor o creditava como fomentador de um novo país, a que o arcebispo Desmond Tutu chamou de “rainbow nation”10 (nação arco-íris), uma nação em paz consigo próprio e com o mundo. O termo refletia o anseio em integrar e acolher, numa mesma terra, ampla diversidade étnico-cultural de maneira mais equânime. E não era para menos, já que dividir o país entre brancos e negros seria uma simplificação. “São 11 línguas nacionais, nove delas „negras‟, cada uma correspondendo a uma etnia diferente” e muitas delas com rivalidades históricas. Entre os 10% de brancos, também há uma divisão: dois terços são descendentes de holandeses, falam o idioma africâner; e o restante tem origem inglesa. Acrescentada a essa mistura, há ainda “um contingente expressivo de mestiços (os coloureds), mais minorias significativas de indianos, chineses, malaios e indonésios” que formam o “caldeirão étnico da África do Sul”. (VIAGEM E TURISMO e PLACAR, 2010, p.27) Na incumbência de trabalhar para todos, os primeiros desafios não demoraram a aparecer. Se governar pelos os pobres era a missão do novo presidente, governar pelas elites produtivas dominantes tornou-se seu compromisso, como aponta o historiador Allister Sparks (apud PINHEIRO, 2010b). Segundo ele, a libertação de Mandela, a legalização e a desmontagem do apartheid foram uma “revolta negociada” entre dirigentes do CNA, membros do Partido Comunista e diplomatas norte-americanos que serviam em terras sul-africanas. O economista Michael Kahn (apud PINHEIRO, 2010b), ao compartilhar do mesmo pensamento, acrescenta que “o apartheid só acabou quando os brancos tiveram a certeza de que nada mudaria para eles, como de fato ocorreu.” Para isso, uma vez na presidência, a manutenção de ministros e do presidente do Banco Central, a garantia do direito à propriedade privada para evitar a desapropriações das terras dos brancos, o compromisso em honrar as dívidas internas e externas, e os empréstimos junto o Fundo Monetário Internacional (FMI), todos partes desse acordo, deveriam ser cumpridos. E foram. No desafio real de governar para todos, Mandela e. 10. Disponível em <http://www.sahistory.org.za/pages/people/bios/tutu-d.htm>. Acesso em: 18 de jul. de 2010, às 22h49..

(26) 25. o Congresso Nacional Africano, aos poucos, se despiam da aura revolucionária de outrora para se transformarem no “partido da ordem” (PINHEIRO, 2010b). Nos cinco anos que se passaram, surgiram críticas ao primeiro presidente negro da África do Sul, “sempre indiretas, por não ter conseguido transpor o abismo social entre brancos e negros. Nesse ponto, brancos acham que perderam demais e negros que ganharam de menos.” A ordem, na visão do cientista político Marc Howard Ross (apud CORDEIRO, 2010, p.32), trouxe, apesar disso, um balanço positivo ao fim do mandato, por conduzir com sucesso a unificação de um país rachado e fomentar as bases de uma promissora economia que, anos mais tarde, estaria pronta para receber o maior evento esportivo da Terra, a Copa do Mundo. „Sem a liderança firme e equilibrada de Mandela, o país teria entrado em guerra civil. Os brancos ainda tinham o dinheiro e as armas e os negros queriam vingança‟. (...) Obteve conquistas importantes, como tirar da legislação o ranço segregacionista e, com uma nova constituição, consolidar a democracia. Promoveu reformas econômicas essenciais e profissionalizou o turismo e a mineração. Conseguiu reduzir significativamente as favelas e ampliar o acesso a saneamento básico e energia elétrica. Ao deixar o posto após um só mandato, em 1999, manteve-se como um semideus para os conterrâneos. (CORDEIRO, 2010, p.32). Seus sucessores, Thabo Mbeki e Jacob Zuma seguiram conduzindo na mesma linha a economia e o crescimento do país (que chegou a 5% ao ano), à medida que, porém, apareciam contra eles escândalos pessoais (acusações de estupro) e de corrupção no governo. Incentivos à população não branca foram criados e uma nova classe média negra com grande poder de compra surgiu. Mas isso é pouco se analisados dentro da política social implementada, “considerada desastrosa”, sobretudo no que diz respeito à epidemia de Aids e a demora do governo em reconhecer o problema. “O índice de infectados beirava os 25% nos anos 1990, e o acesso aos remédios era proibido” (VIAGEM E TURISMO e PLACAR, 2010, p.26). Para o próprio Mbeki quando presidia o país, “havia uma conspiração dos brancos imperialistas e dos laboratórios estrangeiros baseada numa visão racista sobre os hábitos sexuais dos negros” (PINHEIRO, 2010b), que para se „previnir‟, boa parte das pessoas se garantia com uma ducha íntima após as relações sexuais ou com a ingestão de uma fórmula a base de beterraba, batatas, suco de limão e alho (VIAGEM E TURISMO e PLACAR, 2010, p.26). “Ainda há quem acredite que ter relações sexuais com uma criança ou com um bebê é capaz de destruir o vírus da Aids”, um enorme equívoco que se soma a outro problema atual que atinge milhares de mulheres de todas as cores e em todas as idades, a "cultura do estupro",.

(27) 26. que só contribui para a construção de novos preconceitos e estereótipos sobre os sul-africanos (PINHEIRO, 2010b). A África do Sul do pós-apartheid é um país com todas as carências de uma nação ainda distante dos níveis de qualidade de vida do Primeiro Mundo. Abarrotadas favelas concentram boa parte da população nas grandes cidades, há precariedade nos serviços básicos de saneamento, saúde e educação, a infraestrutura de transportes, principalmente a urbana, é caótica, e os índices de contaminação por HIV são alarmantes. Cerca de 18% de todos os habitantes da África do Sul estão contaminados pelo vírus causador da Aids. Além disso, o país tem um dos maiores índices de homicídio do mundo. A cada ano, cerca de 68 sul-africanos são assassinados, para cada grupo de 100 mil habitantes. Por conta disso, a expectativa de vida na África do Sul é de apenas 51 anos. (BOECHAT, 2010, p.78). Se a violência antes ficava restrita aos bantustões – zonas demarcadas para fixação de nações tribais – e aos subúrbios das grandes cidades, como a favela de Soweto, em Johanesburgo, ela agora preocupa também os brancos. De um lado, negros ainda insatisfeitos com a demora das mudanças sociais e a estagnação, se revoltam. De outro, casas e até bairros inteiros de classes média e rica compostas por brancos, cada vez mais, se protegem, se escondem atrás de muros e cercas de segurança, se isolam. “O crime entrou na vida dos brancos e eles perderam a rede que garantia seu futuro. E, o que é mais grave: um jovem branco de 15 anos, que nem sabe o que foi apartheid, não vai ter emprego na África do Sul", relata a jornalista Daniela Pinheiro em sua experiência pelo país (2010). Talvez esteja aí, no país arco-íris da diversidade étnica, tão sonhado e proferido por Nelson Mandela, o surgimento de um “racismo às avessas”. O apartheid ensejou uma profunda desconfiança do „outro‟ e um senso de posse dos recursos nacionais, baseados em parte na identidade racial da pessoa, mais do que na contribuição que o seu trabalho oferece à sociedade – e isso se mantém até hoje. É impossível subestimar seu alcance e sua brutalidade. Entre 1948 e 1994, quando o sistema foi desmantelado, o Partido Nacional Africânder aplicava a hipersegregação racial a todas as facetas imagináveis da vida. (FULLER, 2010, p.64). Para o professor-assistente da Universidade de Pretória e coordenador advocatício do Grupo Khulumani, uma organização que reúne 58 mil vítimas da violência política, Tshepo Madlingozi (apud FULLER, 2010, p.64) “o apartheid enriqueceu de forma tão efetiva uns poucos à custa da espoliação da maioria – para não falar de prisões, exílio, desaparecimento e mortes violentas – que o mero fim do sistema não deu conta de começar a reparar o estrago.” “Você pode dizer „Todo mundo é igual agora. Vamos tocar a vida‟. Isso calha bem para os que se beneficiaram com o sistema”, prossegue Madlingozi. “Mas não ajuda a instituir a justiça nem consegue anular as gerações que viveram sob racismo, ódio e sentimentos de inadequação”. (FULLER, 2010, p.64).

(28) 27. 2.3. O mundo na África do Sul A Copa de 2010 já está cravada e reconhecida na história como a primeira edição da competição a ser realizada no continente africano. E ainda pode, por que não, ser considerada um sucesso, pelo menos na visão do presidente da entidade que a organizou. “Sou um homem mais feliz, já que posso anunciar que a Copa na África do Sul foi um imenso êxito financeiro para todo o mundo, para a África, para a África do Sul e para a FIFA", indicou Joseph Blatter à imprensa11, no dia 03 de maio de 2011. Sua alegria torna-se mais compreensível com a divulgação de que a FIFA, associação considerada sem fins lucrativos, obteve uma cifra de negócios de 1,3 bilhão de dólares só no ano passado. Ao todo, nos últimos quatro anos, o retorno com a Copa do Mundo de 2010 chegou a marca de 3,7 bilhões de dólares12 para ela. Diante dessa notícia, vale retomar alguns questionamentos iniciais desta pesquisa: o evento foi um sucesso para quem? Quais os discursos construídos sobre a África do Sul antes e durante a Copa do Mundo de 2010? Quais as estratégias de construção discursiva de argumentação utilizada por essas mídias em seus diferentes contextos? Aos olhos desses representantes de três continentes distintos, a África do Sul tornou-se o foco desse evento ou a visão que o mundo teve dela continuou sendo eurocêntrica, referindo-se a sede da competição como periferia do mundo desenvolvido? Se voltarmos às manchetes publicadas pela mídia brasileira em 2009 e 2010, antes do evento, veremos um misto de preocupações, ansiedade, mitos e expectativas para a competição. “Uma Copa com outra cara13”, diziam uns; “A primeira vez da África14”, aguardavam outros; houve ainda: “Bola na Selva15”, “A antessala com semelhanças desconcertantes do que o Brasil viverá em 201416”, “Nesta África não tem zebra17”; questionamentos como, “Que Copa é essa?18”, entre outros. Às vésperas do campeonato, todos queriam saber como era o país que se abria ao mundo.. 11. Disponível em: <http://esporte.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2011/03/03/mundial-na-africa-do-sul-foi-um-sucessosegundo-a-fifa.jhtm>. Acesso em 16 de mar. 2011, às 10h59. 12. Disponível em: <http://esporte.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2011/03/03/mundial-na-africa-do-sul-foi-um-sucessosegundo-a-fifa.jhtm>. Acesso em 16 de mar. 2011, às 10h59. 13. Revista ISTOÉ, 9 de jun. de 2010, ano 34, no 2117, p. 77.. 14. - 5 Revista VIAGEM E TURISMO e PLACAR – ESPECIAL ÁFRICA DO SUL, nov. de 2009, edição 169-B, p.29. 16. Revista VEJA, 2 de jun. 2010, edição 2167, ano 43, no 22, p. 97.. 17. Revista ESPN no 8, jun. 2010.. 18. Revista PLACAR – ESPECIAL AFRICA DO SUL 2010, parte integrante da edição 1342..

(29) 28. Enfim, o show pode começar. E talvez não haja palavra melhor para definir como será esta Copa. Será um show de cores, de sons, de aromas e de diversidade inéditos na história dos mundiais de futebol. (...) Em um país que congrega 11 línguas oficiais, não haverá de faltar uma variedade de costumes, culinária e estilos. Pela primeira vez na história uma nação verdadeiramente da periferia do mundo vai sediar uma competição gestada e forjada nas rodas aristocráticas européias. (BOECHAT, 2010, p.77-78). O feito da África do Sul traz uma relevância significativa frente o continente e outras nações emergentes. Num mundo onde América do Norte, Europa e alguns poucos asiáticos há tempos dominam modelos econômicos, o pioneirismo técnico e organizacional, indicam produtos, tendências e fluxos financeiros na forma do capitalismo de mercado livre, como cita o historiador Eric Hobsbawm (2007, p.61), países como ela acabam por pagar uma conta cara sobre os efeitos da globalização. O aumento explosivo das desigualdades sociais e econômicas exalta marcas profundas na África do Sul, como desemprego a índices de 40% da população e um terço das pessoas sem saber ler e escrever19. Se já não se fala de maneira entusiástica sobre globalização e sua “promessa política de interdependência econômica para produzir a tão anunciada prosperidade global dos anos 1990” (FOER, 2005, p.9), o país ao menos mantém firme e, com certo êxito, a tentativa de empreender suas reformas, aproveitar o expansivo mercado interno e oportunizar o crescimento econômico. A escolha da África do Sul para a sede da Copa do Mundo 2010 entrou nessa onda e ajudou a aumentar a autoconfiança nas pessoas. “A nação poderá ser lembrada por oferecer ao mundo futebol, em vez de apartheid. Sua moderna infraestrutura, como aeroportos invejáveis e restaurantes cosmopolitas, sugere que sua trágica história é só isto mesmo: história”, conta a jornalista Alexandra Fuller (2010, p.63) às vésperas do Mundial. Ela ainda cita o bairro de Soweto (abreviação silábica de SOuth WEstern TOwnship), “área segregada de Johanesburgo e de triste memória, na qual a violência fazia-se visível para a mídia internacional”, como um bucólico subúrbio hoje, um destino certo para turistas estrangeiros nos meses de junho e julho daquele ano. O otimismo e o sentimento de autoconfiança de boa parte da população eram depositados também sobre as diversas seleções africanas classificadas para o campeonato e, sobretudo, na expectativa da campanha dos Bafana Bafana (moleques, moleques), o apelido do time da casa. Para Hobsbawm (2007, p.95), a existência da seleção nacional de futebol estabeleceu,. 19. Dados obtidos em: PINHEIRO, Daniela. Diamantes Negros. Como o partido de Nelson Mandela criou uma elite negra na África do Sul. In: Revista Piauí. Edição 43, 2010. Disponível em: <http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-43/carta-dejoanesburgo/diamantes-negros>. Acesso em: 17 de nov. 2010, às 19h10..

(30) 29. em alguns casos pela primeira vez, “uma identidade nacional independente das identidades locais, tribais ou religiosas. Pois „a comunidade abstrata de milhões aparece com mais realismo em um grupo de onze pessoas do mesmo país‟”. A África do Sul, nesse ponto, não se diferencia das colônias e das demais dependências de antigos impérios que se tornaram países libertos. Assim como eles, que “por mais novo e inédito seja seu surgimento, necessitam de uma história e uma bandeira” (p.82). Só assim, a memória que têm do antigo império poderá ser “dominada pela história da criação do novo país, que tende a tomar a forma de um mito fundador de luta e libertação” (p.82). Não é para menos que o país muito se orgulha de ter quatro vencedores do Prêmio Nobel da Paz – Albert Luthuli, Desmond Tutu, Nelson Mandela e Frederik de Klerk – reconhecidos mundialmente e apoiadores do país como sede do Mundial. Nós estamos mostrando ao mundo, nós somos o mundo. Nós damos as boas vindas a todos, pois a África é o berço da humanidade. Então damos as boas vindas a todos vocês, de todos os lugares, somos todos africanos. E queremos dizer ao mundo obrigado, por ajudar essa lagarta feia que éramos para que pudéssemos nos tornar uma linda borboleta. (TUTU, 2010, 1 post. 8mim. 45s.). Sediar e organizar uma Copa do Mundo FIFA tem suas vantagens. E tem seu preço. Questionável em diversos pontos, e, na opinião de muitos críticos, um tanto quanto caro para uma nação emergente cuja sociedade ainda sonha com dias melhores. O país que se candidata a recebê-la assume as exigências listadas no chamado Caderno de Encargos da FIFA. Nele, estão especificados o tamanho dos estádios e das suas cadeiras, condições de segurança e emergência, quantidade de banheiros, camarotes, distâncias e tempo gasto entre o centro de imprensa e os estádios, e até intensidade da luz em caso de apagão. “Também obriga o anfitrião a conceder vistos de trabalho ao pessoal estrangeiro (mesmo que não haja acordos diplomáticos entre os dois países), dar isenção de taxas alfandegárias para todo o material relacionado ao evento, garantir a livre transferência de divisas e bancar a infraestrutura necessária para transportes e telecomunicações”, explica Daniela Pinheiro (2010a). A legislação nacional pode ser alterada, caso necessário, o que é capaz de acirrar ânimos, interesses e disputas políticas entre o público e privado neste imenso poço de recursos financeiros a ser investido. Boa parte das decisões políticas é negociada nos bastidores. Isso aumentará a desconfiança dos cidadãos com relação aos governos e o mau conceito que eles têm dos políticos. Os governos se empenharão em uma guerra de guerrilha permanente contra a coalizão formada entre a imprensa e os interesses de campanha, minoritários e bem organizados. A imprensa verá cada vez mais como sua função a publicação daquilo que os governantes prefeririam manter em silêncio, ao mesmo tempo em que depende dos propagandistas das instituições que ela deve criticar para.

Referências

Documentos relacionados

TABELA 7 – Produção de massa fresca e seca das plantas de almeirão, cultivadas sob três e quatro linhas por canteiro, em cultivo solteiro e consorciado, na

Entre as atividades, parte dos alunos é também conduzida a concertos entoados pela Orquestra Sinfônica de Santo André e OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São

Em pacientes com pressão arterial normal ou baixa, que tenham sido vigorosamente tratados com diuréticos, e que possam estar hiponatrêmicos e/ou hipovolêmicos,

duração de 18 meses entre os anos de 2009 e 2011. A equipe profissional atualmente conta com dois especialistas em Odontogeriatria e profissionais de outras

Isso significa que Lima Barreto propõe a ressignificação do olhar lançado sobre o futebol, deixando transparecer sua crítica às ten- tativas de padronização cultural e

Como já afirmamos, o acompanhamento realizado pelas tutorias é nosso cartão de visitas, nossa atividade em que o objeto social do Gauss se manifesta de forma mais

Aos 7, 14 e 21 dias após a emergência (DAE), foi determinado o índice SPAD no folíolo terminal da quarta folha completamente expandida devido ser esta folha recomendada para verificar

Visando refletir sobre essa temática – a relação entre pesquisa, formação profissional e a reconstrução dos saberes dos professores – este artigo foi