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Políticas culturais e financiamento público: estudo sobre a recepção do modelo de renúncia fiscal para o setor da cultura no Estado do Rio Grande do Norte

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS. SAMARA TAIANA DE LIMA SILVA. POLÍTICAS CULTURAIS E FINANCIAMENTO PÚBLICO: ESTUDO SOBRE A RECEPÇÃO DO MODELO DE RENÚNCIA FISCAL PARA O SETOR DA CULTURA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE.. NATAL/RN Janeiro/2017.

(2) SAMARA TAIANA DE LIMA SILVA. POLÍTICAS CULTURAIS E FINANCIAMENTO PÚBLICO: ESTUDO SOBRE A RECEPÇÃO DO MODELO DE RENÚNCIA FISCAL PARA O SETOR DA CULTURA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE.. Orientador: Professor Doutor Fernando Manuel Rocha da Cruz. Área de Concentração: Dinâmicas Urbanas e Regionais e Políticas Públicas Linha de Pesquisa: Estado e Políticas Públicas.. NATAL/RN Janeiro/2017.

(3) Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI. Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Silva, Samara Taiana de Lima. Políticas culturais e financiamento público : estudo sobre a recepção do modelo de renúncia fiscal para o setor da cultura no Estado do Rio Grande do Norte / Samara Taiana de Lima Silva. - 2017. 151 f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais, 2017. Orientador: Prof. Dr. Fernando Manuel Rocha da Cruz.. 1. Cultura. 2. Financiamento. 3. Política de Renúncia Fiscal. 4. Política cultural - Rio Grande do Norte. I. Cruz, Fernando Manuel Rocha da. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA. CDU 351.85(813.2).

(4) SAMARA TAIANA DE LIMA SILVA. POLÍTICA CULTURAL E FINANCIAMENTO PÚBLICO: ESTUDO SOBRE A RECEPÇÃO DO MODELO DE RENÚNCIA FISCAL PARA O SETOR DA CULTURA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE.. Defesa de Dissertação submetida à banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais da UFRN como requisito para a obtenção do título de Mestra.. BANCA EXAMINADORA. __________________________________________________ Prof. Dr. Fernando Manuel Rocha da Cruz DPP/PPEUR UFRN (Presidente) ________________________________________________ Profa. Dra. Teodora de Araújo Alves NAC- UFRN (Examinadora Externa ao Programa) ________________________________________________ Prof. Dr. Fábio Fonseca Figueiredo DPP/PPEUR – UFRN (Examinador Interno) ________________________________________________ Profa. Dra. Kadydja Karla Nascimento Chagas IFRN (Examinadora Externa). Natal/RN 2017.

(5) É com gratidão que dedico esta pesquisa a todos os vindouros pesquisadores da área dos Direitos Culturais, para que juntos possamos unir forças em torno do fortalecimento e do protagonismo de nossa problemática de estudo. Evoé! Samara Taiana..

(6) AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Lúcia e Ribamar, por sempre me darem a mão ao longo do percurso. Aos meus irmãos, Thalita e José Neto, por cada doce memória da infância. A Bernardo, por ser o bebê da titia. A Dora, minha cachorra, por me fazer rir nas horas mais difíceis desta pesquisa. Ao meu orientador, Professor Fernando Cruz, por cada ensinamento valioso ao longo desta jornada. Muito obrigada por abraçar a minha ideia junto comigo. A cada amigo querido que fiz e faço por este decurso grato que me é a vida. A Rayssa Pereira, por ter ajudado a amiga de Humanas nas questões numéricas deste trabalho, e por cada jantar vegetariano que me ajudou a aliviar a pressão ao longo da pesquisa. A Lidiane e Rebeca, doces amigas de turma que levo comigo para além dos muros da UFRN. Menção especial às amigas e produtoras culturais Tuyanne Medeiros e Carla Mariane Dantas, pela disponibilidade em contribuir com a minha pesquisa. Vocês são parte disto. A Rafael Duarte, querido amigo jornalista que viabilizou grande parte das entrevistas que compuseram esta pesquisa. A todos os entrevistados que contribuíram com a minha pesquisa, em especial a Fernando Yamamoto e Grupo Clowns de Shakespeare, por toda a paciência e educação com os quais sempre atenderam aos meus questionamentos. À minha fé em mim mesma. Aos meus guias. Amém. Axé. Namastê. Evoé!.

(7) RESUMO A presente pesquisa teve por objeto propor uma análise acerca da recepção da política de renúncia fiscal financiadora do setor cultural no estado do Rio Grande do Norte e no município de Natal. Criado em 1986, por meio da Lei Sarney (n° 7.505/86), o modelo descrito foi desenvolvido como uma forma que o Estado encontrou para retirar de si a responsabilidade pelo investimento do setor em comento, uma vez que é transferida para a iniciativa privada a decisão pelo financiamento cultural, por meio de descontos tributários a ela concedidos. Extinta a Lei Sarney, entrou em vigor a Lei Rouanet (n° 8.313/1991), atuante até os dias presentes, e que serviu como espelho para que os estados e municípios criassem suas legislações culturais locais. No âmbito do estado do Rio Grande do Norte, temos a Lei Câmara Cascudo (n° 7.799/1999) e, em sua capital, Natal, a Lei Djalma Maranhão (n° 4.838/1997) ambas atuantes como as principais responsáveis pelo financiamento cultural local. Nesta perspectiva, o presente trabalho objetivou uma reflexão sobre a recepção da referida política em face da produção cultural da cidade de Natal – RN. Foi realizada uma pesquisa empírica na qual foram entrevistados gestores, produtores e grupos culturais que atuam no âmbito local e, sobretudo, uma reflexão acerca da suficiência ou não deste modelo de financiamento para o provento da cadeia produtiva cultural local. Por fim, a pesquisa concluiu a insuficiência da política analisada defronte à realidade da produção cultural local, razão que se justifica pela falta de interesse da classe empresarial para com a causa do patrocínio cultural e, ademais, pela ausência de campanhas e movimentos de sensibilização e estímulos por parte do poder público, para que a classe empresarial abra mais as suas possibilidades para o apoio cultural, pauta que deveria ser gerida pelos órgãos de fiscalização e fomento do setor da cultura local.. PALAVRAS-CHAVE: Cultura; Financiamento cultural; Política de Renúncia Fiscal; Setores Culturais..

(8) ABSTRACT The present research had as by object the reception of the fiscal renunciation policy in the state of Rio Grande do Norte and in the municipality of Natal. Created in 1986, through the Sarney Law (n° 7,505 / 86), the model described was developed as a way that the State found to remove from itself the responsibility for the industry's investment in comment, since it is transferred to the private ents the decisions about the cultural financing, by means of tax deductions granted to it. After the Sarney Law came into force, the Rouanet Law (n° 8,313 / 1991), which has operated up to the present day, came into force and served as a mirror for states and municipalities to create their local cultural legislations. In the state of Rio Grande do Norte, have the Câmara Cascudo Law (n° 7999/1999) and, in its capital, Natal, the Djalma Maranhão Law (n° 4,838 / 1997), both acting as the main responsible for local cultural financing . In this perspective, the present research aimed to reflect on the reception of said policy in the cultural production of the city of Natal - RN. An empirical research was carried out in which managers, producers and cultural groups were interviewed at the local level, mainly a reflection about the sufficiency or not of this financing model for the local cultural productive chain. Finally, the research concluded the insufficiency of the politics analyzed in the face of the reality of the local cultural production, reason that is justified by the lack of interest of the business class towards the cause of the cultural patronage and, mainly, by the absence of campaigns of sensitization and stimuli so that this class opened up more possibilities for cultural support, which should be managed by the organs of supervision and promotion of the local culture sector.. KEY-WORDS: Culture; Cultural Financing; Fiscal Renunciation Policy; Cultural Sectors..

(9) LISTA DE SIGLAS ANCINE – Agência Nacional do Cinema CF – Constituição Federal EMBRAFILME – Empresa Brasileira de Filmes S/A FICART – Fundos de Investimento Cultural FIC – Fundo de Investimento em Cultura FUNCARTE – Fundação Cultural Capitania das Artes FJA – Fundação José Augusto MINC – Ministério da Cultura PRONAC – Programa Nacional de Apoio à Cultura SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SECULT – Secretaria da Cultura de Natal UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura..

(10) LISTA DE FIGURAS Figura 1: Exemplo de investimento em incentivo da Lei Sarney (página 77) Figura 2: Porcentagem da renúncia fiscal da Lei Rouanet (página 93).. LISTA DE QUADROS Quadro n° 1: Os projetos culturais habilitados na Lei Câmara Cascudo (20122015) (página 106). Quadro n° 2: Os projetos culturais habilitados na Lei Djalma Maranhão (20122015) (página 112). Quadro n° 3: Os projetos culturais habilitados na Lei Djalma Maranhão distribuídos por área de atuação (2012-2015) (página 112)..

(11) SUMÁRIO. AGRADECIMENTOS................................................................................................5 RESUMO...................................................................................................................6 ABSTRACT ...............................................................................................................7 LISTA DE SIGLA........................................................................................................8 LISTA DE FIGURAS .................................................................................................9 LISTA DE QUADROS ...............................................................................................9 SUMÁRIO ................................................................................................................10 INTRODUÇÃO ........................................................................................................12 1. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO ...............................................................16 2. SIGNIFICADOS DE CULTURA .........................................................................28 2.1 – Conceituação ............................................................................................28 2.2 A Cultura Erudita, a Popular e a de Massas ................................................33 2.3 Bens Culturais e Exploração Econômica da Cultura ...................................43 2.3.1 – A Economia Criativa e a Economia da Cultura ...............................45 3. INTERVENÇÃO ESTATAL NO SETOR DA CULTURA: AS POLÍTICAS PÚBLICAS CULTURAIS ....................................................................................48 3.1 – A Política Cultural Brasileira do Estado Novo à Ditadura Militar ............................................................................................................................51 3.2 – A gestão de Fernando Collor de Melo ......................................................55 3.3 – Política Cultural e Democracia Participativa: a era Lula ...........................58 3.4 – As Instituições Cultuais em âmbito federal, estadual e municipal ............................................................................................................................62 3.4.1 – Ministério da Cultura ..............................................................................64 3.4.2 – Agência Nacional do Cinema .................................................................65 3.4.3 – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional........................... 66 3.4.4 – Instituto Brasileiro de Museus ................................................................67 3.4.5 – Fundação Casa de Rui Barbosa ............................................................67 3.4.6 – Fundação Cultural Palmares .................................................................68 3.4.7 – Fundação Biblioteca Nacional ...............................................................69 3.4.8 – Fundação Nacional de Artes ..................................................................69 3.4.9 – A gestão das Políticas Culturais em nível infra federal: a experiência das Secretarias de Cultura .......................................................................................70 4. DA LEI SARNEY À ROUANET: AS FEDERAIS DE INCENTIVO À CULTURA .................................................................................................................................72 4.1 – Lei Sarney ................................................................................................75.

(12) 4.2 – Lei Rouanet ..............................................................................................78 4.2.1 – Programa Nacional de Apoio à Cultura ................................................87 4.2.2 – Fundo Nacional de Cultura ...................................................................89 4.2.3 – Fundos de Investimento Cultural e Artístico .........................................91 2.4.4 – Os incentivos a Projetos Culturais (Incentivos Fiscais e Mecenato Cultural) ............................................................................................................92 5. ESTUDO DE CASO DOS SETORES CULTURAIS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE E NO MUNICÍPIO DE NATAL .............................................99 5.1 – As Instituições Culturais Locais ...............................................................99 5.1.1 – Fundação José Augusto .......................................................................99 5.1.2 – Fundação Cultural Capitania das Artes ..............................................100 5.2 – As Leis de Incentivo à Cultua Estadual e Municipal ..............................100 5.2.1 – Lei Câmara Cascudo ..........................................................................101 5.2.1.1 – Os projetos culturais habilitados na Lei Câmara Cascudo nos últimos 04 anos ...........................................................................................................106 5.3 – Lei Djalma Maranhão .............................................................................108 5.3.1 – Os projetos culturais habilitados na Lei Djalma Maranhão nos últimos 4 anos ................................................................................................................111 5.4 – Gestores, produtores e grupos culturais locais e as suas dinâmicas com as políticas culturais no âmbito do estado e do município ..............................114 5.4.1 – Os entrevistados .................................................................................115 5.4.2 – A Gestão Cultural no âmbito do Estado e do Município .................... 120 5.4.3 – Os desafios da Produção Cultural em âmbito local ............................122 5.4.4 – Os grupos culturais locais recebedores de verbas e incentivos públicos .........................................................................................................................125 5.4.5 – O patrocínio cultural dos grupos artísticos habilitados nas leis de incentivo à cultura local ...................................................................................130 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 132 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................138 APÊNDICE 1 – ......................................................................................................143 APÊNDICE 2 – .....................................................................................................145.

(13) INTRODUÇÃO Os setores culturais no Brasil são marcados, por vezes negativamente, por se tratar de um campo que sempre careceu do financiamento estatal, direto ou indireto. Nesta perspectiva, a produção cultural brasileira contemporânea deve sua sobrevivência basicamente às leis de incentivo à cultura, notadamente pelo êxito, ainda que questionado, do modelo de renúncia fiscal para os referidos setores, no âmbito das esferas federal, estaduais e municipais. Este modelo de financiamento, hoje realizado por meio da Lei Rouanet (n° 8.313/1991), mas que tem seu surgimento com base na extinta Lei Sarney (n° 7.505/86), bem como as respectivas legislações estaduais e municipais que surgiram baseadas nesta, prevê a concessão de descontos de natureza tributária para as pessoas físicas – no caso exclusivo da legislação federal- e jurídicas que, ao invés de pagarem os impostos devidos em sua totalidade para o Estado, realocam parte desses recursos com vistas ao patrocínio de iniciativas culturais previamente habilitadas nas leis de incentivo. No caso do estado do Rio Grande do Norte, temos o exemplo da Lei Câmara Cascudo e, no município de Natal, a lei Djalma Maranhão. De modo conjunto, ambas as legislações são os principais mecanismos responsáveis pelo financiamento do setor cultural local, atuando em conjunto com alguns editais específicos de fomento direto, que serão tratados posteriormente. A Lei Federal de Fomento e Incentivo à Cultura (Lei n° 8.313/ de 26 de dezembro de 1991), popularmente conhecida como Lei Rouanet, até a conclusão desta dissertação não contou com uma avaliação da real efetividade de sua política, pautada no princípio da concessão de benefícios de ordem tributária às pessoas físicas e jurídicas que patrocinarem os projetos culturais previamente habilitados na lei. O texto da lei determinou os princípios e objetivos norteadores do fomento e do incentivo ao setor cultural, todavia não estabeleceu parâmetros e indicadores para a correta avaliação da política que pela lei foi implementada. Com efeito, o modelo de financiamento instituído pela lei tão somente disponibilizou recursos públicos para o fomento da cadeia produtiva cultural no decorrer de seus 26 anos de legislação. Entretanto, não se preocupou em traçar metas e perspectivas para que fossem avaliadas as mudanças ocorridas na fração social que faz uso da legislação em decorrência do transcorrer do tempo. 12.

(14) Ademais, tanto em termos de volume quanto de alcance e aplicabilidade não há, até o momento, uma fiscalização que possa ser determinante no momento da avaliação dessa política. O presente estudo se baseou essencialmente em analisar os aspectos concernentes à recepção e aplicabilidade do modelo de financiamento descrito em face do setor cultural do estado do Rio Grande do Norte, especificamente no município de Natal, capital deste. Na localidade, conta-se com a atuação de leis de incentivo à cultura em âmbito estadual e municipal, cujos dados relacionados ao seu alcance, aplicabilidade e execução serão obtidos por meio de entrevistas em profundidade e semiestruturadas com os gestores públicos que estão à frente dos órgãos locais responsáveis pela gestão das leis citadas supra. Na ocasião, foram entrevistados também os produtores culturais responsáveis pela inscrição e habilitação dos projetos culturais nas leis de incentivo, onde foi feito um levantamento acerca da utilização e aproveitamento destas leis por parte da sociedade interessada, a saber, os artistas e produtores ligados à área da cultura. Ademais, o estudo também se dedicou a compreender em quais medidas o modelo de renúncia fiscal para o setor cultural - instituído no Brasil em 1991 por meio da Lei Rouanet – é suficiente para que a área fim disponha dos recursos necessários para que as suas atividades não sejam prejudicadas. Nesta perspectiva, foi realizado um levantamento acerca da distribuição espacial dos recursos disponíveis para a renúncia fiscal em âmbito estadual e municipal, as dinâmicas da relação entre os proponentes e os órgãos responsáveis pela gestão da política, a corretude e equidade quanto à distribuição dos recursos entre as diversas linguagens artísticas e segmentos culturais que se candidatam a recebê-los, dentre outros aspectos ligados à relação entre o Estado e os usuários das políticas analisadas que se instaura em decorrência desta. Atualmente, o financiamento de projetos, de modo isolado, assumiu o primeiro plano nos debates envolvendo as políticas de fomento à cultura, por meio da série de benefícios fiscais oferecidos aos apoiadores dos projetos, o que se mostra como um fator deveras atrativo para os mesmos. De tal modo, incitou-se tanto no âmbito acadêmico quanto nas duas partes desta relação – empresas apoiadoras e iniciativas culturais aptas a captar incentivos fiscais - um debate crescente, onde se questiona a eficácia e as eventuais falhas de gestão deste modelo de 13.

(15) financiamento, botando-se em questão a série de equívocos cometidos pelos poderes públicos – em todas as suas esferas - no momento em que por omissão ou escassez de recursos entregam as decisões acerca do financiamento artístico e cultural sob a responsabilidade dos departamentos de marketing das empresas apoiadoras dos projetos. Desta feita, os projetos contemplados pelas leis de incentivo à cultura se veem cada vez mais dependentes do julgo das empresas investidoras, bem como de suas redes de contatos, haja vista estas estarem interessadas somente em vincular suas marcas a iniciativas que lhes garantam um retorno de imagem positivo. Nesta concepção, esta pesquisa teve por objetivo central refletir sobre o modelo de renúncia fiscal para o setor da cultura, que desde o ano de 1989 atua como o principal responsável pelo financiamento do setor em comento, especificamente no que diz respeito à adoção deste por parte da gestão pública, da classe empresarial e das indústrias culturais na cidade de Natal-RN, lócus de pesquisa proposto para a investigativa em comento. Desse modo, procurei compreender as dinâmicas envolvendo esta relação, sobretudo no que diz respeito à suficiência ou não dos projetos recebedores destes recursos financeiros, baseando-se na seguinte pergunta de partida: O modelo de renúncia fiscal responsável pelo financiamento da cadeia produtiva cultural local é suficiente para atender às demandas do setor? Para tanto, foi feito um levantamento acerca das demais fontes de financiamento existentes além das leis de incentivo à cultura das quais os grupos culturais porventura tenham acesso, tais quais as verbas de editais (fomento direto), patrocínio ou mecenato cultural privado (fomento indireto), vendagem de ingressos e produtos que carregam a marca dos grupos, apoios privados de quaisquer naturezas, dentre outros meios. Refletimos ainda acerca da possibilidade da mantença destes projetos através de meios alternativos ao da renúncia fiscal, tais como a exploração econômica de produtos próprios dos grupos culturais. Como objetivos específicos, nos valemos de uma reflexão aprofundada acerca do conceito de Cultura e seus desdobramentos, até chegar às questões envolvendo a exploração econômica desta, de onde decorreremos sobre o surgimento de novas áreas de conhecimento, fortemente disseminadas nos últimos tempos, a exemplo da Economia da Cultura e Economia Criativa. Através 14.

(16) deste objetivo específico, levantou-se quais são tipos de manifestações culturais que mais tendem a serem aprovados nas leis de incentivo à cultura, e que consequentemente contem com uma maior facilidade ou dificuldade de financiamento. Propôs-se ainda uma análise da relação entre o Estado e Sociedade Civil dentro do âmbito da cultura, observando o grau de democracia desta e os atendimentos às necessidades culturais da população. Nesta perspectiva, foi feita uma análise da evolução das políticas culturais no Brasil desde o seu surgimento até os dias atuais. Identificou-se ainda quais são os pontos positivos e as eventuais falhas deste modelo de financiamento aqui estudado, que foi criado em 1986, por intermédio da Lei Sarney (n° 7.505/86). Por fim, foi feito um estudo empírico tomando por sujeitos os grupos culturais recebedores de verbas de leis de incentivo à cultura, os gestores e produtores culturais e, por fim, as empresas que apoiam as iniciativas culturais aprovadas pelas leis de fomento local através do patrocínio. Esta pesquisa foi desenvolvida e estruturada em quatro capítulos, sendo o último a pesquisa de campo realizada entre os setores, gestores e produtores culturais que atuam no mercado local. No primeiro capítulo, foram levantados os procedimentos metodológicos escolhidos para a consolidação da linha que a pesquisa seguiu, tendo como principal ponto de análise a teoria do Paradigma Dominante, levantada por Boaventura de Souza Santos (1995). No segundo capítulo, foi proposta uma análise acerca do conceito de Cultura e seus desdobramentos, diferenciando as áreas conhecidas como Cultura Erudita, Cultura Popular e Cultura de Massas, passando pelas questões que envolvem a análise e a exploração econômica desta. Nos terceiro e quarto capítulos, foi realizado um levantamento no que tange a intervenção estatal em face do setor estudado, que culmina na elaboração, aplicação e avaliação de políticas públicas, de onde decorre a legislação sobre o fenômeno estudado. Por fim, o quinto capítulo traz o estudo de campo realizado na cidade de Natal-RN, ocasião na qual foram entrevistados os gestores responsáveis pelas instituições culturais locais, os grupos culturais recebedores de verbas de leis de incentivo à cultura, os produtores culturais que lidam na prática com a burocratização das políticas culturais locais e, por fim, as empresas que patrocinam os projetos culturais previamente aprovados nas leis de incentivo à cultura. 15.

(17) CAPÍTULO I PROCEDIMENTO METODOLÓGICO O presente capítulo se inicia com uma reflexão sobre a metodologia utilizada na pesquisa da problemática proposta. Desse modo, optamos por uma abordagem qualitativa, graças à importância da temática levantada em face do mercado artístico, cultural, econômico e tributário local, bem como pela ausência de trabalhos acadêmicos locais que abarquem o tipo de problemática aqui proposta e desdobremse no sentido de contribuir para com o desenvolvimento do mercado artístico e cultural local. A abordagem qualitativa baseia-se substancialmente na descrição e aprofundamento da complexidade do problema a ser investigado, onde se faz necessário a compreensão e classificação dos processos que envolvem a dinâmica observada no grupo pesquisado, possibilitando a compreensão profunda das mais variadas particularidades encontradas no universo pesquisado. Em linhas gerais, a pesquisa qualitativa difere da quantitativa uma vez que na segunda é possível medir por meio de escalas numéricas as complexidades observadas no campo de pesquisa, ao passo que na primeira isto não é possível. O referido método se opõe ao quantitativo à medida que não se utiliza de instrumentos estatísticos como base para a análise de um problema, não pretendendo, portanto, medir ou numerar categorias (RICHARDSON, 1989). Podemos partir da premissa que a técnica qualitativa é aquela que se vale predominantemente de informações coletadas pelo pesquisador que, para tanto, deve imergir-se completamente na realidade investigada, tendo por ponto de partida a junção dos elementos observados que devem estar para além de números, fato que faz com que estes tenham uma importância muito pequena na escala de prioridades de uma análise qualitativa. Dentro do referido conceito, os dados qualitativos podem incluir também informações não expressas verbalmente, tais como pinturas, fotografias, desenhos, filmes, vídeos e até mesmo trilhas sonoras. Podemos, portanto, elencar algumas das características principais deste tipo de abordagem, segundo Cassel e Symon (1994): ... Ênfase na subjetividade ao invés de na objetividade; aceita-se que a busca pela objetividade é um tanto inadequada, já que o 16.

(18) foco do interesse aqui é justamente a perspectiva dos participantes; Flexibilidade no processo de condução da pesquisa. O pesquisador trabalha com situações complexas que não permitem a definição exata e a priori dos caminhos que a pesquisa irá seguir; Preocupação com o contexto, no sentido de que o comportamento das pessoas e situações ligam-se inteiramente na formação das experiências; Reconhecimento do impacto do processo de pesquisa sobre a situação de pesquisa. Admite-se que o pesquisador exerça influência sobre a situação da pesquisa e é por ela também influenciado; Foco na interpretação ao invés da quantificação. Geralmente, o pesquisador qualitativo está interessado na interpretação que os próprios participantes têm da situação sob estudo (CASSEL; SYMON, 1994, p. 127-129).. O surgimento das técnicas e métodos qualitativos de pesquisa se dá a partir da evolução de discussões de caráter filosófico que teve a contribuição importante de Max Weber (1864-1920), Émile Durkheim (1858-1917) e tantos outros expoentes da época que se dedicaram a traçar as diferenças entre as ciências sociais e as demais ciências que hoje servem de lastro para as pesquisas dentro do campo das humanidades. Durkheim (1909) em sua teoria, tomando a ideia dos “fatos sociais como coisas”, defendeu que o contexto social é real e externo ao indivíduo, ou seja, o fenômeno social é independente da consciência humana e pode ser observado através das experiências, dos sentidos e das observações pontuais de cada indivíduo. Desta feita, o referido teórico acreditava que os fatos sociais só poderiam ser explicados através de outros fatos sociais, e assim por diante, e essa explicação não poderia ser feita levando-se em consideração fatores biológicos ou psicológicos. Entendemos, pois, que existe dificuldade ao nível da compreensão, apenas com a quantificação dos fatos sociais, já que cada um deles tem sentidos e especificidades próprios, diferentes dos fatos observados nas demais ciências e campos de pesquisa, daí surgindo a necessidade de, dentro das ciências sociais e humanas, cada caso ser compreendido em sua singularidade, observando-se sempre as peculiaridades do meio que os circunda. Concluímos que as ciências sociais, por seu turno, devem se dedicar à compreensão de casos específicos e particulares, e 17.

(19) não com a formulação de leis e teorias gerais, como é o caso que observamos nas demais ciências. A teoria da Sociologia Compreensiva guarda sua origem no historicismo alemão e propõe uma diferenciação entre “natureza” e “cultura” considerando de fundamental importância, para o estudo das ciências sociais, a adoção de técnicas e procedimentos de pesquisa diferentes dos que são utilizados nas demais ciências, tais quais as ciências naturais, físicas e matemáticas, uma vez que são nítidas as discrepâncias existentes entre os campos de pesquisa e objetos de estudo dessas áreas de conhecimento. Nas ciências naturais, físicas e matemáticas, os pesquisadores lidam com objetos de pesquisa passíveis de quantificação e de conhecimento de forma mais objetiva, enquanto que nas ciências sociais os cientistas lidam com objetos, dinâmicas e subjetividades deveras específicas, intangíveis, sensitivas, ou seja, impossíveis de serem quantificadas por meio de estudos que afastem o pesquisador do campo de pesquisa que o mesmo se propõe a investigar. Daí decorre, portanto, a necessidade do estreitamento da relação entre o pesquisador e o objeto a ser pesquisado, materializado através da adoção da técnica de observação participante. (WEBER, 1979, p. 108). O maior defensor da teoria supracitada é Max Weber (1979). Para ele, o principal interesse das ciências sociais é o comportamento significativo dos indivíduos diretamente envolvidos nas ações sociais, ou seja, os comportamentos aos quais os indivíduos adicionam algum tipo de significação, levando-se em consideração os comportamentos dos demais indivíduos integrantes de um determinado grupo social. Os pesquisadores humanísticos que se dedicam a pesquisar os significados dessas ações e comportamentos sociais dos outros indivíduos e deles próprios, por seu turno, são sujeitos e ao mesmo tempo objetos de suas pesquisas, dada a relação estreita que estes desenvolvem com seus objetos, campos de pesquisa, entrevistados e demais elementos que circundam a pesquisa. Segundo esta perspectiva, que se opõe à ideia positivista e separadora da relação pesquisador/objeto de pesquisa na qual se debruça o procedimento quantitativo de pesquisa, é natural e esperável que o pesquisador das ciências humanas busque se dedicar a um campo de pesquisa com o qual o mesmo tenha total afinidade.. 18.

(20) A fim de estabelecer um método de interpretação capaz de ser aplicável às relações sociais, Weber (1979) fez a junção das ideias de compreensão e explicação dos fenômenos, daí decorrendo a ideia de compreensão dos sentidos da ação. Segundo o autor, o estudo da Sociologia deve sempre ser definido segundo as formas sociais observadas, e não através de conteúdos previamente formulados, o que leva os indivíduos a desenvolver certos comportamentos e ações decorrentes de suas vivências pessoais, independentemente do conhecimento prévio de um sistema de valores. Para o autor, a sociologia deve ser compreensiva, uma vez que o seu objeto de estudo é a ação humana. Esta, por sua vez, guarda características especiais, que resultam na necessidade de adoção de técnicas de estudo e procedimentos mais específicos e abrangentes, quando comparados às ciências naturais e exatas. Resta, portanto, a compreensão de que as ciências sociais e humanas são dotadas de sentidos peculiares, cabendo ao pesquisador desta área a elaboração de estratégias de pesquisas que se aproximem o quanto possível do aprofundamento e entendimento geral do fenômeno social investigado. (WEBER, 1979, p. 129). Com relação a quais sejam os projetos artísticos citados, objetos desta pesquisa e que são financiados através de recurso captados nas leis de incentivo à cultura, trabalhamos com os grupos Clowns de Shakespeare (Teatro), Gira Dança (Dança), Projeto Som sem Plugs (Música), UrbanoCine (Festival de Cinema Urbano) e Jovens Escribas (Literatura) alguns dos mais destacados e importantes projetos artísticos e culturais da cidade que atualmente contam com recursos financeiros Câmara Cascudo (n° 7.799/1999) – abrangência estadual, e Djalma Maranhão (n° 4.838/1997), de âmbito municipal, bem como com os montantes financeiros oriundos dos editais de fomento direto à atividade artística e cultural. Estes projetos foram escolhidos com vistas à sua importância em face da cadeia produtiva cultural local, uma vez que isoladamente movimentam um grande número de profissionais envolvidos, patrocínios, espaços próprios para a realização de atividades e movimentação da cena cultural da cidade, além de contarem com experiências exitosas no que diz respeito às suas estratégias de divulgação e publicidade, o que resulta em grandes números de bilheteria. Ademais, as iniciativas citadas são constantemente contempladas também com valores financeiros captados por meio de editais específicos de fomento direto, um ponto secundário a ser tratado neste 19.

(21) trabalho. No momento da escolha dos projetos entrevistados, levou-se em consideração ainda a minha facilidade em chegar a esses projetos para entrevistalos, uma vez que trabalho diretamente com a assessoria jurídico-cultural de alguns projetos culturais em âmbito estadual e municipal. De modo secundário, fez-se ainda um levantamento da quantidade de projetos habilitados nas leis de incentivo estadual e municipal que foram aprovados nos últimos 04 (quatro) anos e que conseguiram (ou não) captar os valores pleiteados. Para além da realidade do dia-a-dia dos projetos culturais que são financiados pelas leis de incentivo à cultura, também levei em consideração a percepção da figura do Produtor Cultural, agente particular responsável pela elaboração dos projetos culturais e captação dos recursos financeiros para os mesmos. Assim, foram entrevistados os produtores culturais Marcelo Veni (Prêmio Hangar de Música), Tuyanne Medeiros (MAPA Realizações Culturais) e Carla Mariane Dantas (Festival UrbanoCine de Cinema Itinerante). Ademais, é importante também que se leve em conta a opinião dos atores públicos responsáveis pela gestão dos dispositivos legais aqui estudados em âmbito estadual e municipal. Para tanto, entrevistei também a Professora Isaura Rosado, Presidente da Fundação José Augusto, órgão responsável pela gestão da Lei Câmara Cascudo, bem como o Secretário da Cultura do Município de Natal, Dácio Galvão, gestor da pasta da Secretaria da Cultura de Natal (SECULT), que responde em nome da Lei Djalma Maranhão. Por fim, ouvi ainda algumas empresas que patrocinaram os projetos culturais aprovados nas leis de incentivo à cultura nos últimos anos. São elas a Companhia de Serviços Elétricos do Rio Grande do Norte (COSERN- Grupo Neoenergia), que atualmente ocupa o lugar de maior investidor privado no setor cultural do RN. A COSERN conta anualmente com um edital de fomento específico para o setor, no qual somente estão aptos a se candidatar os projetos já aprovados na lei de incentivo estadual (Câmara Cascudo) para o ano fiscal relativo à execução orçamentária corrente, além da Unimed Natal (serviços de saúde) e a Comjol (serviços de construção em geral). Atualmente, o financiamento de projetos, de modo isolado, assumiu o primeiro plano nos debates envolvendo as políticas de incentivo e fomento à cultura, por meio da série de benefícios fiscais oferecidos aos apoiadores dos projetos, o que se mostra como um fator deveras atrativo para os mesmos. De tal modo, incitou20.

(22) se no seio da comunidade interessada um debate cada vez mais crescente, onde se questiona a eficácia desse modelo de renúncia fiscal, colocando-se em questão a série de equívocos cometidos pelos poderes públicos –em todas as suas esferas- no momento em que, por omissão deliberada, falta de interesse para com o setor, ou ainda escassez de recursos, delegam as decisões acerca da produção artística e cultural sob a responsabilidade dos setores de marketing das empresas apoiadoras dos projetos, relegando para último plano o que de fato importa para uma correta gestão dos recursos financeiros voltados ao setor cultural, que é o alcance cada vez maior das populações economicamente vulneráveis em face dos bens de consumo de cultural e artístico, postulado expresso como Direito e Garantia Fundamental pela Carta Constitucional vigente. Desta feita, os projetos contemplados pelas leis de incentivo à cultura se veem cada vez mais dependentes do julgo das empresas investidoras, bem como de suas redes de contatos. Como objetivos específicos, esta pesquisa contou com a propositura de uma reflexão aprofundada acerca do conceito de Cultura e seus desdobramentos, até chegar às questões envolvendo a exploração econômica desta, de onde decorreu o surgimento de novas áreas de conhecimento, fortemente disseminadas nos últimos tempos, a exemplo da Economia da Cultura e Economia Criativa. Analisamos ainda a relação entre o Estado e Sociedade Civil dentro do âmbito da cultura, observando em que pontos esta relação é aberta e democrática com vistas ao atendimento das necessidades culturais observadas nos mais diversos grupos sociais. Este objetivo específico é primordial para que se entenda por quais motivos o ápice da evolução das políticas de fomento à cultura no Brasil se deu, contraditoriamente ao que se espera de uma gestão cultural ampla e democrática, em períodos de governos severos e ditatoriais. Identificamos ainda quais são os pontos positivos e as eventuais falhas deste modelo de financiamento, criado no ano de 1986 e que sabidamente já não atende mais às especificidades culturais observadas após trinta anos de seu surgimento, contando a partir da promulgação da extinta Lei Sarney, dado o processo constante de modificações sociais encontrado em um país marcado por tantas discrepâncias sociais, como é o caso do Brasil. A ampliação da interpretação do conceito antropológico do termo Cultura, garantida após a gestão presidencial de Luís Inácio Lula da Silva (2002-2010) é o que melhor traduz este ponto. Por fim, 21.

(23) observamos os pontos de êxito ou fracasso da implementação deste modelo de financiamento em âmbito local, além de propor uma análise desta relação social, cultural e jurídica para efeitos da realidade da produção cultural na cidade de Natal-RN, lócus de pesquisa proposto para a realização deste trabalho, por meio de um estudo de caso que visou aprofundar o entendimento do interlocutor no que tange a gestão das políticas culturais por parte dos órgãos responsáveis por estas no estado do Rio Grande do Norte, bem como no município de Natal. Pierre Bourdieu em sua obra O Uso das Ciências Sociais (2004) defende que todas as produções culturais, tais como história, filosofia, ciência, arte, literatura, dentre outras, são necessariamente objetos de análise científica. Assevera ainda que em todas as vertentes citadas há uma história envolvida, bem como que em todos esses campos existe uma ideia de oposição, de antagonismo. De tal modo, observa-se um embate entre duas correntes de pensamento: daqueles que defendem que, para que haja a total absorção do objeto estudado, basta que tão somente se leia os mais variados textos; esses, por sua vez, são tidos como o todo de um determinado assunto, e nada mais há para ser conhecido além dele. Há ainda, em oposição, os defensores de um modo de pensamento que relacionam o texto ao contexto e propõem a interpretação de um determinado assunto levando-se em consideração todos os possíveis fatores externos ao texto, tais como a organização social na qual o objeto investigado encontra-se inserido, corrente adotada pelos pesquisadores que se valem de técnicas de pesquisas que primam pela participação direta, por meio da vivência no fenômeno pesquisado. Nesta mesma obra, Bourdieu (2004, p. 20) desenvolve a noção de campo de pesquisa, a qual defende como sendo os espaços relativamente autônomos, “microcosmos dotados de leis e modos próprio.” Uma das formas de estruturar o campo científico, segundo o autor (BOURDIEU, 2004, p. 24), é a distribuição do capital científico entre os membros envolvidos no processo, conferindo a estes um peso exato para cada uma de suas ações, além da atribuição de influências ou poderes dentro dos “microcosmos” em questão. Desta feita, os agentes do campo são os principais responsáveis pelas mudanças ocasionadas neste, em decorrência das atividades que exercem nele. O capital cultural, por sua vez, configura uma das formas de capitais simbólicos, que se baseiam em relações de influências, conhecimentos e reconhecimentos dentro do campo explorado. Por exemplo, um 22.

(24) pesquisador da área de cultura tem sua importância medida pelo reconhecimento que os demais estudiosos da área têm sobre ele mesmo, dentro da lógica específica do microcosmo dos estudos em cultura. Nesta perspectiva, o autor conclui que: Esse capital, de um tipo inteiramente particular, repousa, por sua vez, sobre o reconhecimento de uma competência que, para além dos efeitos que ela produz e em parte mediante esses efeitos, proporciona autoridade e contribui para definir não somente as regras do jogo, mas também suas regularidades, as leis segundo as quais vão se distribuir os lucros nesse jogo, as leis que fazem que seja ou não importante escrever sobre tal tema, que é brilhante ou ultrapassado, e o que é mais compensador publicar no American Journal de tal e tal do que na Revue Française disso e daquilo. (BOURDIEU, 2004, p.27). Posto isto, entendemos que para elaborarmos o nosso objeto de pesquisa, não é suficientemente válido ater-se somente ao conteúdo textual que nos está disponível, nem tampouco fundi-lo ao contexto social no qual a nossa temática se encontra inserido, a fim de que se estabeleça tão somente uma ligação entre texto e contexto. Ainda com relação ao campo de pesquisa, assevera o autor que: Em outras palavras, é preciso escapar à alternativa da “ciência pura” totalmente livre de qualquer necessidade social, e da “ciência escrava”, sujeita a todas as demandas políticoeconômicas. O campo científico é um mundo social e, como tal, faz imposições, solicitações, etc., que são, no entanto, relativamente independentes das pressões do mundo social global que o envolve. De fato, as pressões externas, sejam de que natureza forem, só se exercem por intermédio do campo, e são mediatizadas pela lógica do campo. Uma das manifestações mais visíveis da autonomia do campo é a sua capacidade de refratar, retraduzindo sob uma forma específica as pressões ou as demandas externas. (BOURDIEU, 2004, p. 21).. A ideia inicial que devemos ter por base é a de compreender a pesquisa sociológica como uma ideia e atividade racional, conforme explicou Bourdieu (2004 p. 32), excetuando-se a possibilidade de interpretação do objeto a ser estudado como sendo um campo místico e indecifrável. Desta feita, o pesquisador deve portar-se tal qual um trabalhador que se dedica integral e com maestria ao seu ofício, contribuindo, portando, para a produção do conhecimento acerca daquele determinado assunto, a fim de construir e disponibilizar um legado intelectual que servirá de auxílio para os demais pesquisadores que estão por vir. O autor assevera 23.

(25) ainda que a ciência deve recusar as certezas e premissas já colocadas do saber definitivo, uma vez que esta somente poderá evoluir caso ponha em xeque os princípios de suas próprias certezas e construções. Isto posto, para se fazer ciência seria necessário “(...) evitar as aparências da cientificidade, contradizer mesmo as normas em vigor e desafiar os critérios correntes do rigor científico.” (BOURDIEU, 2002, p. 42). Para a produção da estratégia metodológica, me vali ainda dos preceitos elencados por Santos (1995) ao longo de sua produção intelectual. A produção do conhecimento, segundo o autor (SANTOS, 1995, p. 5), passou por diversas fases ao longo dos tempos, dentre as quais se destaca o paradigma dominante. Este serve como norte para as pesquisas envolvendo as temáticas relacionadas às ciências sociais. Neste, o autor traça uma diferenciação clara entre os modos de pesquisa a serem adotados nas ciências sociais e naturais. Defende-se, pois, a adoção do método qualitativo de pesquisa, uma vez que este melhor se enquadrará à dinâmica que por ora é proposta para a realização desta pesquisa. A Pesquisa Qualitativa, muito embora tenha alargado o seu espaço e conquistado um destaque merecido, ainda é objeto de questionamento por parte de alguns pesquisadores, sobretudo das ciências sociais, os quais defendem que o referido modelo de pesquisa não é dotado da mesma rigidez adotada na análise de dados e coletas de informações presentes na pesquisa quantitativa, bem como não possui a força da generalização dos resultados encontrados (GOLDENBERG, 2004). A produção do conhecimento científico nas Ciências Sociais vem incorporando, desde meados dos séculos XVIII/XIX, o modelo de racionalidade que se fixou dentro dos moldes das ciências naturais, ainda no século XVI. O referido modelo de racionalidade se diferencia de duas outras formas de conhecimento não científico: os estudos humanísticos – também chamados de Humanidades, aos quais foram incluídos os estudos históricos, filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e teológicos, - e o senso comum. Desta feita, vejamos o que diz Santos acerca do que foi acima referido: O modelo de racionalidade que preside a ciência moderna constituiu-se a partir da revolução científica do século XVI e foi desenvolvido nos séculos seguintes basicamente no domínio das ciências naturais. Ainda que com alguns prenúncios no século XVIII, é só no século XIX que este modelo de racionalidade se estende as ciências sociais emergentes. A partir de então, pode 24.

(26) falar-se de um modelo global de racionalidade científica que admite variedade interna, mas que se distingue e defende, por via de fronteiras ostensiva e ostensivamente policiadas, de duas formas de conhecimento não cientifico (e, portanto, irracional) potencialmente perturbadoras e intrusas: o senso comum e as chamadas humanidades ou estudos humanísticos. (SANTOS, 1995, p. 36).. Desta feita, entende-se o paradigma dominante como sendo o modelo de racionalidade que guia os preceitos da ciência moderna, tendo sido constituído a partir da Revolução Científica do século XVI, que foi adotado e desenvolvido pelas ciências naturais. Somente no século XIX é que esta referida corrente de pensamentos se expande até que chega às ciências sociais. Emerge, com isto, um modelo global de racionalidade. Podemos destacar alguns princípios fundantes da referida corrente de pensamento, a saber: a observação, a experiência, o pensamento dedutivo, a quantificação e ainda a divisão e classificação das informações, de modo que “conhecer significa dividir e classificar para depois determinar relações sistemáticas entre o que se separou.” (SANTOS, 1995, p. 28).. As principais vertentes desta corrente são a aplicação aos estudos sociais de todos os princípios epistemológicos e metodológicos dos estudos da natureza desde meados do século XVI. No entanto, Santos (1995, p. 32) dá conta da reivindicação para as ciências sociais de um estatuto epistemológico e metodológico próprio, com base nas especificidades, distinções e particularidades do ser humano. Pode se destacar ainda, para a construção do nosso objeto metodológico, as quatro teses do paradigma emergente, também defendidas pelo autor. A primeira parte do pressuposto de que todo conhecimento científico-natural é científico-social; a segunda, de que todo conhecimento local é total; a terceira defende que todo conhecimento é autoconhecimento e a quarta, por seu turno, pressupõe que todo conhecimento científico visa constituir-se de senso comum.. Segundo o primeiro pressuposto, a distinção até então existente entre as ciências naturais e as sociais passam, enfim, a deixar de ter utilidade e sentido: “... temos finalmente que perguntar pelo papel de todo o conhecimento científico acumulado no enriquecimento ou no empobrecimento prático das nossas vidas.” (SANTOS, 1995, p. 18). Desta feita, para efeitos da contemporaneidade, não se tem 25.

(27) mais espaço para traçar as diferenciações e separações por área que se fazia anteriormente, uma vez que, grosso modo, todo conhecimento se faz de um único conhecimento, como bem expressa o autor em seu segundo pressuposto, “todo conhecimento é local e total” (SANTOS, 1995, p. 57). A ciência do Paradigma Emergente (...) é também assumidamente tradutora, ou seja, incentiva os conceitos e as teorias desenvolvidos localmente e emigram para outros lugares cognitivos, de modo a poderem ser utilizados fora de seus contextos de origem. (SANTOS, 1995, p. 34).. Conforme já foi exposto no início deste capítulo, a presente pesquisa se baseou segundo os moldes da metodologia qualitativa. De tal modo, se dispôs à responsabilidade de buscar a exaustão e a qualificação do objeto de análise ora proposto. A pesquisa qualitativa pode ser definida, assim, segundo um estudo que para além do levantamento de eventuais dados estatísticos, procura identificar e analisar com profundidade as informações e variáveis que se relacionam e correlacionam com o objeto de estudo, ou seja, proporciona a total exaustão dos meios de levantamento de informações do contexto da problemática. A principal técnica de pesquisa utilizada foi a de entrevistas. Segundo Goldenberg (2004), as entrevistas podem ser sistematizadas e classificadas em: padronizadas, onde as perguntas podem ser abertas ou fechadas e são feitas da mesma maneira para todos os entrevistados; assimétricas, onde as análises das respostas são dificultadas, uma vez que não são direcionadas pelo pesquisador, e projetivas, ocasião na qual o pesquisador se utiliza de elementos visuais e extra textuais a fim de estimular a criatividade das respostas (GOLDENBERG, 2004, p. 87). Segundo a autora, as vantagens que se observa na adoção desta técnica de pesquisa são várias, dentre as quais podemos destacar a possibilidade de coletar informações de pessoas que não sabem ou simplesmente não gostam de escrever, além de possibilitar a observação das reações dos entrevistados. Todavia, há que se levar em consideração também algumas desvantagens, dentre as quais a chance de se desenvolver uma relação de amizade ou proximidade entre o entrevistador e o entrevistado, o que pode ocasionar no comprometimento da condução da pesquisa, além da probabilidade de a opinião do entrevistador alterar a do entrevistado e viceversa.. Para. efeitos. desta. pesquisa,. as. entrevistas. seguiram. o. modelo 26.

(28) semiestruturado, ocasião na qual foi adotada a utilização de roteiros previamente elaborados com perguntas semiabertas a fim de garantir a multiplicidade de interpretações para as respostas dos entrevistados (GOLDENBERG, 2004, p. 8889). A referida técnica foi adotada tendo em vista a complexidade do tema pesquisado, em crescente expansão acadêmica, não sendo suficientemente abrangente um levantamento bibliográfico.. 27.

(29) CAPÍTULO 2 SIGNIFICADOS DE CULTURA 2.1 – Conceituação Definir Cultura não é das tarefas mais simples, uma vez que esta desperta a multidisciplinaridade, e há tempos vem servindo como objeto de estudo nas mais variadas áreas das ciências sociais. Tal contexto se dá segundo a própria natureza multidisciplinar da palavra, que permeia os mais diversos campos da vida cotidiana. Ademais, a palavra “cultura” vem sendo utilizada para se referir a diferentes campos semânticos, no escopo de substituir outros termos, “tais quais mentalidade, espírito, tradição e ideologia” (CUCHE, 1996, p.203). Nesta mesma perspectiva, Cuche (1996) enfatiza que “o homem é essencialmente um ser de cultura.” Esta talvez seja a premissa que melhor traduza a principal intenção do presente tópico, posto que definir o termo cultura está tão intimamente ligado às adaptações do homem ao meio social quanto o contrário. Neste sentido, o autor ressalta que: A cultura permite ao homem não somente adaptar-se ao seu meio, mas também adaptar este meio ao próprio homem, as suas necessidades e seus projetos. Em suma, a cultura torna possível a transformação da natureza. (CUCHE, 1996, p. 10).. É comum que nos deparemos cotidianamente com termos a exemplo de “cultura política”, “cultura organizacional”, “cultura das artes” dentre outros, o que nos remete a concluir que há inúmeros conceitos a partir de cultura, nas mais diversas e peculiares interpretações, fato que dá ao termo uma característica plurissignificativa. O significado antropológico de Cultura remete à ideia de que a mesma compreende todas as realizações, materiais e imateriais, tangíveis e intangíveis, bem como os aspectos intrínsecos e espirituais de um povo. Em outros termos, a Cultura significa tudo o que tenha sido produzido pela humanidade, em sentido concreto, ou no abstrato, desde objetos, artefatos, arquitetura, realizações e características exclusivas de uma determinada sociedade, que imprimam a esta uma identidade própria, até às crenças, hábitos, fazeres e valores morais desta (CANCLINI, 1989, p. 71).. Origina-se da. concepção da definição dos modos de vida, bem como as interações sociais que 28.

(30) caracterizam uma sociedade, conforme ressalta Botelho (2001, p. 02): “ela se produz através da interação social dos indivíduos, que elaboram seus modos de pensar e sentir, constroem seus valores, manejam suas identidades e diferenças e estabelecem suas rotinas.” Sendo assim, a cultura é todo o arcabouço de conhecimentos e habilidades humanas que são desprendidas nas relações sociais dos indivíduos, que abarca toda a gama de conhecimentos e de habilidades humanas que são empregadas na vida em sociedade. É ainda todo o comportamento apreendido e depreendido das vivências dos indivíduos, independentemente de questões biológicas (BOTELHO, 2001, p. 04). A referida ideia foi desenvolvida pelo teórico britânico Edward Burnett Tylor (1832-1917), no final do século XIX, e percebemos de modo cada vez mais preponderante a expansão do aprofundamento dessas questões dentro dos objetos de estudo das ciências sociais, a fim de uma melhor compreensão do comportamento do indivíduo em sociedade e consequentemente promover a evolução do debate incitado por Tylor (2009), este que também desenvolveu a primeira definição etnológica sobre o que seria a Cultura, que por sua vez é considerado um marco do início da compreensão da cultura oposta à ideia de herança biológica.. Tylor (2009) sabidamente conhecido defensor da. Teoria Evolucionista, defendia em sua dissertativa a existência de uma escala de níveis de evolução para que se chegasse ao progresso cultural, além de enfatizar que as sociedades primitivas deveriam se inspirar nas mais evoluídas, a exemplo dos países do Ocidente, notadamente mais culturalmente evoluídos que outros da África, por exemplo, para que chegassem ao status de sociedade civilizada. O referido pensamento se desdobra no que é conhecido pela literatura especializada como o Modelo Hierarquizado de Cultura. Sob esta ótica, a primeira definição etnológica do sentido de cultura é atribuída ao referido autor. O mesmo dispõe que: Cultura e civilização, tomados em seu sentido etnológico mais vasto, são um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade (TYLOR, 1871, p. 1).. Na literatura contemporânea, uma autora que tece apontamentos importantes quanto ao sentido da cultura é Isaura Botelho (2001). A teórica 29.

(31) distingue cultura em duas dimensões. São estas a dimensão antropológica e a sociológica da cultura. Segundo a dimensão antropológica, a cultura se produz através das interações, práticas e vivências sociais dos indivíduos, os quais desenvolvem seus modos de pensar, agir e sentir, moldam e praticam seus valores, e criam suas identidades e diferenças, além de estabelecerem suas rotinas em grupo e suas noções do que é certo e o que é errado. Neste sentido, na obra Dimensões da Cultura e Políticas Públicas, a autora defende que enfatiza que: Vale nesta linha de continuidade a incorporação da dimensão antropológica da cultura, aquela que, levada às últimas consequências, tem em vista a formação global do indivíduo, a valorização dos seus modos de viver, pensar e fruir, de suas manifestações simbólicas e materiais, e que busca, ao mesmo tempo, ampliar seu repertório de informação cultural, enriquecendo e alargando sua capacidade de agir sobre o mundo. O essencial é a qualidade de vida e a cidadania, tendo a população como foco (BOTELHO, 2001, p.73).. E acrescenta: Desta forma, cada indivíduo ergue à sua volta, e em função de determinações de tipo diverso, pequenos mundos de sentido que lhe permitem uma relativa estabilidade. Desse modo, a cultura fornece aos indivíduos aquilo que é chamado por Michel de Certeau, de “equilíbrios simbólicos, contratos de compatibilidade e compromissos mais ou menos temporários.“ (BOTELHO, 2001, p. 74).. Já a dimensão sociológica, por sua vez, não se configura a partir do plano cotidiano. dos. indivíduos,. mas. sim. segundo. um. âmbito. especializado.. Compreende uma produção inteiramente desenvolvida com o objetivo de construir determinados paradigmas e alcançar um tipo específico de público, através de meios próprios de expressão. Para que esse objetivo seja alcançado, é necessário que o indivíduo disponha de uma série de recursos que facilitem o desenvolvimento e aperfeiçoamento de suas habilidades, do mesmo modo que o ator social envolvido depende de vias de execuções que permitam uma maior expressão dessas habilidades. (BOTELHO, 2001, p. 76). Sob essa ótica, a autora citada supra ainda defende que:. 30.

(32) [...] a dimensão sociológica da cultura refere-se a um conjunto diversificado de demandas profissionais, institucionais, políticas e econômicas, tendo, portanto, visibilidade em si própria. Ela compõe um universo que gere (ou interfere em) um circuito organizacional, cuja complexidade faz dela, geralmente, o foco de atenção das políticas culturais, deixando o plano antropológico relegado simplesmente ao discurso. (BOTELHO, 2001, p.75).. A diferença fundante entre a dimensão antropológica e a sociológica da cultura pode ser definida de modo prático. Enquanto que a primeira é, conforme o pensamento da autora, uma dimensão amarrada no campo político à ideia do discurso, da vivência e do modo de pensar dos indivíduos ou, por assim dizer, a expressão literal das relações que cada indivíduo estabelece com seu universo mais próximo, a segunda está fundamentada no planejamento de ações impostas e executadas pelas instituições competentes, a fim de se chegar o quão rápido seja ao diagnóstico e à solução dos problemas que emergem do seio da fração social interessada nas relações políticas advindas da exploração da cultura na esfera política. (BOTELHO, 2001, p. 70). Atentemos ao fato de que estes variados significados se devem à própria natureza da palavra, originária do latim colore, ao qual se pode atribuir significados dos mais diversos, a exemplo de: cultivar, habitar, proteger, resguardar, honrar, dentre outros, conforme expressa Cuche (1996) “vinda do latim colore, que significa cuidado dispensado ao campo ou ao gado.” Até o início do século XVI, este termo era normalmente utilizado para se referir a uma ação, no sentido de cultivar e cuidar de algo, seja no manejo de animais ou de plantações, colheitas e demais elementos que contemporaneamente podemos ligar à atividade agropecuária. A partir do final do século passado, observou-se uma expansão da compreensão do referido termo e, além de remeter às especificidades do trabalho agrícola, a Cultura passa também a designar os esforços desprendidos nas atividades humanas. Mais tarde, a Cultura é definida pelas atividades e obras artísticas, primeiramente consideradas da elite, se estendendo posteriormente às chamadas culturas populares e culturas de massas, que passam a ser tratadas como cultura. (CUCHE, 1996, p. 96).. 31.

(33) Em sua obra A Noção da Cultura nas Ciências Sociais, Cuche (1996, p. 79) defende que os séculos XVIII e XIX foram marcados como o período de popularização e fortalecimento do sentido figurado empregado à palavra Cultura dentro dos meios artísticos, acadêmicos e intelectuais. Locuções como “Cultura das Artes”, “Cultura das Letras”, “Cultura Política”, “Cultura Social” dentre outras, demonstram que o termo Cultura era utilizado sempre precedido de algum complemento, a fim de explicar o assunto ao qual se estava “cultivando”. Segundo a corrente Iluminista, a cultura subentende o estado de espírito cultivado pela instrução. Conforme aponta Cuche (1996, p. 21), o termo remete à “soma dos saberes, acumulados e transmitidos pela humanidade, considerada como totalidade, ao longo da história.” Segundo o autor, a palavra estava ainda atrelada à ideia de evolução, progresso, educação e razão. Sendo assim, a cultura e o progresso deveriam caminhar necessariamente juntos, todavia a primeira remetia aos avanços individuais, enquanto que o segundo evocava os progressos coletivos. Neste sentido, há que se traçar uma diferenciação entre o estado natural do homem, irracional e sem cultura, e a cultura a qual o mesmo é exposto por meio dos canais de conhecimento. Decorre daí a corrente que defende que os grupos primitivos poderiam evoluir culturalmente e chegar aos estágios de progressos observados nas comunidades civilizadas. O referido pensamento deu origem ao senso comum que se observa nos dias atuais, que supõe que apenas os indivíduos letrados e possuidores de títulos que atestem sua escolarização são seres detentores de cultura. (CUCHE, 1996, p. 24). As discussões acerca do sentido da palavra Cultura, bem como a evolução de seu significado, marcaram a formulação das duas concepções de cultura que configuram a base dos estudos e questionamentos dentro do campo das Ciências Sociais. A concepção francesa de cultura enquanto característica intrínseca do gênero humano fez surgir o conceito universalista, enquanto que o entendimento alemão defende que a cultura é um conjunto de características intelectuais, morais e artísticas que constituem o patrimônio imaterial e consequentemente ligado à identidade intelectual de um povo. Daí decorre a corrente que defende a supremacia cultural dos países ocidentais. (CUCHE, 1996, p. 22). Nesta perspectiva, emerge no seio das sociedades e, por conseguinte, das elites pensantes, a necessidade de diferenciação e separação das classes culturais, 32.

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