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Educação infantil, infância onírica e reencantamento do mundo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

EM CIÊNCIAS SOCIAIS

EDUCAÇÂO INFANTIL, INFÂNCIA ONÍRICA E REENCANTAMENTO DO MUNDO

Rodrigo Viana Sales Orientadora: Profª Drª Ana Laudelina Ferreira Gomes

NATAL/RN 2018

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RODRIGO VIANA SALES

EDUCAÇÂO INFANTIL, INFÂNCIA ONÍRICA E REENCANTAMENTO DO MUNDO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais.

Área de Concentração: Complexidade, cultura e pensamento social.

Orientadora: Profª Drª Ana Laudelina Ferreira Gomes

NATAL/RN 2018

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RODRIGO VIANA SALES

EDUCAÇÂO INFANTIL, INFÂNCIA ONÍRICA E REENCANTAMENTO DO MUNDO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais.

Data da aprovação: 23/03/2018.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Profª Drª Ana Laudelina Ferreira Gomes - Orientadora-UFRN

_________________________________________________ Prof Dr Orivaldo Pimentel Lopes Junior – Membro Interno – UFRN

_________________________________________________ Profª Drª – Michelle Ferret Badiali – Membro Interno – UFRN

_________________________________________________ Prof Dr Victor Hugo Guimarães Rodrigues – Membro Externo - FURG

_________________________________________________

Prof Dr – Maurício Camargo Panella – Membro Externo – Instituto Casadágua

_________________________________________________ Hermano Machado Ferreira Lima – Suplente

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Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748 Sales, Rodrigo Viana.

Educação infantil, infância onírica e reencantamento do mundo / Rodrigo Viana Sales. - 2018.

217f.: il.

Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Natal, RN, 2018.

Orientador: Prof.ª Dr.ª Ana Laudelina Ferreira Gomes.

1. Educação Infantil. 2. Infância onírica. 3. Reencantamento do Mundo. 4. Imaginação Poética. 5. Educação Imaginativa. I. Gomes, Ana Laudelina Ferreira. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 37.013.42

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

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Dedico essa Tese à Infância Onírica. Ao estado de felicidade infantil da alma que provoca o corpo da criança à brincadeira e o corpo

maduro ao devaneio poético. Aos

pequerruchos que são capazes de despertar em nós nosso núcleo de infância, e aos adultos que sabem que a leveza da vida passa por experimentar o mundo como um infante. Por fim, aos meus avós paternos, maternos e adotivos, seja na presença, ou nas minhas memórias sonhadas, sempre suscitam em mim o menino que sou.

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AGRADECIMENTOS

A origem da palavra gratidão vem do latim e pode ser associada etimologicamente a palavra agradável. Gratidão é a agradável expressão do reconhecimento da bem feitoria de outros na sua vida, no seu trabalho, numa atividade exercida. Já a palavra obrigado, que também tem uma raiz latina, possui um radical filiado a concepção de ligação. Dito isto, reconheço as múltiplas ligações em forma de amor, carinho, apoio, compreensão, incentivo, torcida, ensinamentos, inspiração, paciência, força e orações que favoreceram a escrita deste trabalho. Não poderia deixar de expressar minha felicidade e gratidão pelos bem feitores do meu caminho.

Começo a tecer o fio da gratidão iniciando pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), instituição que me acolheu e colaborou com minha própria reinvenção e abertura de mundos. Todavia, essa trama só se fez possível por meio do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da referida instituição. Agradeço ao Coordenador Alex Galeno e aos incansáveis parceiros da secretaria do programa Jeferson e Othânio representando todos os que compõem o PPGCS/UFRN.

Gratulo também a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelas bolsas recebidas, instrumento que muitas vezes garante a oportunidade de estudantes oriundos das classes populares se manterem na pós-graduação. Portanto, um instrumento de democratização ao acesso à universidade pública e ao conhecimento. Sem esquecer da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), da Advogada Lisiane Rosa Magalhães, e em especial, de minha companheira Jamilly de Souza Costa, por terem lutado para garantir o meu direito de ser professor do Governo do Estado do Rio Grande do Norte e bolsista CAPES, como assegura a lei. Não podemos esquecer que para um educador da rede pública, muitas vezes a bolsa de pós-graduação é a única maneira de conservar este profissional na universidade, sem o mesmo ter que se desdobrar em três turnos de trabalho docente para garantir seu sustento. Além de ser uma oportunidade ímpar da educação contar com um profissional cada vez melhor capacitado para atender as demandas e desafios do ensino público.

Reconheço, agradeço e alegro-me com o aceite e ensinamentos dos membros da banca de defesa desta tese: Hermano Machado, Maurício Camargo

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Panella, Michelle Ferret Badiali, Orivaldo Pimentel Lopes Junior e Victor Hugo Guimarães Rodrigues. São para mim, perene fonte de admiração, inspiração, aprendizados e devaneios.

Regracio também a minha orientadora, Ana Laudelina Ferreira Gomes, quem me encantou com o pensamento bachelardiano, mudando minha forma de meditar, entender o mundo, e de viver. Exercendo com sua prática um fazer acadêmico de religação dos saberes, além de um exercício docente de orientação que ensina a razão e imaginação, com respeito, escuta, delicadeza, cumplicidade, rigor e carinho. O meu profundo obrigado também, pela amizade retribuída. Dedico-lhe grande admiração. Presto minha gratidão e amizade aos orientandos da professora Ana Laudelina, pessoas com quem aprendi muito sobre razão e imaginação, bem como sobre afeição, estima e corresponsabilidade. Cito-os nominalmente: Alecrides, Analis, Daniella Lago, Danielle Sousa, Evaneide, Genison, Genilson, Karla, Isabel, Marcelo, Michelle, Míriam e em especial ao caro Ozaías, que muito me ajudou.

Gratifico incomensuravelmente a gestão e professores do Núcleo de Educação Infantil-NEI/UFRN (piloto da pesquisa) em especial à coordenadora Analice Cordeiro e as professoras da Suzana, Daniele e Gildete; à Escola Freinet, agradeço representando toda a comunidade escolar a pessoa do seu gerente administrativo João Vianney, da gerente pedagógica Lilian Carvalho, além das professoras Sarah e Soraia que me acolheram em sua sala; Da mesma maneira, meu obrigado ao Centro Infantil Municipal Dona Liquinha Alves, e também representando toda comunidade escolar cito a diretora Maria Rosângela Silva, a coordenadora Sarah Mendes e os professores Isaac Terciano, Mariana Soares, além da auxiliar de sala Hélida. Sem a ajuda dos referidos profissionais e suas respectivas equipes, nossa pesquisa não teria sido possível.

Todavia, minha gratidão especial vai para todas as crianças observadas durante a pesquisa. Foi tentando ser regado pela forma encantada de cada uma viver sua experiência no mundo que minha própria relação com a vida se tornou mais encantada. Elas poetizaram meus pensamentos com suas manifestações e brincadeiras. Acenderam dentro de mim um menino que sempre me habitou, me fazendo lembrar e sonhar com minha criança interior e permitindo minha alma petiza1 trazer encantamento e felicidade para a vida de adulto.

1 Feminino de petiz que quer dizer pequeno. Petiza é sinónimo de criança pequena. Aqui, refere-se a um estado

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Não poderia deixar de lembrar da estimada e benquista professora Dalcy da Silva Cruz, mais do que qualquer outra pessoa, responsável por essa conquista. Pois, enquanto não me achava capaz de ingressar na pós, ela me incentivou, me apoiou, me ensinou, me provocou, enxugou minhas lágrimas, me presenteou com sua amizade, me fez sorrir e me fez sonhar. Me sinto fruto de um sonho seu. De um tempo onde eu não acreditava em mim. Antes de acreditar em mim mesmo, acreditei na crença dela em mim, e assim, ela me inventou. Não existem palavras para agradecer. Em nome dela, que me mostrou que ensinar é transformar vidas, agradeço à todos os meus professores e todos os meus alunos.

De importância ímpar na tessitura desta tese destaco e dedico minha gratidão pela disponibilidade de me ajudar e apoiar com suas leituras atentas e conversas inspiradas à competente professora Telma Araújo, à minha querida irmã Maiara, e mais uma vez, a minha namorada Jamilly. Meu obrigado também à gestão e toda a equipe da Escola Estadual Professor Antônio Basílio Filho que foi bem mais que compreensiva comigo, foi parceira, cúmplice, acolhedora e incentivadora.

Por fim e principalmente, agradeço à Deus por se fazer presente em minha vida por meio dos meus amigos e familiares. Estes por sua vez, colaboraram de todas as formas possíveis. Por vezes com silêncio, horas com palavras de ânimo; às vezes reunidos, mas a maior parte do tempo respeitando minha necessidade de ausência, ou a minha tensão e estresse; agradeço por toda energia positiva canalizada em orações, apoio, acolhimento, respeito e amor. Agradeço nominalmente a minha mãe Ana Magaly e minha segunda mãe Magna. Assim como, ao meu pai Jorge e à querida Neide. Minha avó Marlene e meus tios Jairo, Guilherme e Marcelus, minhas tias Jane e Mariza. Ao primo Ariston. Aos meus irmãos Magnus, Rafael, Maiara e Iago. A pequena Flora, o “encomendado” Vinícius e o meu querido Pedro Henrique. Em especial endosso minha gratidão a Jamilly Costa e seus familiares. Agradeço eternamente aos meus avós já encantados (in

memoriam): Francisca, Jerônimo, Ilza, José e Expedito. Cito também amigos os

quais representarão todos os não citados, mas não menos reconhecidos: André, Bender, Bethise, Dennys, Laura, Marcos, Mário, Mércia, Mikelly, Werneck, aqui não existe um ponto final... Obrigado.

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RESUMO

Essa Tese filia-se a abordagens teóricas sintonizadas a uma crítica da radicalização do processo de racionalização levado a cabo pela Modernidade Ocidental, tal como postulado por Max Weber. Processo este que vem fragmentando o humano na medida em que privilegia a dimensão do Logos sobre o Mythos, a razão sobre a imaginação, especialmente uma razão domesticada pela ciência moderna, impondo-se o pensamento prosaico e conceitual sobre o pensamento por imagens, este vinculado ao domínio do imaginário poético. O trabalho teve por objetivo investigar como (e em que medida) experiências de vivência da infância onírica (noção de Gaston Bachelard) por crianças da Educação Infantil de duas escolas da Grande Natal, Rio Grande do Norte – Brasil, possibilitaram (ou não) um reencantamento do mundo para as crianças e demais atores do processo educacional, incluindo o próprio pesquisador. Para tanto, realizou-se uma pesquisa etnográfica nas escolas Freinet e Dona Liquinha Alves, o que foi articulado a reflexões de Edgar Morin em relação ao pensamento complexo e à necessidade de religação dos saberes na educação, e de Maria da Conceição Almeida em relação a uma perspectiva que leve em conta a inteireza do antropos. Adicionalmente, dialogou-se problematizações de Wunenburger acerca da educação imaginativa implícita na filosofia de Gaston Bachelard. Para a leitura das imagens poéticas referidas à infância onírica, a pesquisa teve como referência as duas vias da filosofia estética bachelardiana, a fenomenologia da imaginação e a imaginação arquetípica dos elementos materiais. As experiências escolares investigadas demonstraram a possibilidade de reencantamento do mundo dos sujeitos estudados na medida em que razão e imaginação se articulam de modo equilibrado na prática educativa dos envolvidos no processo.

Palavras-chave: Infância onírica; Educação Infantil; Imaginação poética;

Reencantamento do mundo. Educação imaginativa.

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RESUMÉ

Cette thèse est basée sur des approches théoriques adaptées à une critique de la radicalisation du processus de rationalisation menée par la modernité occidentale, telle que postulée par Max Weber. Un processus qui fragmente l'être humain en ce sens qu'elle met l'accent sur l'ampleur du Logos sur le Mythos, la raison pour plus d'imagination, surtout une raison domestiqué pour la science moderne, en imposant la pensée prosaïque et conceptuelle sur la pensée par les images, cette borne au royaume de l'imagerie poétique. L'étude visait à étudier comment (et dans quelle mesure) les expériences de vie de l'enfance oneiric (notion de Gaston Bachelard) pour les enfants de la maternelle dans deux des écoles de la Grand Natal, Rio Grande do Norte - Brésil, a permis (ou non) un r éenchantement du monde pour les enfants et les autres acteurs du processus éducatif, y compris le chercheur lui-même. Par conséquent, il y avait une recherche ethnographique sur les écoles Freinet et Dona Liquinha Alves, qui a été articulée les réflexions d'Edgar Morin par rapport à la pensée complexe et la nécessité de religation des connaissances dans l'éducation, et de Maria da Conceição de Almeida concernant une perspective qui prend en compte la totalité de l'anthropos. En outre, nous avons travaillé sur la problématique de Jean-Jacques Wunenburger à propos de l'éducation imaginative implicite dans la philosophie de Gaston Bachelard. Pour lire les images poétiques visées de l'enfance onirique, la recherche a référence aux deux voies de la philosophie esth&ea cute;tique de Bachelard, la phénoménologie de l'imagination et l'imagination archétypale des éléments matériels. Les expériences scolaires étudiées ont démontré la possibilité de ré-enchantement du monde des sujets étudiés dans la mesure où la raison et l'imagination sont articulées de manière équilibrée dans la pratique éducative des personnes impliquées dans le processus.

Mots-clés: Enfance oneiric; Éducation des enfants; Imagination poétique;

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SÚMARIO

PRÓLOGO ... 12

A INFÂNCIA ONÍRICA ... 16

SEGUINDO A TRILHA INVESTIGATIVA: EM BUSCA DO ENCANTAMENTO ... 18

ESCOLAS E CRIANÇAS COMO CAMPOS/SUJEITOS DA INVESTIGAÇÃO ... 19

O campo de pesquisa ... 22

PERCURSO INVESTIGATIVO ... 24

O estudo tipo etnográfico ... 29

Instrumentos de pesquisa ... 30

Método de pesquisa ... 31

Escolha dos sujeitos da pesquisa ... 32

Sobre o lócus da pesquisa: seleção e características ... 33

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO (OU BRICOLAGEM TEXTUAL) ... 34

CAPÍTULO I... 36

TODO MENINO É UM REI ... 37

AS INFÂNCIAS POÉTICAS QUE DESAGUARAM EM MIM ... 43

A poeta de infâncias e a fuga do asilo ... 45

O menino das literaturas ... 47

Recordações sonhadas da cigarra dos trópicos ... 48

Alegrias amansadoras de tristezas ... 50

Brinquedos e flores, retratos do sertão ... 51

Há um moleque ... 53

CAPÍTULO II... 55

DESENCANTO, INFÂNCIA E REENCANTO ... 56

INFÂNCIA: INVENÇÃO E DESENCANTO ... 56

Modernidade e desencantamento ... 61

O sujeito moderno ... 65

Infância, escola e pedagogia ... 66

O IDIOMA ARRUMADO E O IDIOMA ONÍRICO ... 69

As linguagens de nossa humanidade ... 71

Por um paradigma aberto e dialógico ... 73

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A necessidade de retorno à infância ... 79

Horizontes de uma educação imaginativa ... 82

CAPÍTULO III ... 85

CAMPO ESCOLAR: INFÂNCIAS ONÍRICAS E DEVANEIOS DE ESCRITA ... 86

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO INFANTIL: O PILOTO, AS LIÇÕES E AS LIMITAÇÕES .. 87

ESCOLA FREINET NATAL ... 91

CENTRO INFANTIL MUNICIPAL DONA LIQUINHA ALVES: O NÍVEL V ... 114

CAPÍTULO IV ... 144

O CAMPO DAS MINHAS INFÂNCIAS: IMAGINAÇÃO, INFÂNCIA ONÍRICA E POESIA ... 145

TAIPU DAS MINHAS VONTADES ... 148

O REPOUSO DO SOLEDADE II ... 156

INFÂNCIA PERMANENTE ... 162

CAPÍTULO V ... 172

DIALOGANDO ENTRE ESCOLAS E HISTÓRIA DE VIDA: O COGITO SONHADOR E OS JARDINS DE INFÂNCIAS... 173

OBSTÁCULOS DO COGITO SONHADOR ... 179

JARDINS ARTIFICIALIS ... 181 O DEVANEIO ENSINA? ... 185 UM BACHELARD COMPLEXO?... 188 EDUCAÇÃO BACHELARDIANA ... 191 EPÍLOGO. ... 197 REFERÊNCIAS ... 204 APÊNDICE ... 216

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PRÓLOGO

Fig. 1 – Atividade de criança da Escola Freinet Fonte: Acervo do Autor (2016)

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PRÓLOGO

A CASA

Era uma casa Muito engraçada

Não tinha teto Não tinha nada Ninguém podia Entrar nela, não Porque na casa Não tinha chão Ninguém podia Dormir na rede Porque na casa Não tinha parede

Ninguém podia Fazer pipi Porque penico

Não tinha ali Mas era feita Com muito esmero Na Rua dos Bobos

Número Zero (Vinícius de Moraes)

A canção infantil “A casa”, de Vinícius de Moraes (2000), parece mais um sonho impossível. Isto porque (su)a poesia ultrapassa os limites da realidade. Pois bem, é partindo dela que inicio a escrevedura e a contação deste estudo. É bem verdade que a palavra “partindo” não expressa exatamente o que desejo dizer – melhor utilizar seu antônimo, “chegando”. Então, a motivação para esta pesquisa foi chegando e ajudando a sonhar uma “casa” (eternamente inacabada) como essa. Assim essa história iniciou. Na verdade, a casa nem é bem uma casa, por isso peço licença para parafrasear o poetinha, como era carinhosamente conhecido, e digo: “Era uma escola muito engraçada. Não tinha teto, não tinha nada. [...] Mas era feita com muito esmero, na rua dos bobos, número zero”.

No ano de 2012, ao entrar no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação da Professora Dra. Ana Laudelina Ferreira Gomes, continuo com os estudos complexus (MORIN, 2011, 2008, 2005, 2003; ALMEIDA, 2013, 2012, 2006), e agora me aventuro à conhecer o Bachelard noturno2: da poesia, dos arquétipos e da

2 José Américo Mota Pessanha, filosofo brasileiro que introduziu os estudos de Bachelard no Brasil, foi o

primeiro autor a falar que existe uma divisão na obra de Bachelard. De um lado um Bachelard diurno, da epistemologia. De outro, o Bachelard noturno, da poética.

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fenomenologia da imaginação. Daí passo a participar dos encontros de orientação coletivas promovidos pela orientadora, e, paulatinamente, a colaborar timidamente com a nossa casa/escola onírica.

Rubem Alves (2015, s/p) conta que quando o navegador Amyr Klink foi questionado sobre qual “a escola que você desejaria para os seus filhos?”, o navegante replicou: “uma escola que há na Ilha Faroe, entre a Inglaterra e a Islândia. Lá as crianças aprendem tudo o que devem aprender construindo uma casa viking…”. Segundo Alves, “para aprender uma coisa é preciso fazê-la. As crianças da Ilha Faroe aprendiam o que precisavam saber para viver construindo uma casa! Mas não será muito difícil construir uma casa? É difícil”, e complementa, “mas há um truque: a gente pode “imaginar” a casa que a gente quer construir. Tudo o que a gente faz começa na imaginação” (ALVES, 2015, s/p).

Assim, a professora Ana Laudelina começou esse sonho/casa/escola com outros orientandos em tempos idos, mas essa orientação coletiva e democrática que chamo de escola onírica, para mim, contribuiu decisivamente com uma nova forma de ver e viver o mundo. Há sonhos que intervêm no real mais que a realidade não sonhada. “Paulo Freire nos falava da ‘boniteza’ do sonho de ser professor de tantos jovens deste planeta. Se o sonho puder ser sonhado por muitos, deixará de ser um sonho e se tornará realidade” (GADOTTI, 2003, p.12). E é isso que as orientações coletivas vêm proporcionando: transformar dissertações, teses, estudos, trabalhos, intervenções sonhadas em realidade escrita, pensada, materializada e vivida. Não posso deixar de pontuar que, para além da escola sonhada, somos filiados ao Grupo de Pesquisa “MYTHOS-LOGOS: Religião, Mito e Espiritualidade” do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFRN.

Sabemos que Paulo Freire ao falar sobre a boniteza de ser professor (FREIRE, 1996), sobre o sonho como propulsor da mudança (1992), e até sobre a dialogia3, que deve mediatizar o sujeito entre os demais e com o mundo (2004), diz, sobretudo, sobre um contexto social e político. Entretanto, vamos além desse campo tão imprescindível abordado por ele. É com a afirmação de Alves que essa escola onírica torna-se possível. Imaginamos a escola e os textos que queremos. Daí o filósofo sonhador Gaston Bachelard (2008, 2009), mais seus comentadores como

3 Para Freire (2004), o diálogo é uma categoria muito cara, pois, por meio dele, os sujeitos são capazes de

pensar, repensar e refazer a sua realidade. Há portanto, na dialogia freriana um exercício de tomada de consciência, por isso o autor insere o diálogo como um dos pilares de sua pedagogia. Aqui, dialogia diz respeito a esse exercício.

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Gomes (2013a, 2013b, 2016a, 2016b, 2016c, 2018b) e Rodrigues (1999, 2008, 2013), entre tantos, vem “fundamentar” a nossa necessidade de devaneio poético, de transcender a realidade vivida por meio da nossa imaginação sonhadora. Mas isso só se faz possível porque a minha orientadora e os meus caros colegas cultivam um ambiente onde ensinamos a razão, mas também a imaginação, como nos aconselhou o mestre Bachelard (2009).

A estratégia de orientação coletiva, que permite leituras de textos seminais escolhidos (sobretudo a leitura das produções em andamento dos próprios membros do grupo) foram de suma importância para eu conhecer na prática o modelo de escola que defendo no decorrer deste texto: escolas dialogais, que ensinem o saber e a poesia (BACHELARD, 2009), que articulem a cultura humanística e a cultura científica, o homo sapiens e o homo demens (MORIN, 2003, 2005), as faculdades racional e imaginativa (WUNENBURGER, 2003, 2005).

Assim, posso afirmar com convicção que esta tese foi tecida de muitos fios, sugestões, provocações e acolhimento, os quais ressignifiquei no meu labor e artesanato intelectual. Aqueles encontros foram regados de conversas saudáveis e prazerosas, leituras comprometidas, reflexões pertinentes e encantamentos poéticos. Por isso, a escola imaginada e sonhada é tão engraçada, como a casa de Vinícius de Moraes. Ela não existe fisicamente, falta teto, chão, paredes, penico, mas ela é feita com muito esmero, cumplicidade e corresponsabilidade4.

Sob os muros muito velhos da academia, posso ser adjetivado de bobo (não enquadrado na ciência tradicional). Porém, se ser bobo é se abrir para a poesia como uma nova possibilidade mais sensível de entender o mundo, se é imaginar e sonhar, tomo o exemplo de Manoel de Barros e admito minha bobice com felicidade. Chamo-a de encantamento. Agradeço timidamente o adjetivo, pois assim como no poema citado abaixo, sou fraco para elogios. Na ocasião, disse o poeta:

[...] Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro / Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas) / Por essa pequena sentença me chamaram de imbecil / Fiquei emocionado e chorei / Sou fraco para elogios (BARROS, 2010, p. 403).

4 Sobre a escola onírica, trago uma (re)leitura dos trabalhos do grupo que contribuíram diretamente com a

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A INFÂNCIA ONÍRICA

“Sonha-se antes de contemplar. Antes de ser um espetáculo consciente, toda paisagem é uma experiência onírica. Só olhamos com uma paixão estética as paisagens que vimos antes em sonho”.

(Gaston Bachelard)

Ainda sob o tom das notas iniciais, vamos meditar5 na canção “Travessuras”, de Oswaldo Montenegro (2017):

Eu insisto em cantar Diferente do que ouvi Seja como for recomeçar Nada há, mais há de vir Me disseram que sonhar Era ingênuo, e daí?

Nossa geração não quer sonhar Pois que sonhe a que há de vir Eu preciso é te provar

Que ainda sou o mesmo menino Que não dorme a planejar travessuras E fez do som da tua risada um hino.

Na canção, o sujeito é desmotivado a sonhar, o pensamento hegemônico de sua geração negligencia ao sonho. Ainda assim, ele segue com uma esperança onírica, ainda que seja para as futuras gerações. Parto de um princípio: nos nossos dias, o sonho enquanto potência da imaginação e do irreal está sendo eclipsado pela razão. Ancorado em Max Weber (2009), é possível afirmar que esse processo de secularização e racionalização é consequência e provocador do que ele conceituou “desencantamento do mundo”6 (ideia que retomarei no corpo do texto).

Contudo, o eu poético da canção insiste em provar para seu interlocutor que ainda é um menino que sonha, planejando travessuras e devaneando (poeticamente) com o som de sua risada. O devaneio poético em Bachelard (2009,

5 Na esteira de Bachelard, Batista (2016, p. 190) nos relembra que: “Na fenomenologia da imaginação a

imagem é meditada, e não contemplada. O indivíduo age e é agido subjetivamente pela imagem.”

6 Para Pierucci (2013, p. 58), que escreveu um livro sobre este conceito weberiano, o desencantamento do

mundo “tem tudo a ver com o cálculo”, inerente ao processo de racionalização e secularização do Ocidente. Pierucci comenta que “das dezessete incidências do significante, em nove vem usado para significar desmagificação; em quatro, com o significado de perda do sentido; e nas quatro restantes ele vem com as duas acepções” (2013, p. 58).

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p. 1) é um sonho desperto, é o maravilhamento com uma imagem poética7 que, por sua vez, “pode ser um germe de um universo imaginado no devaneio de um poeta”. O devaneio bachelardiano “é uma fuga para fora do real” (BACHELARD, 2009, p. 5), “um devaneio que a poesia coloca na boa inclinação” (idem, p.6). “Um mundo se forma no nosso devaneio, um mundo que é o nosso mundo. E esse mundo sonhado ensina-nos possibilidade de engrandecimento de nosso ser nesse universo que é nosso” (BACHELARD, 2009, p. 08). É um devaneio cósmico e feliz. No devaneio poético, “a poesia é fornecedora de uma consciência da imaginação criante” (EUSTÁQUIO, 2015, p. 100). É o sorriso na canção de Montenegro que se transmuta, expande e valoriza em um maravilhoso hino.

Entretanto, saliento o mais importante: é em seu sonho desperto que o sujeito se (re)faz menino, encontrando sua infância onírica que estava repousando nos jardins de sua alma. Batista (2015, p. 35), na esteira de Bachelard, nos ensina que a infância sonhada (ou onírica) “é vivenciada mediante o devaneio poético, que se diferencia da experiência memorialística, a qual possibilita apenas uma experimentação reprodutiva da imagem”. Pela sua imaginação ativa, essa infância possibilita uma atualização da infância do ser, de maneira que as lembranças e os sonhos trabalham mutuamente em favor dos devaneios poéticos do infante dando um caráter surreal ao sonhado. É essa infância onírica, que pode ser vivida em qualquer idade e que articula nossa memória e nossa imaginação, bagunçando os limites entre elas, nos colocando em um estado de alma petiza, aberta ao espanto, ao fabuloso e teimosa à domesticação imposta pela racionalidade ligada à vida madura em nossa sociedade, que torna-se a protagonista neste estudo.

Assim, mais adiante, será exposta a emergência de investirmos em um processo antropológico à contramão ao identificado por Weber: as infâncias (biológica e onírica) possuem um papel não apenas estratégico, mas imprescindível

7 Em Bachelard (2008, p. 1), “a imagem poética é um súbito realce do psiquismo”, ela “não está sujeita a um

impulso. Não é o eco de um passado. É antes o inverso. A imagem poética tem um ser próprio, um dinamismo próprio” (2008, p. 2). Ela surge numa consciência individual e é essencialmente variacional. É “ao mesmo tempo um devir de expressão e um devir do nosso ser. Aqui a expressão cria o ser” (2008, p. 8). “A imagem poética atiça memórias da infância, cheiros, sabores, toques. Uma vez que essa sensação é despertada, essas lembranças podem ser concluídas de outras formas, reconstruídas, redescobrindo imagens passadas” (EUSTÁQUIO, 2015, p. 126).

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para o reencantamento do mundo8, para uma existência mais poetizada e humanizada.

SEGUINDO A TRILHA INVESTIGATIVA: EM BUSCA DO ENCANTAMENTO

“O saber a gente aprende com os mestre e com os livros. A sabedoria se aprende com a vida e como os humildes”.

(Cora Coralina)

Com base nessas reflexões, apresentarei, a seguir, a trilha investigativa deste projeto de pesquisa. Todavia, para não correr o risco de reduzir este estudo a mais um exercício de cisão entre os saberes, torna-se imprescindível lembrar um preceito moraniano dentre os Princípios do conhecimento pertinente (MORIN, 2005, p. 35-47), dos quais destaco “o global” (as relações entre o todo e as partes). Para Morin (2005, p. 37), “o global é mais que o contexto, é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de modo inter-retroativo ou organizacional”. Para Morin (2005, p. 37),

O global é mais que o contexto, é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de modo inter-retroativo ou organizacional. [...] Daí se tem a virtude cognitiva do princípio de Pascal, no qual a educação do futuro deverá se inspirar: ‘sendo todas as coisas causadas e causadoras, ajudadas ou ajudantes, mediatas e imediatas, e sustentando-se todas por um elo natural e insensível que une as mais distantes e as mais diferentes, considero ser impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tampouco conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes’9 (MORIN, 2005, p. 37). Como enfatizou Morin (2005, p. 37), “tanto no ser humano, quanto em outros seres vivos, ainda existe a presença do todo no interior das partes: cada célula contém a totalidade do patrimônio genético de um organismo policelular”. O autor (2005, p. 37) explica ainda mais didaticamente:

A sociedade, como um todo, está presente em cada indivíduo, na sua linguagem, em seu saber, em suas obrigações em suas normas. Há um tecido interdependente e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e o seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si.

8 Mundo aqui também é uma categoria muito plástica. Ora estamos falando do planeta; ora, enquanto

realidade cognoscível; por vezes, a compreensão do mundo designará o entendimento de fenômenos inteligíveis; outras vezes, de uma dimensão cósmica, ou mesmo algo que age no ser em devaneio poético; e até, como mundo ocidental afetado pela racionalização moderna. Assim, advertirei ao leitor para que, atento aos contextos da palavra, não simplifique nem uniformize o entendimento, pois o mundo aqui é conceito e imagem (poética).

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O todo também está nas partes, assim como as partes contém o todo, em se tratando de uma investigação que leva em consideração o paradigma científico

complexo. Lembro-lhes que, em Bachelard (2009), o arquétipo10 da infância pode se

comunicar. Existe sim o que poderíamos chamar de um lençol freático onírico que abastece, de uma mesma fonte, vários poços da infância. Até porque, “os arquétipos comandariam imagens dominantes que estão na fonte de toda imaginação” (GOMES, 2003, p. 50).

Assim, entendo que a infância onírica que nos habita é singular e universal; é única, mas plural por ser hidratada arquetipicamente. Portanto, as partes ou experiências das várias infâncias oníricas suscitadas dentre os trabalhos acadêmicos lidos (teses e dissertações) desaguaram na minha própria infância sonhada; assim como os “fragmentos”, enquanto experiências singulares vividas por uma dada infância onírica, desaguam e são fluxo (de maneira retroalimentar) da fonte de toda imaginação.

Retomando a trilha de investigação, inicio pela questão da pesquisa, que se constitui como elemento desencadeador e norteador de outras elaborações. Portanto, compartilha a pergunta que provoca e dá sentido a este estudo: até que ponto as experiências da infância onírica colaboram para uma educação mais poética, mais encantada, em consonância com a ideia bachelardiana de educar a imaginação, na Educação Infantil? Para problematizar a referida questão, a pesquisa foi ancorada no seguinte objetivo: investigar experiências de infância onírica (escolares e do próprio autor) voltadas para educar a imaginação especialmente na Educação Infantil. Assim, fica evidenciado que o objeto de estudo aqui são as vivências experienciadas da infância onírica.

ESCOLAS E CRIANÇAS COMO CAMPOS/SUJEITOS DA INVESTIGAÇÃO

“Quero ensinar às crianças. Elas ainda têm olhos encantados. Seus olhos são dotados daquela qualidade que, para os gregos, era o início do pensamento: a capacidade de se assombrar diante do banal”.

(Rubem Alves)

10 Gomes, apoiada em Bachelard, nos explica sobre os arquétipos e faz uma sucinta genealogia do termo:

“noção que toma de empréstimo a Carl Jung, concebendo-a na acepção que lhe dá Robert Desoille: ‘um arquétipo é antes uma série de imagens’, resumindo a experiência ancestral do homem diante de uma situação típica, isto é, em circunstâncias que não são particulares a um só indivíduo, mas que podem impor-se a qualquer homem” (BACHELARD, 1990 apud GOMES, 2003, p. 50).

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Esta tese filia-se a abordagens teóricas sintonizadas a uma crítica da radicalização do processo de racionalização11 instaurado pela Modernidade Ocidental, tal como postulado por Max Weber. O conceito weberiano de desencantamento do mundo (WEBER, 2010, 2009, 2004, 1997; PIERUCCI, 2013) orienta este estudo.

Aqui, faz-se necessário também mostrar a emergência de outra forma de gerenciamento de nossas vidas que valorize potências humanas que estão sendo invisibilizadas (SANTOS, 2006), inferiorizadas ou recalcadas em detrimento da racionalização (GOMES, 2016a; MORIN, 2005; WUNENBURGER, 2003), em que a imaginação entra como um elemento de saber sensível. O maior exemplo é a imaginação não domesticada pela razão, a imaginação devaneadora. Sua principal finalidade é nos dar prazer, felicidade, brincar com o nosso onirismo. Alves (2005, p.15) nos adverte: “a vida não é justificada pela utilidade. Ela se justifica pelo prazer e pela alegria – moradores da ordem da fruição”.

Na educação, o caminho percorrido pelo processo de desencantamento só foi possível ser consolidado porque contou com o profissional pedagogo como tutor responsável por tornar as práticas educativas, desde a infância, cada vez mais racionalizadas e eficazes na formação e preparação do futuro adulto potencialmente bem sucedido12, para dominar ou ser dominado. A escola foi o espaço que permitiu a consolidação desse projeto que triunfou em principalizar a racionalidade instrumental.

Althusser (1985, 1970), ao retratar a escola como aparelho ideológico do Estado, compara o papel da escola na Modernidade como semelhante ao da Igreja no modo de produção feudal, destacando-a como aparelho a serviço da classe dominante. Assim, a instituição escolar e a Pedagogia tiveram protagonismo não apenas na racionalização da vida, na domesticação dos corpos (FOUCAULT, 2012, 2001), mas também na hegemonia do projeto burguês de sociedade.

11 Segundo Johnson (1997), a definição de racionalização encontrada em Weber, preocupa-se com o fato que

“à medida que o CAPITALISMO industrial se transformasse em sociedades cada vez mais complexas, a vida social viesse a ser organizada em torno de princípios impessoais de cálculo racional, eficiência técnica e controle. Os sentimentos, a espiritualidade e os valores morais diminuiriam em importância, ao mesmo tempo em que as sociedades construiriam uma ‘jaula de ferro’ cada vez mais restritiva de BUROCRACIA em todas as áreas da vida social, da religião e educação, ao trabalho e à lei. Tudo isso facilitaria o controle da vida diária do indivíduo pelo Estado e pelas empresas (WEBER, 1954 apud JOHNSON, 1997, p 188 -189, grifos do autor).

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Contudo, apesar de parecer contraditório, faz-se necessário reconhecer também que a escola, em especial as voltadas à Educação Infantil, tem também se mostrado como campo resiliente no qual ainda resiste o espaço da ludicidade, da brincadeira, do faz de conta, terreno fecundo para a imaginação. É dessa hipótese de trabalho que parte essa pesquisa: os profissionais da pedagogia (e artistas em geral) são os maiores incentivadores da imaginação e do devaneio poético. Nesse contexto, ainda resiste o espaço e os momentos, nos quais a imaginação é a companheira descompromissada do prazer e da felicidade.

Assim sendo, destaco a necessidade de vanguardismo dos profissionais de Pedagogia e professores em geral em traçar um caminho alternativo em direção a um lugar onde possa se viver de maneira mais equilibrada a unidualidade humana (conceito de Edgar Morin), na qual razão e imaginação não sejam concorrentes, mas complementares13 na busca de cumprir com as utilidades exigidas pela nossa racionalidade, atendendo ao prazer que a imaginação devaneante proporciona.

Para encontrar essa via, o papel da escola e da pedagogia é fundamental, pois a mudança de paradigma é paulatina e deve ser apreendida. As crianças foram o principal alvo que permitiu a consolidação paradigmática moderna. São elas e a partir delas que podemos reencantar o que foi desencantado – mesmo reconhecendo que não há encanto/desencanto completos, ou totais, pois razão e imaginação são capacidades inerentes do antropos, ou seja, à condição humana.

Se a nossa saúde, plenitude e equilíbrio dependem de racionalidade e de imaginação, tem-se que falar num a inteligência sonhadora. “É dos sonhos que nasce a inteligência. A inteligência é a ferramenta que o corpo usa para transformar seus sonhos em realidade. É preciso escutar as crianças para que sua inteligência desabroche” (ALVES, 2005, p. 29).

Neste estudo, as crianças (com a atividade plena das suas infâncias oníricas) são os principais sujeitos investigados, porque suas práticas ainda são encantadas, porque não foram e nem precisam ser domesticadas pela racionalidade excludente dos tempos atuais, mas podem desenvolver uma racionalidade dialógica e complexa, que una o que foi disjunto e fragmentado (GOMES, 2016a; MORIN, 2005, 2003; WUNEMBURGER, 2003). Elas ainda possuem uma infância onírica fluente,

13 Sobre a unidualidade, Morin (2005) defende que o ser humano é ao mesmo tempo plenamente biológico e

cultural, além de ser concomitantemente homo sapiens e homo demens, ou seja, o homem da razão é o mesmo da paixão e da loucura.

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ativa e encantadora do mundo. Com o chegar da maturidade, “a imaginação enfraquece, perde as suas cores brilhantes, proporcionalmente ao desenvolvimento da reflexão” (DUBORGEL, 1992, p. 244). Munido desse referencial, observo as crianças no campo.

O campo de pesquisa

Inspirado por Bachelard e sonhando em seguir a trilha das suas filosofias poéticas, da fenomenologia da imaginação14 e arquetípica15, vou ao campo. Especialmente estudo (as crianças que estão em) instituições que buscam práticas educativas para além do tradicionalismo e do racionalismo imperativo como via única. Já o campo onírico são lembranças sonhadas e devaneios poéticos que conectam o ser à sua infância onírica. Em especial, à minha própria infância onírica e as crianças da Educação Infantil em latente onirismo por meio de suas imaginações.

Assim, busco: os encantamentos e os devaneios de infância das crianças (vividos empiricamente e imaginativamente no ambiente escolar da Educação Infantil); os meus devaneios sobre a infância (que são provocados pela observação das crianças na escola); e as minhas memórias-sonho16 (que acessam poeticamente o núcleo de infância onírica e permanente em mim). Todavia, como estratégia organizacional do trabalho, começo pela apresentação das escolas por terem uma importância majoritária nas observações e análises do estudo e posteriormente me debruço sobre minha própria infância.

A pesquisa em escolas infantis tem como finalidade a maior facilidade de acesso à infância onírica e, com isso, mostrar como ela se expressa através do

14 “Bachelard passa a tecer seu próprio conceito e própria fenomenologia quando a imagem é também uma

deformação” (BADIALI, 2016, p.68). A fenomenologia (da imaginação) bachelardiana pode ser entendida como a “sistemática de investigação da gênese da imagem poética do imaginário literário” (BACHELARD, 1988 apud BADIALI, p. 70).

15 A via arquetípica também é mais conhecida por imaginação dos elementos materiais. “Em várias obras de

sua filosofia poética, Bachelard trata dos arquétipos do inconsciente. Em seus textos voltados para a imaginação dos elementos materiais (água, fogo, terra e ar), os arquétipos são as raízes das imagens. Já na parte da obra voltada para a fenomenologia da imaginação (A poética do espaço e A poética do devaneio), as imagens não são mais sublimações dos arquétipos, embora possam ser relacionadas a eles por associações livres do escritor ou do leitor” (BATISTA, 2015, p.33).

16 Ela se diferencia da experiência enquanto lugar da lembrança factual. A memória que tem lugar aqui é

memória/imaginação nos termos ne Bachelard (2008), na qual memória é invenção, é ordenamento encadeado a posteriori feito pelo sujeito em relação a um corpo de lembranças falhado e descontinuo (GOMES, 2018a).

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espaço poético, dos brinquedos, das brincadeiras. Ao vê-las emergir por meio das crianças, enquanto pesquisador, tenho devaneios poéticos sobre minha infância e sobre uma infância onírica e permanente que resilientemente ainda é viva em mim. Assim, é importante identificar as escolas estudadas e dizer que são instituições que buscam práticas educativas, vivenciais e imaginativas, que vão além do tradicionalismo e do racionalismo instrumental como via única de ação.

É emergente identificar esperanças, experiências educativas que transbordem as intencionalidades deste projeto de sociedade, que eduquem o ser na dimensão racional e imaginativa tal como a educação integral do homem das 24 horas bachelardiano (GOMES, 2016c). Como defendeu Boaventura Santos (2002, 2000), é preciso tornar visíveis práticas ocultadas e descredibilizadas pelo paradigma hegemônico na modernidade Ocidental. A invisibilização da imaginação é uma dessas práticas.

As preciosidades encontradas no campo, práticas educativas que alimentam razão e imaginação, e escolas que se deixem encantar com o onirismo das crianças, creio que são potencialmente germinadoras. É para isso que escrevo: para que seu alcance vá além do educando que o vivenciou, para que contaminem outros educadores, outras pessoas, outras vidas. Para que a imaginação e a poesia alcancem as dimensões merecidas em nossas vidas, nos encantem e isto seja valorizado desde cedo.

Sendo assim, as experiências aqui narradas não buscam explicar nem defender Escolas Pedagógicas ou autores, avaliar coerência entre teoria e prática, tão pouco identificar erros dos educadores que conduzem os processos de ensino-aprendizagem. Ao contrário disso, as narrativas se concentrarão em trazer experiências (fragmentos) da infância onírica que se revelam dentro do espaço escolar que colaboram ou poderiam colaborar na composição de uma educação mais poética, mais encantada e, consequentemente, em consonância com a ideia

bachelardiana de educar a imaginação (BACHELARD, 2008, 2009;

WUNENBURGER, 2005; GOMES, 2016a, 2016c).

Na busca de uma educação mais encantada, encontrei em meio a muita reprodução17 (BOURDIEU; PASSERON, 1975) três pedras preciosas. A primeira no ano de 2015, a segunda em 2016 e a última em 2017.

17 “Todo sistema de ensino institucionalizado (SE) deve as características específicas de sua estrutura e de seu

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Comecei a pesquisa de campo pela escola de aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o Núcleo de Educação da Infância (NEI). Na ocasião ainda estava detendo minhas atenções ao Ensino Fundamental. Todavia, o NEI entra neste estudo como pesquisa piloto, uma biruta (instrumento de navegação) imprescindível que me mostrou a direção dos ventos para minhas reflexões. Porém, em virtude de um impasse jurídico com a UFRN18, precisei continuar a pesquisas em “outros ares”.

A Escola Freinet (em Natal) foi a segunda escola da pesquisa. Uma escola cujos espaços são poéticos e provocam nossa imaginação, começando pela arquitetura externa do prédio, passando pelo interior cheio de verde e transbordando na vida dos que compõem a escola. Minha passagem pelo Ateliê de Educação Infantil (com crianças entre 2 anos e 5 anos e onze meses) foi muito fecunda.

Por fim, a escola pública caiçara do município de Parnamirim, o Centro Infantil Municipal Liquinha Alves. Um espaço no qual a infância onírica pulula nas brincadeiras, nas canções e na imaginação poética constantemente aflorada nos pequerruchos do Nível V (entre 4 e 5 anos), sala que tive o prazer de acompanhar.

PERCURSO INVESTIGATIVO

“Se o conhecimento pode criar problemas, não é através da ignorância que podemos solucioná-los” (Isaac Asimov).

A pesquisa de campo foi realizada em três escolas entre os anos de 2015, 2016 e 2017. Nos três casos, com planejamento de investigar por três meses cada turma estudada. A intenção inicial era assistir pelo menos duas turmas por semestre, intercalando em cada ano (2015, 2016, 2017) seis meses de observação e seis meses de análise de dados e escrita (por este motivo tratei de cumprir os créditos obrigatórios das disciplinas do PPGCS até o fim do primeiro semestre de 2015).

condições institucionais cuja existência e persistência (autorreprodução) são necessários tanto ao exercício de sua função própria de inculcação quanto à realização de sua função de reprodução de um arbitrário cultural do qual ele não é o produtor (reprodução cultural) e cuja reprodução contribui à reprodução das relações entre os grupos ou as classes (reprodução social)” (BOURDIEU; PASSERON, 1975, p. 64, grifo dos autores).

18 Um responsável por um discente do NEI-UFRN ganhou na justiça a causa que impede que novas pesquisas

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Com base neste cronograma, iniciaria a pesquisa exploratória no segundo semestre de 2015. Todavia, neste mesmo período fui convocado para assumir a vaga de professor de sociologia da educação básica devido a aprovação de concurso público realizado em 2011 pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte. Essa oportunidade profissional me fez reorganizar a estratégia de pesquisa só sendo possível iniciar o campo em setembro de 2015.

Portanto, foi desenvolvida nova estratégia de atuação, nela, faria a pesquisa de campo ainda em três meses por vez, mas provavelmente teria de reduzir o número de turmas que iria observar. Escolhi fazer a pesquisa de campo entre os meses de setembro e novembro, assim, no período de férias da rede estadual do RN, entre meados de dezembro e até fevereiro, seria possível realizar a escrita do texto sobre a observação sem concorrer com o calendário da educação básica estadual. Já de março à agosto, me concentraria no desenvolvimento da tese e continuidade da pesquisa biográfica que daria suporte ao estudo. O plano adaptado era passar três meses em cada turma fazendo entre duas e três visitas semanais em dias alternados, tendo em vista de ter tempo de digerir melhor e meditar sobre o conteúdo observado nas lacunas entre as idas19.

No ano de 2015, como planejado, entre os meses de setembro e novembro observei o Núcleo de Educação da Infância (NEI, a escola de aplicação da UFRN). Na ocasião, fiz uma pesquisa exploratória com intenção de melhorar a minha compreensão sobre campo. Severino explica que “a pesquisa exploratória busca apenas levantar informações sobre determinado objeto, delimitando assim o campo de trabalho, mapeando as condições e manifestações do objeto. Na verdade, ela é uma preparação para a pesquisa explicativa” (2016, p.132). Chamo a experiência do NEI de ‘projeto piloto’ em virtude de ter ido ao campo sem um roteiro sistematizado para a pesquisa, assim como quem faz um questionário piloto tentando identificar em um grupo de controle as possíveis fragilidades daquele instrumento de pesquisa, fui observar o campo para a partir dele, criar estratégias de investigação, além de tentar confirmar algumas hipóteses, é claro. Ou seja, fui ao campo para me preparar para ir ao campo.

19 Contudo, vale registrar que na implementação prática do novo cronograma, houveram semanas que só

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Dentre as lições importantes que a pesquisa exploratória me trouxe, destaco: a percepção que brincadeira é o devaneio poético da criança, é quando de maneira consciente ela imaginativamente vai para fora do real e aumenta e supera sua realidade.

Chego à Escola Freinet em setembro de 2016, já levo na minha bagagem de pesquisa (além de maior percepção e melhores posturas e estratégias para observar o campo), a atenção ao momento mágico e encantatório da brincadeira. Contudo, fico tão obcecado para entender o poder do devaneio poético na criança que me sinto um pouco travado para essa percepção. Desenvolvo então a segunda principal estratégia de observação, inspirado em Bachelard, comecei a perceber a escola como espaço poético e potencialmente encantador e registrar meus devaneios sobre ele. Quando me sinto confortável realizando esse exercício de entender a poética daquele lugar, começaram a fluir também as observações das brincadeiras como práticas encantadas das crianças e do ser (o que cada vez mais passa a me provocar as lembranças e devaneios com minhas memórias de infância).

No Centro Infantil Municipal Dona Liquinha Alves, precisei novamente repensar o plano de pesquisa, caso deixasse para voltar ao campo entre setembro e novembro, certamente não conseguiria terminar o texto para defesa em tempo hábil para apresentar ao PPGCS-UFRN. Assim, antecipei a pesquisa para o primeiro semestre. Porém, só pude iniciar as observações no mês de abril de 2017, pois a escola aderiu a uma greve no mês anterior. Portanto, a pesquisa foi realizada entre os meses de abril e junho do referido ano. O trabalho no Liquinha me pareceu mais fácil, pois já tendo ciência do que procurava no campo (focado nas brincadeiras e no espaço poético da escola), com novas estratégias para observação e interação, e com bastante segurança, o estudo sobre a escola fluiu melhor. Essa maturidade na pesquisa possibilitou cada vez mais eu me sentir à vontade para despertar a minha infância onírica por meio dos devaneios suscitados pela própria observação dos pequerruchos.

Contudo, as estratégias da pesquisa se mostraram diferentes de uma epistemologia Bachelardiana onde, o cientista se aproxima do seu objeto “através da teoria. Isso significa que o método científico já não é direto, imediato, mas indireto, mediado pela razão. O vetor epistemológico, segundo Bachelard, segue o percurso

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do ‘racional para o real’” (MELO, 2006, s/p). No entanto, não fui ao campo de pesquisa como um especialista teórico da área, como não sou graduado em pedagogia, iniciei a observação sem os pressupostos teóricos e ferramentas metodológicas tidos como ideais para uma pesquisa na Educação Infantil.

Vou munido da filosofia estética bachelardiana (a imaginação arquetípica dos elementos materiais e a fenomenologia da imaginação) bem como, de alguns dos arcabouços teóricos e metodológicos da formação de cientista social. Como sabemos, nas Ciências Sociais, podemos considerar as pesquisas sobre a infância como pouco comuns. Ao meu favor, tinha um olhar aberto ao espanto (e influenciado por menos variáveis e condicionantes) e a estratégia metodológica de Morin (2008) inspirado no poeta Antônio Machado, disposto a fazer o caminho ao caminhar. Assim, fiz um percurso metodológico partindo da experiência empírica e também poética, para as formulações teóricas. Como uma práxis de pesquisa que me provocava a ação, reflexão e nova ação. Portanto, busquei a complexidade como método aberto para produção do conhecimento.

Os estudos da complexidade têm como um dos seus principais expoentes Edgar Morin. Aqui no Estado do Rio Grande do Norte temos também uma referência internacional que é a professora Maria da Conceição de Almeida, fundadora e coordenadora do Grupo de Estudos da Complexidade. Para essa estudiosa, esse foi o caminho e estratégia de superar o caos (ALMEIDA, 2009), fato que também ocorreu comigo e me provocou a realizar este estudo. Almeida lembra que a pesquisa é “atividade de ponta na construção de narrativas científicas sobre os fenômenos do mundo, emerge da curiosidade e do desejo de ordenar o caos” (2009, p. 97). “No contexto do pensamento complexo e das ciências da complexidade, a atividade da pesquisa só poderia ser, então, ‘um diálogo com a natureza’ e ‘nunca a dissecação de um cadáver, de um fragmento morto, sem vida e inerte’” (PRIGOGINE, 2001 apud ALMEIDA, 2009, p. 99-100).

Nessa natureza com a qual dialogamos, além ser viva e dinâmica,

Sempre haverá o imprevisto, o inacessível, o desvio e a desordem que impulsionam novas ordens. Conceber a realidade a partir dessa perspectiva pode reduzir a ilusão de que a pesquisa é um raio X da história da matéria, da vida, dos fenômenos, das sociedades, do homem (ALMEIDA, 2009, p.101).

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Portanto, devemos estar cientes de que em “um universo que fosse apenas ordem seria um universo sem devir, inovação e criação. Do mesmo modo, um universo que fosse apenas desordem [...] seria incapaz de conservar a novidade, evoluir e se desenvolver” (ALMEIDA, 2012, p. 33).

Ainda amparado em Almeida (2012, 2009), Gomes (2016a) e em Morin (2005, 2003), investi na religação dos saberes. Sobre o tema, Gomes (2016b, p. 108), referindo-se a Morin, explica:

Ele nos fala de uma dupla teoria da cultura em que figuram duas linguagens, dois estados do espírito, a prosaica e a poética, cuja disjunção pelo paradigma cartesiano operou significativos danos para a compreensão do Antropos em sua integralidade, sujeito de razão e de imaginação. A proposta de religação dos saberes é justamente uma estratégia para realizar a rejunção dos saberes que foram cindidos e postos em oposição: os saberes da cultura científica (saberes científicos) e os saberes da cultura humanística (filosofia, artes, literatura, história, mito etc.).

Na esteira de Gomes (2016a, p. 114), “vemos que a religação entre ciências/cultura científica e imaginário/cultura humanística nos possibilitaria melhor pensar a condição humana”. Assim como a autora, investi na religação entre imagens e ideias: “essa religação dos saberes pode, de fato, gerar um pensamento não mutilante, capaz de compreender o homem em sua complexidade, natural e cultural” (GOMES, 2016a, p.115).

Gilberto Velho (2013, p. 13), para superar os “estudos lineares e compartimentados”, afirma que “o conhecimento é, por natureza, complexo, múltiplo e cheio de incertezas. Quanto mais estudamos, mais surgem informações, ângulos, experiências e olhares novos e originais”. Sendo assim, endosso que o trabalho acadêmico, não excluindo este, é datado, situado, parcial e sempre inacabado.

Nesse contexto, opto por realizar uma pesquisa qualitativa atentos aos objeto de estudo, aos objetivos e à questão de pesquisa. Assim, foram tomados os seguintes cuidados para o seu desenvolvimento, conforme sugerem Bogdan e Biklen (1994, p. 20):

• Ocorrer em um contexto natural, havendo um contato direto do pesquisador com a situação analisada;

• Ser rico em dados descritivos, devido à importância de não restringir a pesquisa a apenas uma ou mais variáveis, mas tentar buscar todos os elementos possíveis e necessários para entender o contexto, estudar a inter-relação entre eles, possibilitando, assim, a obtenção de dados em diferentes momentos do processo;

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• Preocupar-se mais com o processo do que apenas com os resultados.

Para Bogdan e Biklen (1994), a pesquisa qualitativa, assim, se caracteriza: a) a fonte direta dos dados é o ambiente natural, se constituindo o investigador como o seu instrumento principal; b) a investigação qualitativa é tendencialmente descritiva, não se resumindo a números; c) os pesquisadores envolvidos nesta abordagem de pesquisa se interessam mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos; d) a ênfase é dada ao significado atribuído pelos sujeitos aos fenômenos estudados.

Segundo Chizzotti (2005), são várias as classificações das pesquisas acadêmicas, e esta se insere na modalidade qualitativa, considerando o seu caráter subjetivo que será vivenciado pelos pesquisados. Trata-se de um método que permite descrever e explicar fenômenos e a obtenção do dado mediante o contato direto do pesquisador com a situação que éobjeto de estudo.

Para Minayo (2001), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Por fim, defino a estratégia investigativa de estudo etnográfico, descrita a seguir.

O estudo tipo etnográfico

O estudo aproxima-se das ideias de Piorski (2016, p. 24) ao descrever sua abordagem, conceituando-a:

Etnografia aqui é, portanto, proposição de encontro radical, primeiro com minha própria criança, depois com a do outro, a criança mesma. Muitas vezes a criança, esse outro, esse “objeto” de pesquisa, surgia mais plena, se presenteava pelas percepções de minha própria infância que se descortinava na paisagem do campo etnográfico sem avisar e encontrava com mais luz a intencionalidade dos brinquedos e dos meninos e meninas ali a brincar.

A descrição etnográfica do estudo de Piorski me provoca mais que concordância, entendimento, aceitação, ela se enraíza em mim. Ela foi vivida nos campos de minha pesquisa, em termos bachelardianos, repercutiu no meu ser.

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Geertz (apud DAUSTER; TOSTA; ROCHA, 2012, p. 12) traz uma pontual definição de etnografia que vejo como oportuna aqui:

O trabalho de etnografia, ou pelo menos um deles, é realmente proporcionar, como a arte e a história, narrativas e enredos para redirecionar nossa atenção, mas não do tipo que nos torne aceitáveis de nós mesmos, representando outros como reunidos em mundos a que não queremos nem podemos chegar, e sim narrativas e enredos que nos tornem visíveis para nós mesmos.

A etnografia é uma descrição do presenciado, vivido, participado, interagido, sentido e imaginado. Uma forma de capturar narrativas de um mundo que parte é construção de outros, mas grande parte é (re)construção e (re)significação minhas. Por isso, mais do que conhecer “os outros”, partimos ao encontro deles, ou tornamo-nos visíveis para nós mesmos. No contexto da pesquisa qualitativa, a etnografia é:

Entendida como a experiência prática e teórica vivida de modo participativo desde o trabalho de campo até a produção do texto monográfico – mostra uma forma alternativa de construir o objeto educação no contexto da pesquisa qualitativa (DAUSTER; TOSTA; ROCHA, 2012, p. 17).

O estudo do tipo etnográfico se fez aqui como recurso e estratégia de participação na vida escolar das crianças, em busca de presenciar a manifestação do seu onirismo e identificar os momentos que, por meio delas, dessem vazão ao estado poético do espírito humano.

Instrumentos de pesquisa

No intuito de atingir os objetivos desta pesquisa, além da tradicional e imprescindível pesquisa bibliográfica, foi adotada como procedimento de construção dos dados a observação participante.

A observação, para Ludke e André (1986), é um dos instrumentos básicos para a recolha de dados na investigação qualitativa. Na verdade, é uma técnica para obter informação de determinados aspectos da realidade. Como vantagens para esta técnica, posso referir o fato de a observação permitir chegar mais perto da “perspectiva dos sujeitos” e a experiência direta ser melhor para verificar as ocorrências.

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Método de pesquisa

A análise dos dados foi sustentada pela leitura imaginativa de imagens, inspirada na filosofia bachelardiana. Fiz uso tanto da imaginação material dos elementos quanto da fenomenologia da imaginação, ambas do mesmo autor, pois entendo que elas não são excludentes. Explica-nos Gomes (2016b, p. 250):

A propósito da filosofia poética bachelardiana, observamos dois momentos de seu pensamento, cada qual configurando distintas abordagens: a primeira voltada à imaginação dos elementos (ou imaginação da matéria); e a segunda à fenomenologia da imaginação.

A via bachelardiana da imaginação dos elementos está associada a noção junguiana de arquétipo, donde “as imagens são antes sublimações dos arquétipos do que reproduções da realidade” (BACHELARD, 2013, p. 3).

Ao estudar as sublimações, Bachelard as associa às “imagens dos quatro elementos da matéria, dos quatro princípios das cosmogonias intuitivas” (BACHELARD, 2008, p. 3). Os quatro elementos são, portanto, entendidos como arquétipos, e “correspondem a diferentes formas de valorização da matéria” (GOMES, 2016b, p. 251). Cito como exemplo uma meditação bachelardiana sobre o arquétipo da água: “a água é objeto de uma das maiores valorizações do pensamento humano: a valorização da pureza [...] A água acolhe todas as imagens da pureza” (BACHELARD, 1989, p. 15).

Já na via bachelardiana da fenomenologia da imaginação não se trabalha com a noção de arquétipos. O termo fenomenologia não é o herdado de Husserl: trata-se de uma fenomenologia própria bachelardiana que “mantém a ideia de estudar as imagens poéticas por si mesmas no momento que emergem na consciência, porém resiste a qualquer intelectualização das imagens, oriunda da análise fenomenológica” (RODRIGUES, 1999, p. 51).

Ao contrário dos estudos arquetípicos anteriores, Bachelard (2008) passa a meditar a imagem na efemeridade de seu aparecimento numa consciência ingênua. Nos livros A poética do Espaço (2008) e A poética do devaneio (2009), o exercício dessa fenomenologia própria da qual refere-se Rodrigues (1999) ganha o lugar da imaginação material dos quatro elementos. Diz-nos Bachelard (2008, p. 2-3):

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Para esclarecer filosoficamente o problema da imagem poética, é preciso chegar a uma fenomenologia da imaginação. Esta seria um estudo do fenômeno da imagem poética quando a imagem emerge na consciência como produto direto do coração, da alma, do ser do homem tomado em sua atualidade.

Só a fenomenologia - isto é, a consideração do início da imagem numa consciência individual – pode ajudar-nos a reconstituir a subjetividade das imagens e medir a amplitude, a força, o sentido da transubjetividade da imagem. Todas essas subjetividades, transubjetivadas, não podem ser determinadas definitivamente. A imagem poética é, com efeito, essencialmente variacional.

Neste estudo, a fenomenologia bachelardiana também é usada para reconstituir a subjetividade das imagens, que são variacionais, mesmo porque também fazemos “a leitura das imagens de forma direta [imaginativa], como requer a fenomenologia da imaginação bachelardiana” (GOMES, 2016c, p. 258-259), e esta, busca apreender a dimensão subjetiva da imagem e o seu movimento criador como nos ensina Gomes (2016c) na esteira de Paiva20.

Escolha dos sujeitos da pesquisa

A população da pesquisa é um conjunto de elementos [...] que possuem as características que serão objetos de estudo” (VERGARA, 1998, p. 50). No caso deste estudo, a população é composta por crianças entre dois e seis anos matriculadas na educação infantil na Escola Freinet e no Centro Infantil Municipal Dona Liquinha Alves.

Para a escolha dos sujeitos, defini os seguintes critérios: a) ser crianças da Educação Infantil; b) ser de escolas públicas ou de Organização Não Governamental; c) aderir à pesquisa. Sobre isso, saliento que essa escolha se deu a partir de conversas com os Gestores escolares, que forneceram nomes de turmas infantis nas quais eu podia realizar o estudo, conforme os critérios estabelecidos. Foram em média três meses de acompanhamento em cada escola pesquisada. Primeiramente, na turma Ateliê de Educação infantil, com crianças entre dois e seis anos na Escola Freinet no segundo semestre do ano de 2016; posteriormente, pesquisou-se no primeiro semestre do ano de 2017 a Turma de Nível V do Centro

20 Gomes fundamenta-se na obra de 2005, Gaston Bachelard: A imaginação na ciência, na poética e na

Referências

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