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O Ciclo do Dionísio Logrado e as pelejas de Fafá: cordéis e intertextualidades no Curso de Licenciatura em Teatro

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MARIA DE FÁTIMA RÉGIS DA ROCHA

O CICLO DO DIONÍSIO LOGRADO E AS PELEJAS DE FAFÁ: cordéis e intertextualidades no Curso de Licenciatura em Teatro

NATAL/RN 2018

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O CICLO DO DIONÍSIO LOGRADO E AS PELEJAS DE FAFÁ: cordéis e intertextualidades no Curso de Licenciatura em Teatro

Monografia apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Licenciado em Teatro.

Orientador: Professor Dr. André Carrico

NATAL/RN 2018

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART

Rocha, Maria de Fátima Régis da.

O ciclo do Dionísio logrado e as pelejas de Fafá : cordéis e intertextualidades no Curso de Licenciatura em Teatro / Maria de

Fátima Régis da Rocha. - 2018. 107 f.: il.

Monografia (licenciatura) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.

Curso de Licenciatura em Teatro, Natal, 2018. Orientador: Prof. Dr. André Carrico.

1. Cordel. 2. Intertextualidade. 3. Ferramenta de aprendizagem. 4. Teatro. I. Carrico, André. II. Título. RN/UF/BS-DEART CDU 398.51

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A Deus por sua imensa bondade. À mamãe por sua presença tão sentida.

A Papai por contar tantos causos inspiradores.

A meu esposo por seu amor, paciência e por cuidar de mim.

À Gabi, primogênita, por seu amor, sua apaixonante inquietude e por cuidar de mim. À Ninha, caçula, por seu amor, sua apaixonante tranquilidade e por cuidar de mim. Às minhas irmãs Maria, Joana e Ana por serem uma referência para toda a família. Aos meus irmãos, de quem serei a eterna caçula.

Aos meus irmãos, que já partiram, e estão ao lado de Papai e Mamãe. À família Brito Rocha que também é minha família.

À Rejane por cuidar de todos e de minha casa.

Aos Professores do Curso de Licenciatura em Teatro pelos ensinamentos e pelo carinho que me foi dedicado durante essa caminhada.

Aos Colegas do Curso de Licenciatura e Teatro: Gratidão é como lhes chamo. Obrigada por construírem comigo esse caminho.

Aos Professores da Banca: Professor Doutor André Carrico pela devoção à Cultura Popular Nordestina; Professor Doutor José Sávio Oliveira de Araújo pelo olhar sempre generoso para com os meus trabalhos; e Professora Mestra Laura Maria de Figueiredo por torcer e acreditar sempre.

Às amigas do Padre Miguelinho: Socorro, Janilene e Lígia, presenças em minha vida. Aos amigos do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte por acompanharem minha trajetória.

Aos amigos estudiosos de nossa Natal da Segunda Guerra Mundial, aos feirantes e transeuntes das feiras visitadas pelo compartilhamento de suas vivências.

À Casa do Cordel por me deixar fazer parte dessa roda de saberes. À Literatura de Cordel pela resistência.

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Meus irmãos: Alberto (à esquerda), Aquino (ao centro) e Aguinaldo (à direita)

Noite de Natal no Quintal das tias (2014) ...24

FIGURA 2 - Fotografia da maquete O Julgamento do Torneiro, a partir do Cordel O Torneiro que deu uma prensa no diabo - Disciplina Cenografia I ...39

FIGURA 3 - Portfólio do projeto de Figurino e Maquiagem: Porta da Loja Samaritana e janela do Cabaré de Margarida. Fotografia: Acervo Fundação Rampa ...44

FIGURA 4 - Portfólio: interior do Cabaré da personagem Margarida ...44

FIGURA 5 - Fotografia Programa Conversando com Augusto Maranhão. Da esquerda para a direita: Marinho, Pedro, Gomes Melo, Fred “da Rampa”, Fátima, Aucides Araújo, Augusto Maranhão, Petit das Virgens ...45

FIGURA 6 - Experimentos da maquiagem ...45

FIGURA 7 - Primeiro croqui do figurino da personagem Margarida ...46

FIGURA 8 - Mostra de tecidos e desenho final: discente Mag Revoredo ...46

FIGURA 9 - Figurino de Margarida. Apresentação na CIENTEC (2015). Foto: Gabriela Régis ...46

FIGURA 10 - Mostra da Disciplina de Figurino e Maquiagem (2014) ...47

FIGURA 11 - Escola João Batista Machado (Estágio VI) ...47

FIGURA 12 - Margarida: Base Aérea de Natal ((Comemorações 70 anos da vitória dos Aliados sobre o Eixo, durante a na Segunda Guerra mundial em 2015 ...47

FIGURA 13 - Margarida: Teatro de Cultura Popular (Mostra de Encenações e homenagem a Racine Santos - 2015) ...47

FIGURA 14 - Margarida: Teatro de Cultura Popular (Mostra de Encenações e homenagem a Racine Santos (Figura menor). Da esquerda para a direita: Mariana, Margarida, Agenor e Gabriela ...47

FIGURA 15 - Máscaras produzidas para o espetáculo “Teatro na Grécia Antiga” (disciplina Teatro de Rua) ...49

FIGURA 16 - Cenas do espetáculo “Os Pífanos”. Teatro de Bonecos (projeto cenográfico Disciplina Cenografia II) ...51

FIGURA 17 - Teatro de Bonecos “Os Pífanos”, utilizado numa oficina com idosos que integram um projeto do Núcleo de Psicologia do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – Campus Central (2015) ...52

FIGURA 18 - Ordem alfabética: Calunga-Leuri, Choraminga, Biônico, Bolota, Brasinha, Florzinha, Flup, Lika, Margarina, Pintolho, Retruka, Tati-Abacate ...61

FIGURA 19 - Palhaça Bolota, criada para a Disciplina Teatro e Cultura Brasileira ...62

FIGURA 20 - Esquete apresentada com o discente Mafaldo Pinto ...62

FIGURA 21 - Portfólio Palhaça Bolota ...62

FIGURA 22 - Portfólio Palhaça Bolota ...62

FIGURA 23 - Hânya Pereira (Brotoeja) e Bolota ...63

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composições resultantes de intertextualidades e de processos investigativos, no Curso de Licenciatura em Teatro. Considerando a falta de vivência no universo das Artes Cênicas, poderia o cordel ser utilizado como ferramenta no processo de aprendizagem, assim como ocorreu no sertão nordestino, quando o cordel se revelou como ferramenta de letramento para o sertanejo? Nessa perspectiva, a narrativa dessa experiência, batizada de “O Ciclo do Dionísio Logrado e as Pelejas de Fafá: cordéis e intertextualidades no Curso de Licenciatura em Teatro”, que compreende os cordéis escritos para as disciplinas de Dramaturgia I, II e III; História do Teatro II e II; Figurino e Maquiagem; Cenografia I; Teatro de Rua; e Teatro e Cultura Brasileira, busca demonstrar que o cordel - o produto final -, sobretudo as investigações realizadas visando à sua produção, vieram a se constituir como elementos de aprendizagem. Assim, é no campo da arte, enquanto objeto de investigação, que este trabalho metodologicamente se ampara, por considerar que não é apenas o resultado final - o cordel - que importa, mas o caminho percorrido para produzi-lo. O aporte teórico desta narrativa ancora-se nos pensamentos de Paulo Freire, Bakhtin e Paul Valéry. Portanto, o cordel, enquanto resultante de uma composição polifônica, bem como os processos investigativos que o subsidiaram, revelaram-se, nessa experiência, como importante instrumento facilitador de aprendizagem no Curso de Licenciatura em Teatro.

Palavras-chave: Cordel. Intertextualidade. Campo de investigação. Polifonia. Ferramenta de

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This Monography intends to show de experience of writing twine literature, compositions that came from intertextualities and investigative processes, in the theater degree. Considering the lack of experience in the performing arts world, could the Literatura de Cordel be used as a tool to improve the learning process, just like happened in the northwestern countryside, when the twine literature served as instrument to literacy to the people? In this perspective, the telling of this experience, named “The Cicle of the bamboozled Dionysus and the battles of Fafá: twine literature and the intertextuality in the theater degree” that comprehends the twine literature written to the following subjects: Dramaturgy I, II and III; History of Theater II and II; Costumes and Makeup; Scenography I; Street Theater; Theater and Brazilian Culture,aiming to show that the Literatura de Cordel

-the final product-, but also -the research made for all -the pieces of twine literature that became learning elements. So, in the art field, while object of investigation, the present work stands, because not only the final result – the twine literature made for subjects – that matters, but the long way traveled to write it. This work’s theoretical contribution is composed by the knowledge of Paulo Freire, Bakhtin e Paul Valéry. Therefore, the twine literature, while result of many influences, as well the investigative processes that based it, reveled itself, in this experience, as important instrument of learning at the theater degree.

Keywords: Literatura de Cordel; intertextuality; field of investigation; poliphonia; tool of

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1 SE APROCHEGUE ... 11

2 SOBRE FAFÁ ... 13

2.1 DA TERRA DOS ÍNDIOS JANDUI PARA A TERRA DOS ÍNDIOS POTIGUARA .... 13

2.2 DA ALFABETIZAÇÃO COM DONA IZAURA AOS BANCOS DA UNIVERSIDADE ... 13

2.3 O CORDEL NA MINHA VIDA ... 15

2.4 O TEATRO: DE UMA CRIANÇA ESPECTADORA A UMA ADULTA INVESTIGADORA... 16

3 O CORDEL ... 18

3.1 DONDE VEIO? SÓ SEI QUE VEIO ASSIM ... 18

3.2 O CORDEL APEADO NO SERTÃO NORDESTINO ... 20

3.3 NA BEIRA DA CALÇADA OU NO ALPENDRE DE CASA É SÓ RECITAR QUE APRENDE ... 22

4 O SABER, O CAMPO DE INVESTIGAÇÃO E A INTERTEXTUALIDADE NA PRODUÇÃO DE CORDÉIS ... 25

4.1 PAULO FREIRE E O CÍRCULO DE CULTURA “DEARTIANO” ... 25

4.2 BAKHTIN E A INTERTEXTUALIDADE NA CARNAVALIZAÇÃO DO CORDEL .. 28

4.3 PAUL VALÉRY ESTAVA CERTO: INVESTIGAR É MEIO E TAMBÉM RESULTADO ... 30

5 O CICLO DO DIONÍSIO LOGRADO E AS PELEJAS DE FAFÁ ... 34

5.1 PRIMEIRA PELEJA: CORDEL O TORNEIRO QUE DEU UMA PRENSA NO DIABO ... 34

5.2 SEGUNDA PELEJA: CORDEL O MERCADOR DE VENEZA NUM CORDEL ... 39

5.3 TERCEIRA PELEJA: CORDEL “MARGARIDA, A PROSTITUTA QUE FAZIA VERSOS DA PROFISSÃO” ... 41

5.4 QUARTA PELEJA: AS RÃS, DE ARISTÓFANES: UM CORDEL... 47

5.5 QUINTA PELEJA: CORDEL OS PÍFANOS ... 49

5.6 SEXTA PELEJA: CORDEL “TEATRO? QUE ABSURDO É ESSE!” ... 52

5.7 SÉTIMA PELEJA: CORDEL “O TEATRO(?) CATEQUIZADOR DOS JESUITAS” ... 54

5.8 OITAVA PELEJA: CORDEL “RESPEITÁVEL PÚBLICO! COM VOCÊS: TEATRO E CULTURA BRASILEIRA EM CORDEL” ... 57

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6 PENSA QUE ACABOU? FOI SÓ UM CICLO QUE SE FECHOU. ... 66

REFERÊNCIAS... 69

ARTIGOS PESQUISADOS... 70

SÍTIOS ELETRÔNICOS VISITADOS... 72

CORDÉIS ANALISADOS ... 73

APÊNDICE 1 – CORDEL O TORNEIRO QUE DEU UMA PRENSA NO DIABO... 74

APÊNDICE 2 – CORDEL O MERCADOR DE VENEZA ... 79

APÊNDICE 3 – MAGARIDA, A PROSTITUTA QUE FAZIA VERSOS DA PROFISSÃO ... 82

APÊNDICE 4 – AS RÃS ... 86

APÊNDICE 5 – OS PÍFANOS ... 89

APÊNDICE 6 – TEATRO? QUE ABSURDO É ESSE! ... 92

APÊNDICE 7 – O TEATRO (?) CATEQUIZADOR DOS JESUÍTAS ... 97

APÊNDICE 8 – RESPEITÁVEL PÚBLICO! COM VOCÊS: ... 100

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1 SE APROCHEGUE

Senhoras e Senhores Venho aqui apresentar A presente Monografia Que contém o meu narrar De muitas lições aprendidas

Durante esse caminhar

Batizada de O Ciclo do Dionísio Logrado e as Pelejas de Fafá: cordéis e intertextualidades no Curso de Licenciatura em Teatro, esta Monografia descreve a experiência da escrita de cordéis, enquanto composições criativas e ferramentas facilitadoras de aprendizagem, para as disciplinas Dramaturgia I, II e III; História do Teatro II e II; Figurino e Maquiagem; Cenografia I; Teatro de Rua; Teatro e Cultura Brasileira, considerando, como campos epistemológicos, a intertextualidade e a pesquisa, que resultaram na produção dos folhetos.

Ainda que este Trabalho se apresente como Monografia, mas, considerando que narro um pouco de minha história, não somente o pedacinho vivido nessa trajetória acadêmica, mas também, de onde vim, o que vivi e como vim parar no Curso de Licenciatura em Teatro, farei um breve relato sobre a vida de uma criança, cuja família veio para Natal, fugindo da seca que assolava o sertão, até a sua aterrissagem no DEART1.

Transcorro, de maneira perfunctória, sobre a origem do cordel, que remonta desde a época dos fenícios, chegando à Península Ibérica (Portugal e Espanha) e aportando no Brasil, trazido pelos portugueses, tendo a Bahia sido a porta de entrada. Apeado no sertão nordestino, o cordel encontra um terreno fértil para a sua sedimentação, ocupando, inclusive, o papel de imprensa, quando trazia relatos de acontecimentos importantes na região, como o aparecimento de bando de cangaceiros, as secas periódicas, a pobreza, a fome, entre outros assuntos, e ainda, como ferramenta de letramento para o sertanejo.

Nesse caminhar, sigo as lamparinas dos teóricos que iluminaram a escrita deste Trabalho: no saber, com as luzes de Paulo Freire e seu Círculo de Cultura, um espaço, cuja característica maior era a construção mútua de conhecimentos, tendo, nesse sentido, o Curso de Teatro sido grande círculo de cultura; na intertextualidade, com as luzes de Bakthin e seu dialogismo, considerando, nesse aspecto, que os cordéis produzidos foram resultado de um

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encontro polifônico, da minha voz com tantas outras vozes; e na poiética, com as luzes de Paul Vàlery, por reconhecer o processo de criação e de investigação, não como um meio, mas também como resultado.

No meio do caminho, As Pelejas de Fafá contam como foi produzir os cordéis de cada disciplina, a partir das lições em sala de aula, das leituras recomendadas e buscadas sobre os respectivos temas, das aulas gravadas no celular para ir escutando no rádio - a caminho de casa ou do trabalho -, das pesquisas realizadas, das conversas com os colegas, das viagens de campo e tantas outras formas de investigação que antecederam a escrita dos cordéis e que vieram a se constituir como elementos formadores de meu processo de aprendizagem no Curso de Licenciatura em Teatro.

No fim dessa caminhada, reafirmo a importância do cordel, enquanto ferramenta facilitadora de meu aprendizado, sobretudo as investigações realizadas visando à produção daqueles folhetos, e ainda, o emprego da intertextualidade na escrita dos cordéis, a partir de textos de grandes nomes da dramaturgia, desejando que os cordéis produzidos e que foram objeto de análise neste Trabalho, os quais se encontram depositados na Biblioteca Setorial do Departamento de Artes, contribuam nas pesquisas dos alunos do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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2 SOBRE FAFÁ

2.1 DA TERRA DOS ÍNDIOS JANDUI PARA A TERRA DOS ÍNDIOS POTIGUARA

Caçula dos onze filhos de Seu Sebastião e Dona Izaura nasci aos 19 de junho de 1964. Sou da Terra dos índios Jandui, da tribo Tarairiú, como ficaram conhecidos os índios comandados pelo índio Janduí, o primeiro rei do Sertão, arquétipo do rebelde nordestino e da resistência do sertanejo. Temidos por todos, os índios Janduí sempre mantiveram a independência do seu povo em relação aos colonizadores portugueses, não aceitando a imposição da cultura dos povos europeus em seu meio natural.2

Meu pai, caboclo, pequeno agricultor, sempre contou com a ajuda dos filhos para a manutenção da casa, a qual funcionava como um sistema de cooperativa, em que todos tinham responsabilidade, não somente sobre as despesas, mas principalmente, uns sobre os outros.

Em 1968, aos quatro anos de idade, minha família veio para Natal, terra dos índios Potiguara, terra da fartura, das oportunidades para as famílias que fugiam da seca, como a minha. E assim, no bairro de Lagoa Seca, fixamos moradia na terra de Felipe Camarão3.

2.2 DA ALFABETIZAÇÃO COM DONA IZAURA AOS BANCOS DA UNIVERSIDADE

Os estudos, na rede regular de ensino, foram iniciados em 1971, no então primário, no Grupo Escolar Nestor Lima, localizado no bairro de Lagoa Seca. Porém, minha mãe ensinava crianças e adultos na zona rural do município de Janduís/RN, razão por que os seus filhos já ingressavam na escola sabendo ler, escrever e conhecedores da tabuada de “mais” e de “menos”. O ginásio foi cursado no Instituto Padre Miguelinho, tendo sido marcado por

2 Chamava-se Janduí, o “Rei dos Tarairiús” (índios que ocupavam o sertão do Ceará a Pernambuco). (...) Janduí

foi o arquétipo do rebelde nordestino, da resistência do sertanejo, foi o mais ferrenho opositor à invasão

portuguesa. (...) Dizia-se que um Tarairiú podia com um único golpe de sua clava partir o inimigo ao meio. Para se tornar um Tarairiú respeitado era necessário matar muitos inimigos, que eram posteriormente devorados pela tribo, sua ferocidade e crueldade eram temidas até por seus aliados holandeses. MADSON, Túlio

(Comp.). Janduí: o primeiro rei do sertão. 2012. Disponível em:

<http://www.cartapotiguar.com.br/2012/08/16/jandui-o-primeiro-rei-do-sertao/>. Acesso em: 22 out. 2018. 3 Chefe dos índios potiguares, de nome Potiguaçu (Mello 1954:10). No seu batismo cristão, recebeu o nome de

Antônio Filipe Camarão [...] Ajudou na resistência organizada por Matias de Albuquerque desde o ano de 1630, atuando como voluntário para a reconquista de Olinda e Recife. líder entre os guerreiros de sua tribo, teve destaque na primeira Batalha dos Guararapes. LOPES, Juliana. A visibilidade do primeiro Camarão no processo de militarização indígena na capitania de Pernambuco no século XVII. Revista Anthropológicas, Recife, v. 16, n. 2, p.133-152, 2005. Semestral. Disponível em:

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pouco estudo, muito esporte - o handebol - e por muitas idas ao Cemitério do Alecrim. Era rotina “matar” aula para ficar conversando na calçada daquele Cemitério ou apenas andar em suas ruas à procura de túmulos quebrados para ver se enxergávamos partes de esqueletos dos aqui ali repousavam.

Concluído o ginásio, em 1978, ano de falecimento de minha mãe, minha irmã, Joana Régis, servidora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, uma das primeiras mulheres do quadro funcional da TV-Universitária, me adotou afetiva e financeiramente. Assim, num esforço incomensurável, patrocinou os meus estudos no Colégio Salesiano São José, curso de Inglês na Sociedade Cultural Brasil-Estados Unido (SCBEU), roupas da moda, como calça halley e camiseta hang tang e sandálias melissa, tudo vendido, com exclusividade, na Boutique Love, no 4º andar, do Edifício Barão do Rio Branco, no bairro Cidade Alta.

Joana, minha irmã, também foi responsável por minha primeira ida ao teatro. De Lagoa Seca, pegávamos um ônibus (via Alecrim) e descíamos na Rodoviária "velha". Atravessando a rua, na porta do Teatro Alberto Maranhão, já éramos recebidas pelo vendedor de confeito, que atraia a freguesia com o tilintar produzido pela caixinha de mentex, oferecendo as guloseimas, antes de nos dirigirmos à bilheteria. E assim, foram muitos domingos da infância, aguardando aquela cortina aveludada abrir, após os três avisos sonoros de que o espetáculo ia começar.

Em 1984, após uma breve passagem pelo curso de Pedagogia, prestei outro vestibular para o curso de Direito. Sobre 1984, posso dizer que aquele ano foi o primeiro do resto de minha vida. A minha primeira experiência de globalização, de mundo. O ingresso no movimento estudantil, num período de tanta efervescência no País, me levou a conhecer e debater sobre fatos e acontecimentos que nunca sequer tinha ouvido falar. No finalzinho da tarde, sempre às sextas-feiras, um grupo de estudantes reunia-se no edifício Café Filho, no bairro do Alecrim, para discutir sobre a IV Internacional4. Pouca coisa - ou quase nada – entendia sobre aquele pensamento trotskista. Compreendia, de forma rasa, que o movimento

4 A Quarta Internacional (QI) é uma organização comunista internacional composta por seguidores de Leon Trótski (trotskistas), com o objetivo declarado de ajudar a classe trabalhadora a alcançar o socialismo. Historicamente, a Quarta Internacional foi fundada na França em 1938, onde Trotsky e seus seguidores, após terem sido expulsos da União Soviética, consideraram a Comintern/Terceira Internacional como “perdida para o stalinismo” e incapaz de levar a classe trabalhadora internacional ao poder político. Assim sendo, os trotskistas fundaram sua própria Internacional Comunista. QUARTA INTERNACIONAL. 2013. Disponível em: <http://www.anarquista.net/quarta-internacional/>. Acesso em: 8 out. 2018.

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era importante e necessário para a assunção da classe trabalhadora ao poder e a consequente implantação do regime socialista no Brasil e que João Amazonas5 era “o cara”.

Não raras foram as noites dormidas nas dependências do Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti, do Curso de Direito, e, juntamente com outros colegas do Centro Acadêmico e do Diretório Central de Estudantes - DCE, cuja sala era ao lado, fabricávamos grude e pintávamos faixas com “DIRETAS JA!6”, “ABAIXO A DITADURA”, as quais, durante a madrugada, eram espalhadas por toda a cidade do Natal.

O registro dessa experiência, em que pese a sua extensa explanação, deve-se a triste coincidência de que, no dia que escrevo estas linhas (08/10/2018), um dia após ter sido divulgado o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais, a disputa no segundo turno terá um candidato que representa tudo aquilo que se combateu no País nesses últimos quarenta anos.

Sobre a vida profissional, após 33 anos de serviço público, entre os quais 10 anos prestados ao então Instituto Nacional da Previdência Social (ex-INPS), no período de 1985 a 1995; e 23 anos ao Tribunal Regional Eleitoral, usufruo, desde novembro/2017, a minha aposentadoria.

2.3 O CORDEL NA MINHA VIDA

O Cordel surgiu em minha vida, nos anos 1990, como uma ferramenta de auxílio nas tarefas escolares de minhas filhas, Gabriela e Mariana. Numa tarefa de casa ou numa apresentação na escola, um versinho ou outro estava lá, que eu fazia como forma de memorizarem o texto. Convite de aniversário das filhas, do marido, mensagem para o dia das mães, dia dos pais, que a escola de minhas filhas pedia para eu fazer, versos de presente de aniversário, de bodas de casamento, até no velório do meu irmão fiz uns versos em sua homenagem.

No exercício de minhas atividades laborativas não foi diferente, principalmente na Justiça Eleitoral. Versos sobre a história da Justiça Eleitoral, a história do voto, desde as

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João Amazonas de Sousa Pedroso iniciou sua vida política aos 18 anos, participando no Norte do país da Revolução de 1930, que colocou Getúlio Vargas na chefia do Governo Provisório. Construtor e ideólogo do Partido Comunista do Brasil, viveu 90 anos, dos quais dedicou quase sete décadas à atividade política, em defesa das convicções revolucionárias, da soberania, da democracia e do progresso social do país. COSTA, Marcelo. Fundação Getúlio Vargas (Org.). Biografia de João Amazonas. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/joao-amazonas-de-sousa-pedroso>. Acesso em: 8 out. 2018.

6 Movimento que levou milhões de brasileiros às ruas exigindo eleições diretas para Presidente da República e o

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eleições nas Capitanias Hereditárias até a urna eletrônica; sobre acessibilidade; campanhas de prevenção do câncer de mama e da próstata, sobre o dia internacional da mulher e tantos outros temas, lá estava eu a escrever uns versinhos.

E assim o cordel foi fazendo parte de minha vida. Então, em 2010, conheci a Casa do Cordel7, espaço de talento, mas principalmente, de resistência, onde os cordelistas potiguares se reúnem e mantêm viva a Literatura de Cordel.

2.4 O TEATRO: DE UMA CRIANÇA ESPECTADORA A UMA ADULTA INVESTIGADORA

Não! Eu não fiz teatro na escola. Não! Eu nunca sonhei em ser atriz. Na verdade, eu nunca sonhei com qualquer profissão. Não havia sonhos na minha época de criança, havia objetivos a serem alcançados. E o objetivo era ser “encaminhada na vida”, era “dar pra gente”. O direito de escolha era prerrogativa dos pais ou de seus mantenedores. Assim, os caminhos me levaram para as Ciências Jurídicas, área em que segui minha vida profissional até a aposentadoria.

Passados 20 anos e com minhas filhas, Gabriela e Mariana, “já criadas”, decidi retornar aos bancos da universidade. A escolha pelo Curso de Teatro se deu em função de tratar-se de uma área que julgava me levar para caminhos diferentes daqueles que, até então, havia percorrido. Assim, no ano 2012, aos quarenta e seis anos de idade, cheguei ao Curso de Teatro.

Contudo, com o passar do tempo, enxerguei que Teatro e Direito não são tão diferentes assim. Na verdade, caminham juntos, ou melhor, seus caminhos se atravessam. No texto de uma peça de teatro ou nos autos de um processo, as relações humanas e os conflitos advindos dessas relações sempre ocupam o centro da questão, cujo desenlace, em ambos, sempre passa pelo julgamento do comportamento humano. Assim foi em Antígona, de Sófocles, no Mercador de Veneza, de Shakespeare, em Fausto, de Goethe, no Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna e tantos outros textos teatrais.

E assim, deu-se início a minha experiência como aluna do Curso de Teatro, cuja vivência com o universo das Artes Cênicas resumia-se ao olhar atento aos espetáculos

7Espaço cultural e de literatura de cordel. Foi fundada em 2007 pelo escritor e compositor Erivaldo Leite de

Lima mais conhecido como o poeta Abaeté do Cordel. No espaço são oferecidas atividades como: mesa redonda, com a participação de cordelistas que introduzem aos estudantes e outros interessados um diálogo sobre a literatura de cordel e a cultura popular, apresentando-lhes a história, as formas e regras que norteiam o universo literário do cordel; exposição de cordéis, xilogravuras, artesanatos; e uma oficina de xilogravura. CASA do Cordel 10 anos. 2016. Disponível em: <https://www.catarse.me/casadocordel10anos>. Acesso em: 16 set. 2016

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infantis que assistia no Teatro Alberto Maranhão, no bairro da Ribeira, e no Teatro Sandoval Wanderley, no bairro do Alecrim, sem contar a idade avançada, considerando a idade dos que ingressam pela primeira vez no ensino superior, e ainda, que grande parte dos alunos já demonstrava ter alguma experiência, profissional ou amadora, no fazer teatral. Diante de tudo isso, a sensação, nos primeiros dias de aula, era de que uma tragédia se anunciava.

Alunos, jovens e magros, saltitavam, com desenvoltura, nas aulas práticas; falavam, com intimidade, sobre Stanislawski, Brecht, Boal, enquanto eu falava sobre Carlos Zara, Eva Wilma, Tony Ramos; analisavam, com propriedade, os espetáculos que assistiam em espaços culturais da Cidade, enquanto eu aguardava o resumo da semana dos folhetins novelescos da Rede Globo. Lembrando da canção Eduardo e Mônica, de Renato Russo: Ela fazia Medicina e falava alemão, e ele ainda nas aulinhas de inglês. Foi assim, como Eduardo da canção, que se deu início a esse ciclo acadêmico.

Nos primeiros dias de aula, apresentaram-me a Dionísio como o Deus do Teatro. Até então, conhecido como o Deus do Vinho, Dionísio, agora, revelava-se para mim como o agente motivador ou inspirador das improvisações que ocorriam na Grécia Antiga, desencadeadoras do surgimento da Tragédia8. Assim, de um certo modo, como já estava a viver uma tragédia, em razão desse desconhecido mundo que resolvi habitar, Dionísio, o seu vinho e as (minhas) tragédias foram presenças constantes nessa jornada.

Nesse contexto, tomada por esse estado de pânico e também de ignorância diante desses novos saberes, busquei estratégias para caminhar nesse mundo, a partir de saberes que compunham o meu repertório de vida. Assim, vislumbrei na Literatura de Cordel uma ferramenta para o letramento desses conhecimentos, não no meio da caatinga, como foi para o homem do campo, mas nos bancos de uma academia. Assim, a escrita do cordel me acompanhou durante toda a trajetória no Curso de Teatro.

8 A Ática é o berço de uma forma de arte dramática cujos valores estéticos e criativos não perderam nada da sua

eficácia depois de um período de 2.500 anos. Suas origens encontram-se nas ações recíprocas de dar e receber que, em todos os tempos e lugares, prendem homens aos deuses e os deuses ao homem; elas estão nos rituais de sacrifício, dança e culto. Para a Grécia homérica isso significava os sagrados festivais báquicos, menádicos, em homenagem a Dionísio, o deus do vinho, da vegetação e do crescimento, da procriação e da vida exuberante. [...] As orgias desenfreadas dos vinhateiros áticos honravam-no, assim como as vozes alternadas dos ditirambos e das canções báquicas atenienses. Quando os ritos dionisíacos se desenvolveram e resultaram na tragédia e na comédia, ele se tornou o deus do teatro. BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2014. p. 103.

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3 O CORDEL

3.1 DONDE VEIO? SÓ SEI QUE VEIO ASSIM

"Littèrature de colportage" na França "pamflet" na Holanda, “hojas” ou "corridos" na América Latina (Argentina, México e Nicarágua e Peru), “catchpennies” ou “broadsides” na Inglaterra, "pliegos suetos” na Espanha, “literatura de cego”, folhas soltas” e “folhas volantes” em Portugal, “folheto de feira”, “versos de feira”, “Literatura de Cordel” no Brasil.

Falar sobre a origem do Cordel já dá um mote para fazer uns tantos versos sobre o tema. Remonta da época dos povos conquistadores greco-romanos, fenícios, cartagineses, saxões; passa pela Alemanha, no século XV, quando eram editados em tipografias avulsas, destinados ao grande público e vendidos em mercados, feiras, tabernas, diante de igrejas e universidades; na Holanda, quando tratavam de temas políticos, econômicos e militares, ou assuntos pessoais; na Europa Renascentista, no século XVI, quando se tornou popular a impressão dos relatos que pela tradição eram feitos pelos trovadores.9

No Brasil, o cordel é trazido pelos portugueses, entre os séculos XVI e XVII, tendo a Bahia sido a porta de entrada, herdando da tradição lusitana expor os folhetos pendurados em cordões ou em cima de esteiras, sendo comercializados em feiras livres, praças e mercados.10

Do cordel brasileiro, em particular, há a teoria isolacionista ou a tese da autonomia, que defende ser o cordel do Brasil genuíno, posto que as semelhanças entre a produção entre os folhetos - lusitano e brasileiro - são mínimas e as diferenças inúmeras.11

Contudo, sobre esse entendimento, importa trazer à lume considerações da professora Maria Isaura Rodrigues Pinto que diz:

As posturas assumidas em relação ao aparecimento do cordel no Brasil tomam, portanto, diferentes vias que, no entanto, se congregam em torno de uma questão medular: as ideias de origem e influência –, seja para negá-las ou afirmá-las (...)” Enquanto conceito operatório da teoria e da crítica o dialogismo se coaduna com a concepção de que as manifestações culturais, incluindo aí a literatura, mantêm entre si permanentes diálogos/confrontos. Nutrindo-se de retomadas do passado e articulações com outros domínios discursivos, a literatura se constitui como espaço

9SILVA, Rita de Cássia Curvelo da. História e cultura popular na literatura de cordel do território de identidade litoral sul da Bahia. 2013. p. 2. Disponível em:

<http://historiasulbahia.wixsite.com/historiasul/artigos-acadmicos>. Acesso em: 6 set. 2018

10 JARES, Martha. Resistência e identidade cultural na literatura de cordel. 2010. p.2. Artigo

(Especialização)- Especialista em Mídia, Informação e Cultura, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: <https://paineira.usp.br/celacc/sites/default/files/media/tcc/228-705-1-SM.pdf>. Acesso em: 4 nov. 2018.

11 ABREU (1999, p 15-16, citado por PINTO, Maria Isaura Rodrigues. O cordel do Brasil e o cordel de Portugal: possíveis diálogos. 2009. p. 118. Disponível em:

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de intersecção, onde o Mesmo e o Outro interagem e travam negociações. Isso porque como explicita Bakhtin “uma obra funciona culturalmente como a réplica de um diálogo.12

Assim, é nesse cruzamento de vozes, de culturas tão diferentes, que o cordel conta o seu nascimento e ocupa um espaço de interseção e de diálogos. Como dito anteriormente, o tema já é um mote para alguns versos:

E SE? BAKHTIN RESPONDE! E se os fenícios navegando

Pelo Estreito de Gibraltar Levaram até a Inglaterra

Folhetos para recitar?

E se os soldados ingleses Na Guerra da Sucessão Levaram algum broadside Pra na França ler de montão?

E se na guerra franco-espanhola Do soldado francês foi apreendida

A Littèratue de colportage Na Espanha foi difundida?

E se no Tratado de Madri O Rei da Espanha veio dar Pliegos suletos de presente Pro Rei de Portugal agradar?

E se Dom João quando mandou Capitanias no Brasil instalar Na mala dos colonos colocou Folhas soltas pra ler ao chegar?

12PINTO, Maria Isaura Rodrigues. O cordel do brasil e o cordel de Portugal: possíveis diálogos. 2009. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/soletras/article/view/7034/4973>. Acesso em: 6 set. 2009.

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E se entre esses colonos Existia um bom narrador Que se pôs a contar histórias No Nordeste onde se instalou?

É no diálogo dessas vozes Que Bakhtin diz a verdade O nome disso que ocorreu É a tal intertextualidade

3.2 O CORDEL APEADO NO SERTÃO NORDESTINO

No que se refere a datas e ao poeta considerado pioneiro na Literatura de Cordel no Brasil, existe uma verdadeira guerra de titãs sobre o assunto.

Ariano Suassuna registra uma edição brasileira do Romance da Pedra do Reino, em 1836, que circulava pelos sertões (SUASSUNA, 1971); Orígenes Lessa afirmava possuir em sua coleção um folheto datado de 1865, impresso na Typografia de F C Lemos & Silva, cujo nome do autor não está registrado, intitulado O Testamento que faz um macaco (LESSA,1984); Câmara Cascudo afirma que foi o romance de Zezinho e Mariquinha ou a Vingança do Sertão, de autoria do cantador Silvino Pirauá, no final do séc. XIX; e de acordo com Ruth Terra o surgimento do primeiro folheto é de Leandro Gomes de Barros, datado de 1893.13

Contudo, a corrente majoritária filia-se ao ano de 1893, como marco inicial da Literatura de Cordel no Brasil, com a publicação dos primeiros folhetos de Leandro Gomes de Barros. Importa esclarecer que o longo período de oralidade, considerando que os primeiros folhetos chegaram ao Brasil por volta dos séculos XVI e XVII e o primeiro impresso somente ocorreu no final do século XIX, deve-se à política de metrópole, contrária à impressão e ao livro, inclusive a posse de tipografias, situação que somente veio a ser modificada com a vinda da família real para o Brasil, em 1808.14

13 GRILLO, Maria Ângela de Faria. Os folhetos nordestinos: literatura e história. p. 2. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 27. 2013, Natal. p. 1-18. Disponível em: <http://www.snh2013.anpuh.org/>. Acesso em: 20 set. 2018.

14 PINTO, Maria Isaura Rodrigues. O cordel do Brasil e o cordel de Portugal: possíveis diálogos. 2009. p. 124

- Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/soletras/article/view/7034/4973>. Acesso em: 6 set. 2009.

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Câmara Cascudo, ao traçar as características da literatura oral diz que sua vida é interminável porque a lenta substituição de elementos pelos acessórios locais garante a compreensão que é a vida sucessiva.15

Assim, absorvendo as características da Região Nordeste, reis e rainhas dos versos lusitanos, foram, aos poucos, sendo substituídos ou adaptados para elementos próprios da cultura local, como o cangaceiro, o lobisomem, o sertanejo.

Como fonte de informação, o cordel também vem a assumir o papel de imprensa do sertão, quando trazia relatos de acontecimentos importantes na região, como o aparecimento de bando de cangaceiros, as secas periódicas, a pobreza, a fome. Se, por vezes, foi acusada de reproduzir valores tradicionais conservadores, e ainda, de ser difusora das instituições oficiais, a Literatura do Cordel, num contraponto, através da artimanha do astuto, do anti-herói, do trapaceiro logra-se para escapar de sistemas opressores, acobertando, em tom sarcástico, uma crítica social

Sobre isso, Jorge Amado, citado por Medeiros, diz:

[...] a literatura de cordel corresponde às necessidades de informação, comentário, crítica da sociedade e poesia do mesmo povo que a concebe e consome. Noticiário dos fatos mais importantes que ocorrem no mundo, no estado, na cidade, e sua interpretação do ponto de vista popular, é ao mesmo tempo, a crítica por vezes contundente e a visão poética do universo e dos acontecimentos. É puritana, moralista, mas igualmente cínica e amoral, realista e imaginosa – dentro de suas contradições perdura a unidade fundamental do choque de cultura e de vida do povo com a sociedade que limita, oprime e explora as populações pobres e trabalhadoras.16

O Cordel está para o Nordeste assim como o Nordeste está para o Cordel. Trata-se de uma relação indissociavelmente inspiradora. Berço de cantadores, poetas, repentistas, contadores de história - grandes narradores - que poetizam o sertão e transformam, em seus versos, o som da seca do sertão em verdadeiro dilúvio.

Por fim, sobre o apeamento do cordel no Nordeste brasileiro, importa esclarecer que as considerações trazidas neste momento, referem-se, tão somente e de maneira perfunctória, a um breve histórico sobre o tema, a partir de citações de pesquisadores da área, considerando, sobretudo, que o objeto de narrativa e análise desta Monografia é a escrita de

15 CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. p.8. São Paulo: Global, 2012. 516 p. (Primeira edição digital).

16 MEDEIROS, Irani. No reino da poesia sertaneja: Antologia Leandro Gomes de Barros. p. 24. João Pessoa: Ideia, 2002.

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cordéis durante o Curso de Licenciatura em Teatro, mas não o estudo do cordel ou da Literatura de Cordel propriamente ditos.

3.3 NA BEIRA DA CALÇADA OU NO ALPENDRE DE CASA É SÓ RECITAR QUE APRENDE

Dia de feira - dia de ouvir declamação de cordel - A leitura feita em voz pelo declamador-vendedor era, propositadamente, interrompida no momento do clímax da história, como estratégia de venda do folheto. O jeito era comprar e levar para casa. À noite, na casa de vizinhos ou familiares, todo mundo se ajeitava na sala, num alpendre ou numa beira de calçada para desfrutarem, de forma coletiva, a leitura das histórias daqueles folhetos.

A professora Ana Maria de Oliveira Galvão17, ao discutir as especificidades da relação entre sujeitos vinculados a uma cultura em que a oralidade é predominante e os da cultura escrita, cuja discussão é realizada a partir dos resultados de uma pesquisa, que teve como objetivo (re)construir o público leitor/ouvinte e os modos de ler/ouvir literatura de cordel entre 1930 e 1950 em Pernambuco, traz, em seu artigo, os seguintes recortes das pesquisas realizadas:

[...] Ouvia e decorava e depois ia pra feira e daqui a pouco tava lendo folheto... [...] acabava aprendendo, porque ele via o pessoal sempre com inveja, aqueles... lê aquilo ali, eles decorava, né? Então dali ia juntando as letra, daqui a pouco sabia ler. [...] Acompanhando. O cordel é uma coisa da antiguidade que... trouxe a muita gente aprender a ler que comprava o folheto, porque queria ler também e terminava lendo. [...] Eu conheço, aqui não, no interior, né? Muita gente que aprendeu a ler por causa do cordel. (Edson).

A gente morava num interior chamado... Bem-Te-Vi... [...] ali perto de... Catende, por ali pra dentro. Aí de noite acendia o candeeiro, não tinha nem luz lá no lugar onde a gente morava, interiorzinho pequeno, ele (seu pai adotivo) era delegado lá. Aí eu lia folheto, lia, lia, lia, lia, lia a noite todinha (risos) até 10 horas, 11 horas da noite. [...] Depois, até quando eu me casei lá na Usina Guabiraba, eu saía de noite com o candeeiro, ia pra casa da vizinha assim, de noite, pra ler folheto. [...] Era sentado na calçada e lendo.18

Assim, inseridos numa rede de tradição oral, os folhetos eram lidos de forma coletiva, posto que o ouvinte naquele momento, ainda que sem qualquer letramento, também era leitor, um leitor-ouvinte. Assim, retendo na memória, apropriando-se das histórias, apropriavam-se da leitura.

17 GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. Oralidade, memória e a mediação do outro: práticas de letramento entre sujeitos com baixos níveis de escolarização – o caso do cordel (1930-1950). 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v23n81/13934.pdf>. Acesso em: 10 set. 2018.

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Infere-se das lições trazidas pela professora Ana Maria que alguns fatores possibilitavam essa memorização, a saber: o primeiro é que as leituras eram realizadas de maneira intensiva. Os mesmos poemas eram retomados diversas vezes pelo mesmo leitor ou na mesma audiência; o segundo refere-se às características formais, em cuja estrutura havia a recorrência a certas fórmulas e padrões de composição – repetições do mesmo tipo de estrofe e dos padrões métricos -; e o terceiro ao próprio conteúdo dos poemas, em que se retomavam os mesmos assuntos.19

Inequívoca é a importância do cordel como ferramenta de letramento para o sertanejo. Lendo sobre o assunto, vastos são os trabalhos, as pesquisas que atestam essa importância. Mas, e nos dias hoje? Como esse cordel se apresenta? Ainda detém essa importância como instrumento de letramento ou de identidade de um povo? Certamente que sim. A Literatura de Cordel, enquanto ferramenta pedagógica, é utilizada em vários ramos de conhecimento, que se utilizam da métrica dos versos em seus processos de ensino e aprendizagem.202122

Diferente também não é, enquanto elemento afirmador da identidade de um povo. Nesse sentido, como pertencente a (mais) uma família que veio para Capital fugindo da seca que assolava o sertão, cresci ouvindo a contação de causos. Sempre aos domingos, Seu Sebastião (meu pai), “Compadre” Waldemar (meu padrinho) e Seu Antonino (primo de meu pai) passavam a manhã contando histórias: das brigas na feira de São Bento do Bufete (Janduís) contadas por meu Pai; da leitura de cordéis comprados por Padrinho Waldemar numa banca perto do Supermercado Nordestão, da Avenida 2; das anedotas de Seu Antonino, enquanto eu ficava sentada no chão ouvindo e só me levantava quando papai pedia para eu ir pegar água.

Agora, sou eu quem conta para a família as histórias dos cordéis que escrevo. Na noite de Natal ou num almoço de domingo tem leitura de Cordel: os que produzi no Curso de Licenciatura em Teatro; no trabalho; de um fato que deu um bom causo; folhetos de outros cordelistas. Uma roda de saberes se estabelece. Aos meus irmãos, que não tiveram acesso a

19 Ibid, 2002, p. 128.

20 SILVA, Ronilson Batista; FALCONIERI, Antonio Gautier Farias; BATISTA, Ronilson. Utilização do cordel no ensino de química. Disponível em: <http://www.abq.org.br/cbq/2006/trabalhos2006/13/68-IC-647-835-13-T1.htm>. Acesso em: 10 set. 2018.

21TERESINA. Francisco José Andrade de Melo. Secretaria Municipal de Educação e Cultura. O cordel na matemática. 1998. Disponível em: <https://www.somatematica.com.br/poemas/p73.php>. Acesso em: 10 set. 2018.

22LIMA, Josenildo Maria de. Literatura de Cordel e ensino de física: uma aproximação para a popularização da ciência. 2013. Disponível em:

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todo o ensino regular, haja vista que, bem jovens, precisaram trabalhar para ajudar no sustento da família, apresentei-lhes, através da leitura de cordel, Goethe, Ariano Suassuna, a trajetória de vida do ex-presidente Lula, possibilitando-os que conhecessem, de uma forma um pouco mais aprofundada, alguns fatos que marcaram o nosso País.

Figura 1: Leitura do Cordel “O Torneiro que deu uma prensa no Diabo”. Meus irmãos: Alberto (à esquerda), Aquino (ao centro) e Aguinaldo (à direita). Noite de Natal no Quintal das Tias (2014)

Num balcão de uma bodega, numa beira de calçada, num quintal de casa, na sala de estar de um apartamento na Capital, onde houver um sertanejo, sempre um cordel será recitado, posto que mais que um folheto, a Literatura de Cordel representa um instrumento de resistência e de identidade cultural de um povo. E a pisada é essa: quanto mais cordel eu leio, mais eu sei quem sou.

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4 O SABER, O CAMPO DE INVESTIGAÇÃO E A INTERTEXTUALIDADE NA PRODUÇÃO DE CORDÉIS

4.1 PAULO FREIRE E O CÍRCULO DE CULTURA “DEARTIANO”

Aceitas pelo Sr. Governador do Estado do Estado do Rio Grande do Norte as nossas exigências para realizarmos a primeira etapa do sistema – a da não interferência partidária, a da independência técnica, de fazermos uma educação que se voltasse para a libertação do povo, para a sua emancipação interna e externa -, iniciamos a preparação das equipes que atuariam em Angicos e em Natal.

Trezentos homens eram alfabetizados em Angicos em menos de 40 horas. Não só alfabetizados. Trezentos homens se conscientizavam e se alfabetizavam em Angicos. Trezentos homens aprendiam a ler e a escrever; e discutiam problemas brasileiros.23 Assim, Paulo Freire faz um relato da experiência vivida na cidade de Angicos/RN, acerca da aplicação de um método de alfabetização de trabalhadores rurais, jovens e adultos. Ao invés da utilização de cartilhas alfabetizadoras, que continham como exemplos “Eva viu a uva”, Paulo Freire utilizou o que veio a denominar palavras geradoras24, ou seja, pertencentes ao contexto social do alfabetizando, ou melhor, do educando, visto que se buscava não somente a alfabetização, mas principalmente, a educação, a consciência política desse ser-sujeito, ao dizer: Não basta saber que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.25

Desse modo, a palavra “uva”, quando substituída por uma palavra geradora, como seca, fome, enxada, tijolo, visava à construção, não somente um repertório de conhecimentos para a leitura e a escrita, mas principalmente, à formação de um sujeito consciente do lugar que habita, de sua cultura, de seus costumes, de suas vivências, e tudo isso se dava no Círculo da Cultura26, que consistia num espaço que abrigava encontros entre professores e alunos, não um diante do outro, mas um ao lado do outro. Tratava-se de uma roda geradora de conhecimentos, em que todos os seus participantes eram agentes transmissores e receptores de

23 FREIRE (1963, p. 5; 22. Conscientização e alfabetização: uma nova visão do processo. Revista Cultura da

Universidade do Recife, n. 4, abril/junho de 1963. In: FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL. Paulo Freire. São Paulo: Mercado Cultural, 2005, p. 54).

24GADOTTI, Moacir (Org.). Paulo Freire, uma biobibliografia. São Paulo: Cortez, 1996. p.38. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4144514/mod_resource/content/1/FPF_PTPF_12_069.pdf>. Acesso em: 20 out. 2018. “[...] Estas palavras, mais ou menos dezessete, chamadas “palavras geradoras, devem ser palavras de grande riqueza fonêmica e colocadas, necessariamente, em ordem crescente das menores para as maiores dificuldades fonéticas, lidas dentro do contexto mais amplo da vida dos alfabetizandos e da linguagem local, que por isto mesmo é também nacional”.

25 Ibid, 1996, p. 72.

26 Ibid, 1996, p. 57. “Um círculo de trocas de saberes em que se aprende a ouvir e a falar, ao mesmo tempo em

que se aprende a ler e a escrever. Um cenário do trabalho de aprender”, onde ninguém ensina a ninguém, mas todos aprendem uns com os outros e todos entre todos”.

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saberes, em que o saber não era prerrogativa de única voz, mas resultante de um diálogo, da integração de saberes - dos que vinham de fora e dos já existentes.

E assim foi a minha experiência no Curso de Licenciatura em Teatro: um grande Círculo da Cultura: as salas de aula teóricas; o “teatrinho”27; o laboratório Cenotec; o chão dos corredores que serviam de banco para leituras; o intervalo para os ensaios da biomecânica de Meyerhold; a lanchonete e os inúmeros cafezinhos tomados, gole a gole, para que durassem o tempo de conversar ou ouvir a conversa de outros sobre algum tema desse fazer teatral. Todos os lugares constituíram-se em espaços de troca de saberes nessa trajetória.

Como já havia dito, inegável era o estado de ignorância que me acometia ao chegar naquele lugar. Contudo, na mesma intensidade, vinha a sede do saber, não somente dos saberes acadêmico-teóricos, mas desse mundo que me era apresentado, pelos professores e também pelos colegas. Assim, convidada a participar dessa roda de saberes:

BUSQUEI APRENDER QUE

Da tatuagem que enxergava No corpo uma agressão

Aprendi a enxergá-la E dela ter compreensão Que ora são signos ou adornos Mas sempre tem uma intenção

Do piercing no nariz E na orelha o espaçador

Aprendi a enxergar Que são joias de valor Das mochilas multicoloridas

E Frida sempre num andor

As tardes de domingo Aprendi a partilhar: O cineminha no shopping

Continuou em seu lugar

(28)

Mas o domingo do Côco no Pé Em Ponta Negra ia dançar

O esforço de um bate e volta Para o show de Chico assistir Aprendi valer o mesmo esforço

Na defesa de Sebastião ir Os espetáculos e os TCC’S

Tudo eu queria conferir

Aprendi que o suor Num corpo a escorrer É um corpo que pulsa E com isso entender A dramaturgia do corpo

E com ela aprender

Aprendi que o espetáculo Até na missa posso encontrar

Mas que isso não interfere A minha igreja frequentar E que um feirante ou um juiz

Podem no mister atuar

Sem precisar abrir mão De minha fé processar Aprendi com os colegas

Sobre a fé nos Orixás E que a sexta, dia de branco,

É para consagrar Oxalá

E a maior lição que aprendi Foi o outro encontrar E esse “eu” com ou “outro

(29)

No que veio resultar? Num Círculo de Cultura

E o DEART foi o lugar

4.2 BAKHTIN E A INTERTEXTUALIDADE NA CARNAVALIZAÇÃO DO CORDEL

Num verdadeiro exercício de repetição, inauguramos, com a palavra daqueles que nos cercam desde a primeira infância, o nosso vocabulário. Nessa apropriação de palavras alheias, que se dá a partir de nossos interlocutores, dos nossos processos sociais, do contexto em que estamos inseridos, criamos, ou melhor, transformamos, em nossas, as palavras do outro28. Assim, nasce o nosso repertório. Indo adiante ou retornando à concepção da própria vida, esse “outro” que vem a nascer já é fruto de interferências alheias antes mesmo de vir ao mundo, haja vista ser concebido a partir de genes de “outros”.

No campo textual não é diferente e Bakthin identifica esse fenômeno como Dialogismo, que Julia Kristeva propôs, mais adiante, como intertextualidade, na qual a linguagem é resultado de um encontro de vozes entre o “eu” e o “outro”, considerando, não somente o encontro textual, mas também contextual, posto que a linguagem é, antes de tudo, social e histórica. Nessa perspectiva, busca-se não anular um discurso, mas compartilha-lo, seja para sua aceitação ou rejeição.

A noção de dialogismo - escrita em que se lê o outro, o discurso do outro - remete a outra, explicitada por Kristeva (1969) ao sugerir que Bakhtin, ao falar de duas vozes coexistindo num texto, isto é, de um texto como atração e rejeição, resgate e repelência de outros textos, teria apresentado a ideia de intertextualidade.29

Nesse sentido, a intertextualidade não pode ser entendida como mera citação de fontes, posto que ultrapassa os conceitos linguísticos impostos pela Gramática, constitui-se, na verdade, num elemento gerador de novos sentidos, de um novo pensamento, a partir de um repertório, de valores sociais, de memórias que possibilitem esse cruzamento de textos, esse

28 BAKHTIN, 1985, p. 360 apud LEMOS, Cláudia. A Função e o destino da palavra alheia. In: BARROS, Diana

L. P.; FIORIN, José L. (Orgs.) Dialogismo, polifonia, intertextualidade. São Paulo, SP: Edusp, 1999, p. 39). [...] Eu me conheço inicialmente através dos outros: deles recebo palavras, formas, tonalidade, para formar uma noção inicial de mim mesmo. […] Como o corpo se forma inicialmente dentro do seio materno (corpo), assim a consciência do homem desperta envolvida na consciência alheia. E mais tarde começa a aplicação sobre si mesmo de palavras e categorias neutras, isto é, a definição de si mesmo como pessoa sem relação com o eu e com o outro.

29 BARROS; FIORIN (1999, p. 50, citado por ZANI, 2003, p. 123). Intertextualidade: considerações em torno do dialogismo. Revista em Questão, Porto Alegre, v. 1, n. 9, 2003. Semestral. Disponível em:

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diálogo entre essas vozes. É como um tear, por meio do qual os fios se entrelaçam e, sem perder as suas características, geram um produto novo, no sentido de diferente.

A intertextualidade pode também ser compreendida como uma série de relações de vozes, que se intercalam e se orientam por desempenhos anteriores de um único autor e/ou autores diferenciados, originando um diálogo no campo da própria língua, da literatura, dos gêneros narrativos, dos estilos e até mesmo em culturas diversas. Porque o conceito de dialogismo vai além da literatura e da história de suas fontes, trabalha e existe dentro de uma produção cultural, literária, pictórica, musical, cinematográfica e define o que se entende por uma relação polifônica, onde vozes subsistem, como uma relação intertextual que se estende por vários meios e períodos. 30

Em suma, Bakhtin foi encontrar no carnaval (como ele dizia “A visão carnavalesca de mundo”) o embasamento para suas teorias. Para Bakhtin o sujeito perde seu papel principal no enunciado e é substituído por duas vozes sociais que fazem dele um sujeito histórico e ideológico; e considera esse dialogismo como princípio constitutivo da linguagem e a condição de sentido do discurso. O autor introduz o estatuto da palavra como uma unidade minimal da estrutura; para ele o texto deve ser situado na história e na sociedade. A palavra literária é então a intersecção das superfícies textuais.31

Nesse sentido, os folhetos produzidos durante o Curso, os quais serão objeto de análise no Capítulo seguinte, são resultantes do encontro da minha voz - dos versos do cordel - com outras vozes: clássicos da comédia grega; poema trágico alemão; contos populares; acontecimentos sociais que permearam a história do Brasil; a influência norte-americana em Natal durante a Segunda Guerra; as aulas dos professores gravadas no celular (para ir escutando no caminho de casa ou do trabalho). Os cordéis, portanto, são resultado dessa polifonia, dessa carnavalização, dessa mistura de gêneros, desse encontro de vozes sociais tão diferentes.

Acerca do assunto, importa registrar as lições ministradas em sala de aula pelos mestres que fizeram parte dessa trajetória. E sobre intertextualidade, sobre essa polifonia, lembro-me de uma aula do professor Dr. Alex Beigui, na disciplina Dramaturgia I, quando disse:

Somos todos filhos de alguém. Estamos sempre dialogando com os antepassados: teóricos, artísticos, miméticos, diegéticos e poéticos. Dialogamos o tempo inteiro com os poetas que lemos, com os dramaturgos que encenamos, com os textos que interpretamos. O artista é sempre parte dessa consciência da citação que ele faz” 32

30ZANI, Ricardo. Intertextualidade: considerações em torno do dialogismo. Revista em Questão, Porto Alegre, v. 1, n. 9, p.121-132. 2003. Semestral. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/EmQuestao/article/view/65>. Acesso em: 3 set. 2018.

31CORRALES, Luciano. A intertextualidade e suas origens. [20--]. Disponível em:

<http://docplayer.com.br/24638102-A-intertextualidade-e-suas-origens.html>. Acesso em: 4 set. 2018.

32 BEIGUI, Alex. Dramaturgia contemporânea. Natal: 2016. Notas de Aulas. (Aula ministrada na Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

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Assim, é nesse sentido que enxergo os cordéis produzidos durante o curso de Licenciatura em Teatro, como um grande encontro: um encontro com os teóricos, a partir da leitura de suas obras, um encontro diegético, haja vista a narrativa dos versos, dos causos contados; um encontro poético, em razão da poesia, da versificação que reveste a Literatura de Cordel; e sobretudo, um encontro mimético, porque o cordel se propõe a uma representação, a uma performance, considerando que a leitura do cordel, a oralidade do repentista, de forma inequívoca, trata-se de uma apresentação performática.

4.3 PAUL VALÉRY ESTAVA CERTO: INVESTIGAR É MEIO E TAMBÉM RESULTADO

Tudo ficaria muito pobre se pensássemos a obra como um mero produto final, resultado de um projeto estabelecido, a priori sem levarmos em conta os acasos que são inerentes ao processo de criação. Pensar a obra como processo, implica pensar este processo não como meio para atingir um determinado fim – a obra acabada – mas como devir.33

Assim, a professora Sandra Rey, em seu artigo Da Prática à Teoria: três instâncias metodológicas sobre pesquisas em Poéticas Visuais, aborda a arte, não como produto final, mas como processo, um processo de criação que se instaura a partir de um encontro de vozes, entre uma obra e outra, mas principalmente, entre o autor e a obra se fazendo.34

Em 2013, quando cursava o 2º período, matriculei-me na disciplina História do Teatro III, ocasião em que o professor Dr. Alex Beigui indicou a obra Fausto, de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), como proposta de trabalho para a referida disciplina. Assim, foi determinado aos alunos que apresentassem, criassem ou identificassem um Fausto. Alguns alunos já conheciam a obra, quanto a mim, nesse novo mundo, tratava-se de um primeiro encontro. E, como todo primeiro encontro, o nervosismo batia à porta.

Contudo, a leitura de Fausto não causou esse nervosismo nem tampouco estranheza. Quanto mais eu lia essa obra, vinda da Alemanha, mais o Nordeste enxergava. Na obra do alemão Goethe vi o nordestino Ariano Suassuna: vi Quaderna, d’A Pedra do Reino, com o seu desejo de ser o gênio da raça brasileira, sua megalomania, abrindo mão de uma vida simples que tinha em meio a caatinga do Nordeste para viver a realidade de suas miragens; vi João Grilo, do Auto da Compadecida, que logra o diabo e obtém o perdão Divino. Vi a Literatura de Cordel, de tantos ferreiros, cangaceiros logrando o diabo para entrar no céu. Fausto já estava apeado no Sertão.

33 REY, Sandra. Da prática à teoria: três instâncias metodológicas sobre a pesquisa em poéticas visuais. Porto Arte, Porto Alegre, v. 13, n. 7, p.87, 1996. Mensal.

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A partir de então, com um pé na Alemanha e outro no Nordeste, foram quatro meses de pesquisas sobre o assunto, resultando, como produto final, o Cordel “O Torneiro que deu uma prensa no Diabo”, que tomou como referência, para a sua criação: Fausto, de Goethe, obra proposta como objeto de estudo na disciplina História do Teatro III, Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, e a vida do ex-presidente Lula, cujo folheto será objeto de análise no capítulo seguinte.

Concluído o Cordel e entregue o “produto final”, como cumprimento da disciplina, a sensação não foi de alivio, mas de um profundo vazio. Confesso que o vazio já se deu quando da entrega do cordel à gráfica, pois o que mais me encantava havia se encerrado: a pesquisa.

Outro Cordel que o coração ficou apertado quando sua pesquisa chegou ao fim foi “Margarida, a Prostituta que fazia versos da profissão”, cujo folheto integrou a proposta de composição de um figurino e maquiagem para a disciplina de idêntico nome, ministrada pelo Professor Dr. Sávio Araújo, em 2014.

Debruçar-me sobre a cidade do Natal dos anos 40, as pesquisas de campo no bairro da Ribeira, as conversas com idosos da Cidade que frequentaram, quando rapazes, os cabarés daquela época, a participação em gravação do Programa “Conversando com Augusto Maranhão” sobre os cabarés da Ribeira, ler sobre cada detalhe do figurino e da maquiagem que marcaram aquela época e a influência americana sobre esses costumes, haja vista Natal haver sediado a maior base militar americana fora dos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra mundial35, tudo se constituía num grande encantamento.

Das pesquisas de campo nas feiras de Santa Cruz/RN, do Carrasco, de Lagoa Seca, do Alecrim, observando corpos, vozes e gestos dos feirantes e transeuntes daquele espaço, suas histórias, suas vestimentas de trabalho, seus produtos com cheiros e sensações, e mais, pesquisar sobre a origem da feira no Brasil, tudo para um estudo da mimese corpórea36,

35COSTA, Josimey. A palavra sobreposta, imagens contemporâneas da Segunda Guerra em Natal. Natal: EDFURN, 2015. p. 8 Disponível em: <http://repositorio.ufrn.br:8080/jspui/handle/123456789/18986>. Acesso em: 10 out. 2018. “Entre 1941 e 1946, a Segunda Guerra Mundial trouxe milhares de militares norte-americanos para a pequena Natal, capital do Rio Grande do Norte, no nordeste do Brasil. Durante todo o período, esses militares ocuparam duas bases na cidade: a Base Naval e Parnamirim Field, a maior base da Força Aérea norte-americana em território estrangeiro. No início da década de 40, a população de Natal era estimada em 55 mil habitantes. O historiador Luís da Câmara Cascudo informa que, em algumas ocasiões, o número de militares norte-americanos na cidade chegou a 10 mil. Em 1950, mesmo depois da retirada deles, ocorrida em 1947, a população natalense praticamente dobrou, atingindo mais de 100 mil habitantes”.

36 FERRACINI, Renato. A mimeses corpórea. 2003. Disponível em:

<http://www.grupomoitara.com.br/intercambios/artigos/renato-ferracini-a-mimesis-corporea-marco-de-2003/>. Acesso em: 20 set. 2018. A Mímesis Corpórea é um meio particular do LUME para a apreensão de matrizes (ações físicas vocais orgânicas). Seu estudo é tão complexo e pormenorizado que se transformou em linha de estudo independente dentro do Núcleo. Ela possibilita ao ator a busca de uma organicidade e de uma vida a partir de ações coletadas externamente, pela imitação de ações físicas e vocais de pessoas encontradas no cotidiano.

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visando à produção de um espetáculo musical para a disciplina TCC Espetáculo, no ano de 2016, ministrada pelas Professora Ms. Mayra Montenegro e Professora Drª. Melissa Lopes, tornaram-se experiências indescritíveis.

E assim ocorreu com todos os cordéis produzidos ao longo do Curso: o êxtase no momento da pesquisa e, ao mesmo tempo, uma sensação de vazio quando de seu encerramento, o que tinha de fazê-lo, considerando que o manuscrito do folheto ainda seria encaminhado à gráfica para a impressão e posterior entrega do produto final - o trabalho acadêmico - ao professor.

Por essa razão, foi na poïética de Paul Valèry, que aportei, metodologicamente, este Trabalho, considerando que não foi na obra pronta e acabada que passei a identificar a obra em si, mas sobretudo, na pesquisa, na obra se fazendo.

A pesquisa em arte vai encontrar respaldo teórico na poïética, que se propõe como uma ciência e filosofia da criação, levando em conta as condutas que instauram a obra. A palavra poïética, tendo ficado durante muito tempo diluída no interior da estética geral, foi empregada primeiramente por Paulo Valèry, partindo da poética no sentido empregado por Aristóteles e propondo-se a estudar a gênesis do poema.

O objeto de estudo de Valèry não é o conjunto de efeitos de uma obra percebida, nem a obra feita, nem a obra a fazer (como projeto): é a obra se fazendo. Jean Pommier (PASSERON, 1989), cita a definição valeriana do conceito de poïética; “tudo que diz respeito a criação de obras, as quais a linguagem é ao mesmo tempo, substância e meio. que diz respeito à criação, obras as quais a linguagem é, ao mesmo tempo substância e meio.37

Oportuno trazer a registro, as palavras do professor Dr. Sávio Araújo, numa aula de Figurino e Maquiagem (2014), na sala do CENOTEC, das quais nunca esqueci. Ao ser indagado por um aluno sobre o trabalho a ser entregue, o Professor respondeu: “o que importa não é fim, mas a trajetória percorrida.”

Assim, a partir dessas experiências, reconheci o campo investigativo - o fazendo - não como um meio, mas também como um resultado. O trabalho acadêmico - pronto e acabado -, agora dividia com a pesquisa o mesmo status de importância. Os cordéis, resultantes dessas pesquisas, decerto cumpriram a sua função.

Por sua vez, além do processo de investigação, de descobertas para a obra, compreendi que também me encontrava, enquanto artista, num processo de descoberta, assim

complexas. Cabe ao ator a função de “dar vida” a essa ação imitada, encontrando um equivalente orgânico e pessoal para a ação física/vocal.

37 REY, Sandra. Da prática à teoria: três instâncias metodológicas sobre a pesquisa em poéticas visuais. Porto

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APRENDI QUE: Tudo seria tão morgado Sem qualquer empolgação Se a obra fosse só resultado

Sem valorar a investigação Pois é na hora da pesquisa

Que se instaura a criação

Pensar a obra como processo E não como um produto final É deixar a obra te transpassar

De uma forma visceral E o resultado, além do produto,

É a transformação pessoal

Debruçar-se sobre a obra Conhecer a sua história O tempo em que foi escrita

Guarde isso na memória: O que importa não é fim

Referências

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