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As porteiras foram abertas: cidadania e sufrágio feminino no Rio Grande do Norte

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

As porteiras foram abertas:

Cidadania e sufrágio feminino no Rio Grande do Norte

JULIANA MAIA MENDES

Natal

2016

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As porteiras foram abertas:

Cidadania e sufrágio feminino no Rio Grande do Norte

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em História.

Orientador: Prof. Dr. Durval Muniz de Albuquerque Júnior.

Natal

2016

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As porteiras foram abertas:

Cidadania e sufrágio feminino no Rio Grande do Norte

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em História.

Natal, ____ de ___________ de _______.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Durval Muniz de Albuquerque Júnior (Orientador)

Prof. Dr. Francisco das Chagas Fernandes Santiago Júnior (Examinador)

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À minha mãe, por ter sido o meu primeiro e grande exemplo de luta e superação feminina. Por ter me apoiado durante todas as escolhas da minha vida, obrigada.

Aos meus avós e pai, pelo amor, compreensão e carinho. Minha trajetória acadêmica não teria sido possível sem as suas presenças.

Aos meus amigos, bichos e a todos que passaram pela minha vida. Quem eu fui, sou e me tornarei é graças a vocês.

Aos professores que tive ao longo da vida e, especialmente, àqueles que conheci, aprendi e cresci ao longo do curso, pelo desenvolvimento enquanto profissional e ser humano.

Ao meu orientador, Durval, por ter estado presente do meu primeiro ao último semestre de curso. Exemplo de pesquisador, professor e pessoa, essa monografia não existiria sem o seu suporte.

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O presente trabalho aborda a trajetória da conquista do sufrágio feminino no Rio Grande do Norte. Para isso, é abordado o desenvolvimento dos movimentos sufragistas ao redor do mundo e a adaptação de seus argumentos e ideais pela campanha feminista brasileira. Assim, analisaremos o papel do parlamentar e presidente do Estado Juvenal Lamartine, na defesa e implantação pioneira do voto feminino no Rio Grande do Norte, entendendo a razão e de que maneira os ideais feministas foram apropriados à realidade potiguar, tornando este o primeiro território a institucionalizar o voto feminino.

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INTRODUÇÃO ...8

1. A primeira onda feminista ...11

1.1 O sufrágio nasce como ideia: emancipação feminina em palavras ...12

1.2 Das ideias a ações: luta feminista ao redor do mundo ...16

1.3 O feminismo bem-comportado brasileiro: Bertha Lutz e a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino ...20

2. À procura das chaves da porteira: o sufrágio chega ao Rio Grande do Norte ...24

2.1 Juvenal Lamartine, o feminista ...25

2.2 Feminismo em letras de imprensa: o movimento nas páginas de jornal ...31

2.3 O outro lado da moeda: Escola Doméstica e ideal feminino ...34

3. Abrem-se as porteiras: o sufrágio feminino acontece em terras potiguares ...39

3.1 Lei nº 660, 25 de outubro de 1927 ...39

3.2 Do Rio Grande do Norte, com amor: a notícia e o voto tomam o mundo ...44

3.3 Chegamos ao judiciário: a consolidação do sufrágio feminino no Rio Grande do Norte ...48

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...54

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Introdução

As mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar e serem votadas em âmbito nacional em fevereiro de 1932, depois que Getúlio Vargas assina o decreto nº 21.076. Só dois anos depois ele é confirmado pela Constituição de 1934. O Rio Grande do Norte, porém, foi pioneiro neste aspecto, se adiantando cerca de cinco anos, com a Lei nº 660 de 25 de outubro de 1927. Mas, por que foi o Rio Grande do Norte pioneiro na implantação do voto feminino no país? Por que esse fato ocorreu ainda no ano de 1927? Como justificar tal mudança na condição de cidadã da mulher num pequeno Estado brasileiro, nesse momento? Não basta apenas a inserção na lei estadual eleitoral, como reafirmou mais de um juiz responsável por despachar favoravelmente os requerimentos eleitorais das primeiras potiguares a votar. Não o poderiam fazer sem antes "examinar (...) a capacidade ou incapacidade da mulher ao direito do voto"1.

E, afinal, o que isso significou? Segundo estatísticas do TSE, nas eleições de 2012, cerca de 20% dos eleitos no Rio Grande do Norte eram mulheres. No Brasil, apenas 31,5% dos candidatos a eleição eram do sexo feminino, enquanto estas somam mais da metade do eleitorado nacional. A pouca participação política feminina é explicada por diversos fatores, segundo estudiosos diferentes, mas é fato. Criou-se, diante de tal realidade, a lei 9.504/7, conhecida como a cota eleitoral de gênero, que afirma a necessidade de todo partido ou coligação preencher o mínimo de 30% das vagas de concorrentes as eleições com candidatas mulheres.

Na campanha eleitoral para o cargo de presidência do Brasil de 2010, na qual tivemos a primeira mulher eleita presidenta em toda a história brasileira, fica evidente as diferentes maneiras que, ainda hoje, a discriminação sexual atua na área política. É necessário às candidatas a adequação a um perfil construído de feminilidade que se coadune à sua introdução no espaço político, ainda considerado masculino. Durante sua campanha, a presidenta eleita Dilma Roussef, adotou como uma de suas estratégias ressaltar o seu papel de “mãe”, mãe do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que se tornaria, caso eleita, a mãe dos pobres do Brasil: afetuosa, protetora e compreensiva. Características, estas, consideradas femininas. Existiria, assim, uma atuação diferenciada, baseada na “lógica do cuidado”. Para as candidatas desviantes desse estereótipo, a campanha e a eleição tornam-se muito mais difícil.

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Percebe-se, portanto, como a política brasileira ainda é considerada um espaço masculino, e as mulheres que desejam adentrá-lo devem fazê-lo sob determinadas regras invisíveis. O discurso modificou-se com o tempo, mas ainda tenta polarizar os sexos e seus papeis. Cabe a nós, cientistas sociais e historiadores, desmascarar esse discurso. Este foi meu primeiro questionamento durante a pesquisa, o porquê das propagandas eleitorais serem tão diferentes quando tratam de candidatos e candidatas? Os discursos, a indumentária, a postura de cada candidato varia conforme o seu gênero. Na mesma época, quando comecei a ler e pesquisar mais sobre o feminismo e as mulheres que atuam na vida política, soube do pioneirismo potiguar na área. Comecei a pesquisa, então, para entender esse pioneirismo, e talvez descobrir como as mulheres potiguares o conquistaram. Em um espaço tão masculino quanto a política, urge a necessidade de feminizá-lo. Compreender sua história, portanto, é indispensável.

Nas últimas décadas, os estudos sobre as relações de gênero e o papel das mulheres na sociedade brasileira se multiplicaram, mas pouco foi estudado sobre a história do voto feminino, e praticamente nada em âmbito potiguar. No Brasil, algumas autoras de referência fizeram importantes e completos estudos, não podendo deixar de citar Branca Moreira Alves, Rachel Soihet, June E. Hahner e Susan K. Besse. No Rio Grande do Norte, é obra de referência A mulher brasileira, de João Batista Cascudo Rodrigues, e a monografia O voto de saias – posteriormente publicada pela coleção Mossoroense – da historiadora Jane Cortez Firmino. Nenhum deles, porém, se deteve na elaboração discursiva acerca do papel feminino e sua inserção na política, meu maior questionamento. Pouco, também, foi escrito acerca do envolvimento de Juvenal Lamartine na campanha sufragista potiguar, nome que sempre era citado na historiografia referida, mas nunca analisado detidamente.

Desta forma, nesta monografia traçaremos a trajetória do movimento feminista brasileiro e potiguar e sua influência na conquista do direito ao voto. O período estudado irá de 1927 a 1929, desde a campanha de Juvenal Lamartine para Presidente do Estado até sua saída do cargo quando da “Revolução de 1930. Nos propomos, também, a analisar as circunstâncias pelas quais aconteceu o pioneirismo potiguar na obtenção do sufrágio feminino, visto que se estabeleceu dentro de uma agenda, e se efetivou a partir de dados discursos. E, por fim, mas não menos importante, tentaremos expor como se deu a defesa da ampliação dos direitos políticos das mulheres por parte daqueles que, finalmente, os reconheceram juridicamente: os juízes responsáveis por incluir no alistamento eleitoral aquelas que o requereram.

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durante o século XIX e culminou na conquista do direito ao voto feminino. Para isso, analisaremos dois dos principais textos de feministas da época e veremos, por fim, como estes foram reapropriados pelas sufragistas brasileiras e utilizados de maneira bem-sucedida na campanha a favor do voto das mulheres. No segundo capítulo, entraremos nas páginas de três jornais potiguares da época para percebermos de que maneira Juvenal Lamartine utilizou-se da campanha sufragista para a construção de sua própria imagem política. Outrossim, perceberemos como, ao mesmo tempo, durante a campanha se é construída uma imagem feminina que se coadunasse com esse novo papel e função das mulheres ao adentrarem no espaço da política. Por fim, no terceiro capítulo, perceberemos a repercussão da conquista do sufrágio em terras potiguares, além de examinar nos despachos dos juízes, de que maneira o discurso feminista e sufragista foi absorvido e posto em prática.

Durante toda a história ocidental pode-se perceber as mulheres se organizando, de uma forma ou de outra, por motivos e com objetivos diferentes. Elas foram amazonas, mártires religiosas e promoveram revoltas. Lutaram nas guerras e foram responsáveis por assumir as tarefas cotidianas quando elas estouravam. Silenciadas, porém, foram essas lutas e sua contribuição no devir histórico. Desta forma, este trabalho parte da ideia de que as mulheres são sujeitos históricos, participantes e influentes na comunidade e sociedade em que estão inseridas. Nunca foram passivas. Mas são plurais. E, assim, foram e são os seus femininos, os feminismos, seus movimentos, suas lutas e suas conquistas. Definido isto, podemos estudar algo mais específico: a conquista da cidadania política das mulheres potiguares.

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1. A primeira onda feminista

A Lei nº 660 tinha como objetivo regular o serviço eleitoral do Rio Grande do Norte, e foi sancionada em 25 de Outubro de 1927. Ao determinar que no estado “[...] poderão votar e ser votados, sem distincção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei”, aqueles que estiveram envolvidos em sua elaboração estavam escrevendo na História seus nomes. Foi assim que, no território potiguar, pela primeira vez na América Latina uma mulher pôde votar, ser votada e ser eleita2.

O caminho para essa conquista, porém, foi longo, e o percurso muitas vezes sinuoso. Durante mais de um século muitas vozes femininas, e simpatizantes masculinos, ousaram se levantar para questionar o papel de seu sexo, algumas mais corajosas chegando a exigir sua mudança. Como, então, ocorreu de ser um pequeno estado do Nordeste brasileiro um dos pioneiros na conquista dos direitos políticos da mulher? A luta feminista tomou inúmeros vieses ao longo do seu primeiro século de existência – como movimento organizado e autoconsciente -, e diversos discursos foram produzidos, remodelados e descartados nesse período. Alguns chegaram às terras brasileiras e foram adaptados ao nosso contexto, outros nasceram e se formaram em nosso território a partir de demandas próprias, e ainda há aqueles, que de tão universais em sua essência – não é à toa ser o sistema patriarcal quase unânime nas sociedades Ocidentais -, foram replicados por aqui.

Neste primeiro capítulo iremos percorrer algumas dessas vozes, para entender como elas chegaram e foram reapropriadas pelo movimento feminista brasileiro, tornando possível a promulgação de uma lei na qual, explicitamente, se relaciona gênero e política, quebrando assim uma das barreiras de um sistema de opressão há tanto dominante em nossa sociedade. “Sem distinção de sexos”, uma sentença que carrega, até hoje, a história de inúmeras mulheres que lutaram para serem vistas e possuírem direitos. Cabe a nós contá-la.

2 A mossoroense Celina Guimarães Vianna foi a primeira eleitora da América do Sul, e a primeira mulher a votar.

Alzira Soriano foi a primeira mulher a ser eleita para um cargo executivo na América Latina, nas eleições de 1928 para prefeitura de Lajes.

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1.1 O sufrágio nasce como ideia: emancipação feminina em palavras

“Mulher, desperta-te!”, assim clama Olympe Gouges em sua Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, em 1792. Publicada logo após a sua referência masculina – dita universal -, a dos Homens e dos Cidadãos, esta veio, revolucionariamente, lembrar que a Humanidade e a Nação, a que tanto clama a Revolução (Francesa), esqueceu metade de si. Bem lembra Gouges, as mulheres que participaram da destituição dos poderes monárquicos e lutaram pela igualdade e liberdade tão repetidamente aclamadas, desaparecem após sua conquista.

O potente império da natureza não está mais rodeado de preconceitos, de fanatismos, de superstições e mentiras. A luz da verdade dissipou todas as nuvens da estupidez e da usurpação. O homem escravo multiplicou suas forças, recorrendo às tuas, para romper as cadeias. Uma vez livre, tornou-se injusto para com a sua companheira. Ó mulheres! Mulheres, quando deixareis de ser cegas? Quais vantagens tirastes da Revolução? Um desprezo mais evidente, um desdém maior.3

A autora, em sua versão, traz a maior parte dos artigos da versão masculina do texto, muitas vezes só os copiando e adicionando a palavra “mulher”. Foi a única modificação, como exemplo, no artigo II: “O objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis [da mulher e] do homem”4. Isso nos mostra que às mulheres também

importava o estatuto da cidadania e as garantias a que estão vinculadas, o importante era que fossem reconhecidas como tal. Gouges, portanto, defende o acesso de todo e qualquer cidadão e cidadã aos direitos básicos constantes da declaração “universal”, já que “a mulher nasce livre” e, portanto, “as distinções sociais só podem ser baseadas no interesse comum”5.

Enquanto a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão apontava o direito à associação política, à propriedade e à justiça da lei, Gouges também reclama questões próprias ao seu sexo. O artigo XI é um dos exemplos, ao exigir que “toda cidadã pode então dizer

3 GOUGES, Olympe. Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. In: O dilema da cidadania: direitos e deveres

das mulheres. São Paulo: UNESP, 1995. p. 306-307.

4 GOUGES, Olympe. Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. In: O dilema da cidadania: direitos e deveres

das mulheres. São Paulo: UNESP, 1995. p. 302.

5 GOUGES, Olympe. Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. In: O dilema da cidadania: direitos e deveres

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livremente: eu sou a mãe de um filho seu”6, ou seja, reclamar aos pais de seus filhos que assumam sua paternidade. O seu “contrato social do homem e da mulher”, proposto ao fim da declaração para regular as relações de casamento e os direitos dos noivos e de seus filhos, demonstra a preocupação da autora acerca da autonomia das mulheres perante seus maridos.

Nós, N e N, movidos pela nossa própria vontade, unimo-nos para o resto de nossas vidas e pelo tempo de nossas inclinações recíprocas, nas seguintes condições: pretendemos e queremos pôr em comum os nossos patrimônios, reservando-nos todavia o direito de separá-los em favor dos nossos filhos e daqueles que poderemos ter de uma paixão particular [...].7

Ao apontar as inúmeras injustiças que considera haver na sua sociedade, comparando o papel feminino ao de uma prostituta ou escrava, Gouges argumenta que é necessário o contrato formal – com a defesa do Estado -, para ao menos tentar tornar esta uma relação menos desigual. E ainda, o que provavelmente foi o mais chocante para seus contemporâneos, reclamando o direito ao divórcio e as garantias legais a partir deste, como percebemos acima.

Além disso, afirma categoricamente que “o único limite ao exercício dos direitos naturais da mulher, isto é, a perpétua tirania dos homens, deve ser reformado pelas leis da natureza e da razão.”8. Desta forma, Gouges deixa claro que a exclusão das mulheres do poder é causada somente pela opressão que sofrem por parte dos homens. Em contraposição, a autora vai defender a ideia da complementariedade dos sexos, muito revisitada décadas depois pelas feministas brasileiras. O seu texto termina com a defesa de uma reconciliação entre os poderes Executivo e Legislativo, comparando à relação entre o homem e a mulher, pois que enquanto um “representar tudo e o outro nada”, tal qual entre os sexos, o império francês estaria fadado a ruir. Eles deveriam, portanto, estar unidos, “em força e virtude, para formar um bom núcleo familiar”9. A Nação como uma grande família, que tem, desta forma, como pilares

complementares, as mulheres e os homens.

6 GOUGES, Olympe. Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. In: O dilema da cidadania: direitos e deveres

das mulheres. São Paulo: UNESP, 1995. p. 305

7 GOUGES, Olympe. Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. In: O dilema da cidadania: direitos e deveres

das mulheres. São Paulo: UNESP, 1995. p. 309

8 GOUGES, Olympe. Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. In: O dilema da cidadania: direitos e deveres

das mulheres. São Paulo: UNESP, 1995. p. 303.

9 GOUGES, Olympe. Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. In: O dilema da cidadania: direitos e deveres

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Podemos perceber, já nesse documento, alguns argumentos que serão utilizados mais tarde durante as campanhas sufragistas. Ao mesmo tempo em que defende um acesso igualitário aos centros de decisão e poder da República recém instaurada, Gouge reafirma alguns dos estereótipos incorrentes sobre o gênero feminino, especialmente àqueles acerca da maternidade e da moralidade inerente ao seu sexo. É novo, no entanto, e revolucionário em si, o valor atribuído a esse papel, utilizando-se dessa importância para justificar a participação das mulheres na política.

Considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos da mulher são as únicas causas das desventuras públicas e da corrosão dos governos, elas resolveram expor numa solene declaração os direitos naturais inalienáveis e sagrados da mulher [...] a fim de que os reclamos das cidadãs, baseados doravante em princípios simples e incontestáveis, sejam sempre voltados para a manutenção da Constituição, dos bons costumes e da felicidade de todos.

Por conseguinte, o sexo superior em beleza e em coragem, nos sofrimentos da maternidade, reconhece e declara em presença e com os auspícios do Ser Supremo, os Direitos seguintes da Mulher e da Cidadã.10

Quase que simultaneamente, do outro lado do Canal da Mancha, Mary Woollstonecraft escreve Vindications of the Rights of Woman (1792). A autora traz em seu livro outro ponto que vai ser repetidamente levantado mais de cem anos depois pelas feministas ao redor do mundo, inclusive pelas sufragistas brasileiras: o direito das mulheres à educação e instrução. A novidade em seu texto, e por isso este se torna tão importante para o movimento, é a percepção de que a opressão da mulher, sua degradação e falta de importância, advém da sua (falta de) educação – não curiosamente elaborada por homens, seus “algozes”. Ao trazer como metáfora para a condição feminina flores que não têm como desabrochar quando plantadas em ambientes hostis, Woolstonecraft conclui:

Uma causa desse florescer estéril. Eu atribuo à um falso sistema de educação, feito a partir dos livros escritos sobre esse assunto por homens que, considerando fêmeas como mulheres ao invés de criaturas humanas, têm sido bem mais ansiosos para fazer delas amantes atraentes do que esposas afetuosas e mães racionais. [tradução nossa]11

10 GOUGES, Olympe. Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. In: O dilema da cidadania: direitos e deveres

das mulheres. São Paulo: UNESP, 1995. p. 302.

11 “One cause of this barren blooming I attribute to a false system of education, gathered from the books written

on this subject by men who, considering females rather as women than human creatures, have been more anxious to make them alluring mistresses than affectionate wives and rational mothers”. WOOLSTONECRAFT,

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Podemos perceber a atribuição dos papeis de esposa e mãe como centro e motivação da educação das mulheres; porém, da mesma forma que Gouge o utiliza como argumento para defender a superioridade feminina, a autora inglesa parte deste lugar pré-determinado e expande-o, servindo de trampolim para voos maiores. Antes da revolução política advinda da conquista do sufrágio e da inserção das mulheres nos espaços institucionais de poder, foi necessária uma revolução dos costumes, tornando possível às mulheres figurinos outros que aqueles de tola, infantil ou naturalmente burra. Não é à toa que Woolstonecraft literalmente o escreve, com todas as letras e destacado:

Que mulheres do presente são por ignorância levadas à insensatez ou maldade, é, Eu acho, não para ser contestado; e que os efeitos mais salutares tendem à melhorar a humanidade poderiam ser esperados de uma REVOLUÇÃO nas maneiras femininas, parecem, no mínimo, com uma face de probabilidade, para sair da observação.12

As mulheres deveriam ser, portanto, tão bem-educada quanto os homens, para poder, assim, tornar-se uma boa esposa e mãe, papeis essenciais para a construção de uma nação forte, uma família saudável e o crescimento de bons indivíduos. Ao mesmo tempo que reforça os limites do espaço das mulheres – privado, “dentro”, familiar -, semeia possibilidades para o futuro. O primeiro passo, portanto, foi dado, e percebeu-se finalmente que as mulheres eram seres humanos, tais quais os homens. Inicia-se uma jornada que ainda não estava perto de acabar.

Mary. A vindication of the rights of woman, with strictures on political and moral subjects. p. 14. Disponível em: http://www.gutenberg.org/ebooks/3420. Acesso em: 25 mar. 2016.

12 “That women at present are by ignorance rendered foolish or vicious, is, I think, not to be disputed; and, that

the most salutary effects tending to improve mankind might be expected from a REVOLUTION in female manners, appears, at least, with a face of probability, to rise out of the observation”. WOOLSTONECRAFT, Mary. A

vindication of the rights of woman, with strictures on political and moral subjects. p. 137. Disponível em:

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1.2 Das ideias a ações: luta feminista ao redor do mundo

Os ideais de cidadania e igualdade de direitos como os conhecemos nascem com a Revolução Francesa. Apesar das mulheres terem participado ativamente durante todas as suas fases, especialmente enquanto agitadoras das multidões, aquelas que inflamavam os homens a irem às ruas e que gritavam palavras de ordem e reivindicações, é a partir desta que se sela sua exclusão, pois que a elas foi negado o acesso à sociedade política.

Segundo Perrot, a “cidadania é uma noção complexa, polêmica, plural. No sentido amplo, ela significa participação na vida da Cidade (ela própria definida como o conjunto dos cidadãos), gozo dos direitos que são ligados a ela, exercício dos deveres que lhe são atribuídos”13. Desta forma, as mulheres se tornam cidadãs passivas, como eram as crianças e os

estrangeiros. Isto significa que elas eram consideradas detentoras de direitos, mas não poderiam exercê-los todos, como no caso do voto. Ao mesmo tempo que garantiu-se o direito à herança e ao divórcio, por algum tempo, seus direitos políticos deveriam ser deixados a cargo de um representante masculino, seja o pai, irmão ou marido.

“[A Revolução] reconheceu-lhes uma personalidade civil que o Antigo Regime negava, e elas tornaram-se seres humanos completos, capazes de fruírem e de exercerem seus direitos. Como? Tornando-se indivíduos”14. Essa foi a principal contradição que resultou nas inúmeras organizações de mulheres em todo o mundo com o objetivo de lutar para serem reconhecidas como cidadãs plenas, iguais perante a lei e capaz de elaborá-las, com direito de subir tanto à tribuna quanto ao cadafalso. As feministas do início do século XX se focam, portanto, na luta por direitos políticos.

Na França, considerada o berço do cidadão - homem -, essa conquista foi mais árdua. Apesar de ter um movimento feminista bastante ativo, presente desde meados da Revolução de 1789 e especialmente influente já no século XIX, o abismo entre cidadania social, civil e cidadania política15 e o exercício destas pelos homens e mulheres foi-se estendendo até a

13 PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005. p. 327.

14 DUBY, Georges; PERROT, Michelle. História das mulheres no Ocidente. Porto: Afrontamento, 1990. v. 4. p. 44. 15 “Estarei fazendo o papel de um sociólogo típico se começar dizendo que pretendo dividir o conceito de

cidadania em três partes [...]. O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual [...]. Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício de poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. [...] O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança,

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Terceira República16. O feminismo francês será um feminismo burguês, afastado dos movimentos operários que tenderam a reforçar os papeis de gênero baseados na dicotomia masculino/feminino, público/privado, política/lar.

A ideia dominante, em todas as classes, era a da complementaridade dos sexos, logo por muito tempo sequer imaginou-se – excetuando, é claro, algumas poucas pessoas “à frente de seu tempo” – as mulheres ocupando um espaço na tribuna. A política enquanto domínio masculino se estabelece, baseando-se na teoria das esferas, definida por Perrot enquanto

[...] tentativa europeia de racionalização da sociedade em que os papeis, as tarefas e os espaços são equivalentes dos sexos. O público, cujo coração é ocupado pela política, pertence aos homens. O privado, cujo centro é ocupado pela casa, é delegado às mulheres (sob o controle dos homens. A família opera a junção entre os dois.

O ano de1848, com a conquista do sufrágio universal (maculino), foi um marco dessa exclusão – depois da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 -, quando confirmou a ausência feminina na política do novo regime instaurado, que agora não mais poderia ser justificada por uma suposta falta de preparo político, educacional ou insuficiência de renda. Apesar das movimentações feministas e inúmeras batalhas pela conquista do voto, só depois de 1944 as francesas obtiveram integralmente o acesso aos direitos políticos, enquanto que em muitos outros países essa conquista ocorreu até vinte ou trinta anos antes.

Na Inglaterra e nos Estados Unidos, por exemplo. Nestes países, a luta tomou viéses mais radicais. Alguns estudiosos creditam o seu pioneirismo à doutrina protestante predominante nesses dois países. Ao defenderem a “igualdade cristã”, abriu-se um precedente para se enxergar uma igualdade civil e política. Não é à toa que muitas das primeiras sufragistas tiveram contato com as próprias vozes dentro das suas paróquias, nos estudos da Bíblia e nos trabalhos filantrópicos necessários a todos os bons cristãos. Por outro lado, também relaciona-se às lutas liberais travadas nesrelaciona-ses paírelaciona-ses, em especial às campanhas abolicionistas. O primeiro encontro organizado de mulheres por seus direitos que se tem notícia – a Convenção pelos Direitos da Mulher, no ano de 1848 em Seneca Falls (EUA) – foi instigado quando suas organizadoras tiveram sua participação ativa vetada, ao serem proibidas de falar, em uma

ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade”. MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 63-64.

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convenção abolicionista que ocorreu na Inglaterra alguns anos antes17.

Ao se organizarem, seja em organizações filantrópicas ou nas campanhas pelos direitos de outras minorias, as mulheres perceberam três pontos que, inevitavelmente, as levaram à luta feminista: 1º elas eram tão ou mais capazes, muitas vezes, de mobilização política; 2º, que por mais que isso fosse verdade, elas não eram ouvidas; e 3º, suas vozes, quando ecoadas, incomodavam, assustavam e eram o mais rápido possível abafadas. Ou seja, elas se perceberam enquanto um grupo, oprimido, tais quais aqueles por quem lutavam.

Duas frentes de trabalho se definiram durante as décadas de campanha sufragista nesses dois países, desde meados do século XIX até a segunda década do século XX, quando foi conquistada a cidadania política para as americanas em 1920 e para as inglesas em 192818. A primeira frente pode ser chamada de constitucionalista, mais conservadora, pois buscava o sufrágio a partir das vias legais. As militantes se empenhavam na organização de conferências, abaixo-assinados e referendos, buscando o apoio de políticos e partidos simpáticos à causa. Seu objetivo era a mudança da lei, a nível federal e local. Essa estratégia tendeu ao conservadorismo por necessitar de um forte apoio da opinião pública e das grandes instituições, como a Igreja e os parlamentos. Essa vertente do movimento sufragista acaba por focar apenas na conquista do direito ao voto, não problematizando outras questões da opressão feminina e dos problemas que a atravessam. É também, portanto, um feminismo branco e burguês, tendo em sua cabeça mulheres abastadas, das classes médias e altas, que tiveram acesso à educação e muitas vezes já eram profissionais liberais.

A segunda frente, considerada radical, desenvolveu-se principalmente na Inglaterra, onde suas militantes ficaram conhecidas como sufragetes. Elas afirmavam que nada seria feito se dependesse da boa vontade dos políticos, argumentando que todas as campanhas legalistas até então empreendidas em nada tinha dado. “AÇÕES, NÃO PALAVRAS”19 era o lema da

Women’s Social And Political Union, organização fundada por Emmeline Pankhurt, uma das militantes mais conhecidas e procuradas na Inglaterra durante a década de 1910.

17 ALVES, Branca Moreira. Ideologia e feminismo: a luta da mulher pelo voto no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1980. 18 A conquista do voto pelas mulheres inglesas foi por etapas. Em 1918 foi promulgada a lei que concedia o direito

de voto para mulheres acima de 30 anos, só dez anos depois foi estendido para todas as mulheres maiores de idade (como o era para os homens).

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A obstinação do Governo e do Parlamento em não dar ouvidos às sufragetes levou-as a adoptarem tácticas cada vez mais agressivas e violentas, sobretudo a partir de 1908, como vandalizar ou destruir edifícios públicos e privados, igrejas, museus, campos de golfe, etc., vários dos quais incendiaram ou destruíram com explosivos; partir vidraças, como as das janelas da própria residência do Primeiro Ministro, em 10 Downing Street, que as sufragetes Mary Leigh e Edith New estilhaçaram. Os prejuízos atingiram centenas de milhar de libras.20

Em resposta, elas eram fortemente atacadas. A repressão policial era extremamente violenta, houve centenas de prisões e, como revide às greves de fome organizadas pelas militantes em forma de protesto, elas eram alimentadas à força com canos introduzidos até o estômago. Além disso, a propaganda antissufragista era impiedosa. Pintavam-nas - inclusive literalmente, em folhetos publicitários e charges de jornal - como mulheres mal amadas, feias, frustradas, solitárias e invejosas. Construindo um estereótipo das feministas que ecoa até os nossos dias.

Cartão postal antissufragista (Inglaterra, 1910)21

20 ABREU, Zina. Luta das mulheres pelo direito de voto: movimentos sufragistas na Grã-Bretanha e nos Estados

Unidos. Arquipélago-História, Porto Alegre, v. 6, p. 443-469, 2002. p. 464.

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Os antissufragistas argumentavam que, com a inclusão das mulheres na política, os lares e as famílias ficariam abandonados. Por isso era comum que se retratassem maridos cuidando das crianças e da casa, desolados, enquanto suas esposas saíam para “conquistar o mundo”. Ou, então, homens de aparência esquálida, frágil, segurando cartazes em defesa do sufrágio feminino, ridicularizando aqueles que ousaram apoiar a luta sufragista e, com isso, romperam as barreiras dos gêneros ao renunciar ao seu privilégio (um deles, pelo menos). Os espaços deveriam ser muito bem definidos, e era apenas ao homem que se destinava o público. Este é um argumento que se repete nas diferentes campanhas ao redor do mundo, basilar na opressão e exclusão feminina.

1.3 O feminismo bem-comportado brasileiro: Bertha Lutz e a Federação Brasileira pelo

Progresso Feminino

As reivindicações das mulheres brasileiras nascem em torno do direito à educação, já na primeira metade do século XIX. Não por acaso, a potiguar Nísia Floresta, considerada a primeira feminista do Brasil, fez uma “tradução livre” do Vindication of the Rights of Woman, anteriormente citado, que em sua versão tem como título "Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens". Neste, a autora não apenas traduz a obra de Wollstonecraft, mas a reescreve em face do contexto brasileiro e a partir de sua própria experiência enquanto mulher, brasileira, educadora e letrada. Apesar de não trazer em sua discussão a emancipação política feminina, nem estampar a palavra “revolução” destacada em sua tradução, este ainda é um documento importante para o estudo da emergência de um pensamento feminista brasileiro, pois que aponta a submissão da mulher ao homem, condenando-a e defendendo uma suposta superioridade feminina – tanto moral quanto intelectual.

Floresta foi um nome proeminente no protesto pela emancipação a partir da educação das mulheres, além de defensora da abolição da escravatura e instauração da República. Durante seus 74 anos de vida (1810-1885), escreveu inúmeros outros textos e livros acerca da condição de seu sexo, entre os quais Opúsculo Humanitário, de 1853, notável pela articulação de argumentos, dados e proposições acerca da educação feminina da época. O livro, composto por dezenas de artigos publicados em jornais, foi enriquecido pelos anos de docência acumulados pela autora à época, além do seu contato com inúmeros pensadores proeminentes de seu tempo, sendo o mais famoso deles Augusto Comte, com quem travou discussões intelectuais e trocou

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cartas durante alguns meses – até a morte dele.

Neste mesmo período se criou uma imprensa feminina, editada por e voltada para as mulheres, disseminando ideias sobre o potencial feminino e sendo utilizada largamente por grupos feministas. Essas senhoras pregavam o “Progresso” – da Nação, das famílias e do indivíduo -, visando um aperfeiçoamento moral e material do Brasil. Nesta missão, a mulheres teriam papel essencial, vistas como meio de “purificação” da sociedade. Para isso, porém, alertavam: era necessário a sua emancipação moral. Vemos, portanto, a mesma estratégia que Nísia Floresta utiliza nos seus textos. Alertando para a posição vital na qual se encontrava as mulheres brasileiras, pilares da família e formadoras dos futuros cidadãos do país, lembravam aos homens que era desejável a instrução e formação adequada desta parcela tão importante da população.

Alerta-se, no entanto, que apesar da crescente entrada das mulheres na vida pública, a partir de uma maior educação e ampliação dos espaços destinados a elas, tais mudanças não significariam a transformação do status feminino. As mulheres poderiam estudar, trabalhar e publicar, mas este não era considerado seu papel. O estudo ainda era voltado à formação da mãe dona-de-casa – a chamada “educação de agulha” - e sua principal função era o de criação dos filhos e manutenção do lar. Mesmo os grupos feministas, em sua maioria, não saíram dessa lógica, preferindo apenas utilizá-la em favor de seus propósitos, exaltando o papel feminino e partido daí as suas reivindicações.

A luta pelo sufrágio feminino no Brasil existiu desde antes da proclamação da República, quando José Bonifácio defendeu o sufrágio para as mulheres diplomadas por uma escola superior na Câmara dos Deputados Gerais do Império. Esta, porém, se recrudesceu na Constituinte Republicana de 1890, em meio a reivindicações radicais de alguns dos chamados “republicanos históricos”. Já em 1910 foi fundado um Partido Feminino Republicano, pela professora Deolinda Dalho, e em 1917 ela consegue reunir quase cem mulheres reclamando cidadania política em passeata pelo Rio de Janeiro. Em 1920 é fundada a Liga para a Emancipação Internacional da Mulher, pela professora Maria Lacerda de Moura em conjunto com a bióloga Bertha Lutz. Lutz se tornará o grande nome da luta em defesa do voto feminino, organizando em 1922 a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, principal organização sufragista brasileira.

Bertha Lutz tem seu interesse despertado em participar de organizações e campanhas feministas ainda na Inglaterra, onde foi criada. Ao retornar ao Brasil, no ano de 1918, pôde se

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iniciar na militância, tornando-se uma das chamadas “feministas históricas”. Funcionária pública, trabalhando no Museu Nacional, travou contato com militantes francesas e americanas já planejando sua investida em favor da situação das mulheres brasileiras. O programa da federação que organizou refletia as influências de entidades congêneres norte-americanas, como afirmou Maria Amélia de Almeida Teles22. Seu objetivo era:

Promover a educação da mulher e elevar o nível de instrução feminina; proteger as mães e a infância; obter garantias legislativas e práticas para o trabalho feminino; auxiliar as boas iniciativas da mulher e orientá-la na escolha de uma profissão; estimular o espírito de sociabilidade e cooperação entre mulheres e interessá-las pelas questões sociais e de alcance público; assegurar à mulher direitos políticos e preparação para o exercício inteligente desses direitos; estreitar os laços de amizade com os demais países americanos.23

A campanha feminista no Brasil durante essas primeiras décadas de regime republicano se voltou quase que inteiramente para a conquista da cidadania política, buscando o direito de votar e ser votada. Tendo na sua vanguarda mulheres de classe média alta, educadas formalmente e que, muitas vezes, eram independentes financeiramente e relacionadas a nomes masculinos já influentes na política, o movimento criou um perfil específico. Logo, não foi uma reivindicação das massas, mas uma mobilização de caráter liberal, “considerando o sufrágio o instrumento básico de legitimação do poder político e concentrando a luta no nível jurídico-institucional da sociedade”24.

E é nesse ambiente que Bertha Lutz e um pequeno grupo de companheiras farão a sua campanha que assume caráter hegemônico naquele momento. Organizam-se em associações, fazem pronunciamentos públicos, utilizando-se fartamente da imprensa, buscam o apoio de lideranças nos diversos campos, constituindo grupos de pressão visando garantir apoio de parlamentares e de outras autoridades, da imprensa, da opinião pública. Apesar disso, em sua maioria, buscam revestir o seu discurso de um tom moderado. Não apenas porque talvez considerassem que esta seria a forma adequada de expressão feminina, mas, especialmente, por razões táticas.25

Elas tomaram como estratégia a não confrontação direta com o sistema. Era um

22 TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1999.

23 BESSE, Susan K. Modernizando a desigualdade: Reestruturação da Ideologia de Gênero no Brasil (1914-1940).

São Paulo: EDUSP, 1999.

24 ALVES, Branca Moreira. Ideologia e feminismo: a luta da mulher pelo voto no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1980.

p. 14.

25 SOIHET, Rachel. A pedagogia da conquista do espaço público pelas mulheres e a militância feminista de Bertha

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movimento, portanto, de viés constitucionalista, tal qual a ala mais forte das organizações americanas. Não é à toa que estes se tornaram tão próximos, como aparece no último ponto do programa ao apontar como um dos principais objetivos o diálogo entre os países americanos, bem característico das estratégias estadunidenses de influência nas nações do resto do continente.

Percebe-se, assim, que não foram colocadas em xeque as ideias sobre o determinismo biológico, o papel das mulheres e a opressão sistemática de gênero, apesar de estas já serem discutidas nos meios feministas mais radicais, inclusive pela própria Maria Lacerda de Moura, com quem Lutz fundou sua primeira organização sufragista. Pelo contrário, se buscou utilizar a imagem da mulher/mãe, do seu papel essencial na família e na criação dos filhos, como argumentos para a sua inclusão na política. O movimento sufragista reafirmou a maternidade como a mais importante função feminina, necessária à pátria, pois que esta tinha como sua base a família. Sendo uma parcela tão importante para a nação, e tendo anseios e demandas específicas para si, as mulheres não deveriam ser excluídas do lugar onde se construía o novo regime.

Estes são argumentos que, como vimos, datavam de meados do século anterior. A diferença é que agora as sufragistas já eram toleradas pela opinião pública e começaram a arrebanhar simpatizantes para sua causa. O fato do voto feminino já ser realidade em outros países do mundo, especialmente dentre aqueles considerados civilizados e modelos de progresso, facilitou a receptividade desse ideário no Brasil. O voto não deveria ser visto como fim em si mesmo, mas como meio de ação para a expansão dos horizontes femininos.

Mais importante para essa nova conjuntura, porém, foram aquelas mulheres oitocentistas que começaram o alargamento de suas fronteiras e sonharam com novos papéis. Junta-se a isso o acesso à educação, que se expandiu consideravelmente durante o período imperial, especialmente a partir de 1879 ao abrir as portas do ensino superior às mulheres, habilitando-as ao exercício de profissões. O século XX nasceu pronto para ser tomado por elas. Coube, então, reivindicar seu lugar.

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2. À procura das chaves da porteira: o sufrágio chega ao Rio Grande do

Norte

O Senador Lauro Muller lembrou àqueles que estavam presentes em seu discurso de abertura do I Congresso Feminista Brasileiro, em 1922, que a Constituição não proibia expressamente o voto feminino. Afirmou, também, que os homens são como carneiros, ou seja, era só um estado interpretar a Constituição do "modo certo" que outros logo iriam atrás, alastrando o voto feminino pelo Brasil antes mesmo deste ser aprovado na Câmara Federal. Foi, assim, que no Rio Grande do Norte que as "porteiras foram abertas".

Seguindo o conselho do Senador Muller, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino buscou apoio em políticos que se mostravam abertos à ideia do sufrágio, iniciando campanhas em nível estadual e, inclusive, abrindo "filiais" da federação nos diversos estados brasileiros. Em 1926, Bertha Lutz e outras feministas procuraram o apoio de Juvenal Lamartine, então deputado federal e membro da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal. Durante seu mandato como deputado, Lamartine distribuiu pareceres favoráveis ao voto feminino e o defendeu arduamente no Congresso. Desta forma, quando Lamartine, em 1927, teve o nome indicado à presidência do estado do Rio Grande do Norte, elaborou-se uma plataforma de campanha em que os direitos políticos das mulheres eram pleiteados.

A propaganda feminista no Rio Grande do Norte teria, então, se iniciado com o programa administrativo que Juvenal Lamartine divulgou em 9 de abril de 1927. Seu nome ficaria relacionado a partir daí a esta campanha, sendo considerado um vanguardista, um político que encarnou durante toda a sua vida pública os ideais liberais e de modernidade. "Juvenal Lamartine foi um homem movido por grandes ambições sociais, algumas das quais se constituíram como divisores de época. Por exemplo, sua luta vitoriosa pelo reconhecimento do voto feminino [...]"26.

Não foi à toa, portanto, a sua adesão à campanha sufragista. Durante toda a sua vida política Juvenal Lamartine construiu uma ideia de si, investindo em ações e projetos que reforçavam sua imagem de moderno e vanguardista. Ele garantiu, seja durante os anos de mandato, seja após seu afastamento da vida pública quando da “revolução” de 1930 de Getúlio

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Vargas, que seu nome estivesse gravado ao lado de ideais considerados modernos ou inovadores. Sua propaganda política esteve centrada nisto, tanto quanto suas memórias.

Nesse capítulo, analisaremos a campanha de Juvenal Lamartine para o governo de 1927 e a repercussão de suas ações durante seu mandato a partir, principalmente, dos jornais A República e O Mossoroense, buscando perceber de que forma o voto feminino se coadunava com sua estratégia política. Além disso, serão abordados alguns dos ecos de memória do “deputado feminista”, como ficou conhecido, objetivando confirmar o sucesso dessa ideia a partir da imagem que ficou na história acerca de sua figura política. Perceberemos, por fim, de que maneira o feminismo e o status feminino foram construídos nas páginas dos jornais, a partir não só das matérias e notícias relacionadas ao sufrágio, mas também a partir de artigos sobre a Escola Doméstica, uma outra instituição que implicava a adoção de uma perspectiva de gênero. Pois que tudo, no fim, resumiu-se ao que era ser mulher, para então descobrir seus direitos e determinar seus deveres.

2.1 Juvenal Lamartine, o feminista

Juvenal Lamartine de Faria é o primeiro dos nove filhos do casal Clementino Monteiro de Faria e Paulina Umbelina dos Passos Monteiro27. Nascido em 9 de agosto de 1874, na Fazenda Rolinha em Serra Negra do Norte, o futuro Presidente do Estado esteve imerso em política desde o útero, pois ambos seus progenitores faziam parte das elites políticas de sua região. Por um lado, sua mãe, descendente de um dos primeiros povoadores de Acari, o fazendeiro Tomaz de Araújo Pereira. De outro, seu pai, ele próprio chefe político de Serra Negra do Norte, sendo inclusive intendente municipal e deputado estadual de 1907 a 1909, pertencente à família fundadora da localidade, que tinha como patriarca Manoel Pereira Monteiro.

Dando continuidade à sua inserção nas elites políticas locais, mais tarde se casa com

27 Essa e as demais informações utilizadas para montar a biografia de Juvenal Lamartine de Faria foram coletadas,

especialmente, no artigo O educador e intelectual norte-rio-grandense: Juvenal Lamartine de Faria (1874-1956) e no verbete LAMARTINE, Juvenal disponível no site do CPDOC. Ver ARAUJO, M. M.; MEDEIROS, C. M. L. O

educador e intelectual norte-rio-grandense: Juvenal Lamartine de Faria (1874-1956). In: Congresso Brasileiro de

História da Educação, 2, 2002, Natal. Anais. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2002. e

PEIXOTO, R. A. LAMARTINE, Faria. In: CPDOC. Disponível em:

http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/LAMARTINE,%20Juvenal.pdf. Acesso em: 25 maio 2016.

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Silvina Bezerra de Araújo Galvão, também pertencente a uma família influente na própria região, neste caso Acari, na região do Seridó. Silvina era filha de Silvino Bezerra, líder político, avô de José Augusto Bezerra de Medeiros, que também viria a se tornar líder político e com quem Juvenal Lamartine posteriormente constituiu a oligarquia do Seridó, facção política potiguar dominante durante boa parte da República Velha. A presença da oligarquia seridoense na vida política do Rio Grande do Norte estende-se até os dias atuais, tendo dentre seus descendentes, por exemplo, Wilma de Faria, curiosamente a primeira mulher a governar o Estado do Rio Grande do Norte, durante o período de 2003 a 2010. Márcia Maia, filha de Wilma de Faria, é atualmente deputada estadual norte-riograndense pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) e foi a primeira mulher a ocupar a presidência da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte.

Juvenal Lamartine também teve uma trajetória de vida tradicional para os moldes dos filhos das elites políticas de sua época. Quando criança foi educado por um mestre-escola, professores primários contratados por fazendeiros para irem às suas casas ensinar seus filhos as primeiras letras. Em 1890, ao passar para o ensino secundário, Lamartine começa a estudar em Caicó, na Escola de Gramática Latina, uma conceituada instituição de ensino seridoense por onde passou muitos dos políticos e figuras potiguares influentes de sua geração. Já em 1891, ele se muda para Natal, onde continua seus estudos no Atheneu Rio-Grandense, àquela época a principal escola secundária do Rio Grande do Norte.

É no Atheneu que Lamartine estreia na vida política. Lá, funda o Grêmio Literário Natalense em 1893, do qual será presidente, além de participar da construção do Jornal Athleta e da Revista Potyguar. Segundo Araujo e Medeiros, ele teria sido um dos motivadores de uma “revolta estudantil”, que chegou a motivar o fechamento do colégio Atheneu no mesmo ano da fundação do grêmio. As autoras apontam como causa

o convite do então Presidente do estado, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, ao Desembargador e Professor José Clímaco do Espírito Santo, para assumir o cargo de vice-diretor desse estabelecimento, mesmo sem a concordância das lideranças estudantis, a exemplo de Lamartine28.

28 ARAUJO, M. M.; MEDEIROS, C. M. L. O educador e intelectual norte-rio-grandense: Juvenal Lamartine de Faria

(1874-1956). In: Congresso Brasileiro de História da Educação, 2, 2002, Natal. Anais. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2002. p. 3.

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O conflito teria sido de tal gravidade que o Colégio Atheneu chegou a ser cercado por forças policiais, motivando a elaboração de uma Carta Aberta nominada “O Nosso Protesto” e assinada por inúmeros estudantes secundarista, dentre eles Juvenal Lamartine. Essa carta foi publicada na imprensa local, sendo seguida pelo fechamento por tempo indeterminado da instituição, usando como pretexto a suposta necessidade de se reformar o local. Assim, Lamartine acaba por concluir seus estudos na cidade da Parahyba do Norte (atual João Pessoa). Em 1894 muda-se para o Pernambuco e matricula-se no Curso de Ciências Sociais e Jurídicas da Faculdade de Direito do Recife, um dos centros de referência na formação dos intelectuais e políticos da época. Durante sua formação, Lamartine continua a escrever, em revistas locais e jornais potiguares, principalmente sobre economia e política.

Ao graduar-se, em 1897, Juvenal Lamartine retorna a Natal com o cargo de professor de geografia do Colégio Atheneu. Logo foi designado para a vice-diretoria, em 1898, na mesma época em que se torna redator do jornal A República, o órgão de imprensa oficial do Estado, sobre o qual falaremos mais à frente. No mesmo ano, porém, é criada a Comarca de Acari, sendo a ela designado como Juiz de Direito pelo Governador Ferreira Chaves.

Em 1903, Pedro Velho, líder da ligarquia Maranhão que até então conduzia a política norte-riograndense, indica Juvenal Lamartine para o cargo de Vice-Governador do Rio Grande do Norte ao lado de Augusto Tavares de Lyra, que liderava a chapa pelo Partido Republicado Federal. Vencidas as eleições, Lamartine toma posse de seu primeiro cargo executivo em março de 1904, aos 29 anos de idade. Desde então, até o seu exílio forçado em 1930 pela “Revolução” Outubrista, o jovem político ocupará inúmeros cargos, desde Deputado à Presidente de Estado29. Durante sua trajetória política, Lamartine tecerá alguns discursos acerca de si e de seus objetivos enquanto representante potiguar, dos quais fará parte sua luta pelo sufrágio feminino e as consequentes referências a ele mesmo como exemplo de político feminista.

Liberal, a palavra que definia Lamartine enquanto político era “moderno”. Durante sua trajetória pública esta vai ser repetidamente evocada para descrever seus mandatos, suas ideias e seu governo. Para isso, Juvenal Lamartine adotou como suas, pautas consideradas inovadoras para a época, como a criação da aviação comercial e o sufrágio feminino. Além disso, ele

29“Lamartine ocupou todas as funções eletivas no Rio Grande do Norte. Executivo, chegou a governador.

Legislativo, deputado e senador federal, e judiciário, como juiz de direito do Acari. Em qualquer desses ramos de atividade da vida pública, ele foi uniforme, isto é, só tinha uma diretriz – o cumprimento do dever”. MEDEIROS, José Augusto Bezerra de. Lamartine, palmo a palmo. In: Juvenal Lamartine de Faria: 1874/1956. Natal: [s.n.], 1994. p. 9.

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buscava nos exemplos dos ditos “países civilizados” o espelho para o que deveria ser o novo Brasil que estava se formando a partir desse início de século XX. O novo, relacionado à República recém implementada e reclamada pelas elites políticas norte-riograndeses como sua, é o mote. Esta é uma imagem que perdura até os dias de hoje, muitas vezes replicadas tanto em suas biografias, quanto na historiografia potiguar.

Nesta cidade que começava já a transformar-se, nós, estudantes, seríamos talvez as melhores testemunhas dos últimos momentos da chamada República Velha. O tempo nos daria a visão objetiva dos acontecimentos. E aquele homem austero, [...], o pioneiro de tanta coisa, o governante que, como já tive ocasião de dizer, adiantou-se trinta anos nas iniciativas e nas realizações a que ligou para sempre o seu nome. Sociologicamente, em 1930, estavamos [sic] em 1960: o Dr. Lamartine avançava no tempo, abria caminhos que permitiram a Natal ser, no segundo conflito mundial, cidade do mundo, estrategicamente dotada de privilégios que ele, o estadista, soube vislumbrar.30

Esse discurso, como afirmamos, foi construído durante seus mandatos, repetido exaustivamente em suas plataformas de campanha, em sua propaganda política nos jornais e revistas locais, e reiterado por muitos de seus contemporâneos ilustres, como Câmara Cascudo. No trecho a seguir, retirado de um texto escrito por Cascudo e publicado no jornal A República em 7 de junho de 1928, destacam-se algumas das pautas reclamadas por Lamartine como basilares durante o período em que foi Presidente do Estado. Uma, em especial, é a sua ligação com a “mocidade”, da qual não há muito tempo fazia parte, e da qual esperava-se que saíssem os próximos líderes dessa Nação ainda engatinhante, como era visto o Brasil – tanto pelas outras nações do mundo, quanto por seus próprios cidadãos.

Eu não temo a mocidade. A mocidade é para temer-se? [...] O Presidente não a teme. Não a teme porque se identificou com ela. A solidariedade deste governo aos novos não é meramente retórica, fala bonita de mensagem e fala de sobremesa. Um presidente que guia automóvel, viaja de avião, discute literatura, dirige politicamente a campanha do Feminismo Brasileiro é pouco parecido com as figuras hirtas que quadrienalmente recebem ditirambos nos Estados. [...] Tudo isso é campanha de novos. É quebra de rotinas, de usos, de tradições existentes nas memórias e nos relatórios mais ilógicos nos dias presentes.31

30 PEÇANHA, Nilo. Juvenal Lamartine, um pioneiro. In: Juvenal Lamartine de Faria: 1874/1956. Natal: [s.n.], 1994.

p. 33.

31 CASCUDO, Luís da Câmara. Eu não temo a mocidade. In: Juvenal Lamartine de Faria: 1874/1956. Natal: [s.n.],

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É nessa lógica que se insere a campanha pelo sufrágio feminino na plataforma de governo de Juvenal Lamartine. Apesar de muito criticado, ainda, o feminismo vinha se popularizando nas primeiras décadas de 1900, e o voto das mulheres já era realidade em muitas dos países nos quais os políticos brasileiros se inspiravam, como os Estados Unidos. Lamartine, utilizou-se dos argumentos da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino durante suas defesas da constitucionalidade do voto das mulheres brasileiras, especialmente àqueles embasados na não-exclusão destas na Constituição Federal. Assim, interpretavam que elas estariam incluídas no “cidadãos brasileiros” a que a lei se referia. Em 7 de setembro de 1925, Lamartine discursou na Liga da Federação Feminina. Esta fala é um resumo dos argumentos apresentados por ele, como podemos ver32:

Sou, como é sabido, francamente favorável ao suffragio feminino, com a mesma amplitude que tem entre nós o masculino.

Convencido, como estou, de que a Constituição Federal não veda á mulher o gozo dos direitos politicos, antes lhos concede, pois é principio immutavel de interpretação jurídico que um direito não se restringe por inducção, não vejo motivo para lhe negar, deante de nossa legislação eleitoral, o direito de se alistar eleitora e votar.33

Argumenta-se, também, na relação do feminismo com o progresso dos países civilizados, sua ligação com o liberalismo e a democracia, além do importante papel das mulheres para a sociedade ao serem reforçadas suas atribuições de mães e esposas, moralizadoras do lar e, por conseguinte, da nação:

Num regimen democrático como é o nosso, é absurdo que se prive metade da população brasileira de exercer os seus direitos politicos, quando a experiencia tem demonstrado que a actuação da mulher está sendo mais eficiente que a do homem na solução das questões sociaes, como a da educação, do trabalho das mulheres e crianças nas fabricas, no combate ao alcoolismo e, sobretudo, na aproximação internacional dos povos, afim de evitar ás guerras. Acho, portanto, que a mulher não so deve colaborar na escolha dos representantes do povo, como na elaboração e votação das leis á que ella tanto quanto os homens deve obediência.34

32 Neste trabalho, optamos por manter a grafia ortografia original dos documentos analisados.

33 Discurso transcrito no jornal A República. PLATAFORMA do senador Juvenal Lamartine e o voto feminino, A

República, p. 1, 22 maio 1927.

34 Discurso transcrito no jornal A República. PLATAFORMA do senador Juvenal Lamartine e o voto feminino, A

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Foi inovador, não se pode negar, a inclusão do sufrágio em sua plataforma de campanha. O jornal O Mossoroense publicou em 22 de maio de 1927 um texto resumindo-a, do qual tiramos o trecho seguinte:

XVIII O SUFFRAGIO DA MULHER – Convencido de que a constituição concede ao bello sexo o direito de votar, S. Excia., encampa esta magnifica ideia, a mais significativa do governo de tolerancia e de paz que pretende fazer. Dando á mulher amplo acesso ao serviço eleitoral, S. Excia, brindou a tambem com o direito de representação na Assembléa Legislativa, tendo assim S. Excia., ultimado a sua Plataforma, com uma verdadeira apotheose ‘a mão que embala o berço riograndense’, o que bem expressa a nobresa de sentimentos, que se aninham no coração daquele que vae ser o sacerdos magnus, da politica do Rio Grande do Norte e cujos altruísticos são entre-advinhados por todos. E assim com este trabalho de alta cultura, estylo castiço e firmesa de convicções, ventilou S. Excia., a ninharia de desoito themas sob o ponto de vista econômico, politico, social e moral, que representam manancial adamantino de ideas que, em breve serão condensadas em realidade.35

Não faltaram críticas, porém, à sua campanha, a seu governo e suas pautas. Café Filho, que o acusou de mandar queimar as atas das eleições municipais de 1928 para compor a Câmara com seus aliados, o apelidou de “Ditador Feminista”, em referência às ações violentas de combate à oposição. Um colunista do jornal O Imparcial (RJ), inclusive, pede explicações a Bertha Lutz acerca de sua posição a favor desse político ante uma acusação de que Juvenal Lamartine teria mandado espancar mulheres no Rio Grande do Norte. Não faltou, também, é claro, aqueles que o criticassem a partir da chacota, normalmente pintando a imagem de um homem mulherengo e galã, com um harém que o admirava por defender o sufrágio feminino.

35 GURJÃO, J. Fernandes. APRECIAÇÃO em torno da Plataforma do Senador Juvenal Lamartine: futuro Presidente

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Charge publicada em O Malho (RJ)36

2.2 Feminismo em letras de imprensa: o movimento nas páginas de jornal

Tivemos acesso a três jornais potiguares que circularam no período estudado, que abarca a trajetória política de Juvenal Lamartine durante seus mandatos de Senador e Presidente do Estado. São estes: A República, de Natal, e O Mossoroense e O Nordeste, ambos de Mossoró. Do periódico natalense conseguiu-se os anos de 1927, 1928 e 1929. O primeiro, cerca de vinte exemplares por mês, com exceção do mês de dezembro de 1927que não consta. Os números de 1928 e 1929, por outro lado, foram mais escassos, tendo apenas alguns números dos meses de maio a agosto de 1928 e de maio a outubro de 1929. Já O Mossoroense estava disponível, no Museu Histórico de Mossoró Lauro da Escóssia, praticamente toda a década de 1920. Lá, também, tivemos acesso a alguns exemplares aleatórios de O Nordeste, dos anos 1927, 1928 e 1929.

O jornal A República foi fundado em 1 de julho de 1889, sendo o órgão oficial do recém-nascido Partido Republicano do Rio Grande do Norte, dirigido pela oligarquia Maranhão. Tornou-se, quando esta se estabeleceu no poder do Estado no início do novo regime republicano, Órgão dos Poderes do Estado, imprensa oficial, sendo publicado diariamente. Dentre seus articulistas, diretores e redatores estiveram muitos políticos da época, como o próprio Juvenal Lamartine.

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O Mossoroense foi um dos principais jornais veiculados no início do século XX no Rio Grande do Norte. Fundado em 1873, fechou em 1876 e só retornou à atividade em 1901, na chamada segunda fase do jornal, que se encerrou em 1934. Extremamente eclético em suas publicações, O Mossoroense se afirmou como veículo de divulgação e promoção das letras, artes, ciência, política e desenvolvimento humano, se tornando um grande formador e divulgador de ideias dentro do Estado. O Nordeste, por outro lado, era um veículo de imprensa “menor”, seu fundador, que também tomava as vezes de redator, diretor e articulista, foi José Martins de Vasconcellos, intelectual mossoroense adotado (nasceu em Apodi, mas passou toda a sua vida em Mossoró), conseguiu mantê-lo por dezenove anos, entre 1915 e 1934. Não tinha a força e a influência política dos proprietários d’O Mossoroense, líderes políticos da região.

É importante destacar a formação dos jornais que aqui estão sendo utilizados como fonte histórica, pois que a imprensa não é uma instituição descolada da sociedade em que está inserida, e não só é constituída por atores históricos e financiada por instituições, partidos ou organizações que têm interesses privados, como faz parte da construção da opinião pública, pois que torna-se intermediária entre os “fatos” e as “pessoas”. Opinião pública, esta, cada vez mais valorizada nesse novo sistema político que instaurava-se no Brasil da época, um sistema que reivindicava-se democrático e que, cada vez mais, vinha se abrindo para a participação direta de novos agentes políticos com a expansão dos direitos de cidadania. Como bem destacam Cruz e Peixoto,

Convém lembrar que não adianta simplesmente apontar que a imprensa e as mídias “têm uma opinião”, mas que em sua atuação delimitam espaços, demarcam temas, mobilizam opiniões, constituem adesões e consensos. Mais ainda, trata-se também de entender que em diferentes conjunturas a imprensa não só assimila interesses e projetos de diferentes forças sociais, mas muito frequentemente é, ela mesma, espaço privilegiado da articulação desses projetos. E que, como força social que atua na produção de hegemonia, a todo o tempo, articula uma compreensão da temporalidade, propõe diagnósticos do presente e afirma memórias de sujeitos, de eventos e de projetos, com as quais pretende articular as relações presente/passado e perspectivas de futuro.37

A primeira referência ao feminismo38 que encontramos nos jornais citados foi em 1925, n’O Mossoroense. Sob o título de “Revista feminina”, há a indicação de uma revista paulista

37 CRUZ, H. F.; PEIXOTO, M. R. C. Na oficina do historiador: conversas sobre História e Imprensa. Projeto História,

São Paulo, n. 35, p. 253-270, dez 2007. p. 258-259.

38 Utilizaremos, para efeitos de pesquisa, feminismo enquanto movimento auto-consciente de mulheres, com

agenda e pautas próprias. No caso das entradas nos jornais, já o são, em sua maioria, mencionados enquanto tal, com o termo “feminismo” ou identificando pessoas como “feministas”.

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de circulação nacional, com o mesmo nome, que é referida como “o expoente da causa do feminismo no paiz” e no qual D. Elisa Rocha Gurgel, mossoroense, colaborou com um texto. O jornal destaca, especialmente, que a revista – e o feminismo no geral – “ha angariado a sympathia de todos nòs, indistinctamente do sexo forte ou do bello sexo”39.

Esta, porém, é uma ocorrência excepcional. O feminismo só vem ganhar destaque nos periódicos estudados a partir do ano 1927, após o lançamento da plataforma de governo de Juvenal Lamartine. As matérias se relacionavam, principalmente, à relação do sufrágio feminino e do feminismo, começando uma campanha em prol da conquista de direitos políticos para as mulheres. A primeira ocorrência direta no jornal A República, porém, não foi favorável. Em 5 de julho de 1927, pouco mais de um mês depois de publicarem um extenso artigo onde destacavam os argumentos de Lamartine para apoiar o sufrágio, é transcrito em primeira página um texto de Agenor de Roure, que saiu originalmente no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro.

Neste, intitulado simplesmente “Feminismo”, o articulista inicia apontando a emergência da luta sufragista pelo mundo, destacando os lugares em que às mulheres já era permitido votar. No decorrer dos parágrafos, porém, o texto dá uma guinada e os argumentos voltam-se para a suposta relação entre sufrágio e alistamento militar obrigatório. Roure afirma não crer “que a mulher acceite o ‘direito’ de votar com o corollario logico do dever de vestir farda de soldado e de ‘obedecer sem discutir’”. Roure continua dando destaque as características “femininas” que não se coadunariam com o serviço militar por seres “o sexo fraco”. O feminismo estaria masculinizando as mulheres, ao permiti-las ocuparem cargos considerados masculinos. O medo de inverterem-se os papeis, como vimos anteriormente nos cartões-postais anti-feministas ingleses, aparece aqui também. O autor alerta: “se não resistirmos [os homens] um pouco, ellas acabarão por deixar-nos em casa preparando o mingáo das crianças...”.

Roure chega a encaminhar diretamente ao “sr. presidente do Rio Grande do Norte” e aos “senhores legisladores” tais avisos. Porém, o interessante, além de percebermos nele alguns dos argumentos antissufragistas da época e que, ainda hoje, são utilizados para criticar os movimentos feministas, é o levantamento que o autor faz sobre a presença das mulheres no trabalho. Segundo ele,

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