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Lei e costume: experiências de trabalhadores na Justiça do Trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960)

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM HISTÓRIA. Edinaldo Antonio Oliveira Souza. Lei e Costume: Experiências de Trabalhadores na Justiça do Trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). Santo Antonio de Jesus/Ba. Agosto / 2008.

(2) Edinaldo Antonio Oliveira Souza. Lei e Costume: Experiências de Trabalhadores na Justiça do Trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, pelo Programa de Pós-Graduação em História na Universidade Federal da Bahia. Orientador: Prof. Dr. Antonio Luigi Negro. Santo Antonio de Jesus/Ba. Agosto / 2008..

(3) Ficha Catalográfica. _________________________________________________________________________ S729. Souza, Edinaldo Antônio Oliveira Lei e costume: experiências de trabalhadores na justiça do trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960) / Edinaldo Antônio Oliveira Souza. -Salvador, 2008. 181 f.: il. Orientador: Prof. Dr. Antonio Luigi Negro Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2008. 1. Trabalhadores. 2. Patrão e empregado. 3. Estado. 4. Justiça. I. Negro, Antonio Luigi. II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.. CDD – 331.098142 _________________________________________________________________________.

(4) Edinaldo Antonio Oliveira Souza. Lei e Costume: Experiências de Trabalhadores na Justiça do Trabalho (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, pelo Programa de Pós-Graduação em História na Universidade Federal da Bahia.. Banca Examinadora. ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Antonio Luigi Negro (UFBA) Orientador ______________________________________________________________________________ Prof. Dr. Fernando Teixeira da Silva (UNICAMP) Examinador ______________________________________________________________________________ Prof. Dr. Charles d’Almeida Santana (UEFS) Examinador. Agosto / 2008..

(5) Aos meus pais, Cornélio Maurício de Souza e Maria Macária de Oliveira.

(6) AGRADECIMENTOS: A realização deste trabalho jamais teria sido possível sem a importante participação de algumas pessoas que, direta ou indiretamente, legaram alguma contribuição. A todas elas gostaria de manifestar meus sinceros agradecimentos. Contudo, pelo relevante papel que tiveram ao longo desta trajetória, de forma especial, quero registrar a minha gratidão: Primeiramente à minha família, pelo apoio e pela compreensão nos momentos de ausência e/ou de angústia e fraqueza. Aos meus pais, meu agradecimento especial, por terem pavimentado com esforço, sacrifícios, integridade e perseverança a minha trajetória, inclusive trocando o campo pela cidade, para que eu e meus irmãos pudéssemos dar continuidade aos estudos. Também, por terem compreendido os momentos da minha relativa ausência, sobretudo durante a escrita da dissertação. À minha companheira Cristiane, por ter compartilhado comigo as angústias, pelo conforto que me ofereceu nos momentos difíceis e pela ajuda material que prestou ao longo do percurso. Aos meus irmãos, Edinélia, Edilma, Edilson e Érica, meus cunhados Fábio e Adriana, meus sobrinhos Kaian e Kaique e demais familiares pelas contribuições que direta ou indiretamente prestaram nesta importante fase da minha vida, ajudando a suavizar os momentos mais difíceis. A Edinélia, meu agradecimento especial, por ter sido minha principal incentivadora e colaboradora. A Edilma e Fábio pelo indispensável suporte material em todas as etapas que cumpri na cidade de Salvador. Ao professor Antonio Luigi Negro, sou profundamente grato, por ter acreditado em mim e pela inestimável contribuição intelectual e desvelado estímulo e apoio durante todo o processo. Além de orientador foi também um grande incentivador. Aos professores Fernando Teixeira da Silva e Charles Santana, pelas enormes contribuições que prestaram quando do exame de qualificação e por aceitarem o convite para participar da banca examinadora deste trabalho. A este último, agradeço ainda pelo incentivo e pelo aprendizado que me proporcionou desde a época da graduação. Às juízas da Comarca de Nazaré e da Justiça do Trabalho da cidade de Cruz das Almas, por terem autorizado o meu acesso aos documentos dos acervos das respectivas instituições e à aluna Bianca Silva que me auxiliou na pesquisa no Arquivo Público de Cachoeira, também gostaria de manifestar meus agradecimentos..

(7) Finalmente, agradeço a todos os funcionários das instituições consultadas, pela contribuição que prestaram durante a pesquisa. Pela presteza e dedicação, destaco o Sr. Augusto, no Arquivo Público Municipal de Santo Antonio de Jesus; Fernando de Jesus, no Arquivo Público Municipal de Cachoeira e a Sra. Augusta no Fórum de Nazaré..

(8) Desde o dia distante da criação do vosso Ministério, temos, sem repouso, procurado amparar o obreiro nacional, garantir-lhe direitos e estipular-lhe deveres. A lei dos dois terços, na realidade, da nacionalização do trabalho, a sindicalização unitária, o seguro social, o horário nas indústrias, a regulamentação do salariado de mulheres e menores, as férias remuneradas, os cuidados de assistência médica, os restaurantes e o salário mínimo, são outras tantas etapas vencidas do programa trabalhista. [...] Tudo indica, portanto, ser propício o momento para ultimar a grande obra, mantê-la e preservá-la em toda a sua pureza, intransigentemente protegida de descaso e das interpretações apressadas. A Justiça do Trabalho, que declaro instalada neste histórico 1º de Maio, tem esta missão. Cumpre-lhe defender de todos os perigos a nossa modelar legislação social trabalhista, aprimorá-la pela jurisprudência corrente e pela retidão e firmeza das sentenças. Da magistratura outra cousa não esperam o Governo, empregados e empregadores e a esclarecida opinião nacional. (Trechos do discurso de Getúlio Vargas no 1º de Maio de 1941, ao anunciar a Justiça do Trabalho. Diário da Bahia, 3/5/1941).

(9) RESUMO. O tema abordado neste estudo é o processo de regulamentação das relações de trabalho no interior da Bahia, tendo como objeto mais específico de análise as disputas trabalhistas entre patrões e empregados no âmbito de três Comarcas do Recôncavo Sul, entre 1940 e 1960. Para tanto, utilizo como fontes processos trabalhistas, jornais, depoimentos orais, legislações, entre outras. Desde a segunda metade do século XX, a legislação trabalhista (incluindo a justiça do trabalho) tem despertado o interesse de vários estudiosos. Porém, até meados da década de 80, as principais matrizes explicativas tenderam a adotar como viés analítico a perspectiva estatal, minimizando, ou mesmo ignorando o ponto de vista dos trabalhadores. Posteriormente, com o avanço das pesquisas e a renovação dos referenciais teóricos e metodológicos, alguns estudos têm permitido reavaliar os papéis dos operários na conjuntura do trabalhismo. Em lugar de passivos, submissos e obedientes, eles têm se revelado sujeitos ativos, dotados de iniciativas, que interagindo com outros atores políticos e apropriando-se dos discursos e invenções do trabalhismo, lutaram e/ou negociaram a criação, a ampliação e a materialização de direitos sociais. A partir do diálogo crítico com esta recente historiografia e respaldado nos referenciais teóricos e metodológicos das histórias social e cultural busco apreender, através das ações trabalhistas, as articulações entre trabalhadores, patrões e Estado no processo de formalização das relações de trabalho. Ao mesmo tempo, analiso a relação entre a lei, o direito e o costume, bem como os impactos dessa experiência nas práticas de trabalho da região. PALAVRAS-CHAVES: Trabalhadores – Patrões – Estado – Justiça..

(10) ABSTRACT. The theme presented at this study is the process of regulamentation of the relations of work of the interior of Bhatia, having as object more specific of analysis the work disputes between bosses and employees on the ambit of three districts of the South, between 1940 and 1960. So I use as sources, work process, news papers, oral despoilments, legislations, and so on. Since the second half of the 20th century, the work legislation (including the Justice of the work) has provoked the interesting of various studious. However, until the midst of the decade of 80, the main matrixes of explanation tended to adopt as a point of analysis the state perspective, reducing, or even ignoring, the point of view of the workers. After that, with the advance of the researches and the renovation of the theory references and methodological, some study has permitted to see again the importance of the workers on the realm of the work. On the place of passives, submit, and obedient, they have show themselves like actives subjects full of initiatives, that interacting with others politician actors and getting the speeches and inventions of the work, fought and /or negotiated the creation, the enlargement and the materialization of the social rights. From the critical dialogue with this current historiography and based upon on the theory references and methodologies of the social and cultural histories I expect to learn, through the action of the work, the articulations between workers ,bosses, and State on the process of formalization of the relations of work. On the same time, I analyze the relation between the law, the right and the custom and the impacts of this experience on the practice of work on this region.. KEY WORDS: Workers, Bosses, State, Justice.

(11) LISTA DE TABELAS:. Tabela 1 – População de fato, por cor, em 1940 (Municípios). Tabela 2 - População presente, por cor, em 1950 (Municípios). Tabela 3 - Atividade principal exercida, por sexo, em 1940 (Municípios). Tabela 4 - Atividade principal exercida, por sexo, em 1950 (Municípios). Tabela 5 - Reclamantes X Instrução Escolar. Tabela 6 – Reclamantes X Sexo. Tabela 7 – Reclamantes X Atividades. Tabela 8 – Direitos Reclamados. Tabela 9 – Motivações dos processos abertos nas três comarcas (1940-1960). Tabela 10 – Evolução da demanda nacional (1941-1947). Tabela 11 – Resultados apurados, em 1947, nas 54 JCJ, por Região. Tabela 12 – Resultados das Ações por Comarcas..

(12) LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS: APMC - Arquivo Público Municipal de Cachoeira. APMSAJ - Arquivo Público Municipal de Santo Antonio de Jesus. AFN - Acervo do Fórum de Nazaré. BNB - Banco do Nordeste do Brasil CAPs - Caixas de Aposentadorias e Pensões. CDP - Comitê Democrático Popular. CHESF - Companhia Hidroelétrica do São Francisco. CJT - Câmara de Justiça do Trabalho. CLT - Consolidação das Leis do Trabalho. CMC - Comissões Mistas de Conciliação. CNT - Conselho Nacional do Trabalho. COELBA - Companhia de Energia Elétrica da Bahia. CRT - Conselho Regional do Trabalho. DIP - Departamento de Imprensa e propaganda. DNER - Departamento Nacional de Estradas e Rodagens. DRT - Delegacia Regional do Trabalho. FGV - Fundação Getúlio Vargas. IAA - Instituto do Açúcar e do Álcool. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. JCJ - Juntas de Conciliação de Julgamento. LIR - Lavoura e Indústria Reunidas. MP - Ministério Público. MUT - Movimentos Unificados dos Trabalhadores. OAB - Ordem dos Advogados do Brasil. PCB - Partido Comunista Brasileiro. PTB - Partido Trabalhista Brasileiro. STIA - Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Açúcar. STIF – Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Fumo. SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste..

(13) TRT - Tribunal Regional do Trabalho. TST - Tribunal Superior do Trabalho..

(14) SUMÁRIO. 1 Considerações Iniciais............................................................................................................ 14 1.1 A opção pelo tema............................................................................................................ 14 1.2 A caracterização do objeto............................................................................................... 15 1.3 A formulação do problema.............................................................................................. 23 2 Capítulo I: Trabalhadores do Recôncavo: experiências, direitos e justiças...................... 37 2.1 Um panorama sócio-econômico e histórico do Recôncavo.......................................... 37 2.2 Ecos do trabalhismo no Recôncavo............................................................................... 50 2.3 Um perfil dos reclamantes.............................................................................................. 62 2.4 Peculiaridades das ações de trabalhadores rurais e domésticos............................................. 74 3 Capítulo II: Tensões, conflitos e negociações: os bastidores da disputa jurídica............... 85 3.1 A ação na justiça: um desfecho de tensões produzidas no cotidiano do trabalho....... 87 3.2 Da Justiça à greve, da greve à Justiça........................................................................... 102 3.3 A lei, a Justiça, os bacharéis e os magistrados: outras faces do conflito.................... 109 4 Capítulo III: Direitos pelos quais valia à pena lutar........................................................... 131 4.1 A popularização e a credibilidade da Justiça do Trabalho......................................... 131 4.2 Vitórias ou apenas ganhos parciais?............................................................................. 137 4.3 A conciliação como estratégia........................................................................................ 140 4.4 A Justiça, a lei, o direito e o costume............................................................................. 154 5 Considerações finais............................................................................................................... 166 6 Fontes...................................................................................................................................... 173 7 Referências bibliográficas..................................................................................................... 176.

(15) 14. 1 Considerações iniciais. 1.1 A opção pelo tema. O itinerário percorrido por este estudo, desde a definição da problemática de pesquisa, encontra-se, de certa forma, imbricado com minha trajetória de vida pessoal. Ainda na década de 1980, a migração do campo para a cidade de Santo Antonio de Jesus e o desdobramento entre os estudos e o emprego no comércio marcariam de forma iniludível a minha forma de encarar a experiência do trabalho. Igualmente, o ingresso no curso noturno de História no campus V da Universidade do Estado Bahia, o envolvimento na fundação e a participação na diretoria do sindicato dos comerciários, no início dos anos 90, foram grandes aprendizados. Estas vivências tiveram continuidade com o meu ingresso na carreira do magistério, como professor de escolas públicas, juntamente com a participação, por mais de uma gestão, na diretoria da delegacia regional do sindicato da categoria. Todas estas experiências, de algum modo, ajudaram a despertar meu interesse por temáticas políticas e sociais, notadamente pelas questões trabalhistas e, inequivocamente, contribuíram para a definição desta problemática de pesquisa. Aos poucos, a convivência entre tais experiências e os debates acadêmicos, notadamente com as novas abordagens da história social, me permitiram questionar, de forma mais incisiva, a eficiência de alguns modelos e categorias explicativos, transplantados de realidades externas, para a compreensão das peculiaridades inerentes aos diferentes mundos do trabalho espalhados pelo interior do Brasil. Contudo, foi com o retorno ao mesmo curso de história em que havia concluído a graduação, na condição de professor substituto, que se avultaram as minhas perspectivas no âmbito da pesquisa. Desde então, me senti mais instigado a tomar tal iniciativa. Foi assim que localizei, no Arquivo Público Municipal de Santo Antonio de Jesus, três caixas de reclamações trabalhistas provenientes da Comarca local. Logo nos primeiros contatos com os processos, percebi naquele tipo de fonte uma possibilidade de investigação no campo da história do trabalho. Paralelamente, ingressei como aluno especial no Mestrado em História da Universidade Federal da Bahia, onde foi possível realizar um diálogo mais profundo com os referenciais teóricos e metodológicos da História Social, notadamente com estudos de Edward Palmer Thompson e com a produção recente da histografia brasileira..

(16) 15. Foi assim que nasceu o projeto de pesquisa que resultou neste exercício historiográfico. Definida a temática de estudo e acreditando no potencial das reclamações trabalhistas como fonte de pesquisa para a história social do trabalho, mas achando insuficientes os exemplares da Comarca de Santo Antonio de Jesus, para tal intento, saí em busca de acervos provenientes de outras Comarcas do Recôncavo Sul. No Arquivo Público de Cachoeira localizei três caixas de processos daquela Comarca, que foram incorporadas à pesquisa. Na Comarca de Nazaré, também encontrei um expressivo conjunto de processos. Entretanto, devido às condições precárias do local onde estão armazenados e à falta de catalogação dos mesmos, só foi possível consultar o período de 1941 a 1946. Assim, se delineava a temática deste estudo, ou seja, a relação dos trabalhadores com a justiça do trabalho. Buscando aprender o processo de construção da relação dos trabalhadores com a justiça do trabalho, seus impactos sobre as práticas de trabalho e possíveis reflexos na cultura operária local, optei por um recorte cronológico de aproximadamente duas décadas (1940 a 1960). Assim, a pesquisa procurou contemplar o período compreendido entre o início do funcionamento da instituição e a sua relativa popularização na região. A abordagem da relação dos trabalhadores com a justiça do trabalho, através das ações movimentadas nas comarcas municipais, apresenta uma importante janela de acesso às experiências de algumas categorias operárias, geralmente de origem rural, que não migraram para os grandes centros urbanos e que raramente produziram movimentos e discursos articulados. 1.2 A caracterização do objeto Em 1º de maio de 1941, durante as comemorações do Dia do Trabalho, Getúlio Vargas anunciou aos trabalhadores o início do funcionamento da Justiça do Trabalho em todo o Brasil. A medida, a priori, se inseria no conjunto de esforços que o Estado vinha desenvolvendo desde a década de 1930, com a criação de leis e organismos, tendo como objetivo mediar as relações trabalhistas e empreender uma política de controle, manipulação e tutela sobre as classes trabalhadoras. A ocasião escolhida para o anúncio também estava incluída no roteiro da estratégia política estatal. A comemoração do Dia do Trabalho ocupava um lugar especial no calendário festivo oficial instituído pelo Estado Novo. Pelo conjunto de representações simbólicas que reunia, o evento tornou-se uma peça chave do jogo político trabalhista; uma oportunidade privilegiada.

(17) 16. “para a comunicação entre Vargas e a massa de trabalhadores”.1 Tudo lembrava um ritual cujo roteiro parecia se repetir a cada ano. O Presidente sempre comparecia aos festejos e diante de uma multidão ansiosa e cheia de expectativas, composta por trabalhadores e populares em geral, pronunciava um eloqüente discurso em que destacava as virtudes e qualidades dos “trabalhadores do Brasil” e a importância da missão que lhes cabia realizar, convocando-os a contribuir para o progresso da Nação. Em meio às homenagens, como se estivesse a “presenteá-los” pela data comemorativa, anunciava a criação de uma nova lei de proteção social. Como o próprio “Vargas havia deixado bem claro em várias ocasiões, ele esperava gratidão e lealdade como retorno.”2 A primeira comemoração do 1º de Maio, no período do Estado Novo, ocorreu em 1938; foi “apenas um ensaio, uma festa restrita” para poucos convidados, realizada ainda no Palácio da Guanabara, no Rio de Janeiro. Na ocasião, Vargas anunciou a regulamentação da Lei do Salário Mínimo, somente implementado em 1940 e assumiu publicamente o compromisso de todo ano “presentear os trabalhadores com uma nova realização na área da política social”.3 Nos anos seguintes as comemorações, geralmente muito concorridas, passaram a ser realizadas no estádio do Vasco da Gama, sempre acompanhadas de um novo anúncio. Em 1939 foi anunciada a criação da Justiça do Trabalho, regulamentada pelo Decreto-Lei 1.237, assinado no dia 02 de maio daquele ano. Todavia, da mesma forma que o salário mínimo, ela foi um “presente” concedido por etapas, até o 1º de maio de 1941 não havia saído do papel. Desde o início do governo de Getúlio Vargas a causa trabalhista passara a ocupar uma posição central, tanto nos discursos quanto nas práticas políticas estatais. Ao longo das décadas de 1930 e 1940 diversas leis e decretos, além de duas constituições (a de 1934 e a de 1937) legislaram sobre a questão. As principais disposições aprovadas diziam respeito à regulamentação das práticas de trabalho, definição de direitos e obrigações, e mediação dos conflitos entre patrões e empregados. Inseridas neste conjunto de esforços, foram criadas as Comissões Mistas de Conciliação (CMC)4, as Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJ)5 e a. 1. GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 217. FRENCH, John D. “Proclamando leis, metendo o pau e lutando por direitos.” In: LARA, S. H. e MENDONÇA, J. N. (orgs.) Direitos e Justiças no Brasil: ensaios de história social. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2006, p. 380. 3 GOMES, A. C. A Invenção do Trabalhismo, op. cit., p. 216. 4 Criadas pelo Decreto Nº 21.936 de 12/5/1932, as CMC possuíam composição paritária e tinham atribuições limitadas a soluções de dissídios oriundos de convenções coletivas. Cf. “Memorial: Histórico”. In: site do TRT5Bahia, acessado em 21/2/2007. 5 As JCJ, criadas pelo Decreto Nº 22.132 de 25/11/1932, eram compostas por um Presidente (que podia ser advogado, magistrado ou funcionário nomeado pelo Ministro do Trabalho) e por dois vogais (classistas), nomeados, 2.

(18) 17. Carteira de Trabalho, todas em 1932, ainda no período do Governo Provisório. No bojo de tais iniciativas havia a expectativa estatal de garantir a tutela e o controle sobre as classes trabalhadoras. Não sabemos, entretanto, quais as repercussões que estes organismos antecessores à Justiça do Trabalho tiveram entre os trabalhadores do Recôncavo. Sobre a atuação das CMC e das JCJ, as informações de que dispomos indicam que elas tiveram alcance limitado. Segundo o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra da Silva Martins Filho, foram instaladas apenas trinta e oito Comissões (em todo o Brasil) e elas tiveram atuação “irrelevante por não poderem impor suas decisões”.6 As JCJ, por seu turno, limitavam-se a solucionar dissídios individuais, envolvendo empregados sindicalizados. Considerando-se que poucas categorias de trabalhadores do Recôncavo possuíam sindicato na época, e que, mesmo entre as que possuíam, o número de sindicalizados era reduzido, e tendo-se em conta que esse foi um período de grande repressão e cerceamento à liberdade sindical, é possível inferir sobre o caráter restrito da atuação prática de tais organismos entre os trabalhadores da região. Situação diversa seria observada com a criação da Justiça do Trabalho já que seu acesso não mais exigia o pré-requisito da sindicalização, além de dispensar a necessidade de contratação de um advogado. Ela representaria, segundo seus idealizadores, um “processo específico, rápido, eficiente e pouco oneroso” de aplicar e fazer cumprir a legislação trabalhista que, até então, vinha perdendo a sua eficiência.7 Convém lembrar, porém, que estas não foram as primeiras iniciativas estatais visando mediar as relações trabalhistas. Dorval Lacerda, em 1943, já lembrava que “muito se pensou e discutiu, antes de 1930, no Brasil, sobre o direito do trabalho”.8 Durante a República Velha, a despeito da prevalência das disposições liberais preconizadas pela Constituição de 1891, algumas leis e debates legislativos já versavam sobre tal questão. O Código Civil de 1916, por exemplo, já legislava sobre a contratação e dispensa de serviços9. Algumas leis reguladoras do mercado de. dentre nomes indicados pelos sindicatos, para exercerem mandatos de três anos, um representando os patrões e o outro os empregados. Cf. “Memoial: Histórico”. In: site do TRT5-Bahia, acessado em 21/2/2007. 6 FILHO, Ives Gandra da Silva Martins. Breve História da Justiça do Trabalho. In: site do TRT5-Bahia, acessado em 21/2/2007. 7 Cf. Entrevista do Ministro do Trabalho Valdemar Falcão, Diário da Bahia, 1/5/1941, p. 2. 8 Apud FILHO, Evaristo de Moraes. “Introdução”. In: MORAES, Evaristo. Apontamentos de direito operário. 4ª ed. São Paulo: LTr, 1998, p. VI. 9 Código Civil Brasileiro de 1916, Capítulo IV, Seção II, arts. 1216 a 1236..

(19) 18. trabalho também foram aprovadas, sobretudo na década de 1920.10 Foi dessa época, por exemplo, a criação dos Tribunais Rurais, primeira tentativa de criação de uma representação coletiva de empregados e empregadores, considerada por alguns uma fase embrionária da Justiça do Trabalho.11 Não podemos descartar, portanto, a possibilidade de alguns trabalhadores terem acessado a justiça antes de 1930, ainda que eventualmente, para resolver questões atinentes às relações de trabalho, conquanto enfrentassem o “forte bloqueio do patronato”.12 Para isto, poderiam lançar mão da legislação existente, como o Código Civil de 1916 e a lei de acidentes de trabalho de 191913 - freqüentemente citados em processos do início da década de 1940 - e formularem alguma modalidade de processo cível ou crime. Afinal, as ações na Justiça já eram um expediente utilizado por escravos da região contra seus senhores, no século XIX, buscando acessar a liberdade.14 Segundo Walter Fraga, “nos anos que se seguiram à abolição [...] advogados abolicionistas continuaram a prestar assistência jurídica ou defender ex-escravos na Justiça”.15 Ora, parece razoável conjeturar que a relação entre trabalhadores e bacharéis tenha sido mantida ao longo da República Velha, alcançando, inclusive, outras categorias operárias. Temos informações de que em 1924 um grupo de operários da fábrica de charutos Dannemann (em São Félix), insatisfeitos com a iniciativa da empresa de unificar a semana de trabalho - até então diferenciada por setor -, por entenderem que a medida geraria um desconto real em sua semana de trabalho, após ameaçarem uma greve, constituíram um advogado para representá-los junto à empresa. Este realizou assembléias com os trabalhadores e, após longas horas de entendimento com a diretoria da empresa, conseguiu reverter a decisão.16 Em fevereiro 10. Ainda em 1919 foi votada a Lei de Acidentes de Trabalho; em 1923 foram aprovados o projeto que criou as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) para os ferroviários e o projeto que criava o Conselho Nacional do Trabalho (CNT); em 1926 foram aprovados a Lei de Férias para os comerciários e operários industriais e o Código de Menores e em 1927 foi criado o Seguro Contra Doença. Cf. GOMES, A Invenção do trabalhismo, op. cit. pp. 144-145 e CASTELLUCCI. Aldrin A, Industriais e operários baianos numa conjuntura de crise. Salvador: Fieb, 2004, p. 227. 11 Cf. “Memorial: Histórico”. In: site do TRT5 – Bahia, acessado em 23/2/2007. 12 GOMES, A. C. A Invenção do trabalhismo op. cit., p. 145. 13 Refiro-me ao Decreto 3.724 de 15/1/1919, que obrigava as empresas a instituir o seguro de acidentes de trabalho para os seus empregados. 14 Ações de liberdade são comuns em meio à documentação do século XIX de várias Comarcas da região, a exemplo de Cachoeira, Nazaré e Santo Antonio de Jesus. Ver também: SILVA, Ricardo Tadeu Caíres. Os escravos vão à Justiça: a resistência escrava através das ações de liberdade. Bahia, século XIX. Dissertação apresentada ao Mestrado em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA. Salvador, 2000. 15 FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias e trajetórias de cativos e libertos na Bahia, 1870 – 1910. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006, p. 351. 16 Cf. SILVA, Elizabete Rodrigues. Fazer charutos: uma atividade feminina. Dissertação apresentada ao Mestrado em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA. Salvador, 2001, pp. 127-128..

(20) 19. de 1923, Maria Amélia de Souza, residente na cidade de Nazaré, apresentou uma Ação de Acidente de Trabalho, na Comarca de Santo Antonio de Jesus, contra a Estrada de Ferro de Nazaré. O motivo da ação foi o falecimento do operário Talentino de Araújo, seu marido, vítima de um acidente ocorrido em 4 de janeiro de 1923, enquanto trabalhava para a referida Companhia.17 Ainda que se tratem de episódios isolados, tais iniciativas, ao menos, sugerem possíveis continuidades históricas na relação dos trabalhadores com a justiça no início do século XX. Contudo, essa hipótese ainda precisa ser testada em futuros estudos sobre a história do trabalho no início da República. De qualquer modo, parece bastante provável que, ao longo da década de 1930, à medida que novas leis eram aprovadas, tenha havido algum aquecimento na relação dos trabalhadores com a Justiça. Algumas Ações de Acidente de Trabalho18 e, pelo menos, uma Ação Ordinária19 foram suscitadas na Comarca de Nazaré em 1940. Um estudo, realizado por Maria Elisa L. N. da Silva, sobre acidentes de trabalho na cidade de Salvador entre 1934 e 194420, constatou 1.145 processos versando sobre o tema. Embora a autora não especifique o número de casos que antecedem ao 1º de maio de 1941, faz referência a várias ações da década de 1930. A proximidade geográfica e os fortes laços econômicos e sócio-culturais historicamente mantidos entre o Recôncavo e a capital, ao menos, sugerem que a referida relação, ainda que restrita, precede ao anúncio propagandístico da Justiça do Trabalho. Contudo, foi somente a partir da década de 40, com o início do funcionamento desta instituição, que tal iniciativa passou a ocorrer de forma mais regular nas Comarcas da região. A criação de uma Justiça do Trabalho já estava prevista nas Constituições de 1934 e de 193721, mas o projeto de lei que a estruturava ocasionou uma longa discussão no Congresso Nacional, cujas principais controvérsias diziam respeito à representação classista (inclusive quanto ao custo financeiro), ao poder normativo e, antes de tudo, à resistência dos representantes patronais. Depois de longos debates, sua regulamentação finalmente ocorreria com a publicação 17. Ação de Acidente de Trabalho, movida por Maria Amélia de Souza, na Comarca de Santo Antonio de Jesus, contra a Estrada de Ferro de Nazaré, entre 1923 e 1929. Arquivo Público Municipal de Santo Antonio de Jesus (APMSAJ), pasta de Ações de Acidente de Trabalho, 1923-1968. 18 Na Comarca de Nazaré encontramos, pelo menos, dez Ações de acidente de trabalho referentes ao ano de 1940. 19 Ação Ordinária de Elpídio Manoel dos Santos, contra Mansur Karane, formulada na Comarca de Nazaré, em 11/4/1940. Acervo do Fórum de Nazaré (AFN), documento sem catalogação. 20 SILVA, Maria Elisa Lemos Nunes. Entre trilhos, andaimes e cilindros: acidentes de trabalho em Salvador – 1934-1944. Dissertação apresentada ao Mestrado em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA. Salvador: 1998. 21 Ver: Constituição de 1934, Título IV e Constituição de 1937, art. 139..

(21) 20. do Decreto-Lei 1.237, de 1939. Entretanto, a instalação somente se daria dois anos mais tarde, em ato público protagonizado por Getúlio Vargas, durante a comemoração do Dia do Trabalho, realizada no Estádio do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, em 1º de maio de 1941. De acordo com o referido Decreto, ela seria exercida por três instâncias: as Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJ) e Juízes de Direito; os Conselhos Regionais do Trabalho (CRT) e o Conselho Nacional do Trabalho (CNT) “na plenitude de sua composição, ou por intermédio de sua Câmara de Justiça do Trabalho (CJT)”. O artigo quinto previa que, nas localidades onde o Governo não provesse sobre a criação de Junta, competia ao juiz de direito da respectiva jurisdição a administração da Justiça do Trabalho.22 Apesar da pouca atenção que tem recebido na maioria das análises, este aspecto se reveste de grande importância na medida em que ampliava consideravelmente o raio de alcance da instituição, promovendo, ainda que precariamente, a sua interiorização territorial. Para termos uma idéia do papel desempenhado pelos juízes de direito das Comarcas na aproximação entre a Justiça do Trabalho e os trabalhadores de cidades do interior - e até mesmo dos rurais -, basta lembrar que em 1947 existiam apenas 54 JCJ funcionando em todo o Brasil. Apenas três delas estavam localizadas na Bahia, todas em Salvador. Através da Lei Nº 3.492 de 195823, foram criadas cinco novas Juntas no Estado, sendo duas em Salvador e as outras três no interior, nas cidades de Itabuna, Valença e Cachoeira - esta última no Recôncavo. Todavia, a jurisdição de cada Junta estava limitada a alguns poucos municípios - a primeira atuava sobre as Comarcas de Itabuna e Ilhéus; a segunda sobre as Comarcas de Valença, Taperoá e Nilo Peçanha e a terceira sobre as Comarcas de Cachoeira, São Felix, São Gonçalo dos Campos e Maragogipe. Permaneceu, portanto, sobre amplo território, a jurisprudência dos Juízes de Direito. As JCJ eram compostas por um presidente e dois vogais (representantes classistas)24, além dos respectivos suplentes. O presidente e seu suplente eram nomeados pelo Presidente da República, para o exercício de um mandato de dois anos, podendo ser reconduzidos. De acordo com o que estava previsto na lei, “a nomeação recaíra em magistrados de primeira instância ou 22. Tal disposição foi mantida na CLT (1943) e na Constituição de 1946. A referida Lei elevou à Primeira Categoria os Tribunais do Trabalho das 3ª, 5ª e 6ª Regiões, aumentando o número de seus juízes para sete, e criou 20 (vinte) novas JCJ. Seis delas na 5ª Região, sendo duas em Salvador e três no interior, respectivamente nas cidades de Itabuna, Cachoeira e Valença e a outra na cidade de Estância, interior de Sergipe. As demais foram assim distribuídas: doze na 3ª Região, respectivamente nos Estados de Minas Gerais e Goiás; uma na 6ª Região, em Campina Grande, interior da Paraíba e a outra, na 7ª Região, no Município de Parnaíba, interior do Piauí. 24 A participação de representações classistas na composição da Justiça do Trabalho já estava prevista no parágrafo Único do Art. 122 da Constituição de 1934. 23.

(22) 21. em bacharéis em direito de reconhecida idoneidade moral, domiciliados na jurisdição da Junta”. Os vogais - um representando a parte patronal e o outro pelo lado dos trabalhadores - e seus suplentes eram designados pelo presidente do CRT, dentre os nomes constantes das listas que para esse fim lhe seriam encaminhadas pelas associações sindicais de primeiro grau, podiam gozar das mesmas prerrogativas asseguradas aos jurados. Só poderiam ser vogais “brasileiros natos, de reconhecida idoneidade, maiores de 25 anos que se encontrarem no gozo de seus direitos civis e políticos e contem mais de dois anos de efetivo exercício da profissão ou estejam em desempenho de representação profissional prevista em lei”.25 O Decreto-Lei 1.237 de 1939 definiu ainda que as principais competências das Juntas seriam: promover a conciliação e julgamento dos dissídios individuais e das reclamações que envolvam o reconhecimento da estabilidade de empregados e executar as decisões proferidas nos processos de sua competência originária. Cabia-lhes também, dentre outras atribuições, a conciliação e o julgamento dos dissídios em contratos de empreitada em que o empreiteiro seja operário ou artífice. Os dissídios individuais, quando concernentes a salários, férias e indenizações por despedida injusta, de valor igual ou inferior á alçada fixada no art. 9526, seriam julgados em única instância, não sendo admitido, da respectiva sentença, outro recurso, senão na própria Junta. As mesmas atribuições estavam asseguradas aos Juízes de Direito, salvo que, a alçada dos Juízos do interior dos Estados correspondia à metade da alçada das JCJ da respectiva capital.27 Em casos de dissídio individual, o trabalhador poderia apresentar sua reclamação escrita ou verbal ao secretário da Junta ou ao escrivão da Comarca. Quando apresentada verbalmente, ela seria “reduzida a termo” e assinada pelo próprio secretário; se escrita, deveria ser assinada pelo reclamante ou pelo representante do sindicato. Nesse momento já seriam “arroladas” as testemunhas, em número máximo de três por cada parte. Tratando-se de várias reclamações apresentadas por empregados de uma mesma empresa ou estabelecimento e havendo identidade. 25. Cf. Arts. 6º, 7º, 8º e 9º do Decreto-Lei 1237 de 1939. O referido artigo fixou, para as Juntas do Distrito Federal e das capitais dos Estados, as seguintes alçadas: 300$000 (trezentos mil réis) para Rio Branco, Manaus, Belém, São Luiz, Teresina, Natal, João Pessoa, Maceió Aracajú, Goiânia e Cuiabá; 600$000 (seiscentos mil réis) para Fortaleza, Recife, Salvador, Vitória, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre e Belo Horizonte; 1:000$000 (um conto de réis) para o Distrito Federal, Niterói e São Paulo. A alçada dos Juízos do Interior do Estados seria igual à metade da alçada da Junta da respectiva capital. 27 Cf. Arts. 24, 25, 26, 27, 74 e 95 do Decreto-Lei 1.237 de 1939. 26.

(23) 22. de matéria, poderiam ser acumuladas num só processo. A reclamação poderia ser encaminhada também por intermédio da Procuradoria do Trabalho.28 A princípio a Justiça do Trabalho esteve vinculada ao Ministério do Trabalho, portanto ao Poder Executivo, somente passando a integrar o Judiciário na Constituição de 1946.29 A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada no primeiro de maio de 1943, apenas ratificou o que já estava previsto na legislação anteriormente aprovada. A Carta de 1946, por seu turno, acatando o que já estava inscrito no Decreto-Lei 9.797 de 9 de setembro daquele mesmo ano, transformou os CRT e o CNT, respectivamente, em Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) e Tribunal Superior do Trabalho (TST) e integrou a Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário. As JCJ foram mantidas, ficando assegurada também a paridade de representação de empregados e empregadores, bem como, a competência dos Juízes de Direito para substituí-las, “nas Comarcas onde elas não forem instituídas”.30 Até a promulgação da Constituição de 1988, poucas alterações foram processadas no que concerne a tais preceitos. Embora não fosse suficiente para garantir uma pretensa neutralidade à Justiça do Trabalho, a participação de representantes classistas na composição das Juntas, além de funcionar como um elemento de legitimação da instituição contribuía para o expediente da conciliação, principal tarefa para a qual foi instituída. A combinação desses dois fatores – presença da representação operária e necessidade de legitimidade e prestígio da instituição - pode ter contribuído, ainda, para a realização de sentenças favoráveis aos trabalhadores. Contudo, segundo Fernando Teixeira da Silva, “há registros de que os vogais teriam tido pouco peso no processo decisório, referendavam as decisões dos juízes de carreira e votavam até mesmo contra os interesses da sua classe, solapando, assim, o caráter paritário da justiça trabalhista”.31 Nas Comarcas, porém, as decisões competiam exclusivamente aos juízes de direito. Em tais circunstâncias, as diversas estratégias empenhadas pelos reclamantes - a mobilização de provas testemunhais e documentais, a busca de aliados entre advogados, sindicato (quando dispunham), políticos e outras autoridades e a argumentação utilizada - poderiam fazer a. 28. Cf. Art. 140, parágrafos 1º e 3º do Decreto-Lei 1.237 de 1939. A inclusão da Justiça do Trabalho no âmbito do Poder Judiciário foi uma das bandeiras defendidas pela bancada comunista que participou da discussão e aprovação do projeto, na Assembléia Constituinte, em 1946. Ver: O Momento, 28/04/1946, p.1. 30 Constituição de 1946, Capítulo IV, Art. 122, parágrafo 3º. 31 SILVA, Fernando Teixeira. “Justiça do Trabalho e Magistratura del Lavoro: apontamentos comparativos”. Manuscrito, s.d., p. 4. 29.

(24) 23. diferença. As práticas de sociabilidade realizadas dentro e fora do local de trabalho e as informações que eram capazes de processar teriam um papel fundamental. 1.3 A formulação do problema Precisamos compreender de que as relações entre empregadores e empregados devem ser as mais estreitas e cordiais, porquanto da sua reciprocidade vem o progresso e a grandeza da empresa. Quaisquer dissensões quando não fundamentalmente justificadas trazem apenas os germes da desassociação32.. Extraído de uma matéria publicada em 1946, no Correio Trabalhista, periódico ligado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o trecho acima parece sintetizar, do ponto de vista das relações de trabalho, as intenções do projeto de poder que orientava as diretrizes da política estatal em voga na época. Intervindo de forma crescente nos mundos do trabalho, o Estado buscava mediar as relações trabalhistas e criar as condições para a realização de uma política de “controle” e “tutela” sobre as classes trabalhadoras. Em contrapartida, além da “expectativa de deferência”, presumia “um operariado cidadão restrito e regulado”, capaz de dar suporte ao desenvolvimento econômico, sem ameaças de rupturas à ordem estabelecida.33 Não obstante, é possível afirmar que, do ponto de vista dos trabalhadores, a realidade “era, não raras vezes, diferente da auto-imagem construída pelas autoridades sobre seus próprios atos e discursos”.34 Contudo, a perspectiva estatal esteve no centro das principais linhas de discussão sobre a relação do Estado com os trabalhadores no pós-1930. Até o final da década de 1970, em que pesem as nuances apresentadas, as principais abordagens que trataram do tema tenderam, geralmente, a maximizarem o papel estatal - tendo em vista suas intenções, projetos e ações - e a minimizarem as iniciativas dos trabalhadores, invariavelmente rotulados de fracos, passivos, desorganizados, inconscientes da sua posição enquanto classe e, por isso, tutelados. Para os adeptos do projeto trabalhista, tratava-se da existência de um Estado “generoso” e “benevolente” que enfrentando os inimigos dos trabalhadores - tanto no âmbito interno quanto no plano externo - promovia o acesso destes à cidadania, criando um ambiente de harmonia e justiça social e colocando o país nos trilhos do desenvolvimento. Já para os seus opositores, a política 32. Correio Trabalhista, 19/3/1946, p.3. NEGRO, Antonio Luigi. “Ignorantes, Sujos e Grosseiros: uma reinvenção da história do trabalhismo”. In: Trajetos. Revista de História UFC. Fortaleza, vol.2, nº 4, 2003, p. 10. 34 SILVA, Fernando Teixeira; COSTA, Hélio. “Trabalhadores urbanos e populismo: um balanço dos estudos recentes”. In: FERREIRA, Jorge (Org.). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 225. 33.

(25) 24. trabalhista de Vargas não passava de uma ‘farsa’. A acolhida e/ou cumplicidade dos trabalhadores em relação às iniciativas estatais significava, na verdade, um “desvio” de uma trajetória histórica “natural” e previsível que levaria à formação de uma autêntica consciência de classe. Lançando mão de uma fórmula que combinava repressão e manipulação, o Estado teria atraído os trabalhadores para uma armadilha política, tornando-os prisioneiros de um sistema alienígena – o populismo. Repressão, concessão, cooptação, controle, desvio e manipulação constituíam a tônica da principal matriz explicativa da relação do Estado com os trabalhadores.35 Dádiva, generosidade, tutela, sinceridade, para uns. Fraude, ilusão, artificialidade e alienação, para outros. Eis as principais representações predominantes, até a década de 1980, sobre a legislação trabalhista e da justiça do trabalho. Esta última, embora não recebesse um tratamento mais específico, era geralmente incluída entre as estratégias de cooptação e alienação da política populista. Ambas as teses convergiam para a idéia de uma cidadania outorgada e para o não reconhecimento dos trabalhadores como personagens ativos da trajetória de tais organismos. Assim sendo, a cidadania operária seria, antes de tudo, uma concessão estatal, ou mesmo uma troca, em que os trabalhadores teriam aberto mão de sua autonomia e de uma atuação autêntica em troca dos benefícios materiais sinalizados pelo Estado, notadamente a legislação trabalhista (inclusive a Justiça do trabalho). Concomitantemente, consolidava-se uma perspectiva analítica que traduzia de forma pessimista a trajetória do processo de construção da cidadania no Brasil. Conforme observou Jorge Ferreira, na perspectiva do paradigma explicativo que então predominava, “as tradições econômicas, políticas e culturais dos trabalhadores e a importância da lógica simbólica na vida social” cediam “lugar a um enfoque que privilegiava a lógica material nas relações com o Estado”. Assim sendo, no primeiro governo Vargas, “a partir de cálculos sobre suas perdas e ganhos”, os trabalhadores teriam trocado “os benefícios da legislação (trabalhista) por submissão política”.36 O grande mérito da historiografia desse período, notadamente a partir dos estudos dos brasilianistas, talvez tenha sido o reconhecimento da presença do trabalhador nacional na composição da classe operária brasileira - cuja origem esteve, até então, essencialmente atribuída 35. Para uma leitura crítica sobre as abordagens do populismo e suas nuances, ver: GOMES, Ângela de Castro. “O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um conceito”; FERREIRA, Jorge. “O Nome e a coisa: o populismo na política brasileira.” In: FERREIRA, Jorge (org.). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 36 FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil: o imaginário do povo. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1997, p. 15..

(26) 25. ao imigrante estrangeiro e à influência doutrinária do anarquismo -, “ao apontar a origem rural da maioria dos imigrantes, sem experiência industrial anterior, e sem participação política nos seus países de origem.” Contudo, assim, acabou instituindo a idéia de inferioridade do trabalhador rural em relação ao urbano.37 No início da década de 1980, ainda sob a égide da teoria do populismo, as discussões sobre os direitos trabalhistas (incluindo-se a justiça do trabalho) seriam influenciadas pelas teses que preconizavam a heteronomia da história operária no pós-30. Esta configuraria um intervalo entre duas fases de atuação autônoma: a primeira reconhecida na atuação do movimento sob influência anarquista do início da República e a outra representada pelo “novo sindicalismo”, surgido no final dos anos 70. Destarte, a CLT e a Justiça do Trabalho, juntamente com a estrutura sindical corporativista representariam, antes de tudo, a derrota e a capitulação da classe trabalhadora perante o domínio do Estado populista. Nas palavras de Kazumi Munakata, “a legislação trabalhista, no seu espírito e no processo do seu implemento, carrega as marcas das lutas operárias, mas também as de sua derrota”. Para o autor, as alterações posteriormente sofridas pela CLT, sobretudo a partir de 1964, “preservam o essencial desse espírito e apenas aprimoram os dispositivos que expropriaram do trabalhador a capacidade de decisão e controle sobre a sua vida”.38 Os estudos desse período, embora tenham revisado algumas teses há tempos consagradas, como as visões da “passividade” e “acomodação” do operariado brasileiro, mantiveram estes mesmos pressupostos para a análise da conjuntura do populismo. Foi, sobretudo, a partir de meados dos anos 1980 que essas idéias passaram a ser questionadas de forma mais incisiva. Naquela época “o desenvolvimento de pesquisas já indicava, de forma incipiente, que os trabalhadores não haviam se comportado passivamente durante a constituição do Estado corporativo nem, posteriormente, durante o jogo político populista (1945-1964)”.39 Pelas inovações teóricas e metodológicas que introduziram e pelas influências que exerceram nas pesquisas posteriores, destacamos os estudos de Maria Célia Paoli, de Ângela de Castro Gomes e de José Sérgio Leite Lopes. 37. BATALHA, Cláudio H. M. “A historiografia da classe operária no Brasil: trajetória tendências.” In: FREITAS, Marcos Cezar (org.). Historiografia brasileira em perspectiva, 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2003, p.150. 38 MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. Coleção Tudo é história, nº 32. São Paulo: Editora Brasilense, 1981, p.105. Para uma abordagem crítica desta historiografia, ver: FORTES, A. e NEGRO, A. L. “Historiografia, Trabalho e Cidadania no Brasil”. In: FERREIA, J.; DELGADO, L. A. N. (orgs.) O Brasil Republicano, v.2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 39 FORTES, A.; NEGRO, A. L., “Historiografia, trabalho e Cidadania no Brasil”, op. cit, p. 187..

(27) 26. Analisando as greves operárias em São Paulo entre as décadas de 1920 e 1945, Paoli identificou na experiência fabril elementos de continuidade, entre o pré e o pós 30. No entremeio de tais conjunturas havia se articulado “um discurso de denúncia da exploração patronal, com base na crença de que as condições de vida e de trabalho deveriam ser protegidas” por um sistema de direitos sociais. A promulgação da legislação trabalhista, obra de um Estado autoritário, teria levado a “uma bifurcação no universo discursivo operário”, em que a lei passou a ser associada à “concessão” de direitos, afastando-se das “greves, autônomas e turbulentas que confrontavam a ordem corporativa sem conseguir superá-la”.40 Segundo a autora, A presença das leis, e sua aplicação real e diária, colocaram o governo, empresários e trabalhadores em um confronto constante, detalhado, variado e desigual sobre a formação de um espaço público, aberto pela regulamentação legal das relações entre capital e trabalho.41. De acordo com esta linha de interpretação, lei e ação operária, apesar de apontarem “para diferentes interpretações da idéia de direitos”, teriam sido integradas pela experiência histórica, “de maneira tensa e contraditória”.42 As leis haviam constituído um “novo cenário para a luta entre os grupos e classes sociais”.43 Portanto, “o desenvolvimento da cidadania aparece como expressão de lutas sociais, assim como os direitos emergem da resistência”.44 A abordagem de Paoli sobre “a relação entre lei, direitos e espaço público” abriu “novas perspectivas para o debate sobre a experiência dos trabalhadores na sociedade brasileira”. Contudo, suas análises, “baseadas em pesquisas desenvolvidas no início dos anos 80, tenderam a ver os momentos de mudança do terreno de conflito dos direitos operários, entre 1930 e 1945, como derrota da autonomia e da pluralidade” das ações operárias. Para a autora, na década de 1930, os trabalhadores teriam perdido “a possibilidade de expressão de interesses coletivos e de 40. Ibidem, pp. 187-8. Ver também PAOLI, Maria Célia. “Trabalhadores e Cidadania. Experiência do Mundo Público na História do Brasil Moderno”. In: Estudos Avançados, vol. 3, nº 7, 1989. 41 PAOLI, M. C. Labour, Law and the State in Brazil: 1930-1950. Tese de Doutorado. Birkbeck College – University of London, 1998, p. 250. Apud SOUZA, Samuel Fernando. “Coagidos ou subordinados”: trabalhadores, sindicatos, Estado e as leis do trabalho nos anos1930. Tese de Doutorado apresentada ao Deptº do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 2007, p. 17. 42 FORTES, A.; NEGRO, A. L. “Historiografia, trabalho e Cidadania no Brasil”, op. cit., p. 188. Ver também: PAOLI, Maria Célia. “Trabalhadores e Cidadania...”, op. cit. 43 PAOLI, M. C. “Trabalhadores urbanos na fala dos outros. Tempo, espaço e classe na história do trabalho brasileira”. In: LEITE LOPES, J. S. (org.) Cultura e Identidade Operária: aspectos da cultura da classe trabalhadora. Rio de Janeiro: Marco Zero, Editora da UFRJ, 1987, p. 70. Apud SOUZA, Samuel Fernando. “Coagidos ou subordinados”..., op. cit., p. 16. 44 FORTES, A.; NEGRO, A. L. “Historiografia, trabalho e Cidadania no Brasil”, op. cit., p. 198..

(28) 27. sua negociação”, visto que esta fora “substituída pelo poder normativo estatal sobre as relações de trabalho.” Ao mesmo tempo, “os meandros burocráticos tendiam a impedir o respeito à legislação” e a constante repressão às lutas sociais levava a “um distanciamento entre a experiência dos trabalhadores e o discurso jurídico do Estado”.45 Contemporânea ao estudo de Paoli, a obra A Invenção do trabalhismo (1988), da historiadora Ângela de Castro Gomes, abriria um novo viés de discussão para a história da classe operária brasileira. Refutando “a interpretação de ‘1930’ como marco fundador da regulamentação das relações de trabalho”46 e avançando seu raio de análise até o início da República, a autora observou continuidades históricas entre a experiência operária da República Velha e do pós-30. Identificou, nas lutas, aspirações, reivindicações e discursos das diferentes correntes operárias, elementos simbólicos e materiais que, apropriados e re-significados pelo Estado intervencionista, encontravam-se no cerne da invenção do projeto trabalhista. Assim sendo, “o que caracterizaria o pós-1930 seria o fato de o Estado ocupar em definitivo o papel de canalizar a constituição de uma classe trabalhadora brasileira”. Da perspectiva estatal, isso “se daria com a outorga de benefícios enquanto dádiva, buscando, ainda, uma participação ativa do operariado e um conhecimento dos direitos que a lei lhe facultava”.47 Desse modo, a autora recusava os modelos explicativos muito compartilhados à época, “que destacavam variáveis sociológicas e políticas de cunho mais estrutural, para afirmarem uma ‘heteronomia’ da ação política dos trabalhadores” em tal período. Inauguraria um enfoque teórico que reconhecia “a cidadania dessa classe trabalhadora (entendida como muito plural)” como um “fenômeno histórico apreensível pelo acompanhamento de um longo (e inconcluso) processo de lutas entre propostas distintas, elaboradas por diversos atores (entre os quais o Estado), com pesos variados”. 48 Embora reconhecendo a participação ativa dos trabalhadores na invenção do trabalhismo, Gomes identificou na relação destes com o Estado, a construção de um “pacto”, que “não anulava a experiência dos benefícios do direito social”, mas “tornava muito mais complexa a ‘troca de benefícios’ por ‘obediência política’”.49 Em lugar de fraude e manipulação haveria sinceridade e reciprocidade em tal relação. O Estado assimilaria e anteciparia a materialização das demandas 45. Ibidem, p. 198. SOUZA, Samuel Fernando. “Coagidos ou subordinados”..., op. cit., p. 14. 47 FORTES, A.; NEGRO, A. L. “Historiografia, trabalho e Cidadania no Brasil”, op. cit., p. 191. 48 GOMES, Â. C. A Invenção do trabalhismo, op. cit., p. 9. 49 SOUZA, Samuel Fernando. “Coagidos ou subordinados”..., op. cit., p. 16. 46.

(29) 28. dos trabalhadores que, em contrapartida, retribuiriam com apoio político às lideranças trabalhistas. De acordo com a autora, “o discurso trabalhista, articulado em inícios dos anos 40”, teria apropriado e re-significado “o discurso operário construído, de forma lenta e diversificada, nos anos da Primeira República”. Assim sendo, o “pacto trabalhista” teria nele, “de modo integrado, mas não redutível, tanto a palavra e a ação do Estado, quanto a palavra e a ação da classe trabalhadora, ressaltando-se que nenhum dos dois atores é uma totalidade harmônica, mantendo-se num processo de permanente re-construção.”50 Cabe ressaltar ainda que, em seu estudo, a autora focalizou os trabalhadores urbanos, com algum tipo de organização associativa e priorizou o processo de invenção do trabalhismo, não dando conta das formas com que os diferentes grupos de trabalhadores - especialmente os do interior do Brasil e alheios à participação sindical - se apropriaram das práticas e idéias inerentes a tal política; tampouco das condições e situações em que acionaram seus instrumentos jurídicos ou das formas com que a lei e os costumes se relacionaram em suas experiências cotidianas. A noção de “pacto trabalhista” seria levada adiante, nos anos 90, em estudos como Trabalhadores do Brasil, de Jorge Ferreira, no qual o autor aborda as estratégias discursivas empreendidas pelos trabalhadores, apropriando-se dos discursos políticos estatais, para solicitar benefícios durante o primeiro governo de Getúlio Vargas.51 Todavia, apesar da significativa contribuição de tais estudos para a compreensão de aspectos relevantes da cultura política dos trabalhadores, por vezes, observa-se um tom de apologia às iniciativas estatais. Autonomia versus heteronomia, fraude versus sinceridade, pacto versus imposição, constituiriam, por muito tempo, as principais controvérsias que ditavam o tom do debate sobre a legislação trabalhista e, por conseguinte, sobre a Justiça do Trabalho e, de certa forma, são questões que ainda permeiam as discussões contemporâneas. Sem perder de vista essas questões, as pesquisas atuais demonstram-se mais preocupadas em compreender, na prática, como os trabalhadores recepcionaram e se comunicaram com tais organismos. As circunstâncias e as formas como se apropriaram e se relacionaram com eles e as implicações dessas experiências jurídicas na formação da cultura operária. Essa perspectiva analítica foi preliminarmente apontada pelos estudos de José Sérgio Leite Lopes. Em A Tecelagem dos conflitos de classe, o autor acompanhou a trajetória de um. 50 51. GOMES, Ângela de Castro. “O populismo e as ciências sociais no Brasil...”, op. cit, p. 48. FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil: o imaginário do povo, op. cit..

(30) 29. grupo operário de origem rural, numa cidade do interior de Pernambuco, no período compreendido entre as décadas de 1920 e 1970, buscando apreender, em tal experiência, o processo de formação de uma cultura operária. Tratava-se de um caso peculiar de dominação, em que os trabalhadores encontravam-se submetidos ao sistema de vila operária e inseridos num universo de práticas paternalistas. Atentando para “a lógica interna desta forma de dominação” e “suas contradições” - particularmente para a forma como era “avaliada pelos dominados”, adquirindo “legitimidade ou não” -, o autor observou que a “lenta autoconstrução” de uma “cultura de classe”, entre os referidos trabalhadores, estaria relacionada com a forma como eles interiorizavam essa dominação, com a “microfísica da resistência” – não somente ao nível de cada seção da fábrica e das grandes greves, mas também com a constante luta judiciária em defesa dos direitos -, com o caráter simbólico por ela assumido e com a interlocução com outros atores sociais - sindicatos, igrejas, políticos, militância, justiça, etc.52 De acordo com Leite Lopes, a partir de 1945 o encaminhamento das questões trabalhistas na Justiça do Trabalho – individuais e coletivas – teria difundido entre os operários as categorias questão e botar questão contra o patrão. O desenvolvimento de uma “cultura jurídica” entre os trabalhadores, re-significada pela experiência, e inserida num conjunto de referências simbólicas e materiais integraria o processo de formação dessa cultura de classe. Seguindo as pegadas de E. P. Thompson, Leite Lopes apontava para a presença dos trabalhadores no processo do seu fazerse como classe53, reconhecendo-os como sujeitos ativos da relação com os outros atores sociais (incluindo-se os patrões e o Estado), inclusive no período compreendido entre 1930 e 1970, sem, contudo, perder de vista as complexidades conjunturais. Embora tivesse como foco uma situação muito específica, de um “caso-limite” de uma grande fábrica com vila operária, com presença da atuação sindical e partidária, o trabalho de Lopes abria uma importante perspectiva metodológica para se pensar a relação dos trabalhadores com a legislação trabalhista e com a justiça do trabalho em circunstâncias menos excepcionais; admitindo-os como sujeitos ativos desta relação, e também para se avaliar a forma como tal experiência era apropriada pelos trabalhadores e inserida, como referencial simbólico, na formação da cultura operária.. 52. LEITE LOPES, José Sérgio. A Tecelagem dos conflitos de classe na “cidade das chaminés”, 1. ed.. São Paulo, Marco Zero, 1988. 53 THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa (vol. I). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p. 9..

(31) 30. Destarte, Leite Lopes nos entreabre a possibilidade de associar duas interessantes hipóteses de pesquisa.54 Se havia, como de fato houve, uma re-interpretação da dominação operária pela cultura operária, por que, a partir desta releitura mesma, não se pode pensar, como defende Negro55, que os trabalhadores estavam presentes à “invenção” do trabalhismo dotados de recursos próprios que, de novo, lhes possibilitariam “ler” e entender as propostas do trabalhismo? Neste caso, como sugere Samuel Souza, “expostos aos discursos do governo que apregoava a lógica paternalista do Estado protetor”, os trabalhadores teriam construído “uma ‘matriz discursiva’ que incorporava a ‘filosofia jurídica oficial’ à sua própria cultura. Esta, eivada de noções específicas de direito e justiça, era empenhada nas jornadas judiciais em defesa das garantias em lei”.56 Dessa forma, é prudente ponderarmos que a relação dos trabalhadores com a Justiça do Trabalho e com a legislação trabalhista não pode ser explicada apenas em termos de manipulação e submissão, ou de uma simples capitulação perante os discursos e propagandas do projeto trabalhista. Ainda que estas tenham sido (e parece que eram) as intenções estatais, é preciso avaliar as formas como os referidos organismos foram recepcionados e apropriados pelos trabalhadores. A ampliação dos conhecimentos da cultura operária, “proporcionada pelos estudos do final dos anos 1980, possibilitou a realização de pesquisas inovadoras sobre temas como o corporativismo e o populismo”.57 A partir um diálogo crítico com estes estudos e, ao mesmo tempo, buscando avançar os seus limites, atualmente um grupo de historiadores sociais tem revisitado a história do trabalho no Brasil pós-30, buscando perceber “como essa apropriação cultural se desenvolvia na prática social”.58 Lançando mão de um apreciável esforço de pesquisa empírica, baseada num amplo leque de fontes primárias; aprofundando o diálogo com os referenciais teóricos e metodológicos da história social e cultural e, sobretudo, demonstrando. 54. De acordo com LEITE LOPES, a cultura fabril exprime “desde a reação e a resposta ao despotismo da hierarquia da administração fabril até a reinterpretação e reambientação criativas das duras condições de trabalho na fábrica” (p. 81). Assim, essa cultura fabril expressa valores e práticas presentes tanto na delimitação de um espaço dos operários no processo de trabalho e no espaço fabril quanto nas suas concepções de honra e identidade, mesclando-se interiorização e releitura, legitimação e recusa. LEITE LOPES, José S., A Tecelagem dos conflitos de classe na “cidade das chaminés”, 1. ed.. São Paulo, Marco Zero, 1988. 55 NEGRO, A. L.. “Ignorantes, Sujos e Grosseiros: uma reinvenção da história do trabalhismo”, op.cit. 56 SOUZA, S. F. “Coagidos ou subordinados.”, op. cit., p. 18. 57 Ibidem, p.17. 58 FORTES, Alexandre. Nós do Quarto Distrito...: a classe trabalhadora portoalegrense e a Era Vargas. Caxias do Sul, RS: Educs; Rio de Janeiro: Garamond, 2004, p.436..

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