• Nenhum resultado encontrado

Reflexões sobre o processo minoritário: design de moda, arte e audiovisual

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Reflexões sobre o processo minoritário: design de moda, arte e audiovisual"

Copied!
77
0
0

Texto

(1)

ESCOLA DE HUMANIDADES

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

MAXIMILIANO OSCAR ZAPATA

REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO MINORITÁRIO: DESIGN DE MODA, ARTE E AUDIOVISUAL

Porto Alegre 2020

(2)
(3)

MAXIMILIANO OSCAR ZAPATA

REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO MINORITÁRIO: DESIGN DE MODA, ARTE E

AUDIOVISUAL

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Filosofia, pelo Programa de Pós Graduação em Filosofia da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

(4)

Porto Alegre 2020

(5)

MAXIMILIANO OSCAR ZAPATA

REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO MINORITÁRIO: DESIGN DE MODA, ARTE E

AUDIOVISUAL

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Filosofia, pelo Programa de Pós Graduação em Filosofia da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Aprovada em ____ de ______________ de 2020. BANCA EXAMINADORA:

____________________________________ Prof. Dr. Nythamar H.F. de Oliveira Junior

____________________________________ Prof. Dr. Fabio Caprio de Castro

____________________________________ Prof. Dr. Fábio Pezzi Parode

(6)

RESUMO

O ano de 2018 marca uma inflexão política no Brasil: o candidato ultraconservador vence o pleito presidencial e institui um programa de governo pouco favorável às minorias. Sabidamente uma das estratégias adotadas na campanha foi a utilização de fake news nas redes sociais, sobretudo através da plataforma whatsapp. A principal noticia falsa articulada foi o chamado kit gay. Esse dispositivo comunicacional, na sua origem uma cartilha escolar que visava o combate à homofobia nas instituições públicas de ensino médio, tornou-se um instrumento de poder para o discurso homofóbico da bancada conservada. Em razão dos efeitos negativos de tal processo de construção falsa de valores em relação à comunidade LGBTQ+, optou-se aqui por estudar e refletir sobre as práticas micropolíticas dos grupos afetados pelas políticas conservadoras em vias de implementação pelo atual regime de poder. Buscou-se então, no horizonte da Filosofia Queer e Filosofia da Imanência, assim como, da Comunicação e da Cultura, com a definição de artefatos para análise oriundos do mundo da arte, do design de moda e do audiovisual, refletir criticamente sobre o processo de luta e resistência social enfrentado pelos grupos minoritários. Assim, com o tema de processos mlnoritários e filosofia, objetivou-se compreender os processos de construção dos objetos de cultura enquanto dispositivos e máquinas de guerra, frente a um contexto que oprime e tenta submeter os corpos minoritários, à uma ordem de crenças e comportamentos conservadores, calcados em valores heteronormativos de tradição patriarcal. Como referencial teórico e investigativo nos pautamos principalmente nos estudos de Guattari, Deleuze, Rolnik e Butler. Nossa questão de fundo é atravessada pela noção do devir-mulher, onde drags queens, mulheres trans e gays são afetados como contraponto de força em relação ao modelo masculinista. Assim, buscamos desenvolver uma cartografia dos processos de minorização através de um olhar para a arte, o design de moda, o audiovisual, a performance drag. Este trabalho busca, através do método cartográfico, refletir sobre processo minoritário, aproximando conceitos de filosofia, comunicação, estética e cultura, de forma a destacar estudos já realizados sobre filosofia queer e filosofia da imanência como aporte teórico para os estudos de gênero e filosofia.

(7)

ABSTRACT

The year 2018 marks a political turning point in Brazil: the ultra-conservative candidate wins the presidential election and institutes a government program that is not favorable to minorities. It is known that one of the strategies adopted in the campaign was the use of fake news on social networks, especially through the

Whatsapp platform. The main fake news was the so-called gay kit. This

communicational device, originally a school booklet aimed at combating homophobia in public high school institutions, became an instrument of power for the homophobic discourse of the conservative bench. Due to the negative effects of such a false value-building process in relation to the LGBTQ + community, we chose to study and reflect on the micropolitical practices of the groups affected by the conservative policies being implemented by the current power regime. Then, within the horizon of Queer Philosophy and Philosophy of Immanence, as well as Communication and Culture, with the definition of analysis artifacts from the world of art, fashion design and audiovisual resources, we seek to reflect critically on the process of struggle and social resistance faced by minority groups. Thus, with the theme of minority processes and philosophy, the objective was to understand the processes of construction of cultural objects as devices and machines of war, facing a context that oppresses and tries to subject minority bodies, to an order of beliefs and behaviors conservative, based on heteronormative values of patriarchal tradition. As a theoretical and investigative reference we are guided mainly by the studies of Guattari, Deleuze, Rolnik and Butler. Our fundamental question is crossed by the notion of becoming-woman, where drag queens, trans and gay women are affected as a counterpoint of strength in relation to the masculinist model. Thus, we seek to develop a mapping of the processes of minorization through a look at art, fashion design, audiovisual, performance drag. This work seeks, through the cartographic method, to reflect on a minority process, bringing together concepts of philosophy, communication, aesthetics and culture, in order to highlight studies already carried out on queer philosophy and philosophy of immanence as a theoretical contribution to the studies of gender and philosophy.

(8)

RESUMEN

El año 2018 marca una inflexión política en Brasil: el candidato conservador gana las elecciones presidenciales e instituye un programa gubernamental que no es favorable para las minorías. Se sabe que una de las estrategias adoptadas en la campaña fue el uso de noticias falsas en las redes sociales, especialmente a través de la plataforma de WhatsApp. La principal noticia falsamente articulada fue el llamado kit gay. Este dispositivo de comunicación, originalmente un folleto escolar destinado a combatir la homofobia en las instituciones públicas de secundaria, se convirtió en un instrumento de poder para el discurso homofóbico del banco conservado. Debido a los efectos negativos de un proceso de creación de valor tan falso en relación con la comunidad LGBTQ +, elegimos estudiar y reflexionar sobre las prácticas micropolíticas de los grupos afectados por las políticas conservadoras implementadas por el régimen de poder actual. Luego, en el horizonte de Queer Philosophy y Philosophy of Inmanence, así como Communication and Culture, con la definición de análisis de artefactos del mundo del arte, el diseño de moda y el audiovisual, para reflexionar críticamente sobre el proceso de lucha y resistencia social que enfrentan los grupos minoritarios. Así, con el tema de los procesos y la filosofía de las minorías, el objetivo era comprender los procesos de construcción de objetos culturales como dispositivos y máquinas de guerra, frente a un contexto que oprime y trata de someter a los cuerpos minoritarios a un orden de creencias y comportamientos. conservador, basado en valores heteronormativos de la tradición patriarcal. Como referencia teórica e investigativa, nos guiamos principalmente por los estudios de Guattari, Deleuze, Rolnik y Butler. Nuestra pregunta fundamental se cruza con la noción de convertirse en mujer, donde las drag queens, las mujeres trans y las homosexuales se ven afectadas como contrapunto de fuerza en relación con el modelo masculinista. Por lo tanto, buscamos desarrollar un mapeo de los procesos de minorización a través de una mirada al arte, el diseño de moda, el audiovisual, el rendimiento de arrastre. Este trabajo busca, a través del método cartográfico, reflexionar sobre un proceso minoritario, reuniendo conceptos de filosofía, comunicación, estética y cultura, con el fin de resaltar estudios ya realizados sobre filosofía queer y filosofía de la inmanencia como una contribución teórica a los estudios de género y filosofía.

(9)

Lista de ilustrações

Figura 1: Filósofa Judith Butler; Figura 2: Bacon en 1952;

Figura 3: Alexander MacQueen com máscara; Figura 4: La Fuente de las Nereidas de Lola Mora; Figura 5: Nereidas;

Figura 6:Armadillo Shoes;

Figura 7: Vestidos de McQueen;

Figura 8: Modelos da coleção Plato’s Atlantis;

Figura 9: Frame do desfile Savage Beauty, Alexander Mcqueen; Figura 10: Paralytic child walking on all fours, Francis Bacon;

Figura 11: Vestido da coleção Widows of Culloden, Alexander Mcqueen; Figura 12: Três figuras e retrato;

Figura 13: Corset;

Figura 14: Noite Estrelada, Van Gogh;

Figura 15:Campo de trigo com corvos, Van Gogh; Figura 16:Editoriais diversos;

Figura 17:Desfile Van Gogh Girl’s; Figura 18:Sacro amor profrano; Figura 19:Vestido Branco;

Figura 20: Pabblo Vittar amor de quenga; Figura 21: Frame do filme Coringa e Figura 22: Gloria Groove.

(10)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 6

2 BLOCO 1 ... 8

2.1 MÉTODO CARTOGRÁFICO ... 13

2.2 NA PERSPECTIVA DE UMA FILOSOFIA DO DESIGN DE MODA ... 14

2.3 POR UMA GENEALOGIA DO DESIGN ... 19

2.4 O CONCEITO DE DEVIR NA OBRA DE ALEXANDER MCQUEEN ... 21

3 BLOCO 2 DESIGN DE MODA, ARTE E CULTURA ... 14

3.1 PERFORMATIVIDADE E PROCESSO MINORITÁRIO ... 14

3.2 CORPO SEM ÓRGÃOS NO DESIGN DE MODA ... 24

4 BLOCO 3 ONTOLÓGICO ... 52

4.1 ASPECTOS ONTOLÓGICOS DA PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE ... 52

4.2 O DEVIR-NEGRO NO FILME CORINGA ... 57

4.3 O DEVIR-MULHER E O DEVIR-DRAG ... 64

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 50

(11)

1. INTRODUÇÃO

Sócrates, no diálogo Fédro registrado por seu discípulo Platão, registra o que talvez seja a primeira crítica a uma tecnologia, isto é, uma critica à escrita. Para o filósofo ateniense não poderíamos apreender por um livro ou por uma obra de arte, pois eles são meras cópias do que seria a coisa em si. Ao pensar a internet, Martino (2017) diz que “assim como no caso da internet e das mídias digitais, a invenção da escrita alterou o significado do ambiente cognitivo da sociedade”(MARTINO, 2017, p.254).

No caso da linguagem e da internet, além de serem ferramentas de comunicação, o que está em jogo são as múltiplas possibilidades de o ser humano poder criar novas formas de relações sociais, ou seja, no horizonte comunicacional desses dispositivos, há um regime de produção simbólica que pode dispor da plasticidade da corpo e da subjetividade. Guattari, em Três Ecologias (1990), via nas mídias alternativas, possibilidades de produção de novas subjetividades capazes de confrontar um discurso molar, diga-se, hegemônico.

Em 2018 o Presidente da República do Brasil é eleito, em grande medida, a partir da veiculação das chamadas Fake News, principalmente com o chamado Kit Gay. O principal palanque eleitoral do candidato eleito foi o ataque às minorias sexuais, ou seja, os LGBTQ1. (LGBTQPIA).

Do ponto de vista social, a presente dissertação justifica-se por ser o Brasil o país mais violento em relação à existência da minoria transfeminina no mundo, carecendo de estudos científicos de base não apenas filosófica e estética, mas também sociológica e comunicacional, promovendo com isso, a visibilidade e o incremento de metodologias de abordagem dessa problemática.

Também justifica-se por ser um estudo que busca dar continuidade à pesquisas anteriores sobre a problemática de gênero, mais comumente abordada do ponto de vista masculino ou feminino, mas raramente, do ponto de vista trans. As discussões em torno do feminino e das atuações dos discursos feministas corroboram com o substrato investigativo que aqui se propõe. O que é ser mulher e qual o horizonte ontopolítico da mulher trans? De que forma dispositivos comunicacionais tal como o

(12)

YouTube estariam na vanguarda de um movimento de inclusão dessa minoria no cenário global, mais especificamente, no cenário brasileiro?

(13)

2. BLOCO 1 INTRODUÇÃO

Segundo a ONG Transgender Europe, o Brasil é o país onde a homofobia tem sua expressão mais forte, fazendo mais vitimas fatais. Segundo o relatório anual do Grupo Gay da Bahia2, a cada 20 horas um LGBTQ+, é brutalmente assassinado no Brasil, o que coloca o país como o campeão mundial de crimes contra minorias sexuais. Paradoxalmente, vive-se, por uma lado, uma crescente onda de produções culturais que dizem respeito à visibilidade LGBTQ+, ou seja, o substrato da cultura Queer, e por outro lado, pelas vias institucionais, vemos a proliferação de um discurso conservador que busca apagar as pluralidades, as diferenças, em suma a negação da cultura Queer.

Esse discurso vem se legitimando particularmente como discurso em defesa de um modelo tradicional de família composta por um homem e uma mulher. Entre as instituições que se destacam pelo poder de produção simbólica nesse sentido está a própria instituição do Poder Executivo na figura do Presidente da República, de seus assessores e ministros.

No extremo oposto, no universo das subjetividades queer, com Guattari (1988), podemos pensar a produção das drag quens, como Pabblo Vittar e Glória Grover, por exemplo, como processo imanente, ou seja, como expressão de um plano da imanência queer, isto é, afirmação de máquinas desejantes. Para Deleuze e Guattari, em relação à máquinas desejantes:

“por todos os lugares são máquinas, não metaforicamente: máquinas de máquinas, com seus acoplamentos e suas conexões. Uma máquina órgão ligada a uma máquina fonte: Uma emite um fluxo, que a outra corta. O seio é uma máquina que produz leite, e a boca, uma máquina acoplada sobre aquela (...) Uma máquina-órgão para uma máquina energia, sempre fluxos e cortes.” (DELEUZE E GUATTARI, 1972, p. 7). Segundo os autores, a máquina desejante é uma máquina produtiva, funcionando por sua natureza de forma interativa com outras máquinas, configurando, desta forma, um tipo de economia, que no caso do corpo, é de ordem

2 https://homofobiamata.files.wordpress.com/2019/05/relatc3b3rio-ggb-parcial-2019.pdf

(14)

libidinal entre fluxos, com cortes, composições e exclusões em relação às outras máquinas, objetos do mundo.

As máquinas desejantes são estruturas moleculares. No cenário brasileiro contemporâneo, estas máquinas desejantes estão em confronto com o discurso hegemônico que são estruturas molares, como no caso das muitas declarações conservadoras da ministra da Mulher, da Familia e dos Direitos Humanos, Damaris Alves: meninos vestem azul, meninas vestem rosa; a princesa Frosen fica sozinha

porque ela é lésbica... etc.

A propósito dessa ordem de tensionamento, o filósofo escreve que as interações entre as estruturas molares e maquinismos são constantes. Segundo ele:

“Elas são ‘pilotadas’, ou a partir de agenciamentos visíveis estratificadas ou a partir de ‘potências invisíveis’ procedentes de matérias de expressão que não podem estar circunscritas em substâncias bem delimitadas do ponto de vista de coordenadas espaço-temporais e conceituais explicitáveis” (GUATTARI, 1988, p.146).

Voltando-nos às declarações da ministra Damaris, vemos que o seu discurso visa estabelecer padrões: os meninos usam azul e as meninas usam rosa...

Talvez o acontecimento mais derradeiro desta expressão sexista que marca uma vertente cultural conservadora hoje instituída na figura do presidente, tenha sido os eventos decorrentes da visita ao Brasil em 2017 da filósofa Judith Butler que veio participar do seminário Os fins da democracia. Neste episódio, grupos conservadores expressaram publicamente o seu descontentamento com a chamada “Ideologia de gênero”, que, segundo eles, era proposta pela filósofa.

Aos gritos de bruxa, com xingamentos e insultos, os manifestantes expressaram sua ira contra uma tendência cultural internacional: a inclusão dos LGBTQPIA no corpo social com igualdade de direitos e cidadania. Esse seria o processo esperado dentro das democracias de direito e de fato. Porém, os manifestantes, no auge de seu processo de histeria coletiva, queimaram uma boneca com o seu rosto (FIGURA 1), legitimando uma violência simbólica contra a pensadora. No limite, não seria este

(15)

o cenário ressignificado de uma cena da Idade Média onda as bruxas eram queimadas?

Figura 1: cenas da manifestações contrarias à presença da Butler no país. Fonte:

https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/viver/2017/11/filosofa-judith-butler-e-recebida-no-brasil-sob-gritos-de-bruxa-pro.html , acesso 19/08/2019

A ideologia de gênero é a negação do que Butler chama: “teoria social do gênero”, onde a história e a sociologia entendem o “gênero como uma relação entre sujeitos socialmente construídos” (BUTLER, 2017, p.32). Segundo Butler, há dois tipos de corpo: o sexuado e o social. No corpo sexuado é onde recaem as expectativas de gênero, enquanto no corpo social, as categorias discursivas como ‘sexo’ são abstrações impostas às forças do campo social. Ela diz:

“ [...] como discursivo e perceptivo, o ‘sexo’ denota um regime epistemológico historicamente contingente, uma linguagem que forma a percepção, modelando à força as inter-relações pelas quais os corpos físicos [corpo sexuado] são percebidos” (BUTLER, 2017, p. 199).

(16)

pensamento de Guattari em Revolução molecular (1987), são correlatos ao exprimir as instâncias dos corpos sexuais e sociais. A dimensão queer pode se dar em ambos.

Originalmente o termo Queer na língua inglesa tem sua própria história, porém simplificadamente, implicava atributos de estranheza, excentricidade, esquizofrenia, marcando pejorativamente indivíduos pela sua diferença em oposição ao hegemônico. Porém, com o tempo, a comunidade LGBTQ+, ressignificou este insulto para atuar, no sentido de militância, construindo identidades e estratégias micropolíticas moleculares, que vieram fazer frente às imposições de um corpo social marcado pela heteronormatividade aos corpos sexuados minoritários.

Desenhamos dessa forma nosso problema de pesquisa: quais as estratégias de resistência e micropolítica no plano cultural e comunicacional, particularmente no design de moda, arte e audiovisual, dos grupos minoritários do universo queer, e particularmente, do universo trans. Partimos então de uma perspectiva interdisciplinar com questionamentos oriundos da Filosofia, da Comunicação e da Estética.

Nosso corpus define-se pelas expressões comunicacionais e estéticas veiculadas pela cultura, por artistas, designers e diretores alinhados a causa das minorias. O recorte definindo-se por um olhar histórico para algumas produções realizadas no Brasil, Europa e Estados Unidos, no campo da arte, do design de moda e do audiovisual. A materialidade do objeto se dá pela veiculação dos objetos em questão como discurso e imagens na mídia, em plataformas digitais e redes sociais cujo mote no nível do discussão proposta seria a apreensão da problemática das minorias e do universo afirmativo da cultura queer. Haveria um projeto de desconstrução da cultura queer no Brasil?

Dentre os autores e conceitos que pretendemos utilizar como ponto de partida, referimos:

A) Foucault (discurso, sexualidade); B) Butler (gênero e performatividade);

(17)

desejantes e máquinas de guerra);

D) Guattari e Rolnik (corpo social, corpo sexuado, devir-mulher);

O objetivo geral desse estudo é a produção de uma cartografia de processos minoritários na cultura e a produção de um esboço filosófico sobre cultura Queer em suas diferentes expressões.

Específicos:

1- Identificar na arte, no design e no áudio visual processos estéticos de minorização e afirmação de diferença;

2- Analisar à luz das teorias propostas a produção comunicacional e cultural do universo Queer presente no design de moda, arte e audiovisual;

3- Identificar o diagrama de forças entre as ações dos sujeitos implicados (no nível molar e molecular);

(18)

2.1 MÉTODO CARTOGRÁFICO

Do ponto de vista metodológico, pretende-se desenvolver uma cartografia dos agenciamentos da comunidade LGBTQ+, no espaço da cultura, instaurando um olhar participativo, descritivo e analítico frente às expressões e produções dos LGBTQ+ em relação àquilo que se lhe opõe, o discurso molar e oficial do atual regime de poder instaurado no país que é contra as minorias.

Para compor essa cartografia, além da revisão bibliográfica, pretende-se investigar nos canais de mídia, fotografia, cinema, you tube, etc, além de participar de discussões em seminários, grupos de pesquisa e congressos, configurando um mapa dos conflitos e das reações, onde alguns elementos serão explicitados no corpo desta dissertação e outros apenas assimilados como conteúdo de aprendizado. Se buscará, por fim, definir um diagrama do espaço comunicacional e atuante dos agenciamentos dessa minoria – LGBTQ+, extraindo da materialidade discursiva elementos para a reflexão filosófica.

A historiadora Britânica Tamsin Spargo, no seu livro Foucault e a teoria Queer (2017), observa que uma das críticas feitas a Foucault atualmente por parte de grupos feministas, refere-se ao fato de que o filósofo francês: “Havia estudado quase que exclusivamente a produção do homossexual masculino” (SPARGO, p. 41).

Nesse sentido, nossa pesquisa, corroborando com Foucault e Butler, parte dos pressupostos que a sexualidade humana é “produzida discursivamente [e que o gênero é] um efeito performativo” (Idem, p.41).

Partindo destes pressupostos é que esta pesquisa se questiona acerca das produções discursivas e da performatividade comunicacional das drags brasileiras, no cenário da mídia e da cultura: em que medida estas produções seriam agenciamentos micropolíticos?

(19)

2.2 NA PERSPECTIVA DE UMA FILOSOFIA DO DESIGN DE MODA

A filosofia tem como um de seus propósitos o questionamento em profundidade sobre o Ser, seus limites e suas estratégias de afirmação. Quando questionamos o Ser do design, do design de moda, logo nos vem à mente a questão da criação, mas também a da significação e a do comércio.

Dessa faculdade humana de criar, transformar e modelar objetos, enfim, tornar tangível diferentes experiências através dos objetos, seja por sua matéria, por sua forma, por sua contextualização, por sua simbolização, resulta a própria experiência da cultura. Entretanto, essa necessidade do tangível, mas não de qualquer tangível, e sim de um tangível esteticamente refletido, é uma característica puramente humana: o design, igualmente à arte, são invenções dos humanos para os humanos. Podemos dizer que esse modo particular de apresentar os objetos é um modo de afirmação de um Ser no mundo.

Uma segunda dimensão ontológica do design de moda é a comunicacional. Consideramos esta dimensão como processo midiático. Essa é a dimensão que faz com indivíduos se reconheçam através dos artefatos, de seus códigos e significados.

Essa afirmação do Ser, numa forma, num objeto que “fala” uma determinada linguagem, para um determinado público, e que veicula valores, serve também como meio de identificação, de reconhecimento e agregação no grupo social. Trata-se de capital simbólico, veiculado através do significado social dos artefatos e através dos quais os indivíduos se distinguem, especialmente no campo da moda e do design. (BOURDIEU, 2007).

Pensar o design como mídia significa pensar a dimensão de linguagem do design. Essa dimensão do design faz apelo a um outro que lhe é imanente. O demiurgo que habita o designer quando cria um objeto não o faz somente para si, mas também para um outro imaginário que no decorrer da cadeia do produto, torna-se consumidor destorna-se objeto. Estorna-ses consumidores, encontram nele, uma ordem de significação onde seu próprio discurso e expressão se fará presente no campo social.

Uma terceira dimensão que compõe o Ser do design é sua dimensão comercial. O produto do design é atravessado pela necessidade de se impor num mercado consumidor e permeado por estratégias de competição. Isso significa que

(20)

há um processo entre a criação do produto até sua acolhida, aceitação, enfim, até ser desejado por outros (os consumidores). Seu apelo na direção do outro é carregado de intencionalidades. É aqui que o sistema do marketing e a da publicidade preenchem o universo do design com suas teorias e seus métodos de persuasão do cliente, construção de identidade e afirmação da marca e, evidentemente, sua transcodificação em capital simbólico e riqueza.

Essas dimensões apresentam-se como uma complexidade, pois, elas se desdobram atravessando disciplinas diferentes, formando um campo epistemológico para o design mais vasto. Esse vasto campo epistemológico que compõe o design, da antropologia e da história, até as questões que envolvem a psicologia, a arte e a engenharia dos materiais tende a ampliar-se, tendo em vista que há uma mobilidade necessária nos saberes e nas diferentes formas de se constituir metodologias. A esse propósito, basta pensarmos nos efeitos das novas tecnologias em todas as áreas do saber e do fazer.

Nessa relação que se estabelece com um outro, que no design não é um outro qualquer, mas um outro desenhado, projetado (uma persona), traz ao plano visível os traços de uma rostidade possível de um ser coletivo. Ora mais funcional do que estético, ora mais estético do que funcional, o design tem como um limite e um diferencial, sua dimensão pautada por uma funcionalidade, pela necessidade de responder a problemas que surgem seja no âmbito coletivo, seja no âmbito do particular.

Trazer ao plano da realidade a solução imaginada, desenhada, projetada, prototipada e experimentada é, de certa forma, estar no lugar do Criador, do demiurgo. Os arquitetos ao projetarem nossos limites de espaço, desenham nossos movimentos e projetam nossas sensações na expectativa de responder a nossas necessidades. Os designers também o fazem numa outra ordem discursiva.

Há, no âmbito deste fazer, a idealização de um estado a ser alcançado, um estado que pode assumir as cores da arte, o ritmo do jogo ou a inocência do gozo, mas, ainda assim, na medida em que este estado é pensado para o outro, coloca-se a questão de quem é esse outro que é imaginado pelo designer.

E quem é esse designer que desenha o outro? Quais são os valores intrínsecos do seu projeto, suas crenças e ideologias? O processo de definição de um público alvo é uma das etapas no processo projetual do designer. E é incorporando teorias da comunicação e do marketing que o designer consegue

(21)

traçar um perfil do outro, que se define como um recorte na multitude. Da lógica que assegura o processo como um todo, podemos construir a seguinte proposição: o designer é um ser afirmativo, propositivo. Dessa proposição, podemos extrair um conjunto de reflexões que nos remetem a questionamentos que são da ordem do afirmativo enquanto condição existencial.

Ao afirmar-se numa dada ordem e num dado estado, além de produzir seus efeitos exteriores ao indivíduo, gera também efeitos no próprio indivíduo. Atrás dessa realidade na qual existimos e vivemos, ou seja, essa realidade dos objetos e de nossas interações com esses objetos, uma outra realidade se esconde. Uma realidade mais sutil, mas, talvez, por sua intensidade, mais presente do que qualquer outra. Essa é a realidade que emerge da constante luta que os indivíduos travam contra seu processo de morte.

A efemeridade é um dos conceitos mais característicos da cultura contemporânea, especialmente se pensamos em arte e processos midiáticos. No entanto, o que é interessante observar é que essa efemeridade tem sido intensificada como decorrência das acelerações midiáticas. Na prática, isso quer dizer que, embora a morte na sua dimensão visível seja negada constantemente, do ponto de vista de sua presença no quotidiano, ela está cada vez mais presente, nas suas múltiplas formas.

A morte de um objeto é diferente da morte de um ser vivo, que se decompõe e que de suas matérias um novo substrato vai surgir e nutrir outros elementos da própria natureza. Os objetos, dependendo de como eles são projetados e constituídos, podem permanecer por muito tempo, rompendo com a efemeridade completa do corpo. O tempo de decomposição de um objeto muitas vezes é maior do que seu tempo de uso (de vida).

Nessa perspectiva, pensando em ciclo de reaproveitamento de matérias, aquilo que o homem cria, resiste ao tempo, ou seja, a relação desses objetos com a morte, se ela não é bem definida já no processo de concepção desse objeto, pode gerar desconforto e ameaças que o acúmulo de ‘objetos mortos’ podem causar à natureza e consequentemente à sociedade.

Há duas questões que se abrem nessa reflexão: uma é a necessidade humana de criar um espaço de representação de si, uma superfície visível onde sua condição trágica é eufemizada; outra, é a questão da morte enquanto processo. A interferência nos ciclos vitais e do tempo, gera por conseguinte, um outro estado à

(22)

condição humana: um estado de constância vital no interior do artifício. No que diz respeito ao design, a morte do objeto alimenta a necessidade de sua recolocação no mercado, satisfazendo com isso a constância da produção industrial. É nessa medida que a lógica comercial que define o tempo de vida de um objeto está relacionada com a criação de um estado de necessidade que permanece e que é controlado, podendo aumentar, projetando o aumento do consumo.

Pensar o design de moda exige o desafio de pensar o que há por trás de nossos modelos de representação, pensar como eles foram construídos historicamente e o quanto eles respondem ou não às exigências das intensidades cambiantes da cultura, das estruturas socioeconômicas e da tecnologia.

O design, na medida em que ele também é da ordem do simbólico, daquilo que produz diferenciação no coletivo pelo seu valor simbólico agregado, é um espaço de representação, e, por isso mesmo, carregado de irrealidades e fantasia. É exatamente por essa sua dimensão simbólica, enfim, por poder jogar com os significados entre a expressão e o conteúdo dos objetos criados ou recriados, que a dimensão do imaginário tem um peso tão significativo, extrapolando, por isso mesmo, os limites da funcionalidade.

Um conceito interessante a ser aproximado do universo dos designers é o conceito de Corpo sem Órgãos, de Gilles Deleuze. Esse conceito considera o estado das intensidades do corpo e os meios por onde essas intensidades atravessam. Um dos meios a ser considerado é seguramente o universo do design, onde os objetos podem servir de plataforma a essas intensidades.

Entretanto, um Corpo sem Órgãos carrega conceitualmente a noção de um corpo puramente intensivo, que não está preso, limitado ou fixo em nenhum objeto particular. A idéia do objeto que produz a fuga intensiva, no nível do imaginário e das sensações é rica pelas possibilidades sugestivas para o designer do ponto de vista da criação.

Nietzsche, na Origem da tragédia, ao dizer que “o sonho há de ser para nós ‘aparência da aparência’, e, nesta qualidade, a satisfação ainda mais perfeita do desejo primordial de aparência”, está afirmando que há um desejo primordial de aparência e que uma espécie de alegria surge quando nos entregamos ao ingênuo jogo das aparências.

A verdade carrega em si a dureza dos limites, por isso, a não verdade da aparência por sua superficialidade se torna mais atraente e de fácil consumo. A

(23)

aparência carrega em si o não-ser do corpo, por isso mesmo, por sua baixa densidade ela se volatiliza ao sabor das modas. A aparência se superpõe em camadas e essas múltiplas camadas no seu conjunto constituem um texto rico em significação.

Esse desejo do não-ser, tão discutido pela filosofia e pela psicanálise, encontra na superfície cambiante dos objetos, no design, não uma barreira mas um meio de expressão. Ora, há um não-ser que se expressa não como desejo de morte, mas como desejo de Corpo sem Órgãos, como pura intensidade expressiva.

É, no horizonte das aceleraçöes midiádicas, na margem do que escapa do controle, do que escapa da vigilância dos meios hegemônicos, que algo de um novo possível pode acontecer. É no devir desse processo que a resistência pode ser estrategicamente construída.

Afim de avançar nessa perspectiva de questionamento sobre o design, passamos agora a analisar o Ser do design sob o foco das problemáticas socioeconômicas, as problemáticas decorrentes da modernidade tardia.

(24)

2.3 POR UMA GENEALOGIA DO DESIGN

Um dos macro fenômenos deste final de milênio que tem levado a humanidade a questionar-se profundamente sobre a ética na pós-modernidade é o amplo processo de exclusão social e a acelerada degradação do planeta que vem ocorrendo ao mesmo tempo que a globalização e a lógica da cultura neoliberal vem se afirmando por todo o planeta. As resistências a esse sistema, aos poucos vêm cedendo lugar a uma nova ordem. Mas qual a face da modernidade hoje? Quais suas marcas preponderantes? A que condições existenciais a modernidade tem nos levado atualmente?.

O mito da modernidade, com diz Adorno (1985), nos deixa como legado neste novo milênio um amargo gosto, um desencantamento generalizado do mundo. Como se a centelha que iluminava as utopias da socialização, do humanismo, dos direitos do homem tivesse sido roubada por uma águia voraz e levada para uma terra distante, onde predomina a frieza e o individualismo.

Onde estão situadas as forças que fazem frente ao processo de hegemonização da cultura de massa? Não seriam exatamente os processos de produção de diferença, de singularidade e arte, como por exemplo, no caso das drags, das performances no campo das minorias? E não seriam, portanto, as micropolíticas formas de confronto ao processo de hegemonização da cultura de massa, como tratado ao longo dessa dissertação?

A urbanização, a densidade demográfica, a falta de empregos e a concentração do capital, acrescidos do controle e ou manipulação das subjetividades através da mídia, são alguns dos traços da modernidade hoje. Isso nos leva a uma série de problemas sociais e econômicos. As instâncias legitimadas de poder (Justiça, Legislativo e Executivo), sofrem de um descrédito que resulta de um longo desgaste pela corrupção. No bojo dessas problemáticas está o sucateamento da educação, um dos pontos mais graves e perversos do processo. Sem acesso à educação como constituir uma massa crítica? Como fazer frente às forças de manipulação que se favorecem com a mediocridade criada pela cultura de massa?

Na dinâmica do sistema está a produção de uma falta permanente: de alimento, de consciência, de trabalho, de saúde, de segurança. Também faz parte

(25)

do sistema a produção de uma frequência necessária, a sintonia que sustenta o próprio mecanismo que leva à falta. O controle dessa falta ou carência, é projetada na sociedade gerando os diferentes estratos econômicos. Na verdade, esse processo todo trata-se de um processo de luta de forças. Podemos afirmar que se o mundo é assim nesse momento é porque há por trás dessa aparência uma construção, um mecanismo de sustentação que tem direção e recursos tecnológicos de manutenção desse formato – há um projeto que nos conduz a esse tipo de modernidade.

De todo modo, o que jamais podemos perder de vista é que esse não é um processo natural, muito pelo contrário, ele é absolutamente artificial e produzido, porém, sem um controle absoluto. Esse processo hoje se constitui como um quadro de crise. A modernidade não atendeu as expectativas humanas de conforto e democracia. A indústria e o modelo que dela decorre estão no cerne desse contexto de crise que atinge o planeta e a sociedade como um todo. É nesse contexto que alguns designers se posicionam frente ao processo de degradação iminente do planeta. Esse é o caso de Alexander Mcqueen, já referido anteriormente.

Na seção seguinte apresentaremos uma reflexão sobre esse designer diante de suas performances no campo da moda, produzindo significados críticos em relação a sociedade de consumo e do devir no campo ecológico.

(26)

2.4 O CONCEITO DE DEVIR NA OBRA DE ALEXANDER MCQUEEN

Nesta seção, dando continuidade ao propósito de gerar insumos à uma filosofia para o design de moda, propõe-se uma reflexão sobre a produção de sentido na moda produzida por Alexander McQueen. Para tal, questiona-se a moda enquanto artificio de produção de conceitos, enquanto dispositivo e meio de se gerar novas experiências sensíveis. Interessa-nos investigar a moda que segue a tradição filosófica de colocar questões, ou seja, a moda que faz filosofia, instigando a reflexão e deslocando a percepção comum.

O objeto de moda em questão encontra-se nos limites da arte, inaugurando possibilidades inusitadas de sentidos. Assim, para dar conta do conjunto de questionamentos que pretendemos engendrar, partimos de um olhar crítico sobre algumas peças do estilista inglês Alexander McQueen (1969-2010).

Gilles Deleuze no seu livro Lógica da sensação (2007), faz uma investigação sobre o processo imanente na construção da imagem na obra de Francis Bacon, levantando questões sobre os princípios estéticos que regulam o processo de formação das imagens desse artista e sua possível relação com os fluxos do desejo. Chega a conclusão de que Francis Bacon rompe com a narrativa inaugurando um espaço de isolamento da figura, o que, por analogia, nos remeteria à questionamentos sobre a condição humana, sua finitude e aos mecanismos que lhe tolhem a liberdade, que controlam sua libido.

Como referido anteriormente, considera-se que há entre McQueen e Bacon similaridades quanto a produção estética de suas obras ou seja, quanto ao modo de operação do desejo no processo imanente que leva à construção de um imaginário que sustenta um repertório em termos de linguagem e expressão, como é o caso dos artefatos de moda e das obras de arte.

Entretanto, se por um lado Bacon fez obras de arte, especialmente pinturas, cujo princípio imanente foi a violência, McQueen fez artefatos para moda, buscando um diálogo entre a linguagem dos estilos desse campo e a estética futurista inscrita em um mundo imaginário cuja ordem transcende os limites da fantasia permitindo-nos associar suas imagens a estudos científicos e filosóficos sobre a mutação e a perspectiva hibrida da humanidade.

No horizonte da filosofia da imanência, o desejo é a matéria chave para compreendermos este paradigma estético que aproxima McQueen de Bacon. O

(27)

desejo na perspectiva deleuziana, ao contrário da compreensão psicanalítica, não é falta, mas sim, potência. A própria noção de potência, encontra em Espinoza, um dos seus grandes pensadores, mais genericamente, o elã vital ou a substância que corresponderia a energia dos corpos vivos em oposição ao mundo inerte. Os corpos vivos se reproduzem, e para tal, desenvolvem estratégias e táticas de sobrevivência, assim como, mecanismos de conservação e expansão de seu gene.

Assim, junto com a problemática da imanência dos corpos, sua potência e intensidade do desejo, encontra-se àquela que diz respeito a replicação do gene, o devir no tempo e no espaço, ou seja, a capacidade de reprodução e conservação das espécies. Segundo Espinoza,

“a necessidade é portanto uma exigência determinada, quantitativamente e qualitativamente, de igualdade, de equilíbrio e de identidade nas trocas. Se essas condições, que são exigidas pelo direito natural da coisa, não são satisfeitas, o corpo se coloca em perigo; ele tende então a faltar em si mesmo. Mas não é enquanto falta que o corpo procura aquilo que lhe é útil. É, ao contrário, enquanto ele afirma positivamente sua própria natureza ou sua própria virtude, portanto, enquanto ele age segundo suas próprias leis, aquelas de sua natureza comunicacional.” (ESPINOSA, 2002, p. 27)

Nessa esteira reflexiva, indo mais fundo na busca do substrato da obra de McQueen, ainda referimos Espinosa que percebe no horizonte das relações passionais, estruturas que podem ser associadas a tristeza ou a alegria. Facilmente podemos construir um quadro de valores éticos com relação a preservação da vida, tendo como base essa dicotomia elementar entre o que produz tristeza ou alegria nos corpos.

Esta lógica remete-nos ao universo das afecções dos corpos, sejam eles físicos ou imateriais. Para o filósofo, a paixão triste tira a potência do corpo; já a paixão alegre, coloca-o num movimento de realização de sua potência.

Selecionamos um conjunto de artefatos, entre vestuário, sapatos, maquiagem, que compõem o cenário mítico e fantástico proposto por McQueen, durante o desfile Plato’s Atlantis (Primavera/Verão 2010-Paris). Se para Deleuze “a filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos” (1993, p. 10), consideramos que não seria tão diferente para McQueen do ponto de vista da moda.

(28)

A moda de McQueen expande as sensações e leva-nos às fronteiras entre o real e o surreal, descortinando não apenas imagens, mas estratégias discursivas com às quais revela-nos seu universo pictórico através da moda. Sobre o que mesmo está tratando McQueen? Qual é a matéria de sua moda? O que a sustentabilidade tem a ver com o discurso desse designer? As temáticas que cruzam o discurso de McQueen são: a imanência ; o trágico ; o hibrido e sustentabilidade.

Imanência

O designer de moda Alexander McQueen instaurou com seu discurso de moda um significante inusitado no campo: o devir-animal do homem. O desfile Plato’s Atlantis criou metáforas visuais para representar a intensidade animal no corpo do homem, sob os padrões da moda. No conjunto dessas metáforas aparece a condição trágica do humano, sua finitude como significante e o nascimento de um ser híbrido com a anatomia dos seres do mar.

A partir de Deleuze (1995), considera-se que as linhas e velocidades no discurso de McQueen, apresentam-se através das formas rizomáticas e arborescentes, que, assim como ocorre em Bacon, remetem à violência do existir, afirmação de uma presença aprisionada em uma lógica de consumo permanente. Para o filósofo Deleuze,

“há linhas de articulação ou segmentaridade, estratos, territorialidades, mas também linhas de fuga, envolvimentos de desterritorialização. As velocidades comparadas de escoamento, conforme estas linhas, acarretam fenômenos de retardamento relativo, de viscosidade ou, ao contrário, de precipitações e de ruptura. Tudo isso, as linhas e as velocidades mensuráveis, constituem um agenciamento.” (DELEUZE, 1995, p. 12).

Da obra de McQueen, assim como na de Bacon, identificamos formas e padrões que remetem a uma estética associada à violência. Formas de violência pela estética que suscita a morte.

(29)

Figura 2: Bacon en 1952, retratado por el fotógrafo John Deakin

Fonte:http://www.visualnews.com/2014/04/08/francis-bacon-man-behind-worlds-expensive-work-art/ Acessado, 15/02/2020.

Figura 3: Alexander MacQueen com máscara.

Fonte:http://megcz.blogspot.com.br/2013/02/tribute-to-lee-alexander-mcqueen.html Acessado, 15/02/2020.

O trágico

A fuga do humano transparece na obra de ambos os artistas, multiplicidade de intensidades, expressões de uma existência em devir. Para Deleuze “linhas de fuga ou de desterritorialização, devir-lobo, devir-inumano, intensidades desterritorializadas – é isto a multiplicidade” (Deleuze, 1995, p. 46). O agenciamento de McQueen através do discurso da moda, postula um sentido: Cuidado! Observem para onde estamos indo! Há beleza, mas também há morte...

Assim, percebe-se um gradual, porém acelerado movimento na direção de uma cultura pós-humana. Entende-se que o mundo globalizado com o aporte das tecnologias de última geração, apresenta-se como um imenso território rizomático, onde os mercados são tão múltiplos quanto as culturas. Se estamos aqui questionando as fronteiras do humano é porque na verdade, estamos questionando as fronteiras do próprio corpo.

Assim, a obra de McQueen, questiona os limites do próprio corpo. Um sentido novo passa a desenhar o ser no horizonte do mundo pós-humano. McQueen com sua obra, questiona sobre as possíveis transformações das formas do corpo, e em seu devir, exige da imaginação do estilista estratégias de adaptação de seus

(30)

artefatos, ou seja, novas linguagens para a moda, buscando contemplar as possíveis linhas de fuga das massas musculares emergentes.

O hibrido

A história da arte nos fornece ícones com formas hibridas e seres que nos fazem questionar os padrões e limites entre a loucura e a normalidade. “Bacon foi um desses acrobatas de labirintos. Buscava a excitação golpeando o medo, invadindo as sombras, dilacerando a carne, desfiando os nervos.”(PARODE, 2012, p. 189).

O hibrido e o louco aparecem como figuras míticas que assombram a ordem. Deleuze diz que “desfazer o organismo nunca foi se matar, mas abrir o corpo a conexões que supõem todo um agenciamento, de circuitos, de conjunções, de limiares, passagens e distribuições de intensidade, territórios desterritorializações, medidas à maneira de um topógrafo” (DELEUZE, 1996, p. 21).

Assim, as figuras que remetem aos confrontos entre os padrões estabelecidos pela cultura e sociedade, e às emergências de um corpo em devir, levam-nos a questionar os valores subjacentes aos modelos idealizados e investidos de um poder de representação como ícones da beleza, da ordem e do bom.

Do ponto de vista da representação visual, temos a oposição entre estéticas que exploram a dinâmica visual do movimento, como por exemplo as estéticas do barroco, e àquelas que buscam a forma idealizada de um padrão estável, imóvel, transmitindo a sensação de eternidade, tal como ocorre nas estéticas do clássico.

Tanto McQueen quanto Bacon, ao expressarem em suas obras o movimento de um corpo, dado pela mutação e pelo rasgo de um limite sobre outro, liberam intensidades e agenciam uma produção de sentido que rompe com a arquitetura do poder da bela forma, instaurando pela dinâmica das sensações o princípio ativo da liberdade de expressão e da produção de diferenças.

Entretanto, apesar da diferença de formatos entre desfiles de moda e pinturas, consideramos que um desfile apresenta-se como um formato dentro do qual podemos identificar pictogramas, massas plásticas que para além da física, remetem a um imaginário que pode ser mais associado ao movimento do que ao repouso. No caso de McQueen fica explícita sua preferência pelo movimento, pelo híbrido, pelo jogo entre o grotesco e o sublime da natureza a qual faz referência. O

(31)

louco, no discurso de McQueen aparece como a grande metáfora: a sua crítica da modernidade, do homem contemporâneo já enlouquecido pelo consumo e refém de um destino incerto. O louco é aquele homem que imagina o progresso sem considerar a sustentabilidade do planeta.

Sustentabilidade

Atlântida é um dos mitos mais instigantes trazidos por Platão em seus diálogos filosóficos. Ele descreve uma cidade extraordinária, abundante, com uma organização social e política avançada, e em relação harmoniosa com o natureza. Platão enfatiza o equilíbrio e as condições de sustentabilidade de Atlântida: “a ilha produzia tudo em abundância, e, no que respeita aos animais, alimentava convenientemente os domesticados e os selvagens” (PLATÃO, 2012, p.233).

Este mito é uma das referências utilizadas por McQueen. Em “Plato’s Atlantis” (Atlântida de Platão) McQueen, numa perspectiva de crise ambiental, gera grande impacto na produção do seu último desfile. Ele deixou em evidência a problemática do desenvolvimento sustentável e uma possível solução. Desafiando a natureza inspirado nos processos evolutivos, ele propõe, nas suas peças uma combinação de elementos, que se relacionam intrinsecamente com os de transmutação darwiniana e a emergência de uma resposta aos problemas ecológicos contemporâneos.

A transmutação nos processos de adaptação das espécies é próprio da natureza, nesse sentido, a coleção de McQueen, se encontra repleta de signos, que nos serviram de amostra para dar continuidade a nossa reflexão.

Na segunda parte deste desfile, McQueen apresenta uma simbologia expressa nas suas peças: a perda da condição de espécie humana que domina a natureza, ou seja, a grande exposição de componentes que afetam o meio ambiente, misturado com o nascimento de um ser hibrido. Ele se serve do mito grego das Nereidas, isto é, a utilização de figuras hibridas entre humanos e seres marinhos.

No entanto, segundo o filósofo, a ilha pereceu sob a fúria do mar em menos de uma dia, sem deixar vestígios. Em “Plato’s Atlantis” (Atlântida de Platão) McQueen, questionando a crise ambiental gera grande impacto na produção do seu

(32)

último desfile. Ele colocou em evidência a problemática do desenvolvimento sustentável.

Desafiando os padrões da natureza e inspirado nos processos evolutivos, ele propõe nas suas peças, uma combinação de elementos que se relacionam intrinsecamente com a teoria da transmutação darwiniana, e consegue ilustrar como espetáculo de moda, a emergência de corpos mutantes. Nas palavras de Svendsen: “a moda é também, portanto, uma batalha constante para preencher o significado que está sendo gasto com crescente rapidez. Muitas vezes esses significados são preenchidos mediante refêrencias ao mundo além da moda” (SVENDSEN, 2010 p.80-81).

Figura 4: Nereidas no nascimento de Vênus, La Fuente de las Nereidas de Lola Mora. Fonte:http://www.panoramio.com/photo/11037860 acessado: 15/02/20.

5: Nereidas (sea nymphs) no desfile Plato’s Atlantis de McQueen. Fonte: http://www.shhh.fm/trilhas/19-atlantida/ , acessado: 15/05/20

(33)

Esta coleção de McQueen recupera a problemática ecológica, buscando adaptar seres míticos à realidade, fazendo uso de roupas extravagantes, penteados e maquiagem futuristas, tudo isto para evidenciar a capacidade humana de se adaptar às condições do ambiente. Na figura n°5 as ninfas-do-mar estão prontas para voltar ao oceano.

Figura 6: Armadillo Shoes, utilizados no desfile Plato’s Atlantis

Fonte: http://tweleveth.com/2010/04/28/armadillo-heels-plato-atlantis/, acessado 15/05/20

O apelo à natureza está presente nos sapatos criados por McQueen, mimetizando peles de animais, vegetação e corais. Com estas criações o estilista explorou novas texturas, cores e inovou na forma do sapato feminino, respondendo, talvez, a sua concepção de homem em processo de mutação. Fazem parte do chamado Armadillo Shoes, uma ruptura com os padrões clássicos de sapatos, onde a forma seguiria as linhas do corpo. Neste caso, a forma segue as linhas de um corpo mutante entre o mundo terrestre e o aquático.

(34)

Figura 7: Vestidos de McQueen.

Fonte: http://www.fernandoirigoyen.com/the-blog/lady-gaga-born-this-way-single-cover-a-mcqueen-tribute- acessado, 15/05/20.

No caso da face das modelos o que se evidencia é a mutação extrema que elas estão sofrendo, ou seja, a desconstrução da forma humana. Embora com a mutação realizada, os traços de humanidade ainda estão presentes nas modelos, mas a adaptação ao mundo marinho está em pleno processo. A volta para a Atlântida de Platão se instaura no imaginário de McQueen, e ele o realiza no plano tangível.

O estilista, no seu último desfile, experimenta o uso de novas texturas e formas. No caso das Ninfas-do-mar, seus vestidos, possuem uma forma assimétrica em relação ao corpo feminino, com as cores em tons diversos de azul e recursos gráficos de camuflagem para ficarem imperceptíveis no mar. Além das formas volumosas expressarem o movimento d e água, os vestidos apresentam combinações variadas entre as cores verdes, azuis e terrosas, assim como, linhas que sugerem escamas de peixes e corais.

(35)

Figura 8: Modelos da coleção Plato’s Atlantis

Fonte: http://atramental.wordpress.com/2010/02/16/alexander-mcqueen-passes/ acessado 16/05/14.

Assim, concluímos que a imagem de um ser hibrido é ponto focal da coleção de McQuenn. As combinações realizadas durante todo o desfile nos levam a pensar que o estilista estava considerando o surgimento de uma raça de super-homens, devir da humanidade, capazes de se adaptarem à nova realidade. Este indício faz surgir uma nova incógnita: de que forma a sociedade dará conta da problemática ecológica? Será necessário o surgimento de um novo homem para dar continuidade ao que possa restar da humanidade?

Nesta seção propusemos como discussão, a moda como filosofia, ou uma filosofia para a moda, moda como agente de questionamento, o que no caso do estilista inglês Alexander McQueen, indicou-nos que as questões ambientais e de mutação estavam no seu repertório crítico e reflexivo. Buscamos os significantes de seu discurso, suas referências e tentamos localizar as questões de fundo de sua obra. A sustentabilidade aparece como uma de suas inquietações, assim como, o futuro da humanidade, da espécie enquanto ser distinto, levando-nos a questionar os limites da forma homem.

Com o aporte da filosofia da imanência, da estética e do design, construímos um referencial teórico para tratar as questões suscitadas pela moda de McQueen, identificamos três eixos temáticos ao longo das nossas análises e reflexões: a imanência; o trágico o hibrido, sendo que a sustentabilidade foi tema transversal e aqui serviu-nos como substrato para o questionamento sobre a estética, a cultura e os devires do humano. Identificando paralelos entre a estética do pintor inglês Francis Bacon e McQueen, exploramos o universo de construção do sentido, buscando a lógica subjacente ao fluxo de desejo e aos agenciamentos de ambos

(36)

criadores. Por fim, esta análise nos levou a identificar que a dinâmica de McQueen, na forma de espetáculo e estilo de moda, reservou não apenas uma crítica da modernidade tardia, mas também uma imagem do devir da humanidade.

(37)

3. BLOCO 2: DESIGN DE MODA, ARTE E CULTURA 3.1 PERFORMATIVIDADE E PROCESSO MINORITÁRIO

A fim de compreender a dimensão da obra performativa como processo, agenciamento de cultura e mediação, buscamos na definição de máquina desejante de Deleuze e Guattari (1972), um fundamento para a investidura social e histórica da obra enquanto discurso, dispositivo de ordem estética e simbólica, cujo objetivo é a transformação dos agentes implicados.

Segundo os autores, máquina desejante é uma máquina produtiva, funcionando por sua natureza de forma interativa com outras máquinas, configurando desta forma, um tipo de economia, que no caso do corpo, é de ordem libidinal entre fluxos, cortes, composições e exclusões em relação às outras máquinas, objetos do mundo. Com esse enquadramento teórico, podemos compreender a aproximação entre a performance e a arte, ou seja, o desfile, a exposição no palco, definindo-se no limite, como um texto hibrido, cujas linguagens podem ser identificadas pela articulação entre a moda, o pictórico e o teatral.

Essa correlação entre arte, performance, palco e passarela fica evidente no caso dos desfiles conceituais de Alexander McQueen, tal como no desfile Savage

Beauty (desfile realizado no Metropolitan Museum of Art, Nova York, em 2011). A

passarela, a peformance e a cena construída, no seu conjunto, a partir dos referenciais teóricos aqui trabalhados, são uma máquina desejante, um dispositivo cultural de cujas camadas profundas emergem fluxos de desejo codificados semioticamente. O projeto cenográfico é articulado entre uma dimensão imanente e outra conceitual cuja mediação com o público, se dá pela linguagem, pelo processo comunicacional e semiótico.

Para Artaud, o teatro da crueldade é “um teatro de sangue, um teatro que a cada representação terá feito ganhar corporalmente alguma coisa, tanto àquele que atua, quanto àquele que vem assistir ao espetáculo, aliás, não se atua, se age. O teatro é em realidade a gênese da criação.” (ARTAUD, 1948, apud FAU, 2006, p. 96). Notoriamente, há proximidade entre as produções pictóricas de Bacon e cenográficas de McQueen, no espaço da passarela, com a estética do teatro da crueldade de Artaud.

(38)

Seria portanto, de acordo com uma dada economia libidinal, que o agente-criador da obra, externaria sua subjetividade, seu desejo, uma potência que se materializa, ganha forma e se transforma constantemente. Trata-se, a partir de Deleuze e Guattari (1980), de um processo onde o próprio desejo se desterritorializa e se reterritorializa, construindo linhas de fuga e afirmando-se no devir: um corpo sem órgãos em permanente composição com o contexto e com as instâncias propulsoras ou repressoras do desejo. Um estado de potência, que afirma-se no devir, de acordo com a perspectiva de Espinosa. (ESPINOSA, 2002).

Assim, compreendemos que anti-édipo e corpo sem órgãos, ambos os conceitos nos aproximam de um entendimento da moda, da arte e da performance enquanto objetos de cultura. Trata-se de objetos físicos e ou conceitual, mas cuja natureza comunicacional é potencialmente simbólica, e que age a partir de determinados enquadramentos, seja como reação, como transgressão, expressão de poder, afirmação vital diante de um limite instituído. Já o conceito de corpo sem órgãos, remete-nos ao campo intersubjetivo entre autor e obra, incluindo o espaço uno entre corpos, seja por composição ou aniquilamento, alegria ou tristeza (Espinosa, 2002).

Esta relação entre sujeito-objeto, nos permite perceber a dimensão imanente que faz da obra uma extensão do corpo, dos órgãos expandidos do criador, em movimento e fluxo, ausência de limite, portanto, em constante fuga, desterritorialização na medida em que o sentido vai se transformando como num conceito aberto, vivo e portanto, em devir. Para Deleuze e Guattari, “ o CsO é o campo de imanência do desejo, o plano de consistência própria do desejo (aí onde o desejo se define como processo de produção, sem referência a nenhuma outra instância exterior, falta que viria perfurá-lo, prazer que viria preenchê-lo.” (DELEUZE e GUATTARI, 1996, p. 15).

Nesse sentido, a matéria significante do texto proposto pelo artista-designer, atua num horizonte discursivo, onde os atores disputam não apenas os espaços formais de difusão e legitimação discursiva, mas também a atenção em relação ao conteúdo. Tratar portanto das diferenças, dos aspectos implicados na configuração do padrão hegemônico, do poder de afirmação pela diferença, é objetivamente um dos aspectos da temática dos dois artistas selecionados para esta reflexão sobre processo minoritário.

(39)

Tanto Bacon quanto McQueen, apresentam obras que dialogam pelo substrato da temática da diferença, da singularidade, mas também da desconstrução do padrão de beleza particularmente notório no campo da moda. É dessa forma que ambos articulam valores estéticos mais próximos do sublime e da catarse, onde a violência cumpre papel afirmativo no agenciamento de novos padrões de visibilidade e inclusão. Aparece aqui a problemática em torno do campo das minorias.

A ruptura com os padrões de beleza, a aproximação com o grotesco, com o disforme com o hibrido, fazem desses autores, agentes de um questionamento mais amplo acerca dos estereótipos e dos processos de inclusão. O que é o normal e o anormal dentro de um projeto político-econômico que faz da estética uma máquina de guerra. Meninos vestem azul, meninas vestem rosa, por exemplo. O vestido branco de Marcela Temer: bela, recatada e do lar.

O normativo foi problemática sensível tanto à Bacon quanto a McQueen, ambos sujeitos e atores de uma cultura queer em fase de reconhecimento civil, de normatividade. Para Foucault,

“o limite e a transgressão se devem um e outro a densidade de seu ser: inexistência de um limite que não poderia absolutamente ser ultrapassado; vaidade em retorno de uma transgressão que não ultrapassaria mais do que o limite de ilusão ou de sombra.” (FOUCAULT, 1994, p. 264-265).

Seria, talvez, na perspectiva de uma transformação pela significação, criação de um corpo sem órgãos para si, que cada autor desenvolveria seu dispositivo utilizando-se dos recursos de linguagem e materiais para a execução da obra, seja ela arte, performance, moda. E é nesse espaço movente de produção do sentido que se desdobram os agenciamentos e as disputas pelos meios de produção capazes de mobilizar a sensibilidade e a percepção, possibilitando novas subjetividades. E é nessa esfera de disputa pelos meios de produção do discurso, que se incluem as mídias, sejam elas do campo da arte, performance quanto do campo da moda.

(40)

Discussão sobre as Imagens

O conjunto de imagens expostas abaixo tem como propósito ilustrar e nos ajudar na reflexão sobre a relação moda e o conceito de performance como transgressão. Como dizem Deleuze e Guattari, a propósito dos artistas, “eles sabem que o desejo abraça a vida com uma potência produtora e a reproduz de uma maneira tanto mais intensa quanto menos necessidade ele tem”. (DELEUZE e GUATTARI, 2010, p.44). É nesse sentido que a obra do artista, pode agenciar rupturas, desvios ou brechas construindo novas subjetividades.

A macro estrutura social, através de suas instituições e forças políticas, tende a articular os sistemas e as dinâmicas de acordo com suas necessidades produtivas, e as obras, sejam elas de arte, performance ou moda ou a pura expressão pela diferença das forças minoritárias, no horizonte de sua afirmação e resistência, pode operar novos planos de consistência, expandindo molecularmente as intensidades e máquinas desejantes. Para Deleuze e Guattari, “há tão somente o desejo e o social, e nada mais. Mesmo as mais repressivas e mortíferas formas da reprodução social são produzidas pelo desejo”. (Idem, p. 46)

Alexander McQueen, em inúmeras ocasiões ao longo de sua carreira como designer de moda, evocou sua inconformidade frente aos padrões estabelecidos do gosto e da estética do consumo. Através de sua obra, reforçou e deslocou o papel da moda, para talvez, mais perto da arte do que do consumo, abrindo assim, uma brecha para identificarmos na sua produção a ruptura, a transgressão e a liberação de fluxos semióticos, associadas aqui ao anti-édipo, tal com proposto por Deleuze e Guattari (1972).

Com seu discurso crítico, McQueen supera os limites da moda como sistema comercial, investe na sua dimensão simbólica e cultural, assim como, na perspectiva de moda como experiência, acontecimento. Os eventos de apresentação de suas coleções, foram espetáculos onde os limites do lúdico e da tragédia se confundem com mensagens criptografadas.

No campo das artes, encontramos Francis Bacon como um artista que também utilizou sua máquina desejante para construir cenas e imagens que exploravam os domínios da tragédia, da dimensão dionisíaca. Como percebeu

(41)

Nietzsche na Origem da tragédia, o artista dionisíaco é aquele que enfrenta as forças primordiais e entre elas, a da morte e da dissolução.

Tanto McQueen quanto Bacon, podem ser considerados artistas dionisíacos, artistas que nos instigam a sensação do vazio existencial, da ilusão das representações e do não-ser no absoluto. Uma metafísica se instaura com a percepção da tragédia nas obras desses artistas: a finitude do corpo, de sua condição existencial.

O informe e o grotesco são marcas presentes em ambos os artistas. A ruptura com os padrões idealizados de beleza, equilíbrio e justaposição de figuras, distanciam esses artistas do estilo clássico. Se algum estilo aqui tivesse que ser imputado a eles, seria algo mais próximo do barroco, um barroco contemporâneo, onde muitas formas, uma massa indissolúvel se metamorfoseia diante do público. “O traço do barroco é a dobra que vai ao infinito”. (DELEUZE, 1991 p.13). O que na aparência foge aos padrões hegemônicos da beleza, aqui nos revela a força da presença, de um corpo em sua existência própria, materialidade e vida em uma aliança infinita.

Nas figuras abaixo temos dois recortes de cenas expressas nas obras dos referidos artistas. Na figura 2, um corpo em sua malemolência, estendido em um recamier, repousa sua massa, sem mostrar, contudo, o rosto. Uma máscara que não permite que ele seja alguém identificável, mas podendo ser então o espaço de uma corporeidade aberta, que pode ser todos e ninguém ao mesmo tempo. Tecidos soltos que não cumprem seu papel de cobrir o corpo nu, exposto aos insetos, borboletas, suposta relação com a liberdade e a leveza, contraponto, com o corpo pesado e mole, sem rosto e refletido em cada um de nós. Uma questão é arrancada desse universo onírico: quanto pesa nossa existência? Como quebrar os limites da representação? Como nos libertarmos da imagem-modelo?

Bacon por sua vez, na figura 3, trouxe-nos a imagem de um corpo aparentemente humano, porém, com padrões de anormalidade motora, pois este corpo exposto de forma simiesca, andando com as mãos tocando o solo, e com uma de suas pernas visivelmente deformada. Sem dúvida, uma imagem que desloca o padrão hegemônico de beleza, gerando estranhamento intersubjetivo com a obra. Tão próximo de uma aberração, este corpo resta humano, resiste expondo uma natureza em sua força e resistência para além do convencional.

Referências

Documentos relacionados

Com o intuito de registrar tais alterações, anúncios de revistas premiados pelo 20º Anuário do Clube de Criação de São Paulo são apresentados de forma categórica como

(grifos nossos). b) Em observância ao princípio da impessoalidade, a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, vez que é

nesta nossa modesta obra O sonho e os sonhos analisa- mos o sono e sua importância para o corpo e sobretudo para a alma que, nas horas de repouso da matéria, liberta-se parcialmente

A placa EXPRECIUM-II possui duas entradas de linhas telefônicas, uma entrada para uma bateria externa de 12 Volt DC e uma saída paralela para uma impressora escrava da placa, para

E ele funciona como um elo entre o time e os torcedores, com calçada da fama, uma série de brincadeiras para crianças e até área para pegar autógrafos dos jogadores.. O local

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam

Estaca de concreto moldada in loco, executada mediante a introdução no terreno, por rotação, de um trado helicoidal contínuo. A injeção de concreto é feita pela haste

A coordenação do projeto terá o prazo de 60 dias para enviar a prestação de contas a DITEFA instruída e autuada como processo, contados a partir do envio daquela