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A influência de Oswald de Andrade na poesia concreta/contemporânea de Augusto de Campos

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Revista Entrelaces

• V. 9 • Nº 21 • Ago.- Out. (2020) • ISSN 2596-2817 Página | 155

A influência de Oswald de

Andrade na poesia

concreta/contemporânea de

Augusto de Campos

Andressa da Costa Farias59 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Letícia Laurindo de Bonfim60

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Resumo

Este artigo faz uma abordagem comparativa do projeto estético-literário de Oswald de Andrade e da influência deste sobre o movimento concretista, sobretudo, na poesia de Augusto de Campos. O modernista idealiza, nos anos 20 do século passado, uma poesia brasileira e de vanguarda, simultaneamente nacionalista e regressiva, cosmopolita e modernizante. Sua formulação estética opõe-se ao tradicionalismo literário do século XIX que pairava ainda sobre o século XX, sendo, portanto, um projeto de renovação estética de uma poesia “genuinamente” nacional e do seu tempo. A partir dos anos 1950/60, o surgimento da Poesia Concreta vai ao encontro do que foi construído na década de 1920 por Oswald de Andrade. Emerge uma postura construtiva para a poesia, fazendo-a igualmente de vanguarda e inaugurando novas textualidades para o poético. Sobretudo, o autor Augusto de Campos incorpora na maior parte de suas publicações novas plataformas, incluindo as mídias,

59 Graduação em Letras Português e Literatura Brasileira (UFSM), mestrado em Estudos da Tradução (UFSC) e doutoranda em Literatura (UFSC).

60 Doutoranda em Literatura pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina. Mestra em Literatura Brasileira pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina. Atua na linha de pesquisa Tempo, Arquivo e Imagem. Tem interesse em Literatura, Música Popular Brasileira em Estudos Culturais e Estudos Pós-Coloniais.

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Página | 156 a projeção em laser, tecnologias, videoclipes, som, imagem etc., em um exercício de

atualização e renovação da poesia. Palavras-chave

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Página | 157 No início dos anos de 1950, o espírito modernista é retomado em vários eventos.

Na Poesia Concreta, com o grupo Noigandres, a tradição poética de Oswald de Andrade é reelaborada, retirando o poeta do esquecimento. O cinema novo, especialmente Joaquim Pedro de Andrade, faz releituras de temas modernistas. Na música, o movimento tropicalista também adere às reflexões e temas surgidos na Semana de 22. Na dramaturgia, a retomada se dá com a encenação de O rei da vela, escrita em 1933, publicada em 1937 e somente encenada em 1967, por José Celso Martinez Corrêa (SCHWARTZ, 2008).

Não por acaso as ideias de Oswald de Andrade chegam às décadas seguintes, influenciando o pensamento e a produção estética de outros intelectuais e artistas brasileiros. Como diz Schwartz (2008), as questões propostas por Oswald são da maior relevância para a cultura brasileira, pois tratam de aspectos ainda não resolvidos e retornam reelaboradas de tempos em tempos. No âmbito da literatura, têm início com a independência política do país e ressurgem ainda nos anos de 1950, sob a influência de debates promovidos pelo Modernismo e pela Antropofagia, especialmente.

O Modernismo se consolida historicamente com o advento da Semana de 22. No entanto, a reflexão estética, no campo da literatura, vai se desenvolvendo quase posteriormente. Em 1922, Mário de Andrade publica Pauliceia desvairada, em seguida surgem o “Manifesto da Poesia Pau-Brasil” (1924), “A escrava que não é Isaura” (1925),

Memórias sentimentais de João Miramar (1924), Serafim Ponte Grande (1933) e Macunaíma (1928). Aparecem também inúmeras revistas de vanguarda de norte a sul do

país: Klaxon, Festa, Estética, Revista de Antropofagia, Arco e Flexa, Verde, entre outras (SCHWARTZ, 2008).

Assim como acontece na Europa, o Modernismo no Brasil realiza transformações formais na poesia, tais como o verso livre, herdado de Whitman, e a irregularidade métrica ou a libertação da sintaxe, presentes na Parole in libertà de Marinetti. O repúdio ao passado e o culto ao novo estão presentes nas imagens da modernidade representadas pela máquina, pelos arranha-céus. Porém, no contexto brasileiro, o movimento idealiza uma identidade cultural genuína, recorrendo, para tanto, aos aspectos locais, à valorização do “erro” gramatical, à caracterização da modernidade periférica paulistana, onde coabitam arranha-céus e a produção de café:

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Aperitivo

Oswald de Andrade A felicidade anda a pé Na praça Antônio Prado São 10 horas azuis

O café vai alto como a manhã de arranha-céus Cigarros Tietê

Automóveis A cidade sem mitos (ANDRADE, 2017, p. 80).

O entusiasmo com o moderno não se esconde. Conforme Schwartz (2008), poucos são os poetas que não se deixaram seduzir pela utopia da novidade, o que significou, especialmente no caso de Oswald de Andrade, a figura do índio tecnizado, a passagem da Natureza para a Cultura mediada pelas tecnologias modernas. Portanto, para além de um projeto estético de renovação da literatura, colocando-a em conformidade com a modernidade brasileira, trata-se também da incorporação da “cultura primitiva” ao progresso e ao desenvolvimento industrial que vivia São Paulo naquele início de século.

É, portanto, um movimento estético, nacionalista, cosmopolita e político, ao mesmo tempo, que envolve uma diversidade de projetos e interesses, compondo certamente mais de um Modernismo. As vanguardas europeias traduzidas para o contexto nacional dão aos modernistas as bases para o rompimento com a estética tradicional e para a construção de outro nacionalismo, nascido em São Paulo, estado enriquecido pela produção de café. No plano social, o país recém havia se tornado república, e as classes dirigentes se encontravam em disputa.

Em 1922, a política café com leite favorecia as oligarquias paulistas e mineiras, representando um momento de avanço econômico e de poder político para esses grupos. Paralelamente, iniciava-se também, naqueles anos fecundos para o estado de São Paulo, a competição pelo domínio cultural, a partir do movimento concebido por intelectuais oriundos de famílias tradicionais e patrocinado pelo mecenas, escritor e cafeicultor Paulo Prado.

À parte a sua preocupação política, Oswald de Andrade dedica-se às inovações estéticas, simultaneamente consonantes com as correntes vanguardistas europeias e com o caráter de autenticidade nacional. O “Manifesto da Poesia Pau-Brasil” define os limites da poesia modernista, que passa por uma renovação em sua forma e pela incorporação da

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Página | 159 brasilidade por meio de uma língua sem arcaísmos, natural e neológica, voltada para os fatos

estéticos nacionais (ANDRADE, 2011).

No “Manifesto da Poesia Pau-Brasil”, Oswald pensa um projeto estético e de emancipação cultural brasileira que, nas palavras de Benedito Nunes (1970), concilia a cultura nativa e a cultura intelectual renovada, num composto híbrido que confirma a miscigenação étnica do povo brasileiro. Assim, ajusta-se “o melhor de nossa tradição lírica” com o “melhor de nossa demonstração moderna”. Com essa fórmula híbrida, o caráter universal da cultura não dependeria mais de um centro privilegiado de irradiação das ideias e experiências (NUNES, 1970, p. 23).

A elaboração de uma poesia de exportação demonstra o interesse de Oswald pelo consumo cultural das elites nacionais. A dessimetria de poder entre o consumo do local e do Ocidental resultante do processo de expansão colonialista foi tema de discussão entre os intelectuais brasileiros desde o século XIX (SCHWARZ, 1977). E, em diálogo com essa questão, o impulso estético renovador de Oswald tem, portanto, como pano de fundo, a resolução da cópia e da evidente falta de prestígio da produção cultural nacional. Por isso, o autor também busca em seus projetos equiparar valorativamente a cultura nacional à cultura europeia.

Pensando ainda nessa questão, em 1928, o “Manifesto antropófago” (ANDRADE, 1976), publicado no primeiro número da Revista de Antropofagia, direciona para novos rumos a discussão sobre a cultura nacional híbrida. Oswald de Andrade toma de empréstimo o ritual antropofágico dos indígenas da costa brasileira, ressignificando-o nesse novo contexto. A antropofagia tem sido interpretada metaforicamente como a devoração cultural da alteridade, não se fechando, portanto, para os limites do território nacional. Interessava à antropofagia a deglutição do valor forte do seu outro. Por isso, a modernidade, a filosofia, a psicanálise e, simultaneamente, a mentalidade “pré-lógica”, fazem parte do banquete antropofágico.

Com a valorização do primitivismo pelas vanguardas, o indígena tornou-se figura central do processo de hibridação cultural brasileira. A “fórmula” idealizada por Oswald de Andrade previa uma cultura simultaneamente moderna e primitiva, nacionalista e cosmopolita, num balanço ideal que favorecia a originalidade nacional na produção literária. “Híbrida e genuína” eram as características da cultura nacional formulada por Oswald de

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Página | 160 Andrade. Essa reelaboração de uma velha questão da intelectualidade nacional, sem dúvida,

movimenta o cenário cultural brasileiro.

A poesia de Oswald situa-se a partir do Brasil de 22, no qual ainda operava o “mito do bem dizer” (Mário da Silva Brito) e o “patriotismo ornamental” (Antônio Cândido). Logo, segundo Haroldo de Campos (2006), a poesia “Pau-Brasil” de Andrade representa uma guinada de 180 graus nesse status quo, representando um homem brasileiro novo que se encontrava falando uma língua com a “contribuição milionária de todos os erros” num país que iniciava, precisamente em São Paulo, o processo de industrialização. A capital paulista ansiava pelo progresso em todos os sentidos, e não poderia ser diferente no campo da linguagem e da poesia.

Haroldo de Campos (2006) concebe a poesia oswaldiana dentro do Modernismo como uma poesia radical. E explica essa radicalidade na medida em que tal poesia afeta a raiz da linguagem, produto social situado num tempo específico. As transformações sociais por que passava o Brasil, como a ampliação do mercado interno, urbanização, abolição da escravatura, imigração dos trabalhadores europeus, refletiram diretamente na linguagem. Há uma atualização da linguagem literária na seara modernista com a obra de Oswald de Andrade, sobretudo na poesia.

Um ensaio de Paulo Prado é citado, ainda por Haroldo de Campos (2006), para evidenciar que a Poesia Pau-Brasil foi o primeiro esforço para a libertação do verso brasileiro, para a valorização do falar cotidiano etc., apesar de inicialmente incompreendida pelos próprios colegas de época, como Mário de Andrade, que julga alguns aspectos da poesia de Oswald de Andrade em Pau-Brasil a partir de uma perspectiva parnasiana. Além de Paulo Prado, igualmente João Ribeiro percebe o pioneirismo e a radicalidade da poética oswaldiana como uma marca da poesia nacional. Uma poesia que faz o leitor participar do processo criativo.

Nesses poemas, “os lugares comuns se tornam incomuns”. Há, ainda segundo Campos, uma dessacralização da poesia, uma produção de efeito de choque, tal como aqueles produzidos pelas Vanguardas europeias. Há a emergência de uma nova ordem na poesia, ao mesmo tempo “sentimental, intelectual, irônica, ingênua”. Logo, a poesia de Oswald evoca duas vertentes: a destrutiva, dessacralizante, e a construtiva, que rearticula materiais

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Página | 161 desierarquizados. Desse modo, materializa seu projeto de uma poesia brasileira e de sua

época.

Nesta poesia brasileira evidencia-se a devoração ritual dos valores europeus e a superação da civilização patriarcal e capitalista. Uma literatura eminentemente crítica, autêntica. Configura-se como uma aproximação prática entre a poesia de Oswald de Andrade e a de Augusto de Campos a questão da preocupação plástica e estética nas publicações. Oswald, na década de 20, ao configurar a poesia tipo “exportação”, a Poesia Pau-Brasil, e Augusto de Campos, na década de 50/60, com a configuração da Poesia Concreta.

Nesta época, Augusto de Campos, junto ao irmão Haroldo de Campos e com Décio Pignatari, colabora para a literatura brasileira com a apresentação da Poesia Concreta, que aparece como poesia de vanguarda, com seus muitos manifestos e estreita ligação com o movimento Tropicalista61, presente no país em 1967. O nome do movimento é uma tentativa de recuperar a brasilidade, originário de uma canção de Caetano Veloso, Tropicália, de 1967 – “Alegria, alegria...caminhando contra o vento...” –, canção que provoca uma revolução na linguagem da Música Popular Brasileira (MPB).

Logo, percebem-se muitas aproximações entre a Poesia Concreta dos irmãos Campos e a poesia de Oswald, tais como a renovação da linguagem artística e literária, e o forte investimento no receptor, ou seja, no leitor. Ambas são poesias concisas, com sínteses de conteúdo, críticas, que procuram valorizar um método composicional dando ênfase às artes plásticas, com utilização de imagens, montagens, colagens, fragmentos, escritura telegráfica etc.

O movimento da Poesia Concreta altera o contexto da poesia brasileira, colocando algumas ideias em circulação. Surge o projeto geral de uma nova informação estética e um plano internacional que exporta ideias e formas, fazendo com que houvesse um consumo surpreendente da linguagem atrelada à visualidade. O contexto do urbano e moderno favorece a Poesia Concreta no país na forma de uma publicação inusitada, moderna e diferente de tudo que o Brasil vivera em termos de cultura até então.

61 O Tropicalismo basicamente consistia em uma manifestação artística de contestação de valores sociais em nível global. Buscava respostas aos impasses estéticos e ideológicos da arte brasileira e desenvolveu-se em diversos campos de expressão artística, como as áreas já mencionadas: cinema, música, e especialmente na poesia.

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Página | 162 Mas isso já estava sendo evidenciado e “profetizado” por Oswald de Andrade na

década de 1920, uma vez que em 1928, com o seu “Manifesto Antropófago”, o autor já reclamava um Brasil que decretasse a existência palpável da vida. E se declarava “concretista” no sentido que dava importância para as ideias que “tomam conta, que reagem”, sendo oposto a toda forma de “paralisia”. Logo, é notória a influência do modernista na Poesia Concreta.

Tal como se configura a Poesia Concreta na década de 50/60, a poesia moderna de Oswald já dá grande ênfase às imagens, ressaltando a importância das metonímias no plano sintático e se distanciando das metáforas no plano semântico. Há um lirismo que se faz sinônimo de equilíbrio, síntese, invenção, surpresa, novas perspectivas e escalas.

Do mesmo modo, a Poesia Concreta valoriza com bastante ênfase a atuação das palavras na configuração dos poemas. As palavras atuam, na Poesia Concreta, como objetos autônomos cujos poemas possuem uma estruturação ótica, funcional e sonora irreversível como entidade dinâmica “verbivocovisual”. De acordo com Pignatari (2006b, p. 64), “abolido o verso, a Poesia Concreta enfrenta muitos problemas de espaço e tempo (movimento) que são comuns tanto às artes visuais como à arquitetura, sem esquecer a música mais avançada, eletrônica”.

A Poesia Concreta caracteriza-se por sua extrema expressão gráfica, e faz uso de diversos meios visuais e sonoros para manifestar sua crítica e mensagem. Utiliza-se de uma linguagem sintética e valoriza a palavra solta, com o uso do som, de elementos visuais e da forte carga semântica. Igualmente, Oswald de Andrade, ao compor sua Poesia Pau-Brasil, o fez a partir de decomposição e recomposição, procurando sintetizar os materiais da cultura brasileira a partir de uma realidade variável, mutável, com fragmentos de fatos históricos, folclóricos, étnicos, econômicos, linguísticos, crônicas, surpresas, estranhamentos.

“A plasticidade, a geometrização e o cromatismo de Pau-Brasil são procedimentos verbalizados que iconizam a linguagem-nossa-de-cada-dia” (MONTEIRO, 2014, p. 28). E, com isso, o autor marca uma forte “plasticidade” para a obra, que começa com a macroestrutura do projeto a partir das ilustrações de Tarsila do Amaral, configurando uma nova concepção para o livro62.

62 Primeiro caderno do aluno de poesia de Oswald de Andrade foi publicado em 1927, sob a estética da Poesia Pau-Brasil, e traz ilustrações do próprio autor (ANDRADE, 1974).

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Página | 163 No Primeiro caderno do aluno de poesia de Oswald de Andrade, publicado em

1927, sob os ensinamentos da professora poesia e da escola Pau-Brasil, o autor aproxima o universo infantil da criação poética. Nada mais próprio quando pensamos que a poesia primitivista busca uma linguagem simples, natural, longe das subjetividades românticas e parnasianas, por exemplo. Com ilustrações do próprio autor, os poemas convertem-se em imagem e forma, demonstrando que a plasticidade da obra oswaldiana, iniciada com a experiência de O perfeito cozinheiro das almas deste mundo, perpassa toda a sua obra (Memórias Sentimentais de João Miramar, Marco Zero I – A revolução melancólica), configurando-se como uma de suas principais características.

Fonte: Oswald de Andrade (1974, p. 161).

Essa “plasticidade” na poesia foi evidenciada com força total na configuração do Movimento Concreto, uma vez que a Poesia Concreta valoriza as palavras rearranjadas em estruturas

Figura 1 – Poema do Primeiro caderno do aluno de poesia de Oswald de Andrade,

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Página | 164 gráfico-espaciais, impressas algumas vezes em até seis cores diferentes. Conforme Décio

Pignatari (2006a), o poema concreto é forma e conteúdo de si mesmo. Augusto de Campos, especialmente, tem a “ousadia” de transmutar a poesia para além do papel enquanto suporte de publicação, fazendo parcerias e experimentações que englobam as artes visuais, arquitetura, artes plásticas, mídias etc. E talvez resida aí um diferencial da sua obra que muito deve a Oswald de Andrade, precursor das inovações poéticas já na década de 1920.

Em 1928, Andrade se declara concretista no “Manifesto Antropófago” (ANDRADE, 1976, p. 3), ao clamar por um Brasil que reagisse ao “homem vestido”, decretasse a existência “palpável da vida”. Conforme Monteiro (2014), o livro Pau-brasil apresenta para a literatura uma estética redutora, que ressignifica, através da mobilidade encontrada na estética do fragmento, a narrativa-de-vida do Brasil com seus poemas-minuto, montagens e colagens. A inclusão do enunciador brasileiro e de seu cotidiano na narrativa poética ocorrem por meio de “cenas” brasileiras que misturam humor e dor na voz do país.

Pau-brasil reúne também contrastes, tais como primitivismo e vanguarda; passado e

presente; colonizadores e colonizados; brancos, negros, índios; campo e cidade, etc.

Nesse sentido, convém ressaltar o que observa Resende (2008): o Modernismo brasileiro contribui com a libertação em relação ao padrão do fazer literário europeu, pela valorização da cultura brasileira, além de igualmente romper as fronteiras entre a alta cultura e cultura de massa, incorporando ou absorvendo dos recursos midiáticos na construção do texto, ou, neste caso específico, da poesia. É isso que Augusto de Campos, concreto e contemporâneo, faz a partir da Poesia Concreta e da influência marcante do Modernismo e de autores como Oswald de Andrade.

Percebe-se, especialmente em Augusto, uma constante renovação da sua própria poesia em relação às inovações estéticas contemporâneas. A obra de Augusto de Campos inaugura novas textualidades e experimentações poéticas uma vez que, conforme o próprio autor, a Poesia Concreta assume uma responsabilidade total perante a linguagem ao recusar-se a absorver as palavras de modo indiferente. O poeta concreto identifica na palavra um campo magnético de possibilidades, uma célula viva, um organismo completo, com propriedades psico-fisico-químicas.

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Página | 165 O núcleo poético é posto em evidência não mais pelo encadeamento linear de

versos, mas por um sistema de relações e equilíbrios entre quaisquer partes do poema. Haroldo enfatiza:

Dizemos que a Poesia Concreta visa como nenhuma outra à comunicação. Não nos referimos, porém, à comunicação-signo, mas à comunicação de formas. A presentificação do objeto verbal, direta, sem biombos de subjetivismo encantatórios ou de efeito cordial. Não há cartão de visitas para o poema: há o poema. (CAMPOS, H., 2006, p.79).

No entanto, não pretende inaugurar uma nova linguagem e sim impedir a atrofia da linguagem, dinamizando-a. Se opõe à não funcionalidade e à formulização da linguagem. Se opõe ao discurso que se converte em fórmula, postula Augusto de Campos (2006).

Haroldo de Campos (2006) cita que o julgamento preliminar da Poesia Concreta como aquela que contribuiria para um “empobrecimento da linguagem” passa a ser considerado uma visão ingênua e pejorativa diante de uma reflexão menos rigorosa no calor da polêmica.

O julgamento da Poesia Concreta, entre os críticos, assume que ela possui um caráter analítico-estético de um verdadeiro “princípio de estilo”, verificável como processo e estimável no poema concreto como fator integrativo de êxito dessa realização. A Poesia Concreta situa-se num contexto histórico-cultural, engajada com o passado da experiência artística que descerra o campo vetorial de uma nova sensibilidade, contemporânea e atuante. Este “engajamento com o passado da experiência artística” pode ser retomado a partir do que observa Aguilar (2005), ao citar que Oswald de Andrade na década de 1950 observa que São Paulo retoma o caminho vanguardista iniciado em 1922.

Aquele é o período de surgimento do grupo Noigrandes. O autor modernista reage à negatividade do espaço urbano onde todas as coisas se convertem em mercadorias. E esta reação se dá pelo estranhamento, o humor, o construtivismo aberto das vanguardas históricas na sua poesia. Eis dois exemplos da poesia oswaldiana, “Cidade” e “Metalúrgica”:

Cidade

Oswald de Andrade

Foguetes pipocam o céu quando em quando Há uma moça magra que entrou no cinema Vestida pela última fita

Conversas no jardim onde crescem bancos Sapos

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Página | 166 Olha

A iluminação é de hulha branca Mamães estão chamando A orquestra rabecoa na mata (ANDRADE, 1974, p. 104). ****

Metalúrgica

Oswald de Andrade

1 300° à sombra dos telheiros retos 12 000 cavalos invisíveis pensando 40 000 toneladas de níquel amarelo Para sair do nível das águas esponjosas E uma estrada de ferro nascendo do solo Os fornos entroncados

Dão o gusa e a escória A refinação planta barras E lá embaixo os operários Forjam as primeiras lascas de aço (ANDRADE, 1974, p. 102).

O contexto da explosão dos meios de comunicação, a crise política, a frustração do projeto modernizador e desenvolvimentista aproximam a Poesia Concreta da poesia oswaldiana a partir da visão mais caótica da realidade. Realidade esta que vai contaminar de forma “babélica” os poemas. Os concretistas, especialmente Augusto de Campos, adotam, além de uma postura contemplativa diante do “caos” da cidade e do espaço urbano, tal como faz Oswald de Andrade, uma postura de designer e/ou planejador da poesia frente ao “caos urbano” instalado com a modernidade vigente. Aliás, observa Aguilar (2005) que a dialética entre a ordem e o caos atravessa a poesia de Augusto de Campos.

Assim surgem, por exemplo, como poemas “babélicos”, os “Popcretos”: “Olho por olho” (1964), “O anti-ruído” (1964) e “Psiu” (1965), apresentados a seguir na mesma ordem citada63:

63 Os poemas citados encontram-se no livro de Augusto de Campos Viva Vaia (2007), nas páginas 125, 129 e 133, respectivamente. Mas, também podem ser acessados através de endereço virtual na página do portal UOL que reúne acervo do autor, a partir do seguinte link: <www.uol.com.br/augustodecampos>.

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Fonte: Augusto de Campos (2007, p. 125; 129; 133).

Ressalta-se que Augusto, além de ser um poeta concreto, é também, e sobretudo, um poeta contemporâneo, na medida em que aproveita os recursos vigentes no seu tempo/espaço para “atualizar” sua obra ao leitor. Os “Popcretos”, conforme Aguilar (2005), são poemas que possuem o signo oswaldiano da Antropofagia. Foram realizados “no aleatório do ready-made/ de agosto a novembro de 1964/ por uma vontade concreta” (CAMPOS, A., 2007, p. 123), compostos por grandes painéis e apresentados ao público na Galeria Atrium, em São Paulo, em dezembro de 1964. O título deve-se a Augusto de Campos, que conta com a colaboração do artista plástico Waldemar Cordeiro para a montagem da exposição.

No livro, os “Popcretos” são apresentados a partir de um jogo de palavras, “breve exposição sobre uma explosição de expoemas”, e de um poema:

popcretos

colhidos e escolhidos no aleatório do ready made de agosto da novembro de 1964 por uma vontade concreta (CAMPOS, A., 2007, p. 123).

Depreende-se de tal poema a contextualização do tempo e espaço da publicação e obra poética, bem como a intenção de produção: uma vontade concreta. Após esta apresentação poética, segue-se a descrição de cada poema como se fosse um verbete de dicionário. Vamos apresentar de forma breve o que mais chama a atenção na composição de

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Página | 168 cada um. Do poema “Olho por olho”, enfatizam-se outros sinônimos para a composição,

como “ou a olhos vistos”, e autores para a significação. Oswald é citado em “ver com olhos livres”. Dante também é citado, “questo visible parlare”. Depois de tais autores, segue-se a composição do que forma o poema: “videograma, pop, revistas re-vistas. Stars, políticos, poetas, aves, faróis, etc.

Uma verdadeira “babel” do olho” (CAMPOS, A., 2007, p. 123). Nota-se que Augusto inova nesta poética de todas as formas possíveis: novas textualidades, nova apresentação para a poesia, a conexão com a arte gráfica por meio da colagem, montagem etc. E da mesma forma, faz com os demais poemas: “O Anti-ruído” e “Psiu!”. Para o primeiro, descreve que há uma explosão-implosão nuclear de palavras: “da crônica social à crítica social. das re-finadas palavrinhas grã-finas – nat (natalício), deb (debutante), etc – ao sufocado palavrão popcreto, grã-grosso. A ser preendido ad libitum pelo leitor-visor-autor” (CAMPOS, A., 2007, p. 123).

Para “Psiu!”, não há uma descrição na forma de verbete como para os demais. Depreende-se a forma arredondada e espécies de “colagens” de várias palavras, com um núcleo formado por um lábio vermelho ao centro, junto com um dedo. Performance para o pedido de “silêncio” – “PSIU!”. Algumas palavras que giram ao redor são: vamos falar. de dinheiro. Manhã. Liquidação. Livre. Saber Viver, Saber Ser Preso, Saber ser Solto. Ato. Tudo mais barato. Dura. Bomba. Mensais. América. Sem entrada. Etc. Palavras que remetem ao “barulho”, à circulação, ao movimento de uma cidade, de um panorama urbano.

O trabalho com os poemas está a favor da aglomeração, da sobreposição e da intermediação dos mass media. Aguilar (2005) expõe que o poema “Psiu”, por exemplo, composto em 1966, processa esse novo repertório infinito das palavras dos jornais com a comoção política: o golpe militar de 1964 e as novas condições repressivas que o ato impôs explicam e permitem ler o poema. O caos do texto visual é aparente, a vinculação entre as partes do poema se estabelece a partir do contexto. O concretismo se localiza no limite entre a prática e o arquivo. Os “popcretos” colocam em questão o princípio de homogeneidade, de autonomia e aparência estética.

Logo, conforme Aguilar (2005), os “popcretos” são poemas que combinam imagens e ícones que o poeta extrai do “aleatório” do ready-made, do maior parque gráfico e tipográfico do mundo: os jornais e as revistas. Há a desestabilização do critério de

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Página | 169 homogeneidade. Para o autor, a Poesia Concreta, ao incluir imagens e fotos, faz com que a

desintegração do vocábulo seja suspensa pela inclusão de elementos alheios a ele. Há a produção de um desequilíbrio na prática ou design da linguagem, justificado a partir das contribuições antropofágicas de Oswald de Andrade:

O designer transforma-se, aqui, em “arquiteto”: “o caos antropofágico brasileiro redestruído pela manchetomania de um anarquiteto”. A partir da antropofagia, a poesia concreta inclui seu outro (caos, destruição, anarquia) e, assim, prepara a transformação dos critérios que estavam em suas origens. (AGUILAR, 2005, p. 109).

Oswald de Andrade registra em sua poesia as mudanças sociais por que passava, sobretudo, São Paulo com a vinda dos imigrantes, a urbanização, a valorização do falar “brasileiro”, o crescimento urbano, entre outros fatores. A Poesia Concreta, especialmente a de Augusto de Campos, retoma o foco na cidade, igualmente em São Paulo. Mas, conforme bem observa Aguilar (2005), não só registra a cidade, mas também intervém na cidade. Faz parte da paisagem. É também paisagem. Augusto incorpora na poesia recursos vários que a modernidade disponibilizou, ao inaugurar Bienais, ao projetar sua poesia nos painéis luminosos como “Quasar” (1982), “Código” (1985) entre outras.

Logo, a Poesia Concreta é uma marca cultural do urbano em São Paulo que muito deve à “inovação” da forma poética a partir de Oswald de Andrade no início do século XX. O poeta concretista incorpora o contemporâneo na poesia a partir dos recursos disponíveis, e também as artes plásticas, como nos “Popcretos” exemplificados neste texto. Consolida uma nova linguagem a partir da plasticidade na poesia através da colagem, dos efeitos sonoros, do aproveitamento de diversas plataformas para a publicação: muros, endereço digital, materiais diversos. A modernidade na poesia abre portas para o contemporâneo, para o fim do verso. Para arte na poética, para novas textualidades e possibilidades na poesia.

Referências

AGUILAR, G. Poesia Concreta Brasileira. As vanguardas na Encruzilhada Modernista. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005.

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Revista Entrelaces

• V. 9 • Nº 21 • Ago.- Out. (2020) • ISSN 2596-2817

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THE INFLUENCE OF OSWALD DE ANDRADE ON THE

NEO-CONCRETE POETRY OF AUGUSTO DE CAMPOS

Abstract

This article takes a comparative approach to Oswald de Andrade's aesthetic-literary project and its influence on the concretist movement, especially in Augusto de Campos' poetry. In the 1920s, the modernist idealized Brazilian and avant-garde poetry, simultaneously nationalist and regressive, cosmopolitan and modernizing. Its aesthetic formulation is opposed to the literary traditionalism of the 19th century, which still hovered over the 20th century, being, therefore, a project of aesthetic renewal of a “genuinely” national poetry and of its time. From the 1950s to the 60s, the emergence of Concrete Poetry meets what was built in the 1920s by Oswald de Andrade. A constructive posture emerges for poetry, making it also avant-garde and inaugurating new textualities for the poetic. Above all, the author Augusto de Campos incorporates in most of his publications new platforms, including the media, laser projection, technologies, video clips, sound, image, etc., in an exercise of updating and renewing poetry.

Keywords

Pau-Brazil Poetry. Brazilian Modernism. Neo-Concrete Poetry.

_______________________ Recebido em: 08/02/2020 Aprovado em: 03/06/2020

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