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Formação e estrutura dos particípios passados: implicações no uso do português do Brasil e de Portugal

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

Fernanda Lima Jardim

Formação e estrutura dos particípios passados:

implicações no uso do português do Brasil e de Portugal

FLORIANÓPOLIS 2019

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Fernanda Lima Jardim

Formação e estrutura dos particípios passados:

implicações no uso do português do Brasil e de Portugal

Tese submetida ao Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina, área de concentração Sociolinguística e Dialetologia, para a obtenção do Grau de Doutora em Linguística, sob a orientação da Prof. Dra. Izete Lehmkuhl Coelho e a co-orientação da Prof. Dra. Alina Villalva.

FLORIANÓPOLIS 2019

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Fernanda Lima Jardim

Formação e estrutura dos particípios passados:

implicações no uso do português do Brasil e de Portugal

O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Dr. Afrânio Soares Barbosa Universidade do Rio de Janeiro

Prof. Dr. Felício Wessling Margotti Universidade Federal de Santa Catarina

Prof.(a) Dr(a). Edair Maria Gorski Universidade Federal de Santa Catarina

Prof.(a) Dr(a). Isabel de Oliveira e Silva Monguilhotti Universidade Federal de Santa Catarina

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de doutora em Linguística.

____________________________ Prof. Dr.(a) Atílio Butturi Júnior

Coordenador(a) do Programa

____________________________ Prof. Dr.(a) Izete Lehmkul Coelho

Orientador(a)

Florianópolis, 02 de agosto de 2019. Izete Lehmkuhl

Coelho:43658342900

Assinado de forma digital por Izete Lehmkuhl Coelho:43658342900

Dados: 2019.09.16 21:27:15 -03'00' Assinado de forma digital por Atilio Butturi Junior:03089639971

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Aos meus pais, à Gabriela e à Tamyris. Incansáveis.

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AGRADECIMENTOS

Ao mesmo tempo em que parece que tanta gente se afastou durante o processo de escrita desta tese, ao escrever esses agradecimentos, fiquei com receio de me esquecer de algum nome, porque, curiosamente, me dei conta de que são muitos os que tornaram possível e mais leve a conclusão deste trabalho. Pensei bastante, durante dias, mas ainda assim minha memória poderá ter me sabotado. Por conta disso, de antemão, já peço desculpas, caso não tenha citado alguém.

O período foi bastante longo, não é Izete e Alina? Porém vocês foram braços fortes que me sustentaram até o fim. Felizes daqueles que têm amigas-orientadoras como vocês por perto. O respeito que vocês tiveram – têm – por mim não pode ser medido. É algo imensurável para este mundo. Também ao VARSUL, que sempre me acolheu e do qual faço parte desde 2008. A vocês dedico esta pesquisa.

À CAPES, que me concedeu bolsa de estudos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, entre setembro de 2015 e fevereiro de 2016, onde pude aprofundar meus estudos e conhecer mais sobre a cultura linguística do português de Portugal, contribuindo para a comparação das duas variedades do português, objeto desta pesquisa, em suas distâncias e semelhanças, bem como para as hipóteses aqui levantadas.

Tamyris, Fabrícia e Leonardo, há linhas escritas nesta tese que carregam marcas de vocês, embora muitos não possam ver, talvez nem mesmo vocês, mas elas estão aqui. Penso que a língua portuguesa ainda não criou uma palavra que possa representar a minha gratidão. Então escolho “obrigada”. Mil obrigadas por segundo a quem não cansou de me perguntar de que maneira poderia me ajudar com este trabalho. Obrigada, Neto, Taíssa, Tainá, Raquel, Fernanda e João Guilherme. Fê, o João precisava de tempo, mas você dedicou tempo a mim.

Lu, nossa proximidade nesses longos anos nos trouxeram muitas risadas. Foram muitos bolos e cafés juntas, muitas coisas compartilhadas. Te conheci num momento muito difícil da minha vida, e as tuas palavras, às vezes o teu silêncio, me mantiveram em pé. Você sempre compreendeu o que de fato eu sentia – e sinto.

Chirley, Maria Amália, Maryualê e Susy, existem palavras, mensagens, ligações e convites que trazem resultados além do que é possível dimensionar. Assim foi a presença de vocês neste percurso. Cada uma deixou marcas em mim que com certeza não sabem. Mas eu sei e elas permanecem em mim.

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Pr. Jonas e Pr. Maicon, vocês secaram muitas lágrimas minhas. Há coisas que são impossíveis de serem descritas. Meu agradecimento a vocês é uma delas. Abrir mão de si mesmo por alguém é a essência do Evangelho. Vocês são a essência.

Gabriela, juro que tentei escrever alguma coisa aqui. No entanto, as frases vieram curtas, incompletas. Você é. Você está. Você escuta. Você sente. Você compreende. Você faz. Você ama. Você nasceu. Eu precisaria de você. Alguém maior que nós duas já sabia disso.

Meu pai querido, obrigada por me ajudar a montar os gráficos e as tabelas deste trabalho. Sabemos que foram muitos. Minha mãe querida, obrigada pela paciência, pelo silêncio e pelas palavras. Vocês dois não me deixaram sequer sentir fome enquanto eu escrevia: sempre tinha um lanchinho pronto para mim. Obrigada por deixar eu usar o ar condicionado da casa de vocês, porque eu pude escrever no fresquinho, mesmo quando lá fora o verão ardia. Obrigada, Rê, minha irmã, sempre do meu lado. Amo vocês.

Meu querido Deus, houve muitos e muitos dias que a insensibilidade me cegou, mas, mesmo sem sentir sua presença, eu sei que estava aqui. Todo o meu amor a ti.

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já não trago comigo as perguntas que a vida escolheu responder com silêncio -zmagiezi

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RESUMO

O particípio passado não apresenta um comportamento constante na história do Português. A existência de duas formas muito semelhantes em Latim, o particípio passado e o supino, bem como a presença de verbos fracos e verbos fortes, dão origem no Português a problemas de rearranjo do sistema verbal e deverbal. O Português, como outras línguas românicas, perde o supino e seus verbos fortes, herdando dois sufixos: (i) -do, invariável, formando tempos compostos – com ter ou haver, e (ii) -do(s) e -da(s), variável, formando passivas – com ser (SAID ALI, 2008 [1908], 1969 [1923], 1964[1931]; WILLIAMS, 1961; TEYSSIER, 1980; ROSA; VILLALVA, 1987; PIEL, 1989; BROCARDO, 2002, 2006; GIOMI, 2009). Essas formas participiais mudam seu estatuto categorial, passando a ocorrer em outros contextos sintáticos. Mesmo em latim, particípios arrizotônicos provenientes de verbos fortes oferecem um modelo para a criação de particípios rizotônicos. Se a terminação rizotônica mais comum em décadas anteriores era a alatinada, parece haver atualmente uma preferência pela estrutura morfológica em -o, que tem como base o radical verbal (alomórfico ou não), idêntico à 1ª pessoa do singular do presente do indicativo, formação essa produtiva no Português Brasileiro (p. ex. chego, trago, ouço) e também no Português Europeu (p. ex. marco, compro). A fim de descrevermos o percurso histórico dos particípios verbais, desde os casos variáveis aos não variáveis, lançamos mão de dois corpora escritos: um constituído por jornais de Florianópolis e de Lisboa (séculos XIX, XX e XXI), e outro formado por dados do Português Brasileiro e do Português Europeu, publicados na web, (século XXI) – este último contempla apenas usos escritos de particípios rizotônicos. Essas análises levam em conta contextos de tempo composto (ter ou haver) e de passiva (ser). Esta pesquisa está apoiada nos postulados da Teoria da Variação e Mudança, de Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), de modo a mostrar que as línguas são sistemáticas enquanto variam/mudam. Os resultados das análises empíricas indicam que alguns verbos de duplo particípio tendem a limitar sua forma participial a uma forma única, arrizotônica ou rizotônica, ao passo que outros verbos tornaram-se abundantes, variando as novas formas com as já consagradas pela norma padrão. Além disso, verificou-se também que a variação das formas participiais sempre esteve presente ao longo dos séculos, de maneira que, quando o verbo é abundante, há preferência pelos particípios rizotônicos, especialmente os terminados em sufixo -o (MIARA, 2013; MIARA; COELHO, 2015; VILLALVA; JARDIM, 2018). Apesar de semelhanças estruturais entre o Português Brasileiro e o Português Europeu este estudo permite identificar comportamentos distintos: a variedade brasileira alterna mais comumente o uso de dois particípios para o mesmo verbo, além de apresentar maior formação de particípios com radical alomórfico.

Palavras-chave: Particípio passado. Variação linguística. Formas arrizotônica e rizotônica.

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ABSTRACT

The past participle, in Portuguese history, does not present a constant behavior. Due to the existence of two similar ways to be expressed in Latin, the past participle could be the supine as well as the presence of weak and strong verbs, which become the trigger of misunderstanding in verbal and deverbal nominalization system. Portuguese, as other romantic languages, lost its supine and its strong verbs. In this language, the participles come by arrizotonic with two suffixes: (i) -do, invariable, which forms composed times – with ter or haver, and (ii) -do(s) and -da(s), variable, which forms passives – with ser (SAID ALI, 2008 [1908], 1969 [1923], 1964 [1931]; WILLIAMS, 1961; TEYSSIER, 1980; ROSA; VILLALVA, 1987; PIEL, 1989; BROCARDO, 2002, 2006; GIOMI, 2009). These participles change its category, occurring in different syntactic contexts. Even in Latin, arrizotonic participles, originated from strong verbs, offer a model to create regular rhizotonic participles. The most common rhizotonic endings, in previous decades, was the same as the Latin forms. Nowadays, the most frequent morphological structure is -o. It has the verbal radical as its base (allomorphic or not), similar to the first person singular of the Simple Present, a productive formation from Brazilian Portuguese (e.g. chego, trago, ouço), as well as in European Portuguese (e.g. marco, compro). In order to describe the trajectory of many historical participle verbs, including variable and non-variable ones, we analyze two writing data corpora: one from Florianopolis and Lisbon’s newspapers (XIX, XX and XXI centuries), and the other one from Brazil and Portugal websites (XXI century). This last corpus behold just rhizotonic participles. These analysis takes into to account the compost context time (ter or haver) and the passive form (ser). This research, based on Theory of Variation and Change (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968]), shows that languages are systematic while they are changing. The results of our empirical analyses indicate that just one form is chosen in some verbs that presents two double participle, the arrizotonic or the rhizotonic one. On the other hand, other verbs become abundant and vary with its standard participles. Moreover, the variation of participles has always been used along the centuries. It happens in two varieties in certain way that, when the verb is abundant, there is a preference for the rhizotonic participle, especially the ones ending with the suffixe -o (MIARA, 2013; MIARA; COELHO, 2015; VILLALVA; JARDIM, 2018). Despite of the structural similarities between Brazilian Portuguese and European Portuguese, this study allows us to identify distinct behaviors: the Brazilian variety switches commonly the using of the participle for the same verb, besides it presents widely the formation for the participles with the allomorphic radical verb.

Keywords: Past Participle. Linguistic Variation. Arrizotonic and rhizotonic forms. Brazilian

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 17

1.1 OBJETIVOS ... 20

1.1.1 Objetivo geral ... 20

1.1.2 Objetivos específicos... 20

2 PARTICÍPIO PASSADO: HISTÓRIA, PRESCRIÇÃO E DESCRIÇÃO ... 23

2.1 O PERCURSO DO PARTICÍPIO PASSADO NA HISTÓRIA DO PORTUGUÊS . 23 2.2 DESCRIÇÕES GRAMATICAIS E PRESCRIÇÃO SOBRE O USO DAS FORMAS PARTICIPAIS ... 49

3 TEORIA DA VARIAÇÃO E MUDANÇA: A VARIAÇÃO NO USO DOS PARTICÍPIOS ... 77

3.1 POSTULADOS TEÓRICOS DA TEORIA DA VARIAÇÃO E MUDANÇA ... 77

3.1.1 Restrições internas ao sistema linguístico ... 92

3.1.2 Encaixamento... 94

3.1.3 Transição ... 97

3.1.4 Avaliação ... 98

3.1.5 Implementação... 100

3.2 A VARIAÇÃO NO USO DE PARTICÍPIOS: ALGUNS ESTUDOS ... 101

4 A QUESTÃO DA PRODUTIVIDADE E AS FORMAS PARTICIPIAIS ... 123

4.1 ABORDAGEM TEÓRICA ... 123

4.1.1 Produtividade de particípios: uma proposta com base nas Regras de Análise Estrutural (RAE) e nas Regras de Formação de Palavras (RFP) ... 136

4.1.2 Produtividade de particípios: uma proposta com base em relações paradigmáticas de mesma categoria ... 148

5 NATUREZA CATEGORIAL E ESTRUTURA MORFOLÓGICA DO PARTICÍPIO PASSADO ... 155

5.1 O SISTEMA VERBAL DO PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO ... 156

5.1.1 Conjugações ... 156 5.1.2 Flexão verbal ... 159 5.1.2.1 Tempo-modo-aspeto e pessoa-número ... 160 5.1.2.2 Formas nominais ... 161 5.1.2.3 Particípio passado ... 161 5.2 CONSTRUÇÕES PARTICIPIAIS... 165

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5.2.1 Tempos compostos ... 165

5.2.2 Estruturas passivas... 166

5.2.3 Estruturas predicativas ... 169

5.2.4 Outros casos ... 172

5.3 HIPÓTESES SOBRE A FORMAÇÃO DE PARTICÍPIOS ... 173

5.3.1 Particípio em -do ... 173

5.3.2 Particípio em -d ... 174

5.3.3 Particípio formado a partir do RV ... 175

5.3.3.1 Formas invariáveis ... 175

5.3.3.2 Formas variáveis ... 177

6 PRIMEIRA AMOSTRA: O USO DO PARTICÍPIO PASSADO EM NOTÍCIAS DE JORNAIS DOS SÉCULOS XIX E XX ... 181

6.1 METODOLOGIA ... 181

6.1.1 Corpus ... 181

6.1.2 Variáveis ... 182

6.1.3 Questões e hipóteses ... 184

6.2 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ... 185

6.2.1 Análise quantitativa complementar: alguns dados de jornais do século XXI ... 213

7 SEGUNDA AMOSTRA: O COMPORTAMENTO DOS PARTICÍPIOS EM PUBLICAÇÕES DA WEB DO SÉCULO XXI ... 225

7.1 METODOLOGIA ... 225

7.1.1 Corpus ... 226

7.1.2 Variáveis ... 226

7.1.3 Questões e hipóteses ... 228

7.2 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ... 229

7.2.1 A abundância verbal no tempo ... 274

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 283

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1 INTRODUÇÃO

A naturalidade com que as línguas variam e mudam, em qualquer que seja o nível linguístico – fonético/fonológico, morfológico, sintático, semântico, discursivo –, é uma garantia das línguas vivas, as quais não podem ser estudadas em um corpus fechado de regras. Ao mesmo tempo em que determinadas regras são imutáveis ou categóricas, há aquelas que mudam com o passar dos séculos e podem ser observadas por meio de documentos históricos ou por meio de pesquisas que retratem a língua em um painel que leve em conta sua variação/mudança em tempo real ou aparente, sincrônico ou diacrônico.

O ideal é que a matriz linguística possa ser explicada com base em uma matriz sociológica, externa à estrutura em si, já que a significação social de cada um dos usos é também variável, podendo receber status de prestígio ou estigma, a depender do nível escolar do indivíduo, da função social em que se encontra, da sua região, do estrato econômico a que pertence na sociedade e do recorte temporal (LABOV, 2008[1972]). Porém, mesmo que haja evidências de que a avaliação dos falantes sobre as formas linguísticas pode adiantar ou frear a mudança, não é verdade que os fatores sociais sejam facilmente descritos e atestados no controle das variáveis relacionados ao objeto de estudo.

A correção explícita ou a hipercorreção são partes do processo de variação/mudança de uma língua, uma vez que, na transição de uma forma a outra, na substituição de um item lexical por outro, neológico ou não, são comuns os julgamentos de “certo” e “errado”, “feio” e “bonito”. Ora, por experiência, todos sabemos que o que é feio ou bonito, certo ou errado, pode não o ser em algum intervalo de tempo. Daí a importância de se buscar responder algumas questões correlacionadas ao fenômeno linguístico: o quê? quando? onde? como? por quê? para quem?

Ser corrigido ou corrigir-se, por algum reflexo do uso, pode causar discórdias leves ou graves, inclusive, ofensas e, raras vezes, gentilezas, dependendo de quem e da situação (FARACO, 2008). O particípio chego, por exemplo, causa indisposições com frequência entre brasileiros; a forma abrido em um mesmo contexto também. E entre portugueses, existem essas mesmas diferenças? Sim, existem. É a língua em processos de transição e avaliação, de sorte que quem mais certeza tem sobre o que se fala e como se fala, mais sugere correções. E as certezas são irrepreensíveis ao se defender o uso de tinha chegado ou tinha chego, nem mesmo pesquisas empíricas são capazes de modificar opiniões – de uns tantos, já afirmou Faraco (2011[2001]).

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Este trabalho se fundamenta na Teoria da Variação e Mudança, de Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), a qual entende que as línguas humanas variam contínua e ininterruptamente, sem tornar o sistema linguístico caótico, o que garante a compreensão entre os falantes. De acordo com essa teoria, as transformações ao longo dos séculos e as mudanças não se dão por necessidade, mas porque há probabilidade e possibilidade para que mutações ocorram, podendo, inclusive, simplesmente não acontecerem. No entanto, essas mudanças ocorrem de modo relativamente regular, lento e gradual, nunca ocorrendo de forma global e integral, atingindo determinados contextos linguísticos, uma vez que não alcançará todas as palavras da língua.

O particípio passado do português, herança latina, é um desses casos variantes que pode ser descrito com base na Teoria da Variação e Mudança. Inserido em construções de tempo composto, com os auxiliares ter e haver, e em construções passivas, com o auxiliar ser, o particípio pode se apresentar em mais de uma forma linguística, arrizotônica ou rizotônica1,

de maneira que esta última pode ainda se subdividir em outras três outras estruturas morfológicas distintas: uma com sufixo em -o (salvo), uma com sufixo em -e (entregue) e uma com terminação herdada do latim (feito). Os dois últimos casos recém-citados são mais restritos, isto é, não servem de base à formação de novas palavras, enquanto -do e -o são formas copiadoras de estruturas do léxico, que, por regerem regras morfológicas abundantes, transparentes aos falantes e com o mínimo de restrições, tendem a servir de modelo para particípios neológicos (BASÍLIO, 1980; ROSA; VILLALVA, 1987, VILLALVA, 2007).

O verbo pagar, por exemplo, segundo Said Ali (2008 [1908]), serviu de modelo para particípios como gasto e ganho, que continuaram servindo de modelo para muitos outros, como chego e marco, e também trago. É possível, inclusive, que o particípio entregue tenha influenciado a formação de encarregue e empregue, embora sejam pouquíssimos os casos deste sufixo. O uso real nos traz inúmeras possibilidades, mas, nesses casos, tem de passar pelo crivo dos falantes, que se propõem, consciente ou inconscientemente, a avaliar o que é “bom” ou “ruim” em uma língua, ainda que essas opiniões se desdobrem em vários tipos (LABOV, 2008[1972]). Assim, na busca de (tentar) compreender essas variantes, se faz necessário perpassar por várias partes desse processo, para que se chegue a uma possível explicação para essas formações, bem como a um modelo estrutural.

1 Nesta pesquisa, as formas participiais nomeadas arrizotônicas ou fracas referem-se àquelas terminadas em -do,

ao passo que as com terminação em -o, -e ou alatinadas nomearemos de rizotônicas, curtas ou atemáticas, conforme nomenclaturas comuns nas descrições desse fenômeno linguístico. Note-se que os particípios arrizotônicos são aqueles em que o acento recai sobre o sufixo, e os rizotônicos aqueles em que o acento se localiza sobre o radical verbal.

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A formação estrutural morfológica de particípios (relativamente) novos que vamos propor leva em conta contribuições das mais diversas esferas linguísticas, que vão desde estudos históricos de séculos anteriores até discussões atuais, no intuito de tentarmos compreender o percurso dos particípios na História da Língua, e também de buscarmos fundamentos para a construção de nossas questões e hipóteses, a respeito da manutenção da produtividade de particípios curtos. Nossa proposta está sustentada nos estudos de Said Ali (2008[1908], 1969 [1923], 1964[1931]), Williams (1961), Basílio (2011[1987], 1980), Teyssier (1980), Rosa e Villalva (1987), Piel (1989), Lobato (1999), Brocardo (2002, 2006), Villava (2008, 2009), Giomi (2009), Miara (2013), além de ter como contributo nossas próprias intuições linguísticas, que foram amadurecidas ao longo desses anos pelo ponto de vista de brasileiros e portugueses, linguistas ou não.

Ora, se é natural que muitas formas linguísticas coexistam – salvado e salvo – ou sejam substituídas por outras – treito e trazido –, caindo em desuso, há de se esperar que outras também se tornem desusadas e que novas surjam para, ocasionalmente, substituírem suas concorrentes – chegado e chego (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968]). Mesmo que a modalidade escrita freie, em alguma medida, esse processo, a fala continuará produzindo novas alternativas de se falar a mesma coisa, talvez por uma questão histórico-social, quem sabe por uma questão puramente linguística, de maneira que ambos os processos contribuirão para estabelecer diferentes identidades nas variedades dialetais. De fato, há muitas perguntas e poucas respostas. Nesse sentido, buscaremos argumentar nesta pesquisa, a partir de nossas leituras, como se dá – ou pode se dar – a formação de particípios no português, especialmente dos terminados em -o.

Com a finalidade de facilitar ao leitor a compreensão da construção da argumentação deste trabalho, os capítulos estão divididos e subdivididos em seções. O primeiro capítulo descreve a história dos particípios, além de sinalizar em diversas gramáticas a prescrição que tem sido adotada, desde a primeira metade do século XIX, a partir de Barboza (1822). O segundo capítulo é dedicado às propostas teóricas da Teoria da Variação e Mudança, postuladas por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) e Labov (2008[1972]), as quais dão sustentação à nossa compreensão no que diz respeito a estruturas mutáveis em contextos relativamente fixos do português – os particípios arrizotônicos e rizotônicos em construções de tempo composto e passivas.

O terceiro capítulo abordará brevemente questões de produtividade, enquanto ao quarto capítulo foi reservada uma discussão a respeito da estrutura do particípio passado, no

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português, que se configura invariável (tinha salvado) ou variável (foram salvas), além de serem apresentadas hipóteses morfológicas para a formação de particípios na atualidade. Os demais capítulos – cinco e seis – se dedicam às amostras escritas – primeira amostra, amostra complementar e segunda amostra –, que serviram de ponto de partida para esta pesquisa – e também de chegada –, trazendo as variáveis controladas, em razão de nossa variável dependente – o tipo de particípio –, as questões e as hipóteses levantadas, a descrição e a análise dos resultados.

A primeira amostra e a amostra complementar, descritas no quinto capítulo, são formadas por dados de jornais – impressos ou virtuais – referentes aos séculos XIX, XX e XXI, entre os anos de 1850 e 2018, para as capitais de Santa Catarina (Florianópolis) e Portugal (Lisboa). Já o sexto e último capítulo apresenta a segunda amostra, formada por dados expostos em plataformas virtuais, do Brasil e de Portugal, igualmente inseridos em construções de tempo composto e passiva, porém coletados em diversos gêneros textuais, o que nos trouxe tanto contextos formais quanto informais de escrita. Em seguida, apresentaremos nossas considerações finais, que resumem nossas contribuições e não atestações empíricas, e as referências utilizadas.

1.1 OBJETIVOS

1.1.1 Objetivo geral

O objetivo geral desta pesquisa é traçar um percurso histórico na variação/mudança de construções em contextos de tempo composto – com os verbos auxiliares ter ou haver – e de passiva – com o verbo auxiliar ser –, observando duas variedades do português: o português do Brasil e o português de Portugal. Como o particípio pode se apresentar em diferentes estruturas morfológicas – arrizotônicas e rizotônicas –, busca-se compreender qual tipo de forma participial é a mais produtiva, no caso dos particípios curtos.

1.1.2 Objetivos específicos

Os objetivos se especificam em:

(i) trazer os estudos de diversos autores a respeito do particípio passado no português, desde descrições históricas a pesquisas empíricas e prescrições gramaticais;

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(ii) atestar a variação/mudança linguística, no uso escrito, em diferentes suportes e gêneros textuais;

(iii) mostrar que a terminação com o sufixo -o é a mais produtiva no português atualmente, de modo a sugerir uma estrutura morfológica para cada tipo de terminação participial; (iv) levantar duas diferentes amostras escritas de particípio em contextos de tempo

composto – com os verbos auxiliares ter ou haver – e de passiva – com o verbo auxiliar ser –, uma formada por jornais impressos e virtuais das cidades de Florianópolis e de Lisboa, entre os anos de 1850 e 2012, outra formada por dados da web, nesses mesmo contextos morfossintáticos, especialmente de particípios atemáticos;

(v) atestar variáveis independentes linguísticas e extralinguísticas que possam explicar a variação no uso de particípios;

(vi) indicar um possível distanciamento entre as regras de formação de particípios no português do Brasil e de Portugal, bem como descrever o uso em cada uma dessas variedades.

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2 PARTICÍPIO PASSADO: HISTÓRIA, PRESCRIÇÃO E DESCRIÇÃO

O particípio é uma forma que tem sido descrita como variável na construção de sentenças com os verbos ter e haver, isto é, no tempo composto, e também em passivas, com o verbo ser. O que muitos estudiosos da língua, como, por exemplo, Said Ali (2008[1908], 1969[1923], 1964[1931]), tentaram fazer por muito tempo – e continuam a tentar –, além de descrever a frequência no uso de verbos abundantes ou não no particípio, foi prescrever regras para o uso, especialmente quando se trata de verbos que têm duas ou mais formas participiais canônicas. Nosso objetivo, neste capítulo, é trazer estudos que sirvam de base histórica para a análise de verbos que apresentaram ou apresentam uma ou mais formas de particípios disponíveis, de modo a trazer também a prescrição de algumas gramáticas, históricas e atuais, quando sugerem formas de particípio de verbos abundantes em construções de tempo composto, com os verbos ter e haver, e em construções passivas, com ser.

Sendo assim, este capítulo apresenta a história, a prescrição e a descrição de inúmeros particípios, com o objetivo de tentar organizar, nesses enquadres, o estado da arte dessas formas linguísticas que participam tanto de construções verbais quanto de construções nominais em nossa língua.

2.1 O PERCURSO DO PARTICÍPIO PASSADO NA HISTÓRIA DO PORTUGUÊS

Como se sabe, no português, o auxiliar esse foi substituído por ter, a partir de tenēre, em todos os verbos, sendo que o particípio é invariável. De acordo com Giomi (2009, p. 10), tal “perífrase era usada no latim clássico apenas com verbos indicantes [de] acções resultantes numa condição de posse durável”, como se observa em equitatum ex omni provincia coactum habeo (“tenho (aqui) a cavalaria, que mandei vir de todas as províncias”), exemplo retirado de César, De Bello Gallico, I, 15 (apud GIOMI, 2009, p. 10), construção na qual habēre não era um auxiliar, mas um verbo principal que carregava significado de posse, somente, ao passo que o particípio era um predicador de estado, de aspecto pontual (aorístico). No entanto, sabe-se que, aos poucos, o verbo habēre começa a sabe-ser usado como auxiliar, nos tempos compostos, o que causa a perda de seu significado de posse e resulta no fato de o particípio perder seu valor adjetivo para ganhar status verbal, já que passa a constituir o sintagma verbal.

Como mostra Said Ali (2008[1908], p. 137), a oração existencial era construída com o verbo esse (ser), de modo que “o verbo habere servia a outros fins”. Segundo o autor, durante o período arcaico, ter e haver eram usados com significados distintos, uma vez que “dava-se a

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haver o sentido característico de ‘adquirir’, ‘alcançar’, ‘obter’ e reservava-se ter para expressar a consequência duradoura desse ato, isto é, ‘manter’, ‘guardar’, ‘possuir’” (SAID ALI, 2008[1908], p. 164), diferenças essas que foram se perdendo a ponto de serem usados como variantes, podendo uma forma substituir a outra. Assegura o autor que “esta aplicação do verbo ter [como] um neologismo consagrado na linguagem literária [ocorreu] do século XVIII para cá” (SAID ALI, 2008[1908], p. 142), sendo tal construção consagrada por escritores quinhentistas, o que acabou por dar ao verbo haver o status de erudito:

Para o reviver das demais formas o ouvido moderno tornou-se complacente e, até, admirador; e aqueles escritores que precisam de expressões antigas, ou menos em voga, para efeito decorativo, não se esquecem disso. Utilizam-se amiúde do auxiliar haver nas formas admissíveis, certos de darem às frases um torneio mais elegante (SAID ALI, 2008[1908], p. 144).

Afirma Said Ali (2008[1908], p. 145) que o traço semântico em construções como “ter feito, tendo feito, tenho feito, tinha feito, tive feito, terei feito etc.” vem de origem comum nessas diversas formas, tratando-se “de uma conjugação perifrástica creada pela aproximação e enlace semântico de um elemento ativo – habere ou tenere – e um elemento passivo”, que se refere ao período em que esses dois verbos auxiliares ainda não eram associados, como pode se observar na construção tinha fechadas as portas com tal severidade... que nenhum estrangeiro lá podia entrar, retirada dos Sermões de Vieira, na qual ainda se observa o particípio concordando com o objeto do verbo, o que mostra que ainda não é, de fato, parte da construção do tempo composto. Posteriormente, então, percebe-se que o particípio passa a compor

[...] uma expressão verbal ativa, em que a noção principal se passa ao particípio, reduzindo-se o verbo ter ao papel de lhe acrescentar, com as flexões usuais do verbo, a modalidade de realização perfeita até o presente, ou até determinado momento do pretérito ou futuro (SAID ALI, 2008[1908], p. 146).

Ressalta ainda Said Ali (2008[1908]) que o tempo composto pode ser dividido em presente perfeito – tenho cantado – e pretérito mais-que-perfeito – tinha cantado, teria cantado, terá cantado etc.–, o que está diretamente ligado ao aspecto verbal que, no, primeiro caso, é durativo ou iterativo, e, no segundo, relaciona-se a um tempo pontual.

Diante do exposto, ficam evidentes, segundo Giomi (2009), na perífrase passiva e nos tempos compostos, duas opostas evoluções, no que diz respeito aos particípios:

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[...] no primeiro caso, a forma perdeu completamente o valor verbal de tempo, guardando apenas o valor adjectival; pelo contrário, na construção com HABĒRE, em que seu uso era, em origem, estritamente adjectival, o particípio foi ganhando o significado verbal de anterioridade ao passo que a perífrase ia sendo gramaticalizada como forma verbal resultativa do passado, em oposição ao perfeito sintético (com valor aorístico) (GIOMI, 2009, p. 12 [grifos do autor]).

É durante o século XIII que, segundo Teyssier (1980, p. 17), “a morfologia verbal é consideravelmente simplificada”, já que se percebe, neste período, uma expansão das formas perifrásticas, como, por exemplo, pode ser observado com o futuro simples latino amabo, que é substituído, em toda a România ocidental, pela construção perifrástica amare habeo, formada com o verbo auxiliar habere, da qual se origina o próprio futuro simples do galego-português: a forma amarei. Sobre a morfologia verbal do galego-português, correspondente aos anos de 1200 e 1350, segundo Teyssier (1980), o que se observa é um sistema de modos e tempos tal qual o português moderno, ou seja, o uso do pretérito-mais-que-perfeito simples amara (< amaram < amaueram) era usado com o sentido temporal do composto (“tinha amado”), ou mesmo com o uso modal amaria, além dos usos de futuro do subjuntivo (amar, fazer). É neste período também, por exemplo, que se tem registro de particípios passados em –udo para os verbos de segunda conjugação, em muitos casos: avudo (aver), creúdo (creer), conhoçudo (conhocer), perdudo (perder), sabudo (saber), vençudo (vencer), apareçudo (aparecer), dentre outros.

Afirma o autor que é apenas no português, em seu período clássico, que corresponde até o final do século XIV, que a morfologia verbal é marcada pela simplificação de paradigmas, por analogia, uma vez que tanto “as primeiras pessoas do tipo senço, menço, arço, são substituídas por sinto, minto, ardo”, quanto “os particípios passados em udo da segunda conjugação cedem lugar a ido” (TEYSSIER, 1980, p. 56), como se observa em perdudo > perdido. Assinala ainda o autor que o sufixo –udo apareceu também em poucos casos na conjugação em –ir – vẽudo e vĩudo, “vindo”. Esses usos permitiram alternância nos particípios, como ocorre nos escritos de Fernão Lopes, uma vez que é possível encontrar avudo alternando com avido, metudo com metido, sabudo com sabido, dentre outros exemplos (PIEL, 1944). A esse respeito, defende Nunes (1975[1919], p. 316-317) que todos os verbos de segunda conjugação apresentaram um sufixo em –udo nas formas participais, mas que desapareceram, ao concorrerem com as formas em –ido:

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[...] esta terminação –udo, que na antiga língua se estendera em especial a todos os verbos da segunda conjugação ou de infinitivo em –er que não tinham conservado a primitiva forma forte, não conseguiu manter-se desaparecendo ainda nos fins do período arcaico, substituída pelos verbos de tema em –i ou –ido, que cedo começara a concorrer com ela, apenas uma ou outra forma rara, como teúdo, conteúdo, manteúdo, temudo, etc. ficou persistindo, a atestar a sua existência.2

Registra ainda o autor que, no decorrer da história, se revelou no português uma preferência por particípios arrizotônicos, mas que, “apesar da tendência da língua para a formação fraca, a ela resistiram muitos particípios rizotônicos, que vivem ainda, embora em menor quantidade que na língua” (NUNES, (1975 [1919], p. 317), como, por exemplo, jeito, cinto, despesa, empreita, conquista, colheita, peito, estreito, dentre outros, sendo que muitos deles resistem como adjetivos e não mais como particípios, de modo que foram criados particípios arrizotônicos que os substituíram, tais como cingido, conquistado e colhido, e tantos outros. Essa tendência, que se deu também nos pretéritos, segundo o autor, pode ser observada no primitivo ventus, que foi substituído por *venitus, o qual ainda sofre outras alterações fonéticas e resultou no atual vindo. Completa ainda Nunes (1975 [1919], p. 317) que “temos igualmente de admitir que a língua vulgar, na maioria dos casos levada pela analogia, altera algumas formas clássicas”, como nos particípios solutos, involutus, visus, positus, substituídos pelos populares soltus, involtus, vistus e postus, que, nestes casos, mostram a direção de formas arrizotônicas a rizotônicas, frequência esta que pode explicar também a forma coseito, que substitui a forma latina fraca consutus, segundo o autor. Assim,

[...] afora os particípios fortes que tomara do latim, a língua portuguesa, seguindo uma tendência [...] criou, com algumas das línguas irmãs, outros a que cabem bem o nome de truncados, visto que a desinência própria –do, desapareceu e foi substituída por –e ou –o, adicionados ao tema verbal, depois de suprimida a vogal respectiva [...] (NUNES, 1975 [1919], p. 318 [grifos do autor]).

Nas palavras de Coutinho (1978[1976], p. 150), o princípio da analogia, postulado pelos neogramáticos, como trataremos com mais apreço posteriormente, “é o princípio pelo qual a linguagem tende a uniformizar-se, reduzindo as formas irregulares e menos freqüentes a outras regulares e freqüentes”. Para o autor, são os fatos mais comuns e gerais da língua que servem de modelo para outras formações, de modo que “raramente se dá o contrário” (COUTINHO, 1978[1976], p. 150), por um caso particular. Assim, “constitui um recurso 2 Alguns poucos autores nomeiam de fortes particípios rizotônicos. Preferimos manter essa última nomenclatura

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ordinário de simplificação, porque torna idênticos os casos discordantes” (COUTINHO, 1978[1976], p. 150). Para o autor, casos analógicos são verdadeiras criações dos falantes, mas não faz com que a sua forma concorrente desapareça rapidamente, nem mesmo que ela desapareça. É verdade que, em muitos casos a variação pode ser estável, de modo que duas formas com mesmo referencial podem permanecer na língua, já que se tratam de casos em que seu significado social não é idêntico, ou seja, não são casos de sinonímia. Nas palavras de Coutinho (1978[1976], p. 156 [grifos do autor]), “pode-se dizer, de um modo geral, que a analogia é a base de toda a morfologia”, uma vez que quanto maior a variedade de flexões e terminações disponíveis, mais comum se torna a recorrência a criações por analogia.

De acordo com Coutinho (1978[1976]), crianças e pessoas de baixa escolaridade são as que mais se servem da analogia, o que não elimina, obviamente, que as altamente escolarizadas a utilizem. Se isso for verdade, então parece uma explicação bastante razoável: formas como feito, dito, aberto e escrito precisam ser aprendidas e lexicalizadas, já que não serão naturalmente formadas, quando a formação participial de nossa língua mais comum são as formas em –do. Com base nesse aspecto, tanto crianças como falantes de baixa ou nenhuma escolaridade se mostram altamente competentes em sua língua materna quando as usam. Nesse ponto de vista, se não houvesse tentativas explícitas de fixar regras, sugerindo que formas participiais devemos ou não usar, muito provavelmente todos nós escolheríamos fazido, dizido, abrido e escrevido. Ademais, como veremos, há uma tendência geral em prescrever que se usem as formas em –do para os auxiliares ter e haver e as demais com ser, quando o verbo for abundante no particípio, e parece que os brasileiros obedecem mais à essa regra, atuando como mais conservadores (VILLALVA; JARDIM, 2018).

Também o estudo de Maia (1986 apud BROCARDO, 2002) registrou que particípios arrizotônicos terminados em –udo foram comumente usados no português dos séculos XIII e XIV. Esta autora investigou documentos da região da Galiza e do Norte de Portugal, nos quais foram encontradas apenas duas formas em –ido, para o período descrito, a saber, conosçida e constrengida, ao passo que, no século XV, os registros escritos mostram apenas formas participiais terminadas em –ido, o que sugere uma expansão das formas em –ido, a partir do século XV, para os verbos terminados em –er. Para Brocardo (2002, np), “estes dados assumem particular relevância, sobretudo para o estabelecimento de uma cronologia da mudança, pelo tipo de textos em que foram recolhidos, tratando-se de documentos notariais, textos tipicamente conservados em originais datados”, podendo ser, segundo a autora, um divisor entre o Português Antigo e o Português Médio, em questões morfológicas, no que diz

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respeito aos particípios, já que o português atual não dispõe de nenhum particípio com esta terminação.

Assegura Silva (1994 apud BROCARDO 2006) que, tal como ocorre em nossos dias, houve alternância anteriormente no português entre particípios. Complementando Piel (1944), Maia (1986 apud BROCARDO, 2002) e Teyssier (1980) registra Silva (1994 apud BROCARDO 2006) que essa concorrência aparecia não somente entre formas arrizotônicas, como, por exemplo, acendido e acendudo, visto que estas eram usadas também ao lado de aceso, por exemplo, com registro no final do século XIV, na obra Diálogos de São Gregório, garantindo a possibilidade de três opções para o verbo acender, nesse período. Outros exemplos com terminação em –udo(a) também foram registrados por Silva (1994 apud BROCARDO, 2002), em obras dos séculos XIV e XV, a saber, os particípios espargudo, vençudo, repreendudo e manteúda.

Apoiada em Cardeira, Vasconcelos, Silveira e Maia, dentre outros autores, Barros (2000) acredita que o particípio terminado em –udo tenha origem direta no sufixo latino – ütus, que se generalizou no latim vulgar. Em seu estudo voltado à diacronia, a autora tem como objetivo descrever as formas de particípio passado no português e sua evolução entre os séculos XIII e XVI, por meio da análise de documentos notariais do Norte de Portugal e de Lisboa, poesia e prosa literárias, bem como historiografias, todos documentos referentes ao período entre a segunda metade do século XIII e a primeira metade do século XVI. A análise de documentos escritos em galego-português, entre a região da Galiza e o Noroeste de Portugal, entre os séculos XIII e XVI, feita por Maia (1986 apud BARROS, 2000), também mostra que houve um período em que havia variação entre –udo e –ido, para a segunda conjugação verbal, em textos literários e não literários, embora tenha encontrado registro dessa variação apenas em textos escritos em galego-português, e não em português. De acordo com esta autora, enquanto para a primeira e terceira conjugações o uso era sistemático (a conjugação em –ar permitia apenas particípios em –ado e a conjugação em –ir somente em –ido), a segunda conjugação variava entre –udo e –ido, ainda que esta última terminação prevalecesse em frequência de uso.

Quanto ao particípio fraco, os textos revelam de modo sistemático formas em –ado para os verbos em –ar e formas em –ido para os verbos em –ir. Por seu lado, os verbos em –er oferecem até ao fim do século XIV como formas generalizadas particípios terminados em –udo; a partir de então surgem nos documentos de Portugal e da Galiza também formas em –ido: desse modo, na região de Entre-Douro-e-Minho, durante o século XV, verifica-se a convivência dos dois tipos de formas; nos documentos galegos os particípios

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em –udo e em –ido são usados paralelamente entre os séculos XV e XVI (MAIA, 1986, p. 749 apud BARROS, 2000).

Tal variação, segundo a autora, parece estar relacionada, de algum modo, ao tipo de texto, visto que, nos textos literários analisados, as formas em –udo começam a se tornar raras já na primeira metade do século XV, de forma que, nos textos não literários, a abundância permanece, ao menos, até a segunda metade desse mesmo século. Acrescenta ainda Maia (1986, p. 749 apud BARROS, 2000) que, embora os documentos analisados por ela, para o português, não contemplem os primeiros anos do século XVI, fica evidente que os particípios em –udo, tão frequentes nos séculos XIII e XIV, começam a cair em desuso em meados do século XV, sendo substituídos por –ido. Nota a autora que, “na região portuguesa, ainda na segunda metade do referido século, tais formas eram de emprego frequente; na Galiza, os últimos documentos estudados, do primeiro quartel do século XVI, revelam bastantes exemplos dessas formas” (MAIA, 1986, p. 551 apud BARROS, 2000). Portanto, “no que se refere à cronologia da substituição dos particípios em –udo [...] por formas em –ido, tem sido, em geral, afirmado, que até ao século XV surge apenas o primeiro tipo de particípio [no caso, –udo], sendo então, progressivamente substituído por formas em –ido” (MAIA, 1986, p. 749 apud BARROS, 2000).

A esse respeito, já assegurava Williams (1961[1938], p. 189) que “pelo século XVI, – ido [...] havia inteiramente substituído –udo”, no português, corroborando a pesquisa de Maia (1986 apud BARROS, 2000) ao estudo deste autor. No entanto, conforme mostram Brito et al. (2010), enquanto o português e o espanhol apresentam apenas duas terminações para o particípio fraco ou regular, sendo –ado para a primeira conjugação e –ido para a segunda e a terceira, em italiano há uma desinência para cada grupo. Assim, tem-se cantado, vendido e unido, para as duas primeiras línguas, ao passo que, para o italiano, além de cantato e unito, existem os particípios terminados em –uto (> –udo), que foram suplantados pelo sufixo –ido.

Destaca ainda Barros (2000, p. 392 [grifos nossos]) que a possibilidade de variação na segunda conjugação verbal, em textos literários e não literários, no que respeita ao uso de – udo e –ido, se configura também por conta dos copistas, que se sentiam “autorizados a modernizar aspectos [da língua] como as terminações participiais”, sendo que nos primeiros tipos de textos isso era mais evidente, modernização essa que toca a significação social das formas linguísticas, as quais recebem avaliação positiva ou negativa (LABOV, 2008[1972]), questões que serão tratadas no decorrer deste trabalho.

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Outro ponto de vista é trazido por Barros (2000), com base em Lorenzo, quando trata da variação entre –udo e –ido. Segundo Lorenzo (apud BARROS, 2000), a alternância entre as vogais u e i é típica do galego-português, sendo apenas parte de um fenômeno mais alargado, que inclui outros pares, tais como a variação entre a/o, a/e, e/o, o/u e e/i. Para esse autor, então, a oscilação vocálica evidente entre particípios de segunda conjugação era comum, de modo que ocorria também em outras palavras, e não apenas em particípios: duvidoso/diuidoso, Europa/Eyropa, derrubar/dirribar, derrubado/derribado.

E sobre os verbos que oscilavam entre o uso de particípios em –udo e –ido, Said Ali (1964 [1931]) também traz exemplos: saber (sabudo, sabido), meter (metudo, metido), conhecer (conheçudo, conhecido), atrever (atrevudo, atrevido), haver (avudo, avido), receber (rrecebudo, rreçebido), prover (proveudo, provido), vender (vemdudo, vemdido), dever (devudo, devido), mover (movudo, movido), converter (convertudo, convertido), confundir (confundudo, confundido), compreender (comprendudo, comprendido), vencer (veençudo, vençido), perder (perdudo, perdido), estender (estendudo, estendido), dentre outros exemplos. Sobre as formas de particípios para as três conjugações verbais, alternantes ou não com outras formas, Barros (2000) traz inúmeros exemplos, retirados dos corpora analisados por ela e por outros estudiosos. Da primeira conjugação, destacamos os verbos anexar, juntar, quitar, situar, suspeitar, firmar, limpar, livrar, segurar e entregar, citados pela autora: o particípio anexo varia com anexado nos documentos editados por Martins, já na primeira metade do século XV, conforme mostra Barros (2000, p. 198), em passivas com ser; o particípio junto acompanhava juntado, sua variante, já no século XIV, em passivas com ser, nos documentos editados por Martins, bem como nos documentos galego-portugueses editados por Maia, porém nestes com estar; os particípios quito/quite eram abundantes do século XIII ao XIV, usados com outros auxiliares, tais como ficar, na construção dar por, na Crônica dos frades menores, mas também com ser, no Cancioneiro da Ajuda e nas Cantigas d’Escarnho e nas Castigas d’Amigo; a forma sito aparece com os auxiliares estar e ter (posse) no século XVI, mas afirma Said Ali (1931, p. 149) que se trata de um latinismo, aparecendo no corpus de Barros (2000), de fato, somente como adjetivo; a forma suspeitado era usada com o mesmo significado de suspeito, nas Castigas d’Amigo, mas como adjetivo.

O particípio firme aparece no tempo composto com haver na segunda metade do século XIV, sendo que a forma firmado aparece com ser no século XIII; a forma alimpado aparece, na Crônica dos Frades Menores, em contextos que hoje usaríamos, preferencialmente, limpo – “forom muitos alimpados”; a forma livre aparece com o auxiliar

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ser no século XV, e também com outros auxiliares – ficar, dar por – e também como adjetivo; a forma livrado aparece com ser no Dicionário de verbos portugueses do século XIII (XAVIER et al.,1999 apud BARROS, 2000), sendo que esses particípios se alternam desde o século XIII; no corpus notarial de Barros (2000), a forma seguro aparece somente como adjetivo, mas também com outros auxiliares – ir, estar; e, por fim, as formas entregado e entregue aparecem alternadas, conforme mostra Barros (2000), sendo que ambas foram registradas com o auxiliar ser na primeira metade do século XIV (p. 210-211).

Sobre a origem de entregue, a opinião de Said Ali (2008[1908], p. 158) é de que se refere [...] ao latim integer, vendado pela metátese e esquecido pela alteração semântica. Transparece algo da acepção primitiva em ser entregue de alguma cousa, sintaxe solitária que denuncia ter o vocábulo entregue passado vida independente do verbo entregar. Do adjetivo ter-se-ia derivado o verbo, assumindo aquele, em seguida, função idêntica à do particípio natural.

Refere-se também o autor a esse particípio, em sua Gramática secundária da língua portuguesa. De acordo com ele,

O particípio entregue, proveniente de um adjetivo latino [...] é a única forma participial em –E cujo emprêgo remonta à fase mais antiga da língua portuguêsa. Por analogia criou-se modernamente a par de assentado o supérfluo assente [...]. Aceite, fixe e encarregue (usados em Portugal) são criações plebéias de todo inúteis, havendo já aceito e aceitado, fixo (adjetivo) e fixado (particípio) e encarregado (SAID ALI, 1969 [1923], p. 93).

Mas o verbo que merece destaque na lista de Barros (2000, p. 372), para a primeira conjugação, é o verbo chegar. De acordo com a autora, a forma chega é registrada na Crônica dos Frades Menores, em alternância com chegada, mostrando que essa forma fraca já é antiga em nossa língua. Além da forma chega, também foi registrada pela autora a forma embriago: “que pareçia embriago de avondança de vinho do amoor da graça de Deus”. Tal forma, segundo Nunes (1975[1919], p. 310), em seu glossário, é um particípio e pode ser facilmente substituído por embriagado, como se vê no exemplo.

No corpus notarial, destaca Barros (2000, p. 260-261), para os verbos de segunda conjugação, que o verbo aprender, equivalente a “prender”, além de apresentar os particípios aprendudo e aprendido, também já mostra como particípio a forma apreso ou preso, tal como “preso”, embora a forma aprendido não tenha sido registrada em perífrase verbal, mas apenas

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como adjetivo. O particípio colheito, do verbo colher (< collectum), é registrado no século XV, ainda que, em seu corpus, Barros (2000) não tenha registro do particípio fraco que o substituiu (colhido). Segundo Williams (1938, p. 190), essa mesma terminação de colheito, a forma latina lectum (< –eito), foi tomada “como terminação e se irradiou para outros verbos, a saber, tolheito (arcaico), escolheito (arcaico), coseito (arcaico)”, sobrevivendo em nossa língua poucos, como, por exemplo, eleito (< electum) e colheita, sendo este substantivo. Ressalta ainda Barros (2000, p. 263) que tal terminação morfológica aparece também em estreito, direito e *treito, permanecendo como nomes e não mais como formas verbais.

A forma roto, do verbo romper, aparece uma única vez na análise de Barros (2000, p. 205), mas nunca alterna com rompido, nem mesmo tem o mesmo significado. Também nos textos de Maia (apud BARROS, 2000) não se encontra roto em variação com rompido, sendo todas as formas adjetivos. Por fim, o particípio defeso, do verbo defender, também é registrado por Barros (2000), ao lado da forma fraca defendido, e, do mesmo modo, o verbo nascer apresentava dois particípios, a saber, nado e nascido, embora o primeiro não tenha sido registrado pela autora, mas por outros autores (BARROS, 2000, p. 282).

Dentre os particípios de segunda conjugação, encontrados por Barros (2000, p. 93-95), que estavam em variação na terminação regular, podemos citar o particípio havido, grafado como auudos, no século XIV, ou avudos/havudos, no século XV, sendo que do primeiro se tem registro até o XVI. Quanto à outra variante, em –ido, Barros (2000) registra um único uso de aujdos somente no século XV, além de auydos e avidos, no século XVI. Destaca a autora que a variação ocorreu também com o particípio recebido: grafado como reçebudo, é registrado duas vezes no século XV, ao passo que as formas em –ido aparecem nos séculos XV e XVI. Semelhantemente, o particípio tangido aparece em variação no século XV, com as variantes tanjuda e tangida, por exemplo, de modo que, no século XIV, só há registro de formas em –udo, como, por exemplo, tanguda, tanjuda, taniuda etc., e, no século XVI, registram-se apenas particípios em –ido, tais como tamgyda, tangjda etc. Já o particípio vendido, que tem um único registro no século XIV, na forma vëdudas, aparece em vários casos com a terminação em –ido, mas apenas nos séculos XV e XVI, não atestando, por exemplo, a variação dentro de mesmos períodos de tempo.

A respeito da terceira conjugação, a única forma que aparece nos corpora analisados pela autora é a forma tinto, porém não aparece como particípio, mas apenas como adjetivo. Embora saibamos, que a variação entre –udo e –ido seja peculiar à segunda conjugação, também sabemos que a terceira conjugação apresentou poucos casos como esses, como, por

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exemplo, o verbo vir, o qual, conforme Nunes (1975 [1919], p. 316), teve como particípio também as formas vëudo, vïudo ou veudo, do latim venütum, tal como o francês e o italiano, que dispõem de venu e venuto, nesta ordem. Também os verbos corrigir e induzir, segundo Barros (2000), já apresentaram os particípios corregudo e emduzudo, respectivamente, embora, em seu corpus, tal variação, para a terceira conjugação, não tenha sido atestada. E para somar à discussão, acrescentamos Coutinho (1978[1976], p. 296-297), uma vez que as formas em –udo (< –utu) foram usadas e tiveram largo emprego na segunda e na terceira conjugações, de modo que, no latim vulgar,

[...] serviram-lhes de modelo os verbos de tema terminado em –u, consutus (consuere), tributos (tribuere), minutus (minuere). No antigo português, tais particípios foram igualmente muito usados: avudo (aver), devudo (dever), sabudo (saber), recebudo (receber), perdudo (perder), sofrudo (sofrer), ascondudo (asconder) [...].

Ainda sobre as formas em –udo, duas diferentes explicações são dadas por Brocardo (2002) para a mudança –udo > –ido. A primeira delas estaria relacionada a uma extensão analógica, de modo que a terminação do particípio passado de vogal temática em i teria se estendido aos verbos de vogal temática em e, substituindo e por i, em todos os casos – proposta defendida por Willians (1961[1938]) e Nunes (1975[1919]). A segunda explicação diz respeito a um caso de nivelação analógica ou levelling: o progressivo desaparecimento de –udo em relação a –ido se deve à penetração da vogal i desinencial do pretérito desses verbos também em seu particípio, por analogia – posição defendida por Teyssier (1980) e Piel (1989).

Essas duas posições para explicação da substituição de –udo por –ido, segundo Brocardo (2002), são, de fato, duas interpretações diferentes para a mudança, já que a primeira está situada na relação entre paradigmas diferentes, ao passo que a segunda é explicada com base em formas diferentes, dentro de um mesmo paradigma. Defende, pois, a autora, que ambas dão conta do processo de mudança, complementando-se, embora ressalve que processos analógicos, de acordo com vários estudos, não são naturalmente regulares, mas esporádicos, “ou a total generalização das formas alteradas por analogia só ocorre em períodos de tempo muito longos (vários séculos ou mesmo milénios)”, não atingindo tão rapidamente todas as formas de uma língua, ao contrário do resultado atestado no português, como defende a autora.

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Para Camara Jr. (1976, p. 159), a não permanência no português, de particípios terminados em –udo, pode ter sido motivada ou pela “falta de apoio estrutural no resto do verbo para a vogal –u– no particípio” ou mesmo por conta da “homonímia com o sufixo nominal –udo, para derivar adjetivos de substantivos”, uma vez que este mesmo sufixo carrega valor pejorativo em muitos adjetivos – orelhudo, olhudo, barrigudo, narigudo.

Já para Brocardo (2002), é bastante curioso o fato de a mudança não ter se dado de forma previsível, isto é, de não ter ocorrido na direção regular –udo > –edo, visto que a formação comum do particípio passado em nossa língua se resume à construção vogal temática + do, para a primeira e para a terceira conjugações, e se mostra uma exceção para a segunda conjugação, que forma particípios também em –ido, mesmo quando sabemos que algumas formas em –edo – como, por exemplo, é o caso de caído, que, provavelmente existiu na língua como caeda, “donde provém o actual queda”, como mostra Nunes (1975, p. 316-317 [nota de rodapé] [grifos do autor]) – e mesmo em –udo tenham sido registradas. Ainda sobre a terminação em –edo, Williams (1961[1938]) afirma que nunca foi comum no latim, sobrevivendo em palavras como bêbedo e lêvedo, além de queda.

Do mesmo modo, Lobato (1999) questiona a perda da distinção na segunda e na terceira conjugações, visto que se trata de uma terminação perfeitamente possível em termos linguísticos, como se observa em alguns nomes – medo e ledo –, e mesmo em formas verbais – fedo –, advérbios – cedo – e nomes derivados – vinhedo. Sendo assim, o que se observa, portanto, é um sistema verbal participial, em alguma medida, distinto e regular (–ado, –udo/– edo, –ido), que se neutraliza, com o passar do tempo, pela perda da distinção entre a segunda e a terceira conjugações, resultando em –ado e –ido. Quanto a essa distinção, assegura Brocardo (2002) que a

[...] redução é significativa, podendo relacionar-se com uma tendência observada desde o próprio latim para a redução de classes flexionais verbais resultante da indistinção de certas formas de diferentes classes. Não havendo em português fusão total, numa única classe, dos verbos de VTe com os verbos de VTi, o resultado mais visível desta mudança será talvez a extensão da não alternância de formas já existente[s] às formas de particípio passado [...] quer [n]uma relação entre formas estabelecidas interparadigmaticamente, quer [n]a relação intraparadigmática com as formas que já não manifestavam alternância (BROCARDO, 2002, np).

Porém, ao que Brocardo (2002) considera exceção, no caso da terminação dos particípios em –er, Villalva e Silvestre (2014) usam como argumento para compreendermos que há, na realidade, duas conjugações no português, e não três: de um lado os verbos

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terminados em –ar e de outro os verbos terminados em –er e em –ir, justamente por conta do comportamento semelhante dessas últimas duas conjugações. Retomaremos essa questão no terceiro capítulo deste trabalho. O que nos interessa neste momento é mostrar que aquilo que é dado como exceção pode ser compreendido, por outro lado, como um ponto importante para visualizarmos o sistema de flexão verbal como bipartido em vários aspectos.

Aliás, com referência à oposição morfológica das conjugações portuguesas, já havia reforçado Camara Jr. (1972) que convém a tratarmos, de fato, como duas, visto que a classificação de três conjugações é uma simplificação arbitrária. Segundo o autor, “a verdadeira oposição é entre a primeira conjugação e uma outra subdividida em duas subconjugações” (CAMARA JR., 1972, p. 101), uma vez que, em muitos aspectos, elas se confundem, quando, em muitos casos, a segunda conjugação escolhe a vogal temática i, que pode ser verificada, por exemplo, no particípio fraco.

A irregularidade verbal deve, com efeito, ser conceituada como uma variação morfológica impredizível em face dos padrões gerais, ou regulares, da conjugação. Assim entendida como um desvio do padrão geral morfológico, ela não deixa de ser regular no sentido de que é suscetível de uma padronização também (CAMARA JR. 1972, p. 106).

Ademais, sabe-se que muitos verbos de segunda conjugação tornaram-se verbos de terceira conjugação, com o passar do tempo, em sua forma infinitiva, como ocorreu com o próprio verbo cair, além de fingir e confundir, antes grafados caer, finger e confonder (MAIA, 1986 apud BROCARDO, 2002), o que pode ter, em alguma medida, contribuído para que esses particípios com vogal temática em e tenham desaparecido.

Ressalta ainda Barros (2000, p. 187) que, apesar de a tendência de adoção de particípios arrizotônicos originários do latim pela língua portuguesa ter sido numerosa, muitas formas curtas latinas “se mantiveram na sua categoria de particípios desde o latim até ao português arcaico, tendo muitas delas sobrevivido até aos dias de hoje”, de modo que, não apenas particípios arrizotônicos foram formados tardiamente em nossa língua, mas também os particípios rizotônicos. É verdade que várias gramáticas históricas portuguesas oferecem listas de particípios rizotônicos, porém, como bem frisa a autora, muitas dessas formas põem dúvidas, pois não se referem, na generalidade, a fontes específicas, “uma vez que foram elaboradas sem uma base documental cronologicamente representativa” (BARROS, 2000, p. 187), de maneira a não atestar, por exemplo, o uso de determinadas formas como particípios, realmente. Um inventário dessas inúmeras formas pode ser encontrado, por exemplo, em

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Barboza (1822), em sua Grammatica philosophica da lingua portuguesa, e em Pereira (1946[1926]), em sua Gramática expositiva: curso superior, que listam 98 e 188 verbos abundantes, respectivamente, dentre os quais, inúmeros apresentam como particípios rizotônicos formas que, na verdade, sempre foram adjetivos ou mesmo substantivos no português, como é o caso de cheio e de grato. As listas desses verbos serão apresentadas na próxima seção deste capítulo.

Diante dessas discordâncias, nas palavras de Teyssier (1989[1976], p. 307), “o estabelecimento da lista desses verbos põe um problema complexo, pois as formas que apenas funcionam como adjetivos não são particípios, de modo que só merecem ser consideradas como ‘particípios’ as formas atestadas” em construções ativas e passivas. Segundo o autor, essas listas exibem “falsos duplos particípios”, visto que é muito fácil identificá-los, pois “os adjetivos não podem fazer parte de nenhuma forma verbal, nem activa nem passiva” (TEYSSIER, 1989[1976], p. 310).

Uma explicação para isso é trazida por Giomi (2009), Villalva e Silvestre (2014) e Queriquelli (2016). Mostram os autores que o processo de relatinização do português, isto é, o processo de tentar deixar a língua portuguesa mais erudita, a partir de étimos latinos, na constituição e formação de palavras, trará, ao léxico de nossa língua, palavras bastante distantes do uso, que talvez nunca tenham sido usadas, inclusive, em latim. A esse respeito, já afirmava Said Ali (2008 [1908], p. 156) “o paradoxo [se explica] pela reação erudita, mormente dos escritores da renascença, que tomaram à língua-mãe expressões desconhecidas do vulgo”.

Assegura o autor que não houve preocupação dos eruditos em trazer sistematicamente todos os antigos particípios latinos, mas alguns, sendo que muitos dos que foram recuperados substituíram as formas rivais regulares, no entanto, houve alguns que não foram bem aceitos e acabaram por desaparecer e não serem usados popularmente. Por exemplo, o verbo afeiçoar é citado por Pereira (1946[1926]) como abundante no particípio – afeiçoado e affecto –, sendo que a forma affecto provavelmente não foi usada na sincronia da época.

Afirma Giomi (2009) que muitos verbos, no português, se tornaram abundantes no particípio passado por conta dessa relatinização do português, ocorrida na Renascença, durante o latim clássico, argumento também defendido por Queriquelli (2016). Em outras palavras, antes do período renascentista, que impulsiona a inserção de particípios rizotônicos latinos em nossa língua, alguns verbos só tinham particípios regulares, tornando-se forçadamente abundantes, posteriormente.

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