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Considerações sobre a música pós-tonal para piano de compositores paraguaios

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE ARTES

GONZALO GABRIEL ORTIZ ROMERO

CONSIDERAÇÕES SOBRE A MÚSICA PÓS-TONAL PARA PIANO DE

COMPOSITORES PARAGUAIOS

CAMPINAS 2018

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INSTITUTO DE ARTES

GONZALO GABRIEL ORTIZ ROMERO

CONSIDERAÇÕES SOBRE A MÚSICA PÓS-TONAL PARA PIANO DE

COMPOSITORES PARAGUAIOS

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Música, na a área de Música: Teoria, Criação e Prática.

ORIENTADOR: PROF. DR. PAULO MUGAYAR KÜHL.

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO

DEFENDIDA PELO ALUNO GONZALO GABRIEL ORTIZ ROMERO E ORIENTADO PELO PROF. DR. PAULO MUGAYAR KÜHL

CAMPINAS 2018

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Gonzalo Gabriel Ortiz Romero

Orientador: Prof. Dr. Paulo Mugayar Kühl

MEMBROS:

Prof. Dr. Paulo Mugayar Kühl (Orientador) Prof. Dr. Antonio Rafael Carvalho dos Santos Profa. Dra. Katia Regina Kato Justi

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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Ao meu orientador, Prof. Dr. Paulo Mugayar Kühl, pela confiança, paciência e correções.

Ao Prof. Dr. Alexandre Zamith Almeida, pela ajuda no estudo das peças no instrumento e pelos valiosos conselhos que guiaram o trabalho analítico.

Aos compositores paraguaios Luis Szarán, Daniel Luzko, Nancy Luzko e Diego Sánchez Haase, pela gentileza e prestatividade para ceder as peças para o estudo analítico, pelas entrevistas onde revelaram informações valiosas sobre a música do Paraguai e pela ajuda na compreensão das peças.

Aos colegas músicos paraguaios Nicolás Salaberry e Javier Acosta, por ceder para este trabalho as suas pesquisas inéditas sobre compositores paraguaios.

Ao meu amigo, Pedro Henrique de Faria, pelas correções, esclarecimentos e sugestões.

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O trabalho tem como objetivo estudar a obra contemporânea para piano solo no Paraguai, estabelecer as principais tendências composicionais e os elementos característicos da composição pós-tonal para o instrumento no país. Para contextualizar, será feito um estudo histórico da música do Paraguai na primeira metade do século XX, uma descrição das características mais importantes da música contemporânea e da composição pós-tonal na América Latina e, finalmente, fazer apontamentos sobre os principais aspectos da música contemporânea no Paraguai, com foco no repertório pianístico. Para ilustrar melhor o estado da composição pós-tonal para piano no país, se usarão como referência a obra de quatro compositores importantes do cenário musical paraguaio: Luis Szarán, Daniel Luzko, Diego Sánchez Haase y Nancy Luzko A definição clara dos conceitos apoiada em diferentes fontes, a pesquisa bibliográfica, somadas à análise musical das peças servirão de embasamento ao trabalho.

Palavras – chave: Música contemporânea; Compositores – Paraguai; Música – Paraguai – Séc. XX

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The present work aims to study the contemporary work for solo piano of paraguayan composers, to establish the composicional techniques and characteristic elements of posth tonal composition in Paraguay. For contextualization, will be done a historic study of paraguayan music of the first half of 20th century, a description of the most important characteristics of posth tonal compositions in Latin America and, finally, describe the most important aspects of paraguayan contemporary music, approaching the pianistic repertoire. For better understanding, will be studied the piano pieces of four important paraguayan composers who are reference in the paraguayan music scene: Luis Szarán, Daniel Luzko, Diego Sánchez Haase and Nancy Luzko Definition of concepts, bibliography research and musical analysis will base this work.

Keywords: Contemporary music; Composers – Paraguay; Music – Paraguay – 20th century

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INTRODUÇÃO...11

CAPÍTULO 1 – APONTAMENTOS SOBRE A HISTÓRIA DA MÚSICA NO PARAGUAI...13

1 A formação da identidade musical do Paraguai. O folclore...15

2 Música erudita...19

2.1 Agustín Barrios “Mangore” e o violão como instrumento erudito...20

2.2 José Asunción Flores e a guarânia sinfônica... 24

2.3 Juan Carlos Moreno González: a zarzuela, a música de câmara e a música para piano...32

CAPÍTULO 2 - ASPECTOS DA MÚSICA CONTEMPORÂNEA NO PARAGUAI. A obra pós-tonal para piano...43

1 A influência das vanguardas europeias. Breve compêndio das características principais da música pós-tonal...43

1.1 A “emancipação da dissonância”...45

1.2. A quebra da continuidade formal...48

2.1.3. Ritmos...48

2.1.4. O ruído...49

2.2 América Latina. O Grupo de Compositores da Bahia...50

2.3 O contexto musical paraguaio na década de 1970...53

2.2. Os primeiros compositores paraguaios de música contemporânea...56

2.2.1. Nicolás Pérez González (1927-1991)...56

2.2.2. Luis Szarán (1953)...58

2.3. O Grupo de Compositores de Assunção...60

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3.1.1. Os compositores e as peças da coletânea...63

3.2. A tese e Piano Works de Nancy Luzko... 70

3.3. Lista atualizada de obras contemporâneas para piano de compositores paraguaios...72

Comentários finais...73

CAPÍTULO 3 - EXEMPLOS DE MÚSICA CONTEMPORÂNEA PARA PIANO DE COMPOSITORES PARAGUAIOS. Análise de quatro peças...75

1. Suíte Encarnaciones – Luis Szarán...76

2. Sensus – Daniel Luzko...91

3. Through the doorway – Nancy Luzko...102

4. Dos piezas paraguayas – Diego Sánchez Haase...110

CONCLUSÃO...119

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INTRODUÇÃO

A música contemporânea tem sido, nas histórias musicais dos diferentes países da América Latina, uma maneira de atualizar a criação e performance da música de concerto. A isso se soma a vontade de explorar alternativas que difiram das sonoridades da música tonal e, em medida menor, uma tendência à transgressão. Essa vontade de buscar alternativas à música tradicional chegou ao Paraguai umas décadas depois das primeiras manifestações em países vizinhos obedecendo aos mais variados motivos e circunstâncias e, de alguma maneira, a música pós-tonal ainda está terminando de se instalar no repertório, tanto dos intérpretes quanto dos compositores. Considerando que a pesquisa musicológica é incipiente no Paraguai, este trabalho propõe uma primeira abordagem histórica e analítica da música contemporânea no país com foco no repertório pianístico.

Para ajudar a resolver, de alguma maneira, o problema da falta de conhecimento sobre a música do Paraguai, o primeiro capítulo deste trabalho oferece uma resenha histórica da música do país desde o começo do século XX, fazendo uma amostra do folclore (a maior fonte de material musical do país) e os principais compositores de música erudita. O estudo está apoiado nos pilares da pesquisa musicológica paraguaia: Juan Max Boettner, Juan Carlos Moreno González, Luis Szarán e Diego Sánchez Haase. O recorte histórico valoriza os grandes personagens da música paraguaia do século XX, representados pelos compositores Agustín Barrios “Mangoré” (principal compositor paraguaio para violão), José Asunción Flores (criador da guarânia e representante mais importante da música sinfônica paraguaia) e Juan Carlos Moreno González (o primeiro grande compositor para piano e música de câmara). Pelo foco da pesquisa na música erudita contemporânea, dados anteriores ao século XX, como a música das reduções jesuíticas, a música durante a época da colônia e pesquisas antropológicas que revelaram a música das tribos indígenas não serão abordadas por não serem materiais diretamente utilizados na composição pós-tonal.

O segundo capítulo pretende fazer uma história em espiral que começa num enfoque histórico e descritivo para elucidar os conceitos de contemporâneo e

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pós-tonal a partir das mudanças feitas pelos compositores europeus do começo do

século XX, com a ajuda das apreciações de Joel Lester, Stefan Kostka, Richard Crocker e Alex Ross. A partir do esclarecimento dos conceitos, será feito um resumo da música contemporânea na América Latina e a sua influência direta no primeiro importante compositor paraguaio de música pós-tonal, Luis Szarán, tendo como principal material o excelente livro de Gerard Béhague La música en América Latina. Esse interlúdio servirá para, finalmente, desembocar na música contemporânea no Paraguai, nos primeiros compositores e obras, para depois focar na produção pós-tonal para piano de compositores paraguaios, usando como principais fontes a importante coletânea de obras contemporâneas para piano de compositores paraguaios de 2001 e a tese da pianista e compositora Nancy Luzko An annotated

bibliography of Paraguayan music for piano, de 2005.

O terceiro capítulo é uma amostra das peças que consideramos como as mais importantes do repertório. São comentários analíticos sobre quatro peças: a suíte Encarnaciones de Luis Szarán, Sensus de Daniel Luzko, Through the doorway de Nancy Luzko e Dos piezas paraguayas de Diego Sánchez Haase; ditos comentários serão feitos com o objetivo de mostrar o estado da composição pós-tonal para o instrumento nos últimos 45 anos. Por ser quatro peças, cada uma com a sua particularidade, as análises serão mais orientadas a aspectos gerais, com o intuito de mostrar as técnicas de composição dos representantes mais importantes da música contemporânea do Paraguai, os principais materiais que serviram de base (a música europeia, o folclore paraguaio e a música popular) e as peculiaridades sonoras das peças. A metodologia para a análise é resultado do estudo pianístico do repertório cruzado com as ideias de importantes autores como Stefan Kostka, Jonathan Dunsby, Nicholas Cook e Joel Lester.

Este modesto trabalho é primeiramente de divulgação do que acontece num pequeno país que, apesar da sua história cultural magoada por guerras e conflitos políticos e sociais internos, tem músicos que conseguiram sair do molde tradicional e se aproximar das abstrações que contribuem a enriquecer o fazer intelectual e artístico de uma nação. Esperamos que esta pesquisa estimule o interesse pela música do Paraguai.

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CAPÍTULO 1

APONTAMENTOS SOBRE A HISTÓRIA DA MÚSICA NO PARAGUAI

Este capítulo terá como tema principal os começos da música popular no Paraguai, a influência da música espanhola, a origem e desenvolvimento da polca paraguaia e da guarânia -os dois ritmos tradicionais da música paraguaia-, a influência da música folclórica na música erudita, os primeiros compositores de música erudita e, finalmente, a influência desses dois estilos (folclórico e erudito) nos compositores de música contemporânea para piano. Precisamos esclarecer que este resumo da história da música do Paraguai tem o objetivo de encaminhar a discussão em direção à música pós-tonal e, tomada a precaução de esperar mais desconhecimentos e incertezas sobre a música desse país, será feita uma sucinta contextualização a fim de entender melhor os antecedentes do objeto principal de estudo. Sendo um resumo que vai servir para contextualizar um fato específico, serão desenvolvidos aspectos que justifiquem a referência.

Um ponto de partida comum na abordagem histórica da música contemporânea é traçar uma linha causal que começa nos limites da tonalidade, passa por construções musicais ambíguas no ponto de vista harmônico e chega até a quebra real do sistema tonal e as subsequentes construções atonais. Começar pelo ponto de quebra funciona quando os antecedentes são bem conhecidos. No caso da música europeia, abundam trabalhos sobre história e análise desde a música medieval até o fim do romantismo1, trabalhos com tanto detalhe e especificidade que, falando em temáticas, quase tudo está coberto. Se existe alguma coisa a acrescentar, são novos pontos de vista, o que é basicamente a tarefa de qualquer trabalho histórico. O problema com a música no Paraguai é a falta dessa base, a falta de documentos e, por conseguinte, a falta de elementos para escrever uma história da música mais consistente2. Portanto, não existe muita documentação sobre música, são muitos anos sobre os que não sabemos nada do

1 Só entre as editoras Dover, Norton, Cambridge e Oxford existem importantes e exhaustivas publicações de história geral de música ocidental, sem contar livros sobre períodos ou compositores específicos.

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que se compunha, tocava e cantava no país.

Os momentos importantes da história política do país podem ajudar a contextualizar a prática musical, mais ainda com a ausência de dados concretos sobre a música em si, mas isso só possibilita a especulação ou o uso de dados indiretos pra tentar cobrir os espaços vazios. Por exemplo, para falar de música do Paraguai usa-se, como base, suposições sobre a música na Argentina ou no Brasil (MORENO GONZÁLEZ, 1981, p.40); assim, na origem da polca paraguaia -o ritmo mais importante do país- é impossível não ler alguma relação con ritmos da Argentina e até do Perú, ritmos com a mesma fórmula de compasso e acentuação, e especular a origem da polca a partir disso. Esse inconveniente é especialmente evidente nos livros de história da música do Paraguai que, pela escassez de material sobre as épocas estudadas, valem-se de suposições para não deixar sem cobrir muitos anos de história.

Sobre a música na época pré-colombiana, a pesquisa etnomusicológica não existia na forma que existe hoje, portanto a música dos indígenas durante a conquista espanhola não pôde ser devidamente registrada. A pouca informação sobre a música dos indígenas antes da conquista, principalmente da família Guarani, são deduções a partir de estudos antropológicos recentes que deram como resultado excelentes conteúdos para a antropologia e etnomusicologia atuais, mas que são alheios aos propósitos deste trabalho.

Entre a descoberta do Paraguai em 1524 até a independência em 1811, um capítulo importante no estudo musical seriam as reduções jesuíticas, pela intensa atividade desde a elaboração de instrumentos até a composição musical especificamente para os músicos das reduções. Mas esse capítulo está historicamente isolado do futuro da música do Paraguai: já não existe influência nem indígena nem dos jesuítas na música dos primeiros anos da independência. Além de tudo, os dados sobre música nas reduções no Paraguai não difere muito dos dados sobre a música nas reduções no Brasil, sobre a qual existem várias menções nos livros de história da música brasileira, como Vasco Mariz e Bruno Kiefer.

Em termos gerais, a prática musical no Paraguai entre a independência e o começo do século XX obedeceu à necessidade de haver música nos encontros da

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sociedade na época da colônia e nos primeiros anos da independência, à necessidade de afirmação da identidade nacional -durante e após os conflitos internacionais que atravessou o Paraguai-, às tentativas de levar a música popular para a música sinfônica e à incipiente criação musical erudita (que na maioria das vezes se tratava de música popular orquestrada ou simplesmente escrita). Pretendemos fazer um resumo que contemple os aspectos que ajudem não só a contextualizar esta pesquisa, mas também a conhecer melhor a história musical que é desconhecida até pelos próprios paraguaios.

1 A formação da identidade musical do Paraguai. O folclore3.

Desde 1811, momento em que o Paraguai deixa de ser colônia espanhola e vira país soberano, até 1972, ano da primeira peça pós-tonal para piano, a música no país foi eminentemente folclórica. A música era para festas, destinada à dança, servia para incentivar o patriotismo (principalmente nas duas grandes guerras que enfrentou o país) e para render homenagem a pessoas proeminentes. A totalidade da música no Paraguai foi, por muito tempo, o seu folclore. Aí se reconhecem dois ritmos principais: a polca e a guarânia; a instrumentação desses ritmos era violão e harpa paraguaia. A canção paraguaia se desenvolveu junto com essas duas bases, rítmica e instrumental, sendo a língua guarani um forte diferencial.

Durante o governo de Dom Carlos Antonio López4, em 1858, foi inaugurada a casa do filho do presidente, Venancio López Carrillo. Boettner cita uma crônica do jornal “Semanario”: “[...] no meio do campo chamado 'do Hospital' havia uma banda de música militar, destinada exclusivamente para a diversão do povo que dançou suas quadrilhas, polcas e mazurcas ao compasso dessa ruidosa orquestra e iluminada por tochas”(BOETTNER, 1997, p.199). Essa é a primeira vez que se menciona a palavra “polca” como ritmo executado no Paraguai. A conclusão dos

3 BOETTNER, Juan Max. Música y músicos del Paraguay. 1997

GIMÉNEZ, Florentín. La música paraguaya. 1ed. Asunción: El lector, 1997

MORENO GONZÁLEZ, Juan Carlos. Datos para la historia de la música en el Paraguay. 1ed. Asunción: APA, 1981

SÁNCHEZ HASSE, Diego. La música en el Paraguay. Breve compendio de su historia, acontecimientos y características más importantes. 1ed. Asunción: El Lector, 2002

SZARÁN, Luís. Diccionario de la música en el Paraguay. 1ed. Asunción: Luis Szarán, 2007 4 Primeiro presidente constitucional da história do Paraguai.

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historiadores é que esse ritmo de fato já é a polca paraguaia, de estrutura polirrítmica, não a polca da Boêmia, que é um ritmo binário de compasso simples. A polca europeia chegou no continente americano por volta de 1845 e virou uma sensação nos bailes. No Paraguai já existia a dança típica com a estrutura polirrítmica, mas não havia um nome determinado, então foi chamada com a denominação da dança que estava na moda, no caso, a polca. Existiram outros nomes antes da polca, como a “galopa”, nome utilizado até hoje no Paraguai e regiões da Argentina (a “galopeira” não é mais do que a mulher que dança a galopa equilibrando uma garrafa acima da cabeça). Os compositores paraguaios do “grupo de Buenos Aires”, na década de 1950, quiseram dar ao ritmo paraguaio um termo que não fosse emprestado, assim surgiu a palavra “kyre'ỹ” (palavra em guarani que significa 'com brio'), também outros termos nas polcas cantadas, como “techaga'u' ('nostalgia') e 'purahéi' ('canção'), mas a palavra polca já tinha uma vida de mais de cem anos e os outros nomes não passaram de tentativas de dar um nome original ao ritmo tradicional do Paraguai.

Aparentemente, a influência da música espanhola foi forte, pela semelhança de muitas danças do novo continente com as danças espanholas. Neste aspecto são muitas as teorias sobre possíveis combinações de ritmos que deram origem à principal dança paraguaia, sempre fazendo relações com outros ritmos de regiões próximas com características semelhantes. A partir do que escreveram os teóricos da música no Paraguai (Boettner, Moreno González, Szarán, Sánchez Haase e Giménez), determinar uma data para a origem da polca é difícil. O principal ponto de apoio é a relação da polca com a música em três tempos tocada com o violão (instrumento trazido pelos espanhóis), como a música da Andalucia e de Castilha, principalmente o ritmo da 'jota', que tem um baixo marcante de três tempos, que mutou para a 'zamacueca' peruana e o 'gato' argentino, ritmos ternários parecidos à polca paraguaia. Essas danças em compasso binário composto (6/8) servem de ponto de partida para especular sobre a origem da polca paraguaia, mas não existem documentos que ajudem a determinar a sua origem e as primeiras peças.

A polirritmia é o aspecto essencial da polca paraguaia, que consiste em executar o baixo em compasso ternário e a melodia em compasso binário. As

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fórmulas rítmicas mais usadas são:

Figura 1 - Fórmulas rítmicas da polca paraguaia

Uma característica importante na melodia é o 'sincopado paraguaio', característica designada pelo historiador Juan Max Boettner e citada por Moreno González, Szarán e Sánchez Haase, e que é de amplo uso na teoria sobre a música paraguaia. Consiste na antecipação ou retardo de uma colcheia na melodia que, segundo a descrição poética de Boettner, dá uma “sensação deliciosa de desleixo, de despreocupação, de negligência tropical”, dita síncopa não cria especificamente uma instabilidade rítmica, como acontece com a síncopa do jazz. No aspecto melódico-rítmico, o sincopado paraguaio é a principal característica da música do Paraguai.

Duas fontes, Boettner e Moreno González, insistem na relação entre a métrica grega e as danças da época da conquista (BOETTNER, 1997, p.202; MORENO GONZÁLEZ, 1981, p.35), onde a soma do Modo 1 ou Troqueu (longa-breve) e o Modo 2 ou Iâmbico (breve-longa) dá como resultado o Coriambo (longa-breve-breve-longa), o que constitui a base de vários ritmos com características comuns na região, como os ritmos já mencionados (zamacueca, gato, polca e os seus derivados). Segundo os próprios autores, a influência da métrica grega é indireta, pois veio para o novo continente junto com a música dos espanhóis, a partir da qual surgiram as danças na região.

A polca começou como dança. Nas primeiras canções em ritmo de polca, foi necessário diminuir o andamento, o que originou uma outra forma da polca paraguaia, um pouco mais devagar, chamada de “Purahéi” ('canção' em guaraní), que recebeu muitos nomes de outros compositores, como “techaga'u” ('saudade' em

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guaraní', Juan Carlos Moreno González) ou simplesmente 'polca canción'. A harmonia da polca é herança da música da época da colônia, com acordes perfeitos e o uso da sétima na função de dominante.

A colaboração entre um músico e um poeta fizeram possível a origem da guarânia. Nas muitas tentativas pra mudar o nome da polca, o poeta Manuel Ortiz Guerrero5 propôs a palavra guarânia, derivada do termo 'guarani' e portanto, segundo ele, a palavra mais indicada para designar a dança mais tradicional do Paraguai. O compositor José Asunción Flores6 foi quem materializou esse desejo, só que de uma outra maneira: criando uma nova forma de canção a partir da polca, mais lenta e de estrutura diferente. De fato, a guarânia surgiu, segundo Boettner, pela falta de uma “canção lenta, melancólica, adequada a certos estados de ânimo do povo, (...), assim surgiu a guarânia, a base de ralentar o nosso ritmo de polca” (BOETTNER, 1997, p.209).

A colaboração de Manuel Ortiz Guerrero foi decisiva. A guarânia não foi muito bem recebida entre os outros músicos e Flores passou um tempo de crise. “Ortiz se encarregou de me resgatar” escreveu Flores; de fato, as guarânias mais conhecidas (não só no Paraguai) são aquelas que têm a letra de Ortiz Guerrero, como Kerasy7

India, Panambi Vera8, Ne rendápe aju9 e Paraguaýpe10. Flores aproveitou o tempo em Buenos Aires para aprimorar os seus conhecimentos sobre orquestração, sendo assim o primeiro compositor paraguaio de música sinfônica. Aplicou esses conhecimentos no que ele chamou de 'hierarquização da guarânia”, para isso

5 Manuel Ortiz Guerrero, “nasceu em Villarrica em 1894. Foi autor dos textos das guarânias de maior sucesso de José Asunción Flores. Foi uma figura de notável influência em músicos da sua geração. Na década de 1920 fundou em Assunção a Imprenta “Surukua” onde se editaram partituras de autores paraguaios. Faleceu em Assunção no 8 de maio de 1933” (SZARÁN, 2007)

6 José Asunción Flores, nasceu em Assunção em 1908. Iniciou os estudos musicais como aprendiz na 'Banda de Música de la Policía de la Capital', primeiro tocando trombone e depois violino. Escreveu a primeira peça em 1922, uma polca. Em 1925 criou a guarânia. Depois da Guerra do Chaco, em 1935, foi exilado do Paraguai e foi para Buenos Aires, Argentina, onde formou a 'Orquesta Ortiz Guerrero', que realizou históricas gravações de obras próprias e de outros compositores paraguaios. A sua ligação ao Partido Comunista e alguns cargos diplomáticos importantes lhe permitiram muitas viagens para a União Soviética, onde, junto com a suas atividades políticas, aproveitou pra gravar e apresentar suas obras com orquestras soviéticas, a colaboração entre Flores e as orquestras soviéticas se extendeu até pouco antes da morte do compositor em 1972. (SZARÁN, 2007)

7 'Sono triste', tradução livre

8 'Borboleta brilhante' em tradução livre. 9 'Venho a ti', tradução livre.

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compôs peças de caráter e estruturação sinfônica, que foram interpretadas pela Orquestra Ortiz Guerrero em Buenos Aires e pela Orquestra da Rádio Estadual da URSS, entre elas uma nova versão de India.

Com relação à instrumentação, a função de melodia era exercida pela harpa paraguaia e a levada rítmica pelo violão. A harpa paraguaia é a adaptação do instrumento introduzido pelos jesuítas no século XVII e a primeira referência é de 1637, uma referência indireta que aparece no dicionário de Luis Szarán, feita pelo padre Ripario11: “Cantaram (os índios) conforme à música, a missa inteira e outros

cantos e motetes com instrumentos como violinos, harpas, cornetas, flautas, cítaras, trombones e outros cantaram a vozes sós”12

As características melódicas do instrumento permitiram a sua rápida adaptação no folclore paraguaio. Pela diatonicidade da harpa (o número de cordas varia, entre 36 e 38, afinado em fá maior ou mi maior), as melodias sempre vão ser simples e dentro de uma escala específica, que tem que ser coberta pela maior quantidade de cordas do instrumento -se houver alguma peça em outra tonalidade, o harpista tem uma “chave”, uma peça de metal que, encostando nas cordas do instrumento, eleva a nota da corda um semitom- . O primeiro grande compositor para harpa foi Félix Pérez Cardozo (1908-1952), que compôs peças muito conhecidas no Paraguai até hoje, como Guyra Campana, Tren lechero e Sueño de

Angelita.

2 Música erudita

Boettner escreve em 1965 que são poucos os compositores de música erudita no Paraguai, o que evidencia o contraste entre uma prática musical comum -no caso, a música folclórica- e a música acadêmica, que em muitos aspectos não saiu dos começos até hoje.

As correntes de música erudita na América Latina iniciaram quase sempre

11 Padre Antonio Ripario, sacerdote jesuíta italiano que veio para a missão jesuítica de Córdoba de Tucumám, atualmente Argentina. Mandou algumas cartas para o Provincial dos Jesuítas na Italia com alguns relatos sobre a prática musical nas missões jesuíticas.

12 ARPA PARAGUAYA. IN: SZARÁN, Luis. Diccionario de la música en el Paraguay. Assunção: Luis Szarán, 2007. (Tradução nossa)

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com alguma experiência de música erudita que impactou algum músico do país de referência -Paraguai, neste caso-, resultado do contato com algum compositor ou estilo estrangeiro.

O destino preferido pelos músicos paraguaios para a sua formação foi Buenos Aires. Todos os compositores paraguaios de música erudita antes da fase pós-tonal estudaram ou se aperfeiçoaram nessa cidade. Boettner escreve sobre o “Grupo de Buenos Aires” (BOETTNER, 1997, p.218), que na verdade não existiu como grupo de compositores, trata-se apenas de uma denominação de um punhado de músicos que estudou na mesma cidade e compartilhou ideais estéticos de maneira muito indireta, mas não produziu nada como grupo.

A música erudita começa com composições para o instrumento mais executado no Paraguai: o violão. Depois vêm as experimentações com música sinfônica, primeiro com orquestrações de peças folclóricas e, a partir daí, algumas composições com estrutura e linguagem eruditas. Ao violão e à orquestra seguem o piano e a música de câmara. No caso do piano, foi o instrumento mais explorado dentro da música erudita logo antes dos inícios da música contemporânea.

2.1 Agustín Barrios “Mangoré” e o violão como instrumento erudito.

O violão foi o instrumento mais usado na música paraguaia, pelas características já conhecidas do instrumento, como a facilidade para o transporte -do ponto de vista prático- e as possibilidades do instrumento, que permitem dar apoio rítmico e harmônico e, por conseguinte, acompanhar o canto. Portanto não é estranho que o primeiro grande compositor paraguaio (e o mais conhecido até agora) tivesse composto peças para esse instrumento.

A maior parte da música de Agustin Barrios (1885-1944) é composta por peças curtas, em forma de dança e com duas ou três partes.

Barrios começou estudando violão com o criador da escola violonística do Paraguai, Gustavo Sosa Escalada13. Começou a se apresentar tocando arranjos próprios de temas folclóricos e saiu do Paraguai em 1910 para fazer a sua primeira

13 Professor de violão, nascido em Buenos Aires. Se apresentou como violonista no Paraguai pela primeira vez em 1895, foi professor de violão no 'Instituto Paraguayo' de 1897 até 1909.

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turnê na Argentina, no Uruguai e no Chile. A turnê deveria durar uns dias, mas não voltou ao Paraguai até doze anos depois. Além de tocar nesses países, aproveitou para continuar a sua formação musical.

A influência de dois compositores europeus foi crucial no estilo de Barrios: Johann Sebastian Bach e Fréderic Chopin. De Bach, como muitos outros compositores, aprendeu a explorar as possibilidades do contraponto, que aplicou em peças como “Las abejas” (1921). A harmonia, no entanto, é mais voltada a um romantismo simples, sem se afastar muito da tonalidade principal e sem explorar muito o ciclo das quintas: as modulações são mais para a dominante ou a relativa menor, mas com abundante uso de cromatismos e dominantes secundárias. O desenho da melodia lembra as peças para instrumento solo de Bach (Figura 2), como suites e partitas, enquanto nota-se nos motivos, nas modulações e nos momentos de tensão a presença de elementos tradicionalmente associados ao romantismo (Figura 3).

Figura 2 – Agustín Barrios, Las abejas

Figura 3 – Agustín Barrios, Las abejas

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inspiradas em danças europeias -principalmente valsas- ou dos países por onde passou (quase todos os da América Latina). Na obra de maior envergadura, La

Catedral, que é uma obra em três movimentos: Preludio Saudade (1938), Andante Religioso e Allegro Solemne (1921), é evidente o impulso de compor uma peça

dentro do cânone erudito. Esta é a obra de maior relevância em termos de estrutura, pois é a única peça do compositor dividida em movimentos, como as suítes e sonatas da música erudita.

A estrutura tem, em linhas gerais, a característica da forma sonata em relação ao caráter dos movimentos. O primeiro movimento, Preludio Saudade, (Figura 4) tem estrutura parecida aos prelúdios para teclado de Bach14: exposição, pequeno desenvolvimento, recapitulação e coda, com a mesma figuração rítmica e com a carga expressiva determinada pela harmonia. A tonalidade principal é si menor, passando pela relativa maior e criando a tensão principal do movimento por volta da dominante.

Figura 4 – Agustín Barrios, La catedral, Preludio saudade, c.1-8

O Andante Religioso tem um caráter que lembra as marchas fúnebres do

14 FORERO ACERO, Luís Henrique. Análisis interpretativo de La Catedral de Agustín Barrios. Trabalho da curso de música da Faculdade de Artes da Pontifícia Universidade Javeriana de Bogotá. 2014. p. 9

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século XIX. Tem textura homofônica, onde estão bem claras as funções de melodia e acompanhamento, porém há alguns trechos de caráter melódico na região grave. É de caráter solene, com duas partes, a primeira das quais é uma introdução. A harmonia deste movimento explora o ciclo das quintas, mas não faz modulações distantes. (Figura 5)

Figura 5 – Agustín Barrios, La catedral, Andante religioso, c.1-8

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O último movimento é o de caráter mais vivo da peça, Allegro Solemne, que é uma peça em forma de Rondó. Igual acontece com as outras partes, modula para a relativa maior. É um movimento muito rico em cromatismos. (Figura 6)

Agustín Barrios “Mangoré” não só é o primeiro compositor erudito do Paraguai, é o mais importante e o mais conhecido dentro e fora do país. Embora existam músicos que consideram as peças de Barrios como “música de salão”, por tratar-se de peças curtas, a contribuição dele é crucial na história da música paraguaia, não só por marcar um princípio na composição erudita, mas também pelo seu trabalho como violonista e arranjador, por ajudar a elevar o violão à categoria de instrumento de concerto, não só com as obras originais para violão, mas também com as transcrições da música de Johann Sebastian Bach, Fréderic Chopin, Robert Schumann o outros compositores eruditos.

2.2 José Asunción Flores e a guarânia sinfônica

Ao tratar das orquestras sinfônicas no Paraguai, é inevitável sentir nos autores de livros sobre música do país um derrotismo e uma grande frustração, “lamentavelmente este é um capítulo quase negativo” escreve Boettner na parte das orquestras sinfônicas (BOETTNER, 1997, p.217). As tentativas de ter uma orquestra sinfônica estável no país só se concretizaram em 1957, com a criação da Orquesta

Sinfónica de la Ciudad de Asunción (OSCA). A composição de música para

orquestra foi adiada por muito tempo devido à falta de orquestras no país. Muitos compositores aproveitaram o tempo de estudo fora do país para aprender conceitos sobre instrumentação e orquestração e apresentar as obras compostas por eles com orquestras da Argentina e, no caso de José Asunción Flores, da União Soviética.

Na biografia do compositor paraguaio Hermínio Giménez, no Diccionario de la

Música en el Paraguay de Luis Szarán, aparece uma descrição muito completa da

realidade dos compositores paraguaios que queriam encarar a música sinfônica. Transcrevemos uma parte extensa dessa descrição para ilustrar melhor essa realidade:

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compositores do Paraguai que viveram no exílio. Iniciou-se na música popular de inspiração folclórica, nas grandes urbes acedeu a aulas básicas de harmonia e orquestração e a partir dali trabalhou no que todos chamaram de hierarquização da música paraguaia, que consistiu em trasladar a música popular do Paraguai para a linguagem da música sinfônica, à maneira dos nacionalistas europeus do século passado e os americanos do começo deste século. Mas a formação técnica da maioria desses compositores foi limitada, o que influenciou no fato de que as contadas ocasiões em que as peças foram apresentadas, deveram-se à iniciativa dos próprios compositores. O próprio Giménez foi partícipe de uma polêmica dessa natureza ao ser convidado para reger a Sinfônica de Rio de Janeiro, quando integrantes da comissão artística reclamaram do programa por tratar-se de música popular orquestrada, que não estava à altura do exigido para um concerto sinfônico convencional. Logicamente, Giménez respondeu ao questionamento com argumentos em defesa do folclore. Mesmo que a produção musical de Herminio Giménez seja uma das mais destacáveis -pelo fino acabamento técnico- dentre os outros compositores paraguaios, para algumas pessoas a linguagem dele é considerada ingênua e antiquada”.15

O compositor mais conhecido nesse processo de 'hierarquização' foi José Asunción Flores, o criador da guarânia. Em 1940, Flores ganha uma bolsa do governo paraguaio e por meio dela aprendeu instrumentação e orquestração, entre 1940 e 1946, em Buenos Aires, Argentina. Foi aluno de Gilardo Gilardi, Rodolfo Kubi e, de maneira esporádica, de Alberto Ginastera. Além das aulas em Buenos Aires, Flores teve contato com as obras orquestrais mais importantes dos compositores europeus, como as sinfonias de Beethoven, os dramas musicais de Wagner, as óperas de Verdi, as obras sinfônicas dos compositores russos -principalmente Borodin e Tchaikovsky- e as peças orquestrais de Debussy. Flores ouviu essas peças com os regentes mais destacados da época, como Herbert von Karajan e Leonard Bernstein.

Um cargo diplomático16 lhe permitiu viajar à União Soviética, onde em 1967 e

15 GIMÉNEZ. HERMINIO. IN: Diccionario de la Música en el Paraguai. Luis Szarán, Assunção. (Tradução nossa)

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1969 oito das suas peças foram gravadas pela Orquestra e Coro da Rádio e Televisão Soviética, sob a regência de Yuri Ahronovitch17 e sob a supervisão do compositor. Entre essas peças estavam três escritas entre 1944 e 1952:

Nanderuvusu, Pyhare Pyte e María de la Paz. Segundo biógrafos e estudiosos da

música do Paraguai, essas peças são consideradas as mais importantes do repertório sinfônico de Flores e dentre as peças orquestrais de compositores paraguaios até a década de 1970.

Flores começou compondo guarânias com estruturas de canções simples, com introdução, estrofe e refrão, com harmonia tonal muito simples. Os trabalhos com a orquestra “Ortiz Guerrero” em 1933 e a orquestra folclórica “Guarani” em 1936 lhe deram a oportunidade de orquestrar e gravar a sua obra incipiente. O contato com a música orquestral e sua instrução nos anos em Buenos Aires abriram novas possibilidades técnicas que Flores aplicou na composição das suas peças orquestrais mais importantes. Ele as chamou de “guarânias sinfônicas”, que, pelo caráter poético e às vezes até descritivo -e por ser de um movimento só-, estão dentro da forma de poema sinfônico.

Destaca-se a peça Ñanderuvusu18 (Figura 7), para orquestra e coro, cujo título em guarani significa “Nosso Grande Pai”, o nome do deus mais importante da cosmogonia guarani, pois é o criador de si mesmo e cria os outros deuses que o ajudaram a criar a terra19. Diferente das outras duas guarânias sinfônicas,

Ñanderuvusu explora aspectos musicais até então não praticados por compositores

paraguaios, como resquícios de bitonalidade, desdobramentos rítmicos, escalas em tons inteiros e dissonâncias. Esses elementos fazem com que a peça seja de grande importância como antecedente da música póstonal no Paraguai.

17 Yuri Ahronovitch (1932-2002), foi um regente soviético, estudou no conservatório Rimsky-Korsakov de Leningrado, foi aluno, entre outros, de Kurt Sanderling. Acompanhou grandes solistas como Lenid Kogan, Maria Yudina, Emil Gilels e participou na estreia de peças de compositores como Aram Khachaturiam e Rodion Schnedrin. Disponível em: www.yuriahronovitch.com (sítio oficial do regente)

18 Os comentários sobre a peça “Ñanderuvusu” estão baseados em: SALABERRY, Nicolás.José Asunción

Flores: poema sinfônico “Ñanderuvusu”. Análise interpretativa e importância história. Originalmente

apresentando como Trabalho de Conclusão de Curso do Bacharelado em Música com Habilitação em Regência, Universidade de São Paulo, 2013.

19 IBARRA GRASSO, Dick Edgar.Cosmología y mitología indígena americana. 2ed. Buenos Aires: Kier, 1997. pp. 151-153

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Quanto à orquestração:

“A Orquestração Sinfônica conta com partes para Flautim, Flauta, 2 Oboés, 2 Clarinetes (Bb), 2 Fagotes, 3 Trompas (F), 2 Trompetes (Bb), 2 Trombones, Tímpano, Percussão (pratos, caixa, bumbo, tam tam, vibrafone, maracas), Harpa, Violino I e II, Violas I e II, Violoncelo, Contrabaixo, Coro SATB e Piano” (SALABERRY, 2013, p.32).

A peça tem três partes principais. A duas primeiras constam de uma introdução e mais duas seções. Uma breve repetição da parte A e a Coda constituem a última parte da obra. O parâmetro principal para a mudança de caráter -o que determina as partes em que a obra está dividida- são mudanças nos padrões rítmicos, mais do que mudanças na harmonia, na melodia ou na textura. A letra cantada pelo coro consta de três motivos rítmico-melódicos, a primeira é “Ñanderuvusu”, depois “Tupa20 eju” (Deus, venha) e “jha jhane”, “jhane jha” e variações (palavras sem significado em guarani, aparentemente onomatopeias ou interjeições).

A Introdução da primeira parte oscila em andamento (Allegro e Lento) e caráter: a entrada no Allegro é agressiva (Figura 8), com fortes ataques do clarinete, trombone, viola, violoncelo e vozes graves e o Lento é mais calmo, com uma melodia que tem caráter de cantochão, nas madeiras, repetido depois pelo coro à capella (Figura 8). O texto das vozes na introdução é “Ñanderuvusu” (nas entradas fortes das vozes graves) e “Tupa eju” (no trecho à capella). A primeira seção,

Andantino, começa com um ostinato rítmico nas madeiras, cordas e percussão

(Figura 9), junto com o terceiro motivo vocal, “jhane jha” ou “jha jhane” ou variações desses sons com pequenas adições, o próprio compositor indicou no manuscrito que as letras não devem ser bem pronunciadas (SALABERRY, 2013, p.40), as vozes fazem variações da segunda célula rítmico-melódica, à maneira de imitação, é o trecho onde as vozes do coro mostram maior independência. A segunda seção em Allegro apresenta outro ostinato rítmico, com o coro primeiro em textura homofônica e depois finalizando o trecho com citações do segundo motivo melódico.

20 Tupa ou Tupã, um dos deuses criados por Ñanderuvusu, responsável pelas chuvas, trovões e relâmpagos. IBARRA. Op. cit. p.156. Por influência dos jesuítas, Tupã foi o nome guaraní designado ao deus cristão.

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Figura 9 – José Asunción Flores, Ñanderuvusu, c.

A segunda parte também começa com uma introdução, que é uma breve variação da melodia das madeiras na introdução da primeira parte, porém com figuração rítmica mais rápida e a presença do naipe de cordas. A primeira seção da segunda parte começa com o destaque de motivo rítmico que já apareceu antes na forma de complemento vocal ou acompanhamento da orquestra, o motivo começa nesta seção com os tenores do coro e é uma célula rítmico-melódica marcante na segunda parte da obra, com a letra “jhane jha”, etc. (Figura 11), seguido de um trecho que inicia com uma melodia uníssono nos naipes masculinos e depois apresenta um contraponto das vozes femininas em uníssono junto com a linha dos tenores e barítonos. A segunda seção começa com um trecho tranquilo das madeiras com o mesmo motivo da primeira seção, repetição da entrada dos tenores na primeira seção que depois será dobrada pelos sopranos e mezzo sopranos, com a adição dos barítonos dobrando violoncelos e contrabaixos, encaminhando para o trecho mais denso em termos de textura e, portanto, para o clímax da peça. (Figura 10) Um trecho dramático, com o texto “Tupa eju” cantado em uníssono por tenores e sopranos, fortíssimo, nas notas agudas sustentadas, sem a orquestra e uma nova repetição do trecho dos barítonos, mas desta vez no naipe de baixo, finaliza a segunda parte.

Depois de voltar a trechos da primeira parte (como a célula “Ñanderuvusu” da introdução e a melodia mais tranquila das madeiras) e citar de novo o trecho do “Tupa eju” do final da segunda parte, a obra finaliza em fortíssimo com o coro cantando o texto “Nande ru” (Pai Nosso) e “Eyu” (venha), junto com um fortíssimo

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orquestral.

A peça é estritamente tonal, porém chama a atenção a profusão de materiais alheios à escrita tonal tradicional, como a escala de tons inteiros, o trecho à capella no modo eólio, o repouso em acordes com dissonâncias sem resolver (resolução no sentido de encaminhar para a consonância), harmonia suspensa, sucessão de acordes aumentados ou diminutos, inclusive superposição de tonalidades. Essas características fazem de “Ñanderuvusu” uma peça única em termos de atingir os limites nos recursos e técnicas, limites que os músicos paraguaios não tinham a vontade ou os meios para atingir no que se refere a obras orquestrais.

Figura 10 21 - José Asunción Flores, Ñanderuvusu, linha vocal, c.27-36

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Figura 1122 - José Asunción Flores, Ñanderuvusu, linha de tenor, c.167-172

Junto com Flores há outras figuras importantes da música orquestral, como Herminio Giménez (1905-1991) -nomeado antes no comentário de Szarán sobre as orquestras no Paraguai-, compositor de um concerto para violino, uma suíte orquestral e várias peças orquestrais de concerto além de trilhas sonoras de filmes. Outro compositor importante foi Remberto Giménez (1898-1977), um dos principais regentes do Paraguai, que também escreveu obras para orquestra e é responsável pela música do atual hino nacional paraguaio. Um músico muito importante, porém pouco mencionado no país, é Carlos Lara Bareiro (1914-1987), cujo trabalho como regente favoreceu a criação da Orquestra Sinfônica da Cidade de Assunción (OSCA), que foi fundada com músicos da orquestra da Associação de Músicos do Paraguai, regida por Lara Bareiro e que atingiu um bom nível, o que a levou a ser base da primeira orquestra profissional do país; Carlos Lara Bareiro escreveu várias peças orquestrais que só foram divulgadas no Paraguai a partir de 1989, depois da ditadura.

2.3 Juan Carlos Moreno González: a zarzuela, a música de câmara e a música para piano.

Na primeira metade do século XX, a música erudita no Paraguai tinha uma movimentação interessante de compositores e escrita de peças, mesmo que esses

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compositores e suas obras não fossem muito conhecidos no país: a difusão da música estava reservada à música folclórica e a música popular importada. A partir da década de 1980 começaram a publicar-se biografias, catálogos, partituras (muitas delas pela primeira vez) e gravações -também inéditas-, mediante esses materiais sabemos da existência de peças eruditas de compositores paraguaios dessa época.

Os motivos para a difusão de certos gêneros musicais e para a discriminação de outros eram principalmente as vantagens comerciais (no caso da música popular) e políticos, por exemplo José Asunción Flores era militante do Partido Comunista e as gravações soviéticas da sua obra foram proibidas no país. De fato, muitos protagonistas da vida cultural do país fugiram dele na época da Segunda Guerra Civil (1947) e principalmente durante a ditadura militar (1954-1989), tempos em que qualquer um que não apoiava o partido no poder era perseguido. Também a obra de Carlos Lara Bareiro foi proibida durante a ditadura. Por outro lado, também existiam compositores que tinham um certo prestígio compondo músicas para os partidos políticos e clubes de futebol, os dois principais veículos da cultura de massa do país.

A partir da década de 1920, a maioria dos compositores paraguaios começou a sair do país para aprofundar (ou começar em alguns casos) os seus estudos musicais, preferencialmente na Argentina e no Brasil. Outros compositores tiveram a oportunidade de estudar na Europa, como Juan Max Boettner (Alemanha) e Remberto Giménez (França). O contato com novas técnicas e estilos musicais, sem dúvida, motivou esses músicos a contribuir com peças originais ao incipiente repertório erudito do país. Porém, uma característica, se formos olhar para o catálogo de esses compositores, é a baixa produção em termos de quantidade; depois de Agustín Barrios (cuja obra consta de aproximadamente setenta peças, quase todas de um movimento só), a obra erudita completa de cada compositor tem uma média de oito ou dez peças, e o grande motivo desse pequeno número de composições parece ser a falta de intérpretes, orquestras, solistas e grupos de câmara; Barrios escreveu peças para violão, que era o instrumento que ele mesmo tocava, então não existia impedimento para as suas peças serem apresentadas e gravadas.

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Já se falou da música de orquestra, que só começaria a ter espaço no fim de década de 1950 com a criação da primeira orquestra estável do Paraguai. A música instrumental solista teve espaço por meio das obras para violão de Barrios, mas os instrumentos solistas da música erudita com o repertório mais conhecido -o piano e o violino- só teriam algum espaço por volta de 1920 e teriam mais notoriedade a partir da década de 1940.

A música de câmara foi pouco cultivada no país, no que diz a respeito a formações estáveis. Segundo o dicionário de Luis Szarán, a primeira informação que se tem sobre um quarteto de cordas é de 1913, integrado por professores do Ginásio Paraguaio, que atuou durante quatro anos. Um segundo quarteto de cordas surge em 1928, tendo como figuras principais Remberto Giménez e Alfred Kamprad (ex violinista da Filarmônica de Berlim e, posteriormente, professor de violino no Instituto Paraguaio). Desde 1988 houve grupos de câmara de curta duração, como o

Trio Asunceno (piano, violino e violoncelo)23.

Segundo a lista de compositores e peças de música erudita de Diego Sánchez Haase, até a década de 1970 se escreveram três peças para violino e piano (dois ciclos e uma sonata), um trio -piano, violino e violoncelo- e dois quartetos de corda, representando essas peças a totalidade da produção camerística do país até então (SÁNCHEZ HAASE, 2002, p.116-119). O compositor que mais se destacou na música de câmara (compôs três das seis peças mencionadas) e na música erudita no geral na primeira metade do século XX foi Juan Carlos Moreno González.

Moreno González aproveitou as duas principais cidades vizinhas do Paraguai da época para estudar música, primeiro em Buenos Aires e depois em São Paulo, com Furio Franceschini. É, segundo Boettner, o grande compositor paraguaio de música erudita posterior a Agustín Barrios. A grande contribuição de Juan Carlos Moreno González foi em vários gêneros: a música instrumental, primeiramente a música para piano solo, a música de câmara, e o drama musical, sendo conhecido como o criador da “Zarzuela paraguaia”.

Em 1956, Moreno González, junto com o autor teatral Manuel Frutos Pane, criou a primeira versão paraguaia do drama musical, a chamou de “Zarzuela

23 MÚSICA DE CÁMARA. IN: SZARÁN, Luis. Diccionario de la Música del Paraguay. Asunción: Luis Szarán, 2007.

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paraguaia”, entre as mais famosas estão La tejedora de ñanduti (1956), Los alegre

kygua vera (1957), Korochire (1958) e Maria Pacurí (1959). Estas peças tiveram

grande sucesso nas suas estreias, mas o gênero foi declinando com o tempo até quase desaparecer. As zarzuelas de Moreno González ganharam novas apresentações nos últimos anos.

Na música de câmara, são três as peças catalogadas de Moreno González: a sonata para violino em si menor (1935), o quarteto de cordas em dó maior (1944) e o trio para piano, violino e violoncelo (1946). O quarteto de cordas é considerado a peça camerística mais importante do compositor e consta de quatro movimentos: “El

amor” (Allegro moderato), “La ternura” (Largo apassionato), “El bienvenido”

(Allegretto scherzando), “La niñez” (Allegro). O estilo é predominantemente clássico, com forte influência de Mozart e do primeiro período de Beethoven.

Falando especificamente da música para piano solo, que tem relação mais direta com este trabalho, os principais compositores antes do pós-tonalismo foram quatro: Remberto Giménez, Juan Max Boettner (1899-1958), Luis Cáceres Carisimo (1926-1965) e, principalmente -e de novo-, Juan Carlos Moreno González (1916-1983).

Remberto Giménez escreveu quatro peças curtas para piano, Juan Max Boettner tem cinco peças (dois ciclos, uma suíte e duas peças de um movimento), Luis Cáceres Carisimo tem três ciclos (todos inéditos, sobreviveram só manuscritos). Junto com a produção camerística e as zarzuelas, Juan Carlos Moreno González também se destaca na música para piano, sendo autor da seguinte lista de peças24:

Três peças para piano (1935)

Scherzo para la sonrisa de un niño (Scherzo para o sorriso de

um menino)

El canto del artista Nocturno de primavera

24 MORENO GONZÁLEZ, Juan Carlos.Partituras. 1ed. Asunción: El Cabildo CCR, 2011.

LUZKO, Nancy. An annotated bibliography of Paraguayan music for piano. 2005. Dissertação (Doutorado em Música) - Frost School of Music, University of Miami. Coral Gables, FL. 2005. pp.

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Juguete (Brinquedo) (1937)

Sonata para piano “El amanecer” (1942/1943)

Tres aires paraguayos (Três canções paraguaias) (1946)

Prelúdio e pequena fuga (1948) Balada em Mi bemol (1973)

Duas danças paraguaias (data de composição desconhecida)

Esta lista de peças mostra a importância de Moreno González na obra pianística de compositores paraguaios nas primeiras seis décadas do século XX, não só pela quantidade de obras mas pela vontade de escrever a partir das influências mais diversas -tanto na linguagem quanto na forma-, como a música folclórica e os estilos de música erudita europeia. É o primeiro autor de obras consideradas “substanciais”25 no repertório pianístico erudito, como sonata e balada.

Há dois momentos na escrita para piano de Moreno González, um em que olha para o classicismo e o romantismo, principalmente se formos relacionar a forma como o período. Assim, a Sonata em Ré Maior “El amanecer” é predominantemente clássica, e a Balada em Mi Bemol é marcadamente romântica. O outro momento é quando começa a introduzir nas obras as dissonâncias da escrita moderna, o exemplo dessas experimentações são das Duas Danças Paraguaias para piano.

“El amanecer” é a primeira sonata para piano publicada por um compositor paraguaio. Trata-se de uma obra onde, além da escrita em forma sonata (pouco frequente nos compositores paraguaios) é exposto o pensamento harmônico que predominava nos compositores do Paraguai já bem avançado o século XX: não existia nenhum sinal de quebra do tonalismo. A obra é neo-clássica: formal, temática e harmonicamente tem resquícios de Beethoven, com a escrita mista, por momentos é limpa, lembrando o Mozart (Ex.12), e tem trechos densos que parecem passagens difíceis dos últimos períodos de Beethoven ou inclusive Chopin (Ex.13). A obra tem três movimentos: Allegro, Adagio Sostenuto e Introdução e Rondó.

A Balada em Mi Bemol é uma tentativa do compositor de explorar os limites técnicos da escrita pianística. A escrita mistura as influências de Chopin e Liszt (Ex.14)

25 Entende-se por “substancial” quando a peça é um ciclo completo ou uma peça de um movimento de longa duração, ficando fora da categoria as peças curtas, como danças, prelúdios ou estudos.

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Nas Duas Danças Paraguaias (Ex.15-16) o compositor começa a atingir os limites do tonalismo, como já tentou Flores em trechos de Ñanderuvusu, com o uso discreto de dissonâncias (principalmente trítonos) sem resolver, mas mantendo reconhecíveis as peças folclóricas que são o material básico das danças, além de permanecer no tonalismo. As peças são curtas mas são um sinal interessante da pulsão de escrever peças além do tonalismo, talvez pelo contato com as peças modernas ou pelos resíduos de informação que ficaram depois dos estudos do

Figura 12 - Juan Carlos Moreno González, sonata para piano El amanecer. c.1-13

compositor fora do país. Seja como for, as Duas Danças Paraguaias constituem, para este trabalho, um antecedente estilístico da escrita pós-tonal para piano no

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Paraguai.

As obras instrumentais de Juan Carlos Moreno González constituem a amostra mais clara da escrita tradicional de música erudita no país no século XX, tanto em termos de linguagem quanto na exploração das formas musicais mais recorrentes na música erudita. Na música de câmara e para instrumento solo é o máximo representante da fase “tonal” antes das experimentações de Nicolás Pérez González (1927-1991) na décadas de 1960/70, Pérez González é considerado o pai da música contemporânea no Paraguai26.

Exemplo 13 – Juan Carlos Moreno González, Sonata para piano El amanecer. Segundo movimento,

c.1-3.

Moreno González também é um resumo de duas atitudes co-dependentes:

26 PÉREZ GONZÁLEZ, NICOLÁS. IN: SZARÁN, Luis. Diccionario de la Música en el Paraguay. Asunción: Luis Szarán, 2007.

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uma é a vontade de escrever música mais “universal” (termo usado pelos teóricos de música no Paraguai se referindo à música erudita europeia), com material melódico e harmônico mais elaborado e estendido, experimentando com artifícios e texturas desconhecidas na música folclórica; e a outra, relacionada com a primeira, é abraçar o tonalismo, mesmo com as novas técnicas composicionais já sendo aplicadas em países vizinhos que os compositores paraguaios visitaram e onde até moraram para

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estudar -aprofundando ainda mais esse contato com novas linguagens-. O movimento brasileiro Música Viva é de 1939, Ginastera já tinha escrito as Danças Op. 2 em 1937, por citar alguns exemplos na região; embora não temos conhecimento sobre comentários de compositores paraguaios sobre a música contemporânea, dita omissão pode ser interpretada como uma atitude desses compositores de não considerar a possibilidade de explorar terrenos mais dissonantes e experimentais. Essa atitude prevalece até hoje em muitos músicos paraguaios.

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Figura 16. Juan Carlos Moreno González, Danza no. 2

Existem muitos outros personagens importantes na história musical do Paraguai no começo do século XX, mas a maioria desses compositores destaca-se na música folclórica, inclusive vários dos citados aqui, como Remberto e Herminio Giménez e o próprio José Asunción Flores. Pode-se supor que algumas omissões podem pesar mais do que menções, mas não é o caso, a partir das fontes primárias sobre música no Paraguai, os compositores importantes de música erudita no Paraguai, pela quantidade de obras e pelo grau de elaboração são os três principais deste capítulo: Agustín Pío Barrios “Mangoré”, José Asunción Flores e Juan Carlos Moreno González.

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Como já foi colocado, muitas obras desses compositores -principalmente Flores e Moreno González- só foram divulgadas no Paraguai muito depois de serem compostas, por exemplo, o primeiro livro de partituras editado e corrigido, seguindo o formato das editoras de partituras, com obras para piano, o quarteto de cordas e outras obras de Juan Carlos Moreno González foi publicado em 2011; a estreia no Paraguai da guarânia sinfônica Ñanderuvusu de Flores foi na década de 1990 (SALABERRY, 2013, p27).

Portanto, este capítulo pretende fazer uma amostra de uma atividade musical que talvez até fosse ignorada pelos próprios protagonistas desta pesquisa na sua formação musical, mas que constitui um antecedente direto ou indireto, no sentido de que, se não afetou os compositores de música contemporânea como influências para as peças que escreveram, pelo menos afetou a prática musical -a atividade dos intérpretes, a formação de público, o ensino de música, a composição- que lidava com a contradição de pretender se relacionar com a “universalidade” da música erudita mas que resistia o impulso de ultrapassar os limites da tonalidade, impulso que já tinha seus anos fora do país.

A música erudita no Paraguai passou pelas precariedades de toda música erudita latino-americana no início. O fato de que essas precariedades ainda sejam sentidas obedece aos fatores de ordem cultural, político e econômico que seriam objeto de uma outra pesquisa. Se formos oferecer um panorama histórico da música do Paraguai e se, a partir dessa contextualização, facilitarmos a compreensão da música contemporânea para piano de compositores paraguaios, o objetivo estará cumprido.

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CAPÍTULO 2

ASPECTOS DA MÚSICA CONTEMPORÂNEA NO PARAGUAI. A obra pós-tonal para piano.

Este panorama da música pós-tonal para piano no Paraguai é uma visão a partir do âmbito da música erudita, desde a formação nos conservatórios do Paraguai e desde o choque que significou para os compositores paraguaios conhecer outras maneiras de escrever música numa época onde ouvir e estudar algo diferente da música tradicional era sumamente difícil. Além de tudo, ditas maneiras diferentes de escrever música já existiam décadas antes das primeiras peças pós-tonais do primeiro compositor paraguaio interessado nesse tipo de experimentação, mas eram ignoradas (às vezes intencionalmente) pelos músicos e pelo público paraguaio. O ponto de partida será a década de 1970, sendo que a primeira peça pós-tonal para piano foi composta em 1972.

A referência mais importante para a escolha do repertório para piano neste capítulo é a coletânea Composiciones para Piano de Autores Paraguayos

Contemporáneos, publicada em 2001, que constitui a única reunião de peças

contemporâneas de compositores paraguaios de qualquer instrumentação.

Antes de entrar em detalhes sobre a música contemporânea no Paraguai, consideramos apropriado fazer uma breve resenha descritiva da música contemporânea europeia, ressaltando as suas principais características e os movimentos, correntes e técnicas que foram adotados na música pós-tonal, primeiro na América Latina e depois no Paraguai.

1 As vanguardas europeias. Breve compêndio das características principais da música pós-tonal.

Richard Crocker afirma na sua História do Estilo Musical que, no princípio do século XX, duas linhas marcaram as primeiras correntes de música contemporânea: a linha de Richard Wagner e a de Claude Debussy. Os compositores influenciados por Wagner mantiveram uma “distância segura” da tradição da música sinfônica

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alemã, com os seus desenvolvimentos, as complexas modulações cromáticas e os clímax resultantes da sucessão de acordes dissonantes carregados de enorme tensão, além do princípio de “continuidade orgânica” que dá forma às partes da obra e à obra em si. Os autores que celebraram a ruptura com o passado por meio de peças que apresentavam uma quebra na continuidade das progressões harmônicas ou que continham “sonoridades estáticas”, que deram como resultado uma música que não está especialmente preocupada com a representação sonora de emoções ou ideias mas sim com o som em si, são os herdeiros de Debussy.

É justo estabelecer, como fez Leonard Bernstein nas palestras The

unanswered question, a continuidade dessas duas linhas nos primeiros

compositores modernos do século XX. De um lado, o compositor austríaco Arnold Schoenberg continuou com os princípios de continuidade orgânica e a lógica discursiva da tradição alemã, mas arroupados com uma nova sintaxe que reorganizou as alturas de maneira diferente ao sistema tonal, que foi o dodecafonismo; de outro, o russo Igor Stravinsky experimentou com a descontinuidade formal, as inovações rítmicas e métricas assim como a exploração de novas sonoridades e efeitos.

Existe uma terceira linha, que é uma continuação do romantismo do século XIX (chamado de pós-romantismo), representado pelos compositores Richard Strauss e Gustav Mahler, seguida por compositores proeminentes do século XX como Rachmaninov, Prokofiev, Sibelius, Grieg, Elgar e outros. Essa corrente manteve o sistema tonal como linguagem e representou uma conexão com a tradição que nunca se perdeu, como ficaria demonstrado em alguns dos próprios compositores que começaram se afastando da tonalidade mas acabaram voltando. Essa terceira influência tem a sua relevância na história da música do século XX, por isso a mencionamos, mas não a aprofundaremos por escapar da proposta de este trabalho.

Para uma melhor conceituação do que é música contemporânea erudita, será feito um recorte das principais características, dos materiais utilizados, das técnicas aplicadas, dos meios de experimentação e até algumas justificativas de ordem estética.

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1.1 A “emancipação da dissonância”

Certa vontade de sensacionalismo quer assomar nos relatos das estreias das peças dos primeiros compositores pós-tonais do século XX. Chamam a atenção as histórias sobre as estreias de peças de Schoenberg e Stravinsky (ROSS, 2007, p.67-68, 90). Segundo Alex Ross, autor de O resto é ruído, o motivo para o escândalo foi a dissonância. De fato, a dissonância é uma das marcas características que ajuda a definir a música contemporânea como tal e é provavelmente o primeiro motivo das relutâncias do público, músicos e críticos, antes do que outros “ruídos” da música de vanguarda.

É verdade que a dissonância já existia na música, já que o conceito vem da Grécia Antiga; nos começos da polifonia e até o século XIX, foi um recurso cujo uso se justificava pela eficácia para a afirmação da consonância, destino obrigatório de toda dissonância, aplicando na música princípios de dualidade onde não necessariamente se descarta a interdependência das partes contrárias. No entanto, o que definiu a música de cunho moderno nos seus começos foi o uso diferente de intervalos harmônicos considerados dissonantes pelos teóricos da música desde o chamado Período da Prática Comum, entre 1600 e 1750. No século XX, dissonância e consonância se fundem num princípio maior, que é a construção de uma linguagem musical sem as regras impostas pelo tonalismo, uma nova sintaxe musical; não se trata só de escrever acordes dissonantes, é a recusa de dispor a peça tendo como referência um centro tonal.

Antes de Schoenberg e Stravinsky já existiam alguns sinais de declínio das regras tonais para consonâncias e dissonâncias. Alguns dos compositores de mais destaque de épocas não muito distantes fizeram experimentações que buscavam novos efeitos ou provavelmente queriam expressar de maneira mais eficaz alguns estados de ânimo. Alguns exemplos emblemáticos são Franz Liszt, que fez uma primeira aproximação ao atonalismo na Bagatelle sans tonalité S.216 a, Richard Strauss que experimentou decididamente as dissonâncias em Salomé, Claude Debussy em algumas peças de Images e o acorde místico de Alexander Scriabin.

Referências

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