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A implementação das audiências de custódia no sistema processual penal brasileiro: uma análise crítica

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

MARCELA GIACOMINI THOMÉ DA CRUZ

A IMPLEMENTAÇÃO DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Ijuí (RS) 2018

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MARCELA GIACOMINI THOMÉ DA CRUZ

A IMPLEMENTAÇÃO DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth

Ijuí (RS) 2018

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À Deus, por tudo que me proporciona na vida. À minha família, pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante toda a minha jornada. Aos meus amigos que de alguma forma não deixaram que eu desistisse deste sonho e me motivaram para torna-lo realidade.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente à Deus que permitiu que tudo isso acontecesse, ao longo de minha vida, e não somente nestes anos como universitária, mas em todos os momentos.

À minha família, que sempre esteve presente e me incentivou com apoio e confiança nas dificuldades dos caminhos da vida e com quem aprendi que os desafios são aprendizados para a evolução do ser humano.

Ao meu orientador Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth, com quem eu tive o privilégio de contar com sua dedicação, paciência e disponibilidade, me guiando pelos caminhos do conhecimento.

Aos meus amigos e colegas, que colaboraram sempre que solicitados, com boa vontade e generosidade, enriquecendo o meu aprendizado.

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“A justiça não consiste em ser neutro entre o certo e o errado, mas em descobrir o certo e sustenta-lo, onde quer que ele se encontre, conta o errado. Theodore Roosevelt”.

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RESUMO

O presente trabalho tem como tema o conceito e a caracterização das audiências de custódia, a sua previsão normativa e as barreiras encontradas para a sua efetivação no Sistema Processual Penal Brasileiro. O problema principal do presente estudo baseia-se na análise do principal objetivo da audiência de custódia, que será a diminuição da população carcerária e a superlotação das cadeias no Brasil, juntamente do controle da prática de tortura e maus-tratos pelos agentes policiais. Realizar-se-á analise com o objetivo de desvendar quais são os efeitos decorrentes da implementação, no Processo Penal brasileiro, da audiência de custódia, bem como seus reflexos no sistema carcerário, em especial se ela pode ser utilizada como alternativa de redução da população dos presos provisórios no Brasil. Também, compreender o instituto das audiências de custódia a partir dos marcos normativos nacionais e internacionais, destacando seus objetivos. Serão considerados os resultados ocorridos desde a implementação da audiência de custódia no Processo Penal brasileiro a partir da edição da Resolução nº 213 do Conselho Nacional de Justiça. A referida pesquisa será do tipo exploratório, serão utilizadas informações em meios didáticos, como doutrinas e meios eletrônicos.

Palavras-Chave: Audiência de Custódia. Processo Penal Brasileiro. Conselho Nacional de Justiça. Previsão Normativa. Maus-tratos.

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ABSTRACT

The present work has as its theme the concept and characterization of custody hearings, its normative prediction and the barriers found for its effectiveness in the Brazilian Criminal Procedure System. The main problem of the present study is based on the analysis of the main objective of the custody hearing, which will be the reduction of the prison population and the overcrowding of jails in Brazil, together with the control of the practice of torture and ill-treatment by police officers. An analysis will be carried out with the objective of unveiling the effects of the implementation in the Brazilian Criminal Procedure of the custody hearing, as well as its repercussions on the prison system, especially if it can be used as an alternative to reduce the population of provisional prisoners in Brazil. Also, to understand the institute of custody hearings from the national and international normative frameworks, highlighting its objectives. The results will be considered since the implementation of the custody hearing in the Brazilian Criminal Procedure since the issuance of Resolution No. 213 of the National Council of Justice. The research will be exploratory, information will be used in didactic means, such as doctrines and electronic means.

Keywords: Custody Hearing. Brazilian Criminal Procedure. National Council of Justice. Normative Forecast. Mistreatment.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1. DELINEANDO A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: conceitos, marcos normativos, constitucionalidade e objetivos ... 10

1.1 Conceito e caracterização da audiência de custódia ... 10

1.2 Previsão normativa da audiência de custódia ... 15

1.3 Constitucionalidade e objetivos da audiência de custódia ... 18

2. AS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA E A HUMANIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO ... 20

2.1 As audiências de custódia e o problema da superlotação carcerária ... 20

2.2 As audiências de custódia e o controle da tortura e dos maus-tratos pelos agentes policiais ... 22

2.3 Análise crítica da implementação das audiências de custódia no Brasil .... 26

CONCLUSÃO ... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso faz a análise de um tema de enorme importância atualmente, para esclarecer e demonstrar o quão importante é o avanço da audiência de custódia para a humanização do direito processual penal brasileiro, na medida em que ela visa à redução da população carcerária brasileira, bem como à aferição da prática de tortura e/ou maus-tratos contra os sujeitos perseguidos pelo sistema punitivo. Trata-se, em suma, de uma forma de resguardo da dignidade e dos direitos fundamentais do condenado.

A implementação das referidas audiências no Brasil busca fazer com que o processo penal se ajuste aos tratados internacionais sobre Direitos Humanos. A implementação das audiências de custódia no Brasil que se deu por iniciativa da edição da Resolução nº 213, pelo Conselho Nacional da Justiça, no ano de 2015. Na esteira desta Resolução, este estudo abordará uma análise dos resultados que já foram obtidos com a realização das audiências de custódia no Brasil.

O problema que orienta a pesquisa pode ser sintetizado na seguinte questão orientadora: baseia-se na análise crítica da implementação da audiência de custódia no Código de Processo Penal brasileiro, demonstrando principalmente seus objetivos e como ela poderia ser um método de controle da superlotação carcerária, juntamente da tortura e dos maus-tratos pelos agentes policiais.

Para tratar sobre a audiência de custódia, necessita-se estudar e pesquisar sobre a origem da necessidade de sua implementação, sobre os conceitos e definições para essa nova modalidade de audiência. Sabe-se que o sistema jurídico é falho, e que nem sempre será cumprida a lei. Isso faz com que muitos presos não desfrutem dessa audiência. Ampla porcentagem ainda desconhece seu direito de estar diante do juiz dentro de 24 horas após a prisão em flagrante para assim expor os fatos ocorridos.

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A presente pesquisa é perspectivada a partir do método hipotético dedutivo. A técnica de pesquisa empregada consiste na pesquisa de tipo exploratória. Para sua realização foram utilizadas revistas, livros, artigos e leis sobre a temática, tanto no meio físico quanto pela internet, os quais proporcionaram construir conhecimento e explorar mais facilmente o assunto abordado.

O objetivo principal (geral) da pesquisa consiste em verificar quais são os efeitos decorrentes da implementação, no Processo Penal brasileiro, da audiência de custódia, bem como seus reflexos no sistema carcerário, em especial se ela pode ser utilizada como alternativa para a redução da população dos presos provisórios no Brasil. Especificamente, objetiva-se alcançar um nível de informações para analisar as mudanças ocorridas com o surgimento da audiência de custódia, em especial no que diz respeito a evitar prisões ilegais e injustas e, o mais importante, oportunizar ao cidadão preso denunciar possíveis agressões, maus-tratos e tortura por parte dos agentes policias, seja no momento da abordagem ou durante a prisão em flagrante.

No primeiro capítulo do referido trabalho, trata-se sobre os conceitos, marcos normativos, constitucionalidade e objetivos da audiência de custódia. Serão abordados o conceito e a caracterização das audiências de custódia e sua previsão normativa, bem como a implementação das audiências de custódia no Brasil – a qual se deu por iniciativa da edição da Resolução nº 213 pelo Conselho Nacional da Justiça, no ano de 2015.

Já no segundo capítulo, será estudado o direito às audiências de custódia e o problema da superlotação carcerária, pois se sabe que a prisão no Brasil deve ser utilizada como medida excepcional, quando não houver mais medidas para conter os criminosos. Ocorre, porém, que atualmente a prisão é vista como medida que viola os direitos humanos e não respeita as garantias fundamentais que constam na Constituição Federal e nos tratados internacionais. As audiências de custódia e o controle da tortura e dos maus-tratos pelos agentes policiais é algo importante a ser avaliado e estudado por que essas audiências sejam um instrumento que auxiliará também na redução de eventual violência policial sofrida no momento da abordagem do indivíduo e enquanto ele estiver sobre a vigilância e segurança dos agentes.

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1 DELINEANDO A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: conceitos, marcos normativos, constitucionalidade e objetivos

A apresentação do preso em flagrante a um juiz logo após a prisão em flagrante é medida que ocupa espaço privilegiado nas normas internacionais que versam sobre a proteção de Direitos Humanos, tendo como objetivo principal a prevenção e o combate à tortura, por parte dos policiais contra o indivíduo preso, e também a humanização e a garantia de efetivo controle judicial das prisões em flagrante e, consequentemente, provisórias. No caso brasileiro, a Convenção Americana de Direitos Humanos é o principal texto internacional a prever a audiência de custódia.

Posto isso, a iniciativa de implementação das referidas audiências no Brasil se inicia para que o processo penal se ajuste às leis internacionais sobre Direitos Humanos (controle de convencionalidade). Considerada um instrumento de humanização, a audiência de custódia visa também à redução da população carcerária brasileira, sendo uma forma de resguardo da dignidade e dos direitos fundamentais do condenado.

Nesse capítulo inicial serão abordados o conceito e a caracterização das audiências de custódia e sua previsão normativa. A implementação das audiências de custódia no Brasil se deu por iniciativa da edição da Resolução nº 213 pelo Conselho Nacional da Justiça no ano de 2015. Na esteira desta Resolução, este estudo abordará também, os objetivos da referida audiência.

1.1 Conceito e caracterização da audiência de custódia

O Brasil é signatário do Pacto de Direitos Civis e Políticos promulgado em 6 de julho de 1992, por meio do Decreto nº 592. Em seu item 3 do artigo 9 o Pacto estabelece que: qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade

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habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgado em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. Da mesma forma, o país é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), o que ocorreu em 6 de novembro de 1992, por meio do Decreto nº 678, que traz determinação em seu item 5 do artigo 7, nos seguintes termos:

Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

É visto que ambos os textos internacionais de proteção de Direitos Humanos acima referidos trazem estipulada a necessidade de imediata apresentação à autoridade judicial daquelas pessoas presas em flagrante delito, ou seja, a realização da denominada audiência de custódia. As Convenções foram internalizadas no ano de 1992, quando o Brasil, por meio de Decreto, determinou a sua adoção em âmbito interno. Isso significa que, desde o ano de 1992 as normas presentes em ambas são obrigatórias no âmbito do direito doméstico. Sendo assim, o Brasil ficou encarregado de aplicar as audiências de custódia.

Com a pretensão de adequar o ordenamento jurídico pátrio às normas internacionais acima mencionadas, a partir de 2011 começou a tramitar no Senado o Projeto de Lei nº 554, de iniciativa do Senador Antônio Carlos Valadares, objetivando modificar o §1ª do art. 306 do Código de Processo Penal brasileiro, instituindo a obrigatoriedade de conduzir o preso, em 24 horas, à presença do juiz competente, a comunicação à Defensoria Púbica, se o detento não possuir advogado particular, e a realização de exame de corpo de delito para verificação de indícios de tortura ou maus tratos durante ou após a prisão. Na proposta legislativa, a redação do sobredito dispositivo assim ficará:

§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

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No dia 13 de julho de 2016 o texto-base do PLS nº 554 foi aprovado, e anteriormente a esta data foi aprovado nas comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa, de Assuntos Econômicos e de Constituição, Justiça e Cidadania. Logo após, em 14 de julho de 2016, ocorreu à aprovação em primeiro turno do referido Projeto.

Segundo matéria disponibilizada pelo site do Conselho Nacional de Justiça (2016), o senador Antônio Carlos Valadares, do PSB-SE, falou a respeito da importância do CNJ para as audiências de custódia, que já haviam sido realizadas 93 mil audiências em todo o país sob o comando do órgão. E nas palavras do senador João Capiberibe do PSB-AP, o projeto faz com que haja a ampliação dos direitos individuais dos cidadãos e cidadãs, tendo assim um avanço que só a democracia permite.

A aprovação do PLS em turno suplementar ocorreu no dia 30 de novembro de 2016, seguindo para análise da Câmara dos Deputados, onde houve discórdia entre deputados e especialistas. Em texto disponibilizado no site da Câmara dos Deputados (2017), há relato das reações dos parlamentares sobre a audiência de custódia, como a do deputado Delegado Edson Moreira do PR-GO, dizendo que a proposta não é adequada à vida real, pois enfrentar o criminoso na rua é diferente, na frente do juiz chega de um jeito, e diante do policial, de outro, não sendo assim, a proposta, uma garantidora de direitos da vítima. Já o deputado Silas Freire do PR-PI demonstra não ser contra a audiência, mas que não pode ser ela uma audiência de soltura. Diante de toda a polêmica ocorrida, o relator da comissão especial, deputado João Campos do PRB-GO, afirmou incorporar a audiência de custodia ao projeto de lei, e em suas palavras: “a audiência de custódia veio para ficar. Não dá para ignorar isso. Não dá para deixar isso de fora do Código de Processo Penal e apenas como recomendação do CNJ. Mas é preciso equalizar isso de maneira a garantir os direitos individuais, mas também os da sociedade”.

A audiência de custódia tomou maior proporção na realidade brasileira no início de 2015, com a aprovação do Ministro Ricardo Lewandowski frente ao Projeto “Audiência de Custódia”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Estado de São Paulo, por meio do Provimento Conjunto nº 03/2015, objetivando garantir os direitos

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fundamentais da pessoa condenada, tendo assim, a rápida apresentação do preso a um juiz em casos de prisão em flagrante.

Antes de 2015, o primeiro contato entre o juiz e a pessoa detida acontecia, em média, de três a cinco meses após a prisão, na audiência de instrução e julgamento, após o recebimento da denúncia. Esses indivíduos presos em flagrante permaneciam encarcerados durante meses sem informações sobre o andamento do seu processo e sem serem ouvidos sobre os fatos ocorridos durante o delito perante um juiz. Um ponto negativo é o fato de o preso ter a possibilidade de relatar eventual agressão ocorrida no momento de sua prisão somente meses após o flagrante, o que diminui a chance de possíveis provas devido ao longo tempo que passou entre lesão e apresentação do preso ao juiz.

Segundo Caio Paiva (2015), o conceito de custódia “se relaciona com o ato de guardar, de proteger. ” Nesse sentido, o autor afirma que a audiência de custódia consiste “na condução do preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial, que deverá, a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão”. Ainda, referida audiência tem por finalidade

apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, notadamente a presença de maus tratos ou tortura. Assim, a audiência de custódia pode ser considerada como uma relevantíssima hipótese de acesso à jurisdição penal.

Sobre a audiência de custódia no Brasil e o desacordo com o direito internacional, Maria Laura Canineu (2013) assevera que,

quando é presa, uma pessoa tem o direito de comparecer imediatamente perante um juiz. Trata-se de um princípio fundamental e de longa data do direito internacional. Ele é crucial para garantir que a prisão, tratamento e permanência da pessoa em detenção ocorram dentro da lei. No entanto, até agora, esse direito não tem sido respeitado no Brasil.

O Brasil se omitiu por mais de vinte anos em relação à efetivação da audiência de custódia no país, sendo satisfatória apenas a análise documental da situação da pessoa presa em flagrante delito. O Conselho Nacional de Justiça, em dezembro de 2015, aprovou a Resolução nº 213, que dispõe sobre a apresentação

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de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas, como também estipulou o prazo de 90 dias para que todos os Tribunais se adequassem a este procedimento.

Inserido no direito processual penal, este instituto é considerado como um instrumento de proteção dos direitos do indivíduo preso, que obriga o preso em flagrante a ser apresentado a uma autoridade judicial, no prazo de 24 horas, para ser decidido sobre a legalidade de sua prisão e a necessidade da sua conversão em prisão preventiva.

Segundo relatório “Tortura Blindada”, elaborado pela Organização Não-Governamental “Conectas Direitos Humanos” (2017, p. 5),

na audiência de custódia o magistrado não avalia a inocência ou culpa do preso, apenas elementos processuais sobre a prisão em flagrante. Ele também analisa eventuais ocorrências de tortura e maus-tratos, entre outras irregularidades cometidas pelas forças policiais. Após manifestação do Ministério Público e da Defensoria Pública – ou do advogado-, o juiz decide entre três opções: se o acusado terá sua prisão em flagrante convertida em prisão preventiva, aguardando o julgamento do caso em alguma unidade prisional; se responderá ao processo em liberdade, com ou sem medidas alternativas à prisão; se terá sua prisão relaxada e não responderá ao processo penal, caso considere que o flagrante é ilegal. O juiz também poderá determinar a realização de perícia e exame de corpo de delito para apuração de possível abuso cometido durante a prisão em flagrante, além de instaurar investigação criminal ou administrativa contra o agente acusado.

Quando nos reportamos a medidas alternativas, nos referimos à algumas formas de punição a um criminoso, de modo que sirvam como alternativas ao encarceramento, de modo proporcional ao delito cometido. No jurídico a denominação é penas restritivas de direito, sendo elas utilizadas de forma diversa ao tempo de prisão como condenação por crime cometido.

No sistema jurídico brasileiro, encontram-se expostas no artigo 43 ao 48 do Código Penal. A primeira delas é a prestação pecuniária, onde o criminoso paga em dinheiro à vítima, seus dependentes ou a uma instituição pública ou privada que destine o valor ao uso social. A quantia em dinheiro será fixada pelo juiz, não podendo ser inferior a um salário mínimo nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos.

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A segunda medida alternativa à prisão é a Prestação de Serviços à Comunidade ou Entidades Públicas, também conhecida como serviço comunitário, onde é possibilitado ao condenado o trabalho gratuito durante tempo estabelecido pelo juiz para exercer atividades gratuitas de acordo com suas capacidades. São aplicadas em caso de crimes que sejam superiores a seis meses de privação de liberdade, e se caso for superior a um ano, o preso terá a possibilidade de cumprir pena em tempo menor, desde que não seja inferior à metade da pena privativa de liberdade.

Perda de Bens e Valores, onde há a confiscação dos bens e valores do preso e a conversão para o Fundo Penitenciário Nacional. É determinado de acordo com o maior prejuízo causado no delito, ou seja, o valor máximo confiscado será o do bem mais valioso.

É também considera como medida alternativa a Interdição Temporária de Direitos, onde o condenado é impedido de exercer função, cargo ou atividade pública, bem como de mandato eletivo, de exercer profissão, atividade ou oficio que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público, bem como a suspensão de autorização ou e habilitação para dirigir veículo, de frequentar determinados lugares e de efetuar inscrição em concurso, avaliação ou exames públicos, conforme artigo 47 do Código Penal.

Por último, a Limitação do Fim de Semana, onde é imposto ao condenado a permanência, durante sábados e domingos, ao menos 5 horas por dia em casa de albergado ou outro tipo de estabelecimento adequado, onde poderão ser ministrados cursos e palestras ou atividades educativas ao preso.

A aplicação das medidas alternativas estabelecidas pelo Código Penal prevê condições. A primeira dela é a quantidade de pena aplicada, e nos casos de crimes dolosos, será cabível quando a pena não for superior a quatro anos, já nos crimes culposos pode ser qualquer quantidade da pena para que seja permitida a medida. Também deve ser considerado se no crime cometido não houve emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. Outro pressuposto a ser considerado para que haja substituição é a não reincidência do preso, no entanto, o §3º do artigo 44 dispõe

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que caso o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida, seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.

Serão avaliados também os motivos e as circunstâncias do crime, a culpabilidade do agente, os antecedentes criminais, a conduta social e a personalidade do condenado.

No mesmo sentido, o Conselho Nacional de Justiça (2015), explicita o lançamento do projeto “Audiência de Custódia”:

em fevereiro de 2015, o CNJ, em parceria com o Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo, lançou o projeto Audiência de Custódia, que consiste na garantia da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante. A ideia é que o acusado seja apresentado e entrevistado pelo juiz, em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso. Durante a audiência, o juiz analisará a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. O juiz poderá avaliar também eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades.

Na perspectiva de Carlo Velho Masi (2017), a audiência de custódia se afigura como um

ato judicial que assegura o direito fundamental que todo cidadão preso tem em face do Estado de ser apresentado pessoalmente e com rapidez à autoridade judiciária (juiz, desembargador ou ministro, a depender de eventual prerrogativa de foro) competente para a aferição da legalidade de sua prisão (“princípio do controle judicial imediato”). Nesta audiência, o juiz ouvirá o próprio preso, a acusação e a defesa sobre questões que tenham relação direta ou indireta com a prisão e suas consequências, a integridade física e psíquica e os direitos do detido. Em seguida, proferirá uma decisão fundamentada sobre a continuidade ou não da custódia.

O conceito de custódia é relacionado à ação ou efeito de proteger, condição de quem se encontra sob a proteção de outra pessoa ou instituição. Logo, a audiência de custódia nada mais é do que a rápida apresentação do preso a uma autoridade judicial, para que se possa estabelecer pelo juiz, junto do Ministério Público e do defensor do autuado, uma decisão sobre a legalidade e a necessidade de sua prisão, decretando-se sua prisão preventiva, relaxando a prisão ou concedendo liberdade provisória, bem como avaliar as condições do indivíduo

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conduzido, notando se há ou não presença de maus tratos ou tortura por parte de agentes policiais que flagraram o delito cometido pelo preso, de modo a investigar e punir, em caso positivo, os agentes que agiram com excesso.

1.2 Previsão normativa da audiência de custódia

Sendo o Brasil signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a audiência de custódia só é possível por essa razão. Como demonstra Neemias Moretti Prudente (2015, p.13), sua implementação garante o princípio constitucional do contraditório, disposto no art. 5º, LV da CF/88, da garantia da defesa pessoal e técnica, disposto no art. 5º, LXXVII da CF/88, como também a determinação de que ninguém pode ser preso sem ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo o caso do flagrante ou de transgressão militar, disposto também no art. 5º, LXI da CF/88. Ainda, consta que a apresentação do preso em juízo no prazo de 24 horas é a maneira mais célere de garantir que a prisão ilegal será relaxada, como dispõe o art. 5º, LXV da Constituição Federal, e que ninguém será levado à prisão ou nela mantido se a lei admitir a liberdade, disposto no art 5º, LXVI da CF/88. A simples notificação da prisão, como previsto no art. 306 do Código de Processo Penal, nesse sentido, é insatisfatória para atender às exigências convencionais, visto que a pessoa presa deve comparecer pessoalmente frente ao juiz e fazer suas declarações sobre o ocorrido.

De acordo com Aury Lopes Junior e Caio Paiva (2014),

a norma contida no Código de Processo Penal não passa por um controle de convencionalidade quando comparada com os 34 Tratados Internacionais de Direitos Humanos a que o Brasil voluntariamente aderiu especialmente a Convenção Americana de Direitos Humanos, cujos preceitos, se violados, podem ensejar a responsabilização do país perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Isto é, não há satisfação ao nível de exigência internacional de realização de audiência. Quando se fala em controle de convencionalidade, refere-se à compatibilidade que há entre as normas do direito interno com as convenções internacionais de direitos humanos ratificados pelo país. Ou seja, trata-se de uma

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maneira de adequar as leis internas àquelas assumidas pelo Brasil quando assinados os tratados e convenções internacionais.

Para Valério Mazzuoli (2011, p.23) significa falar em compatibilidade vertical das normas do direito interno com as convenções internacionais de direitos humanos em vigor no país. André de Carvalho Ramos (2003, p.87), chama prioritariamente de controle de convencionalidade o exercício de compatibilidade normativa realizado pelas instâncias internacionais de proteção dos direitos humanos.

Na visão de Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth (2017, p. 348), mesmo não havendo previsão no Código de Processo Penal, a realização da audiência de custódia se impõe pela via do controle de convencionalidade das leis, considerando que o Brasil ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos. Trata-se, portanto, de consequência lógica do controle de convencionalidade no âmbito do processo penal doméstico.

Diante disso, um dos fundamentos legais acerca da audiência referida, o Projeto de Lei do Senado 554 de 2011, prevê características da audiência de custódia que atendem aos dispositivos dos tratados dos quais o Brasil é signatário. Em sua redação, o projeto prevê:

Artigo 306. [...]

§1º No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas, e caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

Quando em trâmite na Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa, o citado Projeto de Lei veio a receber emenda substitutiva, apresentada pelo Senador João Capiberibe, e aprovada por unanimidade, alterando o projeto originário, tendo a seguinte redação:

Artigo 306. [...]

§ 1.º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.

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§ 2.º A oitiva a que se refere o § 1.º não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.

§ 3.º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas.

§ 4.º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 2.º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código.

Contudo, o Projeto passou por mais uma alteração em 25 de junho de 2014, recebendo uma emenda substitutiva de autoria do Senador Francisco Dornelles, que altera a versão original para estabelecer que a audiência de custódia poderá ser feita por videoconferência. Na redação:

Art. 306. (...)

§ 1.º No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, pessoalmente ou pelo sistema de videoconferência, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

Por fim, em 15 de dezembro de 2015, o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução nº 213 de 2015, que traz as orientações e previsões acerca da audiência de custódia para sua aplicação no país, constando em seu art. 1º:

Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.

Ou seja, na ausência de legislação específica, a Resolução em comento busca regulamentar a implementação da audiência de custódia em todo o território nacional, no prazo de 90 dias, determinando a imediata apresentação do preso em flagrante à presença da autoridade judicial competente para que haja uma primeira posição sobre a prisão ou a adoção de medidas cautelares diferentes do encarceramento, o que entrou em vigor a partir do dia 1º de fevereiro de 2016.

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1.3 Objetivos da audiência de custódia

A audiência de custódia, como um novo instrumento para o Processo Penal do Brasil, visa à humanização das decisões do Judiciário, combinado com o tratamento do indivíduo detido, visto que logo após a prisão em flagrante haverá o contato direto dos juízes com o preso, abrindo-se a ele a possibilidade de relatar os fatos ocorridos, e eventuais agressões por parte dos policiais durante o flagrante.

De acordo com a Resolução nº 213 do Conselho Nacional de Justiça, a apresentação do preso a um juiz competente dentro do prazo de vinte e quatro horas tem como objetivo garantir um direito fundamental da pessoa presa de ter a avaliação acerca da manutenção de sua prisão de forma rápida, bem como prevenir a prática de tortura ou qualquer tipo de coação física ou moral ilegal contra o condenado.

Como já visto, o Brasil é signatário dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos que versam sobre as audiências de custódia, com destaque para as já mencionadas Convenção Americana de Direitos Humanos e Pacto de Direitos Civis e Políticos. A implementação da audiência de custódia no país vem, nesse sentido, com a finalidade de harmonizar o Processo Penal brasileiro a esses Tratados.

Sendo recomendada internacionalmente, a audiência referida diz respeito também a um mecanismo que objetiva combater e prevenir a tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante dos policiais com os indivíduos detidos. Sendo possível, assim, logo após a prisão em flagrante, o preso relatar a um juiz, dentro de 24 horas, sobre o ocorrido e sobre possíveis agressões praticadas pelos policiais. Objetiva-se com a prevenção da tortura policial, a efetivação do direito à integridade pessoal das pessoas privadas de liberdade, o que é assegurado pelo artigo 5.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos, o qual assegura que ninguém será submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, e todas as pessoas que são privadas de sua liberdade devem ser tratadas com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

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Nesta lógica, conforme ensinam Aury Lopes Junior e Caio Paiva (2014), a audiência de custódia aponta para evolução civilizatória do processo penal. Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o entendimento é de que a referida audiência é essencial para a proteção do direito à liberdade pessoal e para outorgar proteção a outros direitos, como a vida e a integridade pessoal, advertindo que o simples conhecimento, por parte de um juiz, de que uma pessoa está detida não satisfaz essa garantia, já que o detido deve comparecer pessoalmente e apresentar sua declaração ante o juiz ou a autoridade competente.

Contudo, não se deve esperar que, sozinha, a audiência de custódia faça com que cesse a tortura policial. A medida já contribui para a possibilidade de eliminação da violência policial no momento da abordagem no flagrante e nas horas após, pois os responsáveis pela apreensão saberão que o indivíduo poderá relatar possíveis torturas à autoridade judicial, à Defesa ou ao Ministério Público, na audiência de custódia.

Outra finalidade a ser destacada é sobre a audiência de custódia objetivar a diminuição da população de presos provisórios no Brasil, sabendo que logo após a prisão em flagrante, verifica-se a legalidade e as circunstâncias da prisão, havendo possibilidade de aplicar medida alternativa. Logo depois da instalação das audiências de custódia em São Paulo, o número de prisões preventivas - que eram alarmantes, e na maioria dos casos, injustas, desnecessárias – diminuíram. Segundo Talita Abrantes (2016), sob o olhar do defensor público Bruno Shimizu (2016), para um juiz é mais fácil decretar uma prisão no papel do que olhando no olho do detento. Conforme estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 37% dos réus que respondem a um processo encarcerados cumprem uma pena em regime fechado sem terem sido condenados a isso. Nas palavras de Abrantes (2016),

nos últimos 14 anos, a população carcerária no Brasil aumentou 167%. Reduzir o número de presos provisórios não irá resolver o problema da superlotação, mas – no mínimo – pode ajudar a desafogar um pouco os níveis de insalubridade que definem as cadeias brasileiras.

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Em suma, esta finalidade tem o propósito de evitar prisões ilegais e indevidas, visto que a sede de prisão que o Estado brasileiro tem, só faz com que a população carcerária aumente de forma desnecessária, com encarcerados estando ali, muitas vezes, de forma injusta, prendendo quantitativamente e não qualitativamente.

Feitas essas considerações de cunho conceitual e legal, parte-se, na sequência, para uma análise acerca do papel das audiências de custódia na humanização do processo penal brasileiro.

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2 AS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA E A HUMANIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

É notória a caótica realidade do sistema carcerário brasileiro, visto que as superlotações e os envolvimentos de presos em facções criminosas são os principais temas dos noticiários da atualidade. Aliadas a isso, são frequentes as rebeliões em presídios e, como consequência, diversas e cruéis mortes de sentenciados. A dignidade do preso é retirada devido à superlotação dos cárceres, a qual chega a ser até cinco vezes maior do que as celas podem ocupar com detentos.

Como já visto anteriormente, a audiência de custódia é apontada como principal solução brasileira para redução da superlotação do cárcere, diminuindo também as prisões ilegais e respeitando as garantias constitucionais do preso. Nesse capítulo, aborda-se o problema da superlotação dos presídios, juntamente com o controle da tortura e dos maus-tratos por parte dos policiais contra os presos em flagrante. Para tanto, busca-se, em síntese, analisar como está sendo a implementação das audiências de custódia no Brasil.

2.1 As audiências de custódia e o problema da superlotação carcerária

Via de regra, a prisão – notadamente a de cunho cautelar – deve ser utilizada somente em último caso (ultima ratio). Sua banalização no Brasil permite afirmar que, hoje, elas se configuram como medidas que violam em excesso os direitos humanos, e não contam com o mínimo de respeito às garantias fundamentais que constam na Constituição Federal e nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. As prisões, apesar de servirem para que o condenado cumpra a pena imposta pelo crime cometido, também devem preservar a dignidade da pessoa humana. As estruturas carcerárias, diferentemente do que se observa no Brasil, devem oferecer oportunidades ao preso e não ferir as garantias asseguradas em lei.

O cenário do sistema penitenciário brasileiro é desastroso, sendo a superlotação apontada como uma grave violação dos direitos humanos pela organização internacional Human Rights Watch, que defende e realiza pesquisas

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sobre os direitos humanos. Maria Laura Canineu (2017), diretora do escritório da referida organização em São Paulo, relata que, além de violar os direitos do indivíduo preso, a superlotação carcerária é um presente nas mãos das facções criminosas, que usam as prisões para reunir seus integrantes.

A superlotação nos presídios é vista como um amplo e preocupante problema no país, devido ao agravamento contínuo das más condições das penitenciárias, tais como celas lotadas, tendo como solução apontada pela BBC – British Broadcasting

Corporation - do Brasil (2017) a combinação das penas alternativas e mais curtas

(dependendo do crime cometido) e julgamentos mais rápidos; condições precárias de saúde, visto que estudos apontam que os detentos tem chances maiores de contrair tuberculose e serem infectados por HIV do que o restante da população, e mais vulneráveis à dependência de álcool e drogas.

Ferramenta nova no Brasil, considera-se a audiência de custódia como uma medida de contenção de rebeliões que tem como maior consequência os horripilantes números de mortes dentro dos presídios. Com efeito, o Conselho Nacional de Justiça (2016) faz menção ao que declara o presidente da Comissão de Direitos Humanos da seccional maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Antônio Pedrosa (2016, p. 6) “com a superlotação exagerada, cresce a tensão entre os membros de facções criminosas e entre os presos e os agentes prisionais”,. Desde que adotadas as audiências, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a audiência de custodia permitiu que mais de 40% dos presos em flagrante respondessem em liberdade (2015). Além de cumprir com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, as audiências de custódia ajudam a combater o problema mais antigo do sistema penal brasileiro.

No Brasil, o órgão da execução penal, ligado ao Ministério da Justiça, é o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, o qual criou a Resolução nº 05 de 25 de novembro de 2016, fixando como regra o percentual máximo de excedente de detentos nas prisões de 137,5%. No entanto, o cenário é outro. Hoje, o Brasil tem quase o dobro de detentos (197,4%). Segundo dados divulgados em junho de 2016, são 726.712 presos para 368.049 vagas de acordo com o Infopen (2017, p.8), que é um levantamento nacional de informações penitenciárias.

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Em um gráfico de comparação entre pessoas privadas de liberdade entre 1990 e 2016, apresentado pela Infopen (2017, p.9), houve um aumento de 707%, tendo ultrapassado pela primeira vez na história 700 mil presos.

Há uma variação significativa entre os Estados brasileiros, sendo encontrados 33,1% da população prisional no estado de São Paulo, e a menor população de pessoas privadas de liberdade está concentrada no estado de Roraima, com 2.339 presos. (2017, p. 9)

Ocorreu relevante mudança na taxa de aprisionamento entre o ano de 2000 e 2016 (2017, p. 12), com um aumento de 157%, apontando 137 pessoas presas para cada grupo de 100 mil habitantes em 2000; e em 2016, para cada 100 mil habitantes, eram 352,6 pessoas presas.

Segundo gráfico apresentado pela Infopen (2017, p. 19), 74% dos estabelecimentos penais foram projetados para o público masculino, 7% para o feminino e 17% com celas para aprisionar mulheres dentro de um presídio destinado aos homens.

Dados demonstram também a faixa etária da população dos presídios brasileiros (2017, p. 30), onde 55% é formada por jovens, até os 29 anos, havendo maior concentração no Acre, Amazonas, Pará, Espírito Santo, Pernambuco e Sergipe.

A Infopen aponta informações de raça, cor ou etnia da população prisional (2017, p. 32), sendo 64% de 72% da população total, composta por pessoas negras. Apontada a escolaridade de 70% dos presos no Brasil, 17,75% dos presidiários não teve acesso ao ensino médio.

Em relação ao estado civil de 64% do total de pessoas privadas de liberdade (2017, p. 35), 60% delas são pessoas solteiras, e 37% da população prisional são pessoas em união estável ou casadas. (Infopen, 2016)

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Como evidente demonstrado com os dados acima, o Brasil está em terceiro lugar no ranking de países com maior população carcerária. Consequentemente há superlotação, conforme se pode perceber nas informações obtidas até então para desenvolver essa pesquisa. Partindo para o próximo tópico, busca-se analisar a conexão entre essas informações até então expostas, pois estão interligadas, devido sua extensa proporção e importância por ser assunto atual, gerador de debates e divisor de opiniões.

2.2 As audiências de custódia e o controle da tortura e dos maus-tratos pelos agentes policiais

De acordo com o Ministério da Justiça, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. A audiência de custódia é essencial para garantir que o preso seja levado ao estabelecimento penal em situação absolutamente compatível com a lei, sem que sofra qualquer tipo de violação, sobretudo a tortura, ou mesmo que não seja levado ao cárcere e sim colocado em liberdade de imediato, se assim for o caso, como justifica Neemias Moretti Prudente (2015, p.09).

O artigo 306 do Código de Processo Penal possibilita compreender a atual sistemática adotada, dispondo que em até 24 horas após a realização da prisão deve ser encaminhado ao juiz o auto de prisão em flagrante. O magistrado, exclusivamente com base nesse documento, sem a possibilidade de ouvir o preso, terá de decidir sobre a legalidade e a necessidade da manutenção da prisão cautelar. Na maioria dos casos, até a realização do julgamento os acusados sequer possuem contato com o defensor público ou particular, o que revela um descaso pelas garantias individuais, contribuindo para o elevado índice de prisões preventivas no país.

Seguindo a linha de pensamento de Neemias Moretti Prudente (2015, p. 11), percebe-se que essa sistemática adotada pelo Código de Processo Penal tem se mostrado insuficiente tanto para um efetivo controle judicial da legalidade e necessidade da prisão provisória quanto para verificar eventual prática de violência ou desrespeito aos direitos da pessoa presa. A realização de uma audiência imediatamente após a prisão, que possibilite o encontro entre a pessoa presa e o

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juiz, é fundamental como mecanismo de prevenção e combate à tortura e para um efetivo controle judicial.

Fica claro que apresentar o preso ao juiz em até 24 horas garante maior eficácia no controle da atuação dos agentes do Estado, especialmente da polícia. Se tiver ocorrido violência, será esse o melhor momento para desmascará-la, pois suas marcas provavelmente estarão visíveis e existirá um ambiente seguro para a denúncia, permitindo ao Judiciário adotar medidas efetivas, de acordo com Hugo Leonardo e Marina Dia (2015). Assim, a fiscalização de eventuais abusos durante a prisão em flagrante será realizada imediatamente pelos próprios atores do sistema de justiça, potencializando a prevenção e o combate à tortura e aos maus-tratos no Brasil.

O Relatório da Comissão Nacional da Verdade, órgão temporário criado pela Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, com o objetivo de esclarecer as violações de direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1988, reconheceu que as práticas de tortura e prisões ilegais persistem até os dias de hoje. Com o intuito de prevenir tais práticas, introjetadas pelo período ditatorial no âmbito das instituições policiais nacionais, a Comissão também recomendou ao Estado brasileiro a criação da audiência de custódia.

O projeto “Audiência de Custódia”, nesse sentido, tem por objetivo principal combater a cultura do encarceramento que se instalou no Brasil, através da monitoração eletrônica e do uso de medidas alternativas à prisão, minorando, assim, os problemas da superpopulação prisional, explica Bruno Vinicius Batista (2015, p. 07). Entre os pontos importantes destacados por seus defensores é que a audiência representaria uma forma eficiente de combater a superlotação carcerária e disseminar a tortura. Segundo Maria Laura Canineu (2013, p. 03),

o risco de maus-tratos é frequentemente maior durante os primeiros momentos que seguem a detenção quando a polícia questiona o suspeito. Esse atraso torna os detentos mais vulneráveis à tortura e a outras formas graves de maus-tratos cometidos por policiais abusivos. Além de violar os direitos dos presos, essas práticas abusivas tornam ainda mais difícil estabelecer o tipo de confiança com o público que muitas vezes é essencial para o efetivo controle da criminalidade pelas polícias e acabam por minar esforços legítimos para promover a segurança pública e reduzir a violência.

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É fundamental destacar o que ensina o Manual de Orientação sobre audiência de custódia da Defensoria Pública da União (2015, p. 18), no sentido de que toda violência leva em conta o gênero da vítima. Sendo assim, é recomendável que o defensor tenha sensibilidade em relação à violência de gênero e aos relatos de discriminação racial na abordagem, revista pessoal, assédio moral e físico na condução e em ambiente prisional. É imprescindível informar essas situações aos órgãos competentes. Ou, em situação de reiteração generalizada, que os casos sejam mapeados para buscar soluções na esfera coletiva, com o encaminhamento aos órgãos de controle e de prevenção. Além disso, é importante que o defensor busque informações sobre qual o local em que a pessoa ficará presa preventivamente, se tal medida for deferida. O manual em comento esclarece, ainda, que várias cadeias públicas e centros de detenção provisória claramente não preenchem os requisitos mínimos para a referida custódia, ficando clara a insuficiência de estrutura do Estado e a necessidade de desencarceramento daquelas pessoas que poderiam responder ao processo em liberdade.

Interessante evidenciar que a audiência de custódia é uma reivindicação antiga de movimentos de direitos humanos que buscam combater a tortura e a violência policial, sendo as primeiras horas após a prisão o momento mais sensível para o interrogatório mediante tortura. Não se deve esquecer que, infelizmente, a tortura ainda não foi abolida do Brasil como técnica de investigação durante o interrogatório. Assim, presume-se que se os policiais envolvidos na investigação e na efetivação da prisão souberem que de modo inevitável, logo após a efetivação da prisão, o detido será apresentado sem demora à autoridade judicial, perante a qual ele poderá delatar eventuais abusos de que foi vítima, haverá uma menor probabilidade de ocorrência de arbitrariedades e, caso praticado, uma maior probabilidade de uma investigação imediata ser iniciada, elevando-se as chances de se documentar os maus tratos e violência e punir os responsáveis, segundo Thiago André Pierobom de Ávila (2016, p.311).

Como já foi exposto, um dos objetivos determinantes da audiência de custódia é interromper ou evitar a ocorrência de tortura e maus tratos em face da integridade física e psíquica do preso no momento da prisão, em que o flagrado está

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mais vulnerável. Sendo assim, para que sejam alcançados os objetivos da audiência de custódia, a apresentação do flagrado não pode ser demorada. Para complementar, Mauro Fonseca Andrade e Pablo Rodrigo Alflen (2016, p.66) acrescentam que

só assim poder-se-ia evitar a incidência ou agravamento de possíveis agressões a quem for preso ou detido, ou, então que as marcas deixadas por elas se apaguem com o transcurso de um lapso temporal mais dilatado, o que proporcionaria a impunidade dos eventuais agressores. Essa finalidade consiste na apresentação do indivíduo preso a presença da autoridade competente após a sua prisão em flagrante, visando garantir a integridade física e proteção aos seus direitos, assim como evitar que o flagrado continue preso a partir de uma prisão ilegal.

É importante salientar que a audiência de custódia é fruto de antiga exigência da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, com a finalidade de resguardar a integridade física e moral do preso e consolidar o seu direito de acesso à justiça, de acordo com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (2016).

Essa audiência possui objetivo que contempla a proteção dos direitos fundamentais do cidadão preso, promovendo proteção à integridade física, moral e psíquica, colocando em prática os direitos humanos, evitando que haja abusos de poder e força. Oferecendo uma oportunidade justa para que o preso venha a se defender na presença do juiz, constituído de um defensor público ou particular para lhe representar, definindo assim, se a prisão será necessária.

Caio Paiva (2017, p. 49) reforça que a audiência de custódia é um instrumento que auxiliará na redução de eventual violência policial sofrida no momento da abordagem do indivíduo e enquanto ele estiver sobre a vigilância e segurança dos agentes. Destaca, ainda, o autor, que os responsáveis pela apreensão terão ciência de que qualquer alegação de tortura poderá ser levada imediatamente ao conhecimento da autoridade judicial, da defesa e do Ministério Público, na realização da audiência.

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É fundamental, neste ponto, conhecer sobre como se procede durante a realização da audiência de custódia, ou seja, a obrigação do juiz é perguntar ao custodiado se sofreu tortura ou maus-tratos durante ou após a prisão em flagrante. Caso a resposta seja afirmativa, o juiz perguntará o que ocorreu e se o preso consegue identificar o autor das agressões, para então encaminhar a denúncia à instituição responsável, é o que nos explica Julita Lemgruber, Marcia Fernandes, Leonarda Musumeci, Maíza Benace e Caio Brando (2016, p. 50).

Nos casos em que o preso denunciar tortura ou maus tratos de agentes estatais, as informações serão registradas, sendo determinadas providências para apuração pela autoridade judicial. Desta forma Carlo Velho Masi (2016), explica que o funcionário que coletar os dados da pessoa presa também deverá coletar informações sobre a identificação dos supostos agressores; o local, a data e a hora dos fatos e sua descrição, com o método utilizado e a indicação das lesões, que serão registradas por foto ou vídeo; a identificação de testemunhas; a existência de registro das lesões sofridas; os encaminhamentos dados pela autoridade judicial para requisitar investigação dos relatos; a aplicação de medidas protetivas concedidas ao preso pela autoridade judicial, nos casos em que haja risco à vida ou à segurança da pessoa e de seus familiares ou a testemunhas do abuso.

Pode-se concluir, diante disso, que, se as práticas dessas audiências forem realmente levadas a sério pelos juízes, desempenhando o papel importante de imparcialidade na sua conduta como magistrados, a possibilidade de se obter eficácia para um futuro com um número menor de encarcerados, evitando prisões desnecessárias, ficando também assegurados os direitos fundamentais e humanos dos custodiados, mantendo e respeitando sua integralidade física, moral e psicológica.

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2.3 Analise crítica da implementação das audiências de custódia no Brasil

Diante do contexto atual é notável que a implantação das audiências de custódia tenha seus pontos positivos, dentre eles os que tangem aos seus objetivos. Após um lapso de cerca de 20 anos, o Brasil passou a cumprir o dispositivo previsto em acordos internacionais que ratificou. Assim, passou a oferecer melhores condições para o cumprimento dos direitos do preso, como também ao combate de atos ilegais como a tortura do detido e as prisões ilegais, arbitrárias ou desnecessárias, segundo Felipe Rodrigues dos Santos (2016, p. 11), contribuindo assim, não só para um controle do sistema prisional brasileiro, como também a diminuição dos gastos por parte do Estado, para a sua manutenção.

Um risco na adoção das audiências de custódia é o fato de que a avaliação feita pelo juiz será realizada inicialmente com base em elementos colhidos no momento da apresentação do preso, sem consonância ou confronto com outros elementos que confirmem ou não os fundamentos para a prisão, ocasionando um convencimento a partir de indícios de autoria e materialidade muitas vezes frágeis. Ainda, conforme Felipe Rodrigues (2016, p. 8), o delegado de polícia não é apenas um profissional que homologa as prisões, mas que atua na análise da situação, dos fatos e aspectos jurídicos, portanto, não ficando obrigado a decretar prisões ilegais ou que não estejam em situação de flagrante.

Segundos dados estatísticos disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça, a implementação do projeto Audiências de Custódia em todos os Estados brasileiros foi cumprida, e até junho de 2017, o país contava com o total de 258.485 audiências de custódia realizadas, com 115.497 (44,68%) casos que resultaram em liberdade, 142.988 (55,32%) casos que resultaram em prisão preventiva e 12.665 (4,90%) casos onde houve alegações de violência no ato da prisão. As estatísticas apresentadas, mostram que foram realizadas 6.769 audiências de custódia no Estado do Rio Grande do Sul, sendo 5.742 (84,83%) que resultaram em prisão preventiva, 1.027 (15,17%), que resultaram em liberdade provisória e 401 (6%) que resultaram em alegações de violência no ato da prisão.

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O Conectas Direitos Humanos apresentou um relatório, intitulado Tortura Blindada, sobre o monitoramento realizado entre julho e novembro de 2015, período de observação, e dezembro de 2015 a maio de 2016, período de acompanhamento das denúncias de violência narradas pelos presos na cidade de São Paulo. Segundo dados apontados por Jacqueline Sinhoretto (2017, p. 14), ocorreram 393 casos de tortura e maus tratos físicos por parte dos agentes policiais.

Segundo relatório “Tortura Blindada”, elaborado pela Organização Não-Governamental “Conectas Direitos Humanos” (2017, p. 4), o jurídico brasileiro utiliza um termo para audiências de custódia – audiência fantasma - realizadas sem a presença do preso em flagrante, o que acontece pelo fato de eles serem encaminhados para um hospital logo após o flagrante, devido ao grave estado de saúde, consequência de ferimentos ocorridos durante a prisão por maus tratos dos policiais.

O motivo do termo, Audiência Fantasma é justamente pela a ausência do preso em flagrante, o que não acarreta a transferência da audiência, muito menos o estranhamento por parte de juízes, promotores e defensores, nos remetendo a um erro gravíssimo, visto que, esses indivíduos podem ser as maiores vítimas de violência no ato da prisão, os que mais sofreram tortura e maus tratos, e consequentemente, não poderão denunciar tais agressões, pois em nenhum dos casos foi mencionada a possibilidade de nova audiência após a alta médica, assim relata o relatório sobre Tortura Blindada (2017, p. 4).

Como dito anteriormente as audiências, mesmo sem a presença do preso em flagrante, ocorrem normalmente, onde o juiz decide se mantém ou não a prisão de acordo com o relatório sobre Tortura Blindada (2017, p. 23), fato este, que prejudica o custodiado. Nesses casos, ao invés de ocorrer a audiência de custódia, deveria ser determinada a presença do preso em flagrante logo após a alta hospitalar, junto da apresentação de laudo médico constando os motivos da internação, e a apuração de possível violência por parte dos agentes policiais.

O que demonstra nesses casos é o papel inverso das instituições policiais, ou seja, ao invés de garantir os direitos do preso até haver o primeiro contato com o juiz, há uma taxa elevada de violência em suas atividades. Para Jacqueline

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Sinhoretto (2017, p. 13), principalmente a Polícia Militar faz largo uso da violência em suas atividades.

Ainda de acordo com Jacqueline Sinhoretto (2017, p. 13):

70% das pessoas ouvidas pela pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2016, consideram que as polícias exageram no uso da violência. 59% têm medo de ser vítima da Polícia Militar, metade das pessoas não crê que a PM seja eficiente para trazer segurança à população. Em relação à Polícia Civil, 53% têm medo dela e 48% não acredita que ela seja eficiente para elucidar crimes.

É visível que esse é um problema antigo, nem mesmo a população considera que o trabalho das polícias é seguro, o que deveria ser um recurso de segurança, acaba causando sentimento de desconfiança nas pessoas.

O método utilizado pelas audiências de custódia – realização de perícia e exame de corpo de delito - para verificar se realmente houve agressões contra o acusado por parte dos agentes policiais nem sempre é viável, devido ao fato de que ocorrem alguns casos de demora na apresentação do preso ao juiz ou até mesmo realização da perícia, o que tem como conseqüência o sumiço das marcas dos maus tratos. Acontece também do magistrado nem questionar o custodiado se houve ou não algum tipo de tortura ou maus tratos se não houver marca visível, argumenta Jacqueline Sinhoretto (2017, p.15).

Conclui-se que a referida perícia deveria ser um método obrigatório, em defesa aos direitos do preso. Para complementar, Jacqueline Sinhoretto (2017, p. 14) destaca que “o exame de corpo de delito só constata lesões físicas externas, não sendo o instrumento adequado para avaliar prejuízos emocionais ou mesmo fisiológicos”.

Ademais, um dos pontos de maior discussão é a presença dos policiais em todos os ambientes e atos das audiências, o que prejudica a pessoa presa, não havendo neutralidade na entrevista, fazendo muitas vezes que haja omissão sobre a tortura ou maus-tratos ocorridos durante o ato de prisão. Deveria ocorrer algum

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momento onde não houvesse a presença dos policiais, para não existir intimidação para a denúncia dos profissionais ou de condutas abusivas por parte deles.

São notórios os avanços ocorridos com a audiência de custódia no país, porém, deve-se buscar ainda, a adequação das decisões judiciais à realidade carcerária, pois é visível e espantoso o número elevado de presos, que sofrem com as condições subumanas nos presídios superlotados. Ou seja, as leis devem ser cumpridas, tanto as penais, de maneira a se fazer valer a utilidade da reclusão, quanto as processuais, para que se evitem erros do jurídico e não ocorram abusos do Estado contra os direitos do indivíduo preso.

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CONCLUSÃO

A audiência de custódia passou a fazer parte da realidade concreta do processo penal brasileiro apenas em 2015. No entanto, a audiência de custódia é fruto de antiga exigência da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, com a finalidade de resguardar a integridade física e moral do preso e consolidar o seu direito de acesso à justiça. O Brasil se omitiu por mais de vinte anos em relação à efetivação da audiência de custódia no país.

A audiência de custódia tomou maior proporção na realidade brasileira no início de 2015, com a aprovação do Ministro Ricardo Lewandowski frente ao Projeto Audiência de Custódia do Conselho Nacional de Justiça, no Estado de São Paulo, objetivando garantir os direitos fundamentais da pessoa condenada, tendo a rápida apresentação do preso a um juiz em casos de prisão em flagrante.

Até então o primeiro contato entre o juiz e a pessoa detida acontecia, em média, de três a cinco meses após a prisão, na audiência de instrução e julgamento, após o recebimento da denúncia. Durante esse tempo, a pessoa permanecia presa, sem ser ouvida sobre os fatos. As denúncias de tortura e maus-tratos sofridos no momento da prisão seriam realizadas somente na audiência de instrução e julgamento, o que prejudicava a apuração dos fatos, inclusive por haver um longo tempo decorrido desde a lesão, o que diminuía, reflexamente, a possibilidade de se fazer prova da violência sofrida por meio do exame de corpo do delito.

É possível visualizar toda uma evolução da audiência de custódia no processo penal brasileiro. O Brasil é signatário do Pacto de Direitos Civis e Políticos, segundo o qual qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgado em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. Busca-se a humanização do individuo preso, o impedimento de manutenção de prisões ilegais e a prevenção de maus-tratos e tortura pelos policiais para com os presos em flagrante. Evidencia-se, que no Brasil, torna-se indispensável a adoção de medidas que evitem o número de prisões

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desnecessárias, e consequentemente, contribuam para a redução da superlotação carcerária.

Porém, o Brasil se encontra em uma situação seríssima com relação à superlotação carcerária, e um dos motivos para isso é o número elevado de presos provisórios, aqueles que aguardam julgamento definitivo. O Departamento Penitenciário Nacional, em seu último levantamento, informou que no Brasil, aproximadamente 41% dos encarcerados, são os presos provisórios. Portanto, um dos principais objetivos deve ser considerado com devida importância, visto que prevenir o aumento demasiado da população nos presídios brasileiros e evitar que permaneçam lá pessoas presas desnecessariamente é uma finalidade da audiência de custódia.

Por fim, a audiência de custódia serve para que o juiz verifique eventuais maus tratos ao indivíduo preso em flagrante, ela previne a tortura policial, assegurando ao preso o direito à integridade pessoal. Podendo eliminar violência policial praticada no momento da abordagem e nas horas seguintes, pois os policiais terão consciência de que qualquer alegação de tortura poderá ser levada imediatamente ao conhecimento do juiz, da Defesa e do Ministério Público, quando realizada a audiência de custódia.

Conclui-se que essa implementação de audiência significa algo muito importante para o ordenamento jurídico, pois humaniza o tratamento com o preso, garantindo sua proteção e integridade física, moral e psíquica. Consequentemente, gera oportunidade de o juiz ouvir o indivíduo logo após a prisão em flagrante, proporcionando o direito de defesa e análise sobre a necessidade de permanecer preso, fazendo, assim, com que os estabelecimentos prisionais não acabem lotados com presos que simplesmente aguardam julgamento durante vários meses.

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