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O trabalho educativo e sua relação com a constituição social da memória individual no processo de formação de professores

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

TAMINI WYZYKOWSKI

O TRABALHO EDUCATIVO E SUA RELAÇÃO COM A CONSTITUIÇÃO SOCIAL DA MEMÓRIA INDIVIDUAL NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Ijuí, RS 2017

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TAMINI WYZYKOWSKI

O TRABALHO EDUCATIVO E SUA RELAÇÃO COM A CONSTITUIÇÃO SOCIAL DA MEMÓRIA INDIVIDUAL NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Dissertação de Mestrado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), como requisito à obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientadora: Professora Doutora Marli Dallagnol Frison

Ijuí, RS 2017

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W998tWyzykowski, Tamini.

O trabalho educativo e sua relação com a constituição social da memória individual no processo de formação de professores/Tamini Wyzykowski. – Ijuí, 2017.

150f.: il.;30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí e Santa Rosa). Educação nas Ciências.

“Orientadora: Marli Dallagnol Frison”.

1. Educação escolar. 2. Processos acadêmico-profissionais. 3. Vivências educativas. 4. Desenvolvimento humano. 5. Histórico-cultural. I. Frison, Marli Dallagnol. II. Título.

CDU: 37.015.3

Catalogação na Publicação

Gislaine Nunes dos Santos CRB10/1845

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A comissão abaixo-assinada avalia a presente dissertação

O TRABALHO EDUCATIVO E SUA RELAÇÃO COM A CONSTITUIÇÃO SOCIAL DA MEMÓRIA INDIVIDUAL NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Elaboarada pela mestranda

Tamini Wyzykowski

Como requisito para obtenção do título de

MESTRE EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

COMISSÃO EXAMINADORA

Profª. Drª. Marli Dallagnol Frison (Orientadora)

Prof. Dr. Otavio Aloisio Maldaner

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos aqueles que contribuíram no percurso desta jornada.

Com respeito e admiração, à minha orientadora professora doutora Marli Dallagnol Frison, pela paciência, auxílio, confiança e amizade.

Aos professores Otavio Aloisio Maldaner e Roque Ismael da Costa Güllich, que aceitaram compor minha banca de Qualificação e de Defesa, pelas significativas contribuições no texto e em minha formação acadêmica-profissional.

À Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí) e ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, pela acolhida, pelas “portas abertas”.

Aos docentes do curso de Mestrado, pelos saberes compartilhados e desenvolvidos nos espaços coletivos.

À direção da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Cerro Largo, e à coordenação do curso de Graduação em Ciências Biológicas-Licenciatura, que autorizaram o processo metodológico e investigativo no referido contexto de formação.

Aos formadores e licenciandos que aceitaram participar como sujeitos de pesquisa, pela receptividade e colaboração.

À minha família, gratidão eterna, pela vida, pelo amor e apoio incondicional, por compartilharem comigo as alegrias e angústias da realização desse sonho!

Aos amigos, de perto e de longe, pelo incentivo e pelo carinho.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes – pelo financiamento da pesquisa.

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“De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estou começando, a certeza de que é preciso continuar, a certeza de que posso ser interrompida antes de terminar. É preciso, fazer da interrupção um caminho novo, da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte... da procura um encontro” Fernando Sabino.

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RESUMO

Este estudo teve como principal objetivo investigar, analisar e compreender o processo do trabalho educativo na construção de ideários e concepções sobre o ser professor e que contribuições ele oferece para a constituição social da memória individual acerca de questões relacionadas ao ensino e à docência em Ciências. Participaram desta investigação 17 licenciandos e 3 professores formadores do Curso de Graduação em Ciências Biológicas – Licenciatura da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), localizada no município de Cerro Largo no Estado do Rio Grande do Sul (RS), Brasil (BR). As interações investigativas se estabeleceram por meio de análise de narrativas de formação e produção de questionário e entrevistas com os sujeitos participantes. O estudo insere-se na abordagem qualitativa de pesquisa em educação e está caracterizado como um Estudo de Caso. Os dados produzidos foram organizados considerando os pressupostos teóricos da Análise Textual Discursiva (ATD), que possibilita tanto a análise dos conteúdos quanto do discurso nas pesquisas qualitativas. A interpretação e análise baseiam-se em obras de autores que tratam da formação do professor e no referencial teórico da Psicologia Histórico-Cultural. Os resultados foram construídos considerando dois focos definidos: I Memórias de vivências educativas e II Memórias de processos formativos acadêmico-profissionais. Nestes focos emergiram categorias para as quais são apresentadas algumas proposições que norteiam o desenvolvimento de um metatexto. No foco I são analisadas as unidades de significados que se referem às categorias de Instrumentos pedagógicos e de Saberes de professores. No foco II são problematizados os dados emergentes que constituem as categorias de Desenvolvimento humano/profissional e de Mediação interativa. Este estudo tem a pretensão de contribuir com discussões relacionadas à melhoria da qualidade dos processos de formação de professores. Resultados deste trabalho apontam para a necessidade de uma reflexão sobre contribuições que o trabalho educativo desenvolvido nos contextos de Educação Básica e Ensino Superior pode oferecer na constituição social da memória humana, neste caso, especialmente no que se refere à formação de professores de Ciências Biológicas.

Palavras-chave: Desenvolvimento humano. Educação escolar. Histórico-cultural. Processos

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ABSTRACT

This study has as main objective to investigate, analyze and understand the process of educational work in the construction of ideas and conceptions about being a teacher and what contributions it offers to the social constitution of individual memory about issues related to teaching in science. Participating in the investigation seventeen (17) undergraduates and three (3) professors from the Undergraduate Course in Biological Science of the Federal University of Southern Frontier (UFFS), located in Cerro Largo, in the State of Rio Grande do Sul (RS), Brazil. Investigative integration was established throughout narratives analyzes of formation and production of a questionnaire and interviews with the participants. This study is part of a qualitative approach to research in education and it is characterized as Case Study. Data produced were organized considering the theoretical assumptions of Discursive Textual Analysis (ATD), which allows both the contents’ analysis and the speech in qualitative research. Interpretation and analysis are based on authors who deal with teacher training and the theoretical framework of Historical-Cultural Psychology. The results were built considering two defined points: I – Memories of educational experiences and II – Academic-Professional formative processes. In these point categories emerge to which are now presented some prepositions that lead the development of a metatext. In point I are analyzed units of meanings that refer to the categories of teaching instruments and teacher’s knowledge. In point II are problematized the data emerged which constitute the categories of human/professional development and interative mediation. This dissertation intends to contribute to discussions related to the improvement of the quality of initial teacher training processes. Results of this study point to the need of a reflection about some contributions that educational work developed in Basic Education context and Superior Education can offer in constitution of a social humane memory, in this case, especially on what refers to teachers’ formation in Biological Science.

Keywords: Human Development. Scholar Education. Historical-Cultural. Academic-Professional processes. Educational experiences.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Perfil dos Licenciandos ...….. 71 Quadro 2 – Focos investigativos, categorias emergentes e proposições ... 85

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LISTA DE ABREVIATURAS

AOE - Atividade Orientadora de Ensino ATD – Análise Textual Discursiva BR – Brasil

CAAE – Certificado de Apresentação para Apreciação Ética

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNS – Conselho Nacional de Saúde

EaD – Educação a Distância

ENADE – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

FACIPAL – Faculdades Integradas Católicas de Palmas

FAPERGS – Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul

GEPECIEM – Grupo de Estudos e Pesquisa no Ensino de Ciências e Matemática MEC – Ministério da Educação

PETCiências – Programa de Educação Tutorial em Ciências

PIBIC/EM – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Ensino Médio

PIC - MEL – Programa de Iniciação em Ciências, Matemática, Engenharias, Tecnologias Criativas e Letras

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PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência

PIBIDCiências – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência subprojeto Pibid Ciências

PIBID Ciências Biológicas – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência subprojeto PIBID Ciências Biológicas

PIBID Física – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência subprojeto PIBID Física

PIBID Interdisciplinar – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência subprojeto PIBID Interdisciplinar

PIBID Química – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência subprojeto PIBID Química

PIICT/UFFS – Programa Institucional de Iniciação Científica e Tecnológica da Universidade Federal da Fronteira Sul

PR – Paraná

PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul RS – Rio Grande do Sul

SC – Santa Catarina

Sisu – Sistema de Seleção Unificado TCC – Trabalho de Conclusão de Curso TCE - Trabalho de Conclusão de Estágio

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UFFS – Universidade Federal da Fronteira Sul

UFLA – Universidade Federal de Lavras

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul UNINTER – Centro Universitário Internacional

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URI – Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões ZDP – Zona de Desenvolvimento Proximal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 15

CAPÍTULO 1 – A CONSTITUIÇÃO DA MEMÓRIA E O DESENVOLVIMENTO HUMANO: CONTRIBUIÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL 20 1.1 A memória humana: aspectos gerais ... 20

1.2 O Signo e a Linguagem como instrumentos para a constituição cultural da memória e do desenvolvimento humano ... 34

1.3 Contribuições do ensino escolar na formação social da memória humana individual... ... 43

CAPÍTULO 2 – O CONTEXTO INVESTIGATIVO, OS SUJEITOS ENVOLVIDOS E O PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA ... 56

2.1 O contexto da pesquisa ... 56

2.1.1 A instituição de ensino ... 56

2.1.2 O curso de Graduação em Ciências Biológicas ... 57

2.1.3 Programas e Projetos na Formação Inicial, a abordagem da experimentação e o uso de Diário de Bordo ... 59

2.1.4 A estrutura curricular do curso de Ciências Biológicas... 65

2.2 Os sujeitos da investigação ... 68

2.2.1 Os licenciandos ... 69

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2.3 O percurso da pesquisa e os procedimentos metodológicos ... 77

2.3.1 Abordagem de pesquisa ... 77

2.3.2 Os procedimentos da investigação e os instrumentos utilizados para a construção dos resultados ... 79

2.3.3 A organização dos resultados ... 81

CAPÍTULO 3 – CONTRIBUIÇÕES DO TRABALHO EDUCATIVO NA CONSTITUIÇÃO SOCIAL DA MEMÓRIA INDIVIDUAL E NO DESENVOLVIMENTO HUMANO: IMPLICAÇÕES NO SER E NO CONSTITUIR-SE PROFESSOR ... 84

3.1 Memórias de vivências educativas ... 85

3.1.1 Instrumentos pedagógicos ... 86

3.1.2 Saberes de professores ... 105

3.2 Memórias de Processos formativos acadêmico-profissionais ... 117

3.2.1 Desenvolvimento humano/profissional ...117

3.2.2 Mediação interativa ... 126

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES...131

REFERÊNCIAS ...135

APÊNDICES ... 146

Apêndice A: Questionário para licenciandos do curso de Ciências Biológicas ... 147

Apêndice B: Roteiro para entrevista com licenciandos do curso de Ciências Biológicas ... 149 Apêndice C: Roteiro para entrevista com professor formador do curso de Ciências Biológicas . .150

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INTRODUÇÃO

Neste estudo apresento discussões acerca do trabalho educativo e sua relação com a constituição social da memória individual em um processo de formação inicial de professores de Ciências Biológicas. Problematizo, principalmente, que o trabalho educativo pode contribuir e servir como referência para a formação e transformação de ideários e concepções sobre a docência que ficam consolidados na memória dos estudantes no percurso da Educação Básica e durante a formação inicial de professores no curso de Licenciatura.

Esta pesquisa surgiu em decorrência de algumas vivências formativas durante minha trajetória acadêmica. Minha constituição como pesquisadora inicialmente se desenvolveu durante minha Graduação no curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS – e na condição de participante do Grupo de Estudos e Pesquisa no Ensino de Ciências e Matemática – GEPECIEM (2010-2014). Fui bolsista de Iniciação Acadêmica – UFFS (2010), bolsista do Programa de Educação Tutorial em Ciências – PETCiências/SESu-MEC (2010-2013), bolsista do Programa Institucional de Iniciação Científica e Tecnológica da Universidade Federal da Fronteira Sul – PIICT/UFFS (2013 – 2014) e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID/CAPES subprojeto PIBID Ciências Biológicas (2014). Posteriormente, minha formação deu continuidade com o ingresso no curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí. Os encontros de orientação com a professora orientadora do Programa e as leituras do referencial teórico da Psicologia Histórico-Cultural, viabilizaram o delineamento da temática e o desenvolvimento desta pesquisa.

De acordo com Braga (2000), o estudo da memória envolve a compreensão de vários aspectos do desenvolvimento humano, como as operações com signos, as funções mentais e o desenvolvimento da linguagem. Apoiada em Vigotski, a autora destaca que a memória permite compreender como os sujeitos se apropriam dos signos, presentes no meio cultural em que estão inseridos, e o sentido destes no desenvolvimento humano. No que se refere

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especialmente à relação da escola com a formação da memória humana, Inumar e Palangana (2004, p. 101) afirmam que “a memória é uma capacidade extremamente cara à educação, já que esta precisa dar a conhecer o passado para que os fatos do presente ganhem sentido e possam ser apreendidos desde as relações que os constituem”.

Braga (2010 p. 160) pressupõe que “a recordação emerge em função dos interesses do presente e está ligada às atividades práticas da vida cotidiana”. A autora (2000, p. 189) ainda adverte que “já nascemos imersos em um processo de significação […]. O que e como lembramos depende dos significados e sentidos que vão sendo historicamente produzidos nas interações, nas interlocuções”. A memória que os professores trazem de suas trajetórias escolares e/ou universitárias vai implicar em sua atuação profissional e esta, por sua vez, também vai deixar “marcas na memória dos alunos, que se embrenharão no curso de seu processo de escolarização e da vida” (ROCHA, 2013 p. 103).

Com base em Silva (2013), passei a compreender que os licenciandos não entram em branco nos bancos da Graduação, pois trazem consigo uma memória, uma bagagem histórico-cultural que interfere na própria constituição profissional, partindo, muitas vezes, da crença daquilo que vem a ser um bom professor. Ao mencionar a memória que os licenciandos trazem não me refiro, portanto, restritamente ao seu sentido biológico, mas sim aos “meios, os modos, os recursos criados coletivamente no processo de produção e apropriação da cultura” (SMOLKA 2000, p. 186). Enfim, reporto-me às experiências que estes sujeitos vivenciaram a partir da interação com outros indivíduos nos seus educandários e que foram internalizadas, tornando-se, desta forma, elementos constitutivos na docência.

Diferente de outras profissões, a experiência de vida e a memória dos eventos vivenciados nos contextos escolares refletem na atuação profissional do professor, pois “na docência, a pessoa que é o trabalhador constitui o meio fundamental pelo qual se realiza o trabalho em si mesmo […] um professor não pode apenas ‘fazer seu trabalho’, mas deve engajar-se e investir a si mesmo no que é como pessoa nesse trabalho” (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 268). No que se refere ao trabalho educativo, apoiada em Saviani (1995), assumo que ele é

o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo (p. 17).

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No trabalho educativo é manifestada a identidade do professor, suas crenças, concepções de ensino e as experiências formativas que ficaram imbricadas em sua constituição, que lhe permitem tomar decisões e agir nas situações inesperadas que podem surgir em sala de aula. Conforme McKernan (2009, p. 2015), “a cultura colide com a educação e o ensino de muitas maneiras. O professor é, inevitavelmente, um portador de valores humanos e significados que são mediados pelo ensino e pelo currículo”. Um sujeito não nasce professor e tampouco se torna professor somente a partir de um curso de licenciatura. A constituição na docência implica significação de vários saberes e fazeres da docência que emergem das interações em contextos e tempos distintos.

Tardif (2002) menciona que os saberes dos professores provêm de diferentes fontes sociais, como do núcleo familiar, da formação na Educação Básica, dos cursos de magistério/licenciatura, dos programas de ensino e do próprio exercício da docência, intensificando-se quando há oportunidade de troca de experiências com profissionais da mesma área. Os professores têm um saber plural e temporal e sua relação com seus saberes são “mediadas pelo trabalho que lhes fornece princípios para enfrentar e solucionar situações cotidianas” (TARDIF, 2002, p. 17). Zanon (2003) defende “o saber profissional docente como um saber caracteristicamente dinâmico, dialético e processual, teórico e prático, sempre em processos de permanente reconstrução através, precisamente, de interações mediatizadas por outros, em contextos de formação” (p. 82).

Segundo Carniatto (2002), a ação docente é movida por crenças e concepções acerca da docência que emergem das experiências de vida de cada sujeito. Por isso, o exercício da docência muitas vezes faz com que os professores recordem de seu tempo como alunos. Não é por acaso que nos primeiros anos do exercício do magistério muitos recém-licenciados ensaiam conduzir o trabalho educativo baseados em modelos de ensino utilizados pelos considerados “bons professores”, que estiveram presentes na Graduação e/ou na Educação Básica.

Sendo assim, torna-se competência do processo constitutivo inicial estimular os licenciandos a uma reflexão crítica quanto ao resgate de memórias do processo educativo que estes vivenciaram para qualificar a formação. Uma reflexão capaz de transformar concepções simplistas provenientes da Educação Básica, significar ideários equivocados de docência para, então, referenciar com criticidade as futuras ações nos diferentes contextos formativos e qualificar a própria formação (ZEICHNER, 2008). Conforme Larrosa (2002), é necessário

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tornar os professores em processo de formação inicial e continuada conhecedores de suas vivências, para que as mesmas se configurem experiências de vida e, assim, estes se constituam profissionais mais autônomos e conscientes do seu saber e fazer docente. No entendimento deste mesmo autor

a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. Walter Benjamin, em um texto célebre, já observava a pobreza de experiências que caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara. (LARROSA, 2002, p. 21).

Pensando a influência histórico-cultural na constituição da docência, pressuponho que a memória do processo educativo que os professores em formação inicial apresentam implica no percurso do seu desenvolvimento profissional, tornando-se um fator que possivelmente referenciará o trabalho educativo nos seus diferentes contextos. Por isso, é pertinente investigar e compreender o porquê de algumas determinadas vivências formativas ficarem guardadas na memória de licenciandos e outras não, e de que modo estas marcas influenciam na constituição dos professores em formação inicial. Também é relevante compreender indícios da importância da formação inicial, especialmente no que se refere à figura do professor formador no processo constitutivo dos licenciandos. O formador tem um papel marcante no percurso da formação inicial, podendo estimular ou talvez limitar o desenvolvimento profissional dos futuros professores, servindo, também, como referência profissional convivial aos licenciandos.

Nessa linha de pensamento, a pesquisa, que resultou na produção desta Dissertação, teve o intuito de discutir sobre a relação do trabalho educativo com a constituição social da memória individual na formação de professores. O seu problema norteador foi: Que atividades/eventos/situações de ensino foram desenvolvidas na memória de professores em formação inicial e que contribuições elas oferecem para a constituição de professores de Ciências Biológicas? Concomitante a esta questão, outras perguntas também foram problematizadas: Como a memória humana se desenvolve? Como a educação escolar pode intervir no desenvolvimento humano, especialmente na formação da memória voluntária de conteúdos científico-escolares? Que situações educativas experienciadas ao longo do processo formativo, que contribuíram para a construção de sentidos sobre o ser professor, foram memorizadas pelo grupo de professores em formação de Ciências Biológicas que aceitou participar desta pesquisa? Que contribuições a formação inicial pode oferecer no processo de construção de significados e sentidos sobre o trabalho educativo, que podem servir de instrumento para o desenvolvimento da

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memória voluntária e para a produção de ideários e concepções sobre o ser professor?

Reitero que, para desenvolver esta pesquisa estabeleci interações, por meio de análise de narrativas de formação e produção de questionário e entrevistas, com um grupo de licenciandos e professores formadores do curso de Graduação em Ciências Biológicas – Licenciatura da UFFS –, localizada no município de Cerro Largo no Estado do Rio Grande do Sul – RS, Brasil – BR. No percurso empreendido, busquei perceber indícios de eventos1 que foram memorizados por estes sujeitos, que possibilitaram reconhecer algumas compreensões sobre trabalho educativo, ensino, aprendizagem e função do professor e da escola, decorrentes do percurso histórico-cultural vivenciado pelos participantes deste estudo.

Esta investigação insere-se na abordagem qualitativa de pesquisa em educação e está caracterizada como um Estudo de Caso (LÜDKE; ANDRÉ, 1986; YIN, 2001). Os dados produzidos foram organizados considerando os pressupostos teóricos da Análise Textual Discursiva – ATD –, que possibilita tanto a análise dos conteúdos quanto do discurso nas pesquisas qualitativas (MORAES; GALIAZZI, 2011). A interpretação e análise baseiam-se em obras de autores que tratam da formação do professor, e no referencial teórico da Psicologia Histórico-Cultural (BRAGA, 2000; DUARTE, 2011; LEONTIEV, 1978; LURIA, 1999; VIGOTSKI, 2001).

Esta pesquisa passou pela apreciação do Comitê de Ética da Unijuí e todos os sujeitos envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE. Para manter o sigilo e o anonimato dos participantes, na escrita da Dissertação os licenciandos foram designados com nomes fictícios de inicial L e os professores formadores nominados com nomes fictícios de inicial F.

O estudo teve como principal objetivo investigar, analisar e compreender o processo do trabalho educativo na construção de ideários e concepções sobre o ser professor e que contribuições ele oferece para a constituição social da memória individual acerca de questões relacionadas ao ensino e à docência em Ciências. A investigação também contou com os seguintes objetivos específicos:

a) investigar sobre a natureza da memória humana na perspectiva Histórico-cultural;

b) compreender o processo de constituição da memória humana social e individual e sua

1 Utilizo este termo para referir-me à acontecimentos e experiências ocorridas nos contextos educativos ao

longo do percurso histórico-cultural dos sujeitos participantes da pesquisa que foram memorizados como, por exemplo, um instrumento de ensino utlizado nas aulas, a postura profissinal de algum antigo professor, características do ambiente social-escolar.

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relação com o ensino escolar;

c) analisar o processo formativo de um grupo de professores de Ciências Biológicas e entender as implicações de eventos memorizados para a constituição docente destes sujeitos;

d) investigar as contribuições da formação inicial no processo de construção de significados e sentidos sobre o trabalho educativo, compreendendo como instrumento para o desenvolvimento da memória e para a produção de ideários e concepções sobre o ser professor.

Para atender aos propósitos preestabelecidos, desenvolvi o processo investigativo que está sistematizado nesta Dissertação, organizada em três Capítulos.

No Capítulo 1 apresento o referencial teórico que fundamenta a construção deste estudo. Inicialmente faço a exposição de alguns aspectos gerais sobre a memória humana; em seguida, detenho-me a explicitar o papel do signo e da linguagem como instrumentos necessários para a constituição social da memória e do desenvolvimento humano; e, por fim, trago à discussão contribuições que o ensino escolar pode oferecer para a formação da memória e do homem.

No Capítulo 2 descrevo como a pesquisa foi realizada; apresento o contexto investigativo, a instituição e o curso de Ciências Biológicas envolvidos; descrevo o perfil dos sujeitos participantes e explico como foram realizados os procedimentos metodológicos empreendidos; relato os instrumentos de produção dos dados utilizados, os princípios éticos de pesquisa com seres humanos que foram seguidos na investigação, e explicito como se deu o processo de organização dos resultados construídos pelo viés da ATD.

No Capítulo 3 apresento e discuto os resultados, que foram sistematizados com base em dois focos definidos: I Memórias de vivências educativas e II Memórias de Processos formativos acadêmico-profissionais. Considerando o tema da investigação e as unidades de significados, em cada um dos focos emergiram duas categorias para as quais apresento no texto algumas proposições. No foco I analiso as unidades de significados que se referem às categorias de Instrumentos pedagógicos e de Saberes de professores. No foco II problematizo as categorias de Desenvolvimento humano/profissional e de Mediação interativa. A construção do metatexto foi substanciada pelo aporte teórico da Psicologia Histórico-Cultural, que discute sobre a formação da memória e o desenvolvimento humano e por referenciais que

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discorrem sobre questões relacionadas aos processos de ensino, de aprendizagem e constituição profissional na docência. Para isso, busquei apoio teórico em autores como: Vigotski (2001), Braga (2000), Saviani (1995), Tardif (2002), Zeichner (2008), dentre outros.

Destaco, por ora, que esta Dissertação tem a pretensão de contribuir com discussões relacionadas à qualidade dos processos de formação inicial de professores, buscando frisar a importância de “entender as condições, os modos de produção e as práticas que envolvem motivos e formas de lembrar e esquecer, maneiras de contar, de fazer e registrar histórias” (SMOLKA, 2000 p. 168). A análise sobre o trabalho educativo em relação à constituição social da memória humana individual ainda é uma inovação no Brasil, principalmente considerando que se refere a uma investigação na área de formação de professores em Ciências Biológicas. Neste sentido, coube pesquisar este tema para compreender os sentidos atribuídos à constituição na docência, dado ao pouco avanço que as licenciaturas têm feito nesta direção.

Para finalizar o trabalho, apresento as considerações finais, as referências consultadas para embasar a pesquisa e os apêndices com o questionário e os roteiros empregados.

Sem mais exitar, deixo ao leitor o convite de acompanhar o desdobramento deste estudo e também refletir sobre algumas contribuições que o trabalho educativo desenvolvido nos contextos de Educação Básica e de Ensino Superior pode oferecer para a constituição social da memória humana, neste caso, especialmente no que se refere à formação de professores de Ciências Biológicas.

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CAPÍTULO 1

A CONSTITUIÇÃO DA MEMÓRIA E O DESENVOLVIMENTO HUMANO: CONTRIBUIÇÕES À LUZ DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

Não somos apenas o que pensamos ser. Somos mais: somos também o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos, somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos, os impulsos a que cedemos “sem querer” (FREUD, 2016). O presente Capítulo traz discussões sobre o referencial teórico que fundamenta a produção desta pesquisa. A tecitura desta escrita tem como base o estudo de obras de autores da Psicologia Histórico-Cultural e que discorrem a respeito do desenvolvimento da memória humana. Inicialmente são expostos alguns aspectos gerais sobre a memória dos humanos, espécie Homo sapiens, que se constituem pela linguagem na busca de sua sobrevivência. Em seguida, socializo reflexões sobre o papel do signo e da linguagem como instrumentos para a constituição cultural da memória e do desenvolvimento da humanidade. Por fim, problematizo sobre contribuições que o ensino escolar oferece na formação do sujeito e da memória individual.

1.1 A memória humana: aspectos gerais

De acordo com autores da Psicologia Histórico-Cultural, a hominização do ser humano se inicia a partir do contexto social, que estimula o desenvolvimento individual de cada sujeito. Nas palavras de Vigotski (2007), “poder-se-ia dizer que a característica básica do comportamento humano em geral é que os próprios homens influenciam sua relação com o ambiente e, através desse ambiente, pessoalmente modificam seu comportamento, colocando-o scolocando-ob seu ccolocando-ontrcolocando-ole” (p. 50). Isscolocando-o é pcolocando-ossível pcolocando-orque, acolocando-o ccolocando-ontráricolocando-o de colocando-outrcolocando-os seres vivcolocando-os, colocando-o homem é um organismo que desenvolve funções superiores especiais, como a memória lógica, que viabiliza a apropriação de conhecimentos culturais produzidos e acumulados pela sociedade ao longo da História da humanidade.

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Na perspectiva de Vigotski (2008), são os estímulos internalizados do meio externo que provocam a evolução da espécie humana, tornando-a humanizada. Com isso, “a natureza do próprio desenvolvimento se transforma, do biológico para o sócio-histórico” (p. 63). Sendo assim, o contexto é determinante para a constituição do sujeito, uma vez que nele estão contidas as “leis gerais da evolução histórica da sociedade humana”, perpassadas ao se estabelecer as interações entre os pares, que culminam no desenvolvimento cognitivo cultural, individual e social da humanidade (Idem).

O autor também acentua que, ao nascermos, somos mais aos outros do que a nós mesmos, e são as interações que se estabelecem no contexto em que vivemos que determinam nossa personalidade. Ressalta, ainda, que nossa constituição individual se dá pelas relações históricas e socioculturais e que as experiências memorizadas resultam no desenvolvimento de cada sujeito.

Segundo Rocha (2013, p. 103), “a memória está implicada em todas as ações do ser humano e é essencial para a sua constituição histórico-cultural, já que sem memória não há história e não há cultura”. Nessa mesma linha de pensamento, Braga (2000) salienta que

os fatores biológicos compõem o substrato material indispensável ao desenvolvimento humano, mas este só se efetua em contextos sociais. O tornar-se homem somente é possível em processos históricos e culturais. E uma das características de ser humano é a recordação, condição necessária para o funcionamento psicológico como um todo (p. 185).

Estudos realizados por ocasião desta pesquisa, mostram que as investigações sobre o desenvolvimento da memória são muito antigas e foram realizadas por diversos estudiosos da Psicologia. Para Luria (1999), o estudo da memória foi instituído por H. Elbinghaus a partir de um método experimental simples de decorar sílabas. Posteriormente, Kraepelin e H. E. Müller desenvolveram estudos sobre a memória, cujos resultados indicaram que o desenvolvimento da memória não estava relacionado com o pensamento (idem). Inicialmente, os estudos sobre a memória se limitavam ao “estudo da atividade mnética consciente” a partir de processos de decoração, sem considerar a “análise dos mecanismos naturais e registro dos vestígios que se manifestam igualmente no homem e no animal” (Ibidem, p. 41).

Ao encontro dessas afirmações remetentes ao estudo da memória, Vigotski (2012a) expõe que há, por um lado, na psicologia tradicional, uma convenção de que a memória é uma função fisiológica substancial, capaz de interagir com outras propriedades, como o pensamento, a atenção, dentre outras, e organizar a matéria. Apoiado em autores, como

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Meumann e E. Hering, Vigotski (2012a) expõe que, sob o ponto de vista da base orgânica, podemos “comparar figurativamente a memorização com a abertura de vias nervosas que parecem os sulcos deixados pelo movimento das rodas sobre a estrada ou o vinco que se forma no papel, quando o mesmo está dobrado” (p. 247). Esse autor ainda discorre que os estímulos externos influenciam a plasticidade cerebral do indivíduo, que é deliberativa para a memorização.

Por outro lado, também existem discussões acerca de um “paralelismo psicofísico” que estaria enredado no processo de memorização (VIGOTSKI; LURIA, 1996). Nesse sentido, Vigotski (2014) comenta as investigações de Bérgson, que trata sobre um possível problema de dualidade de memória, imbricado na relação entre o cérebro e o espírito durante a consolidação dos traços.

Para explicar o que é a dualidade de memória, ancorado em Bergson, Vigotski (2014) exemplifica que para memorizar uma poesia o homem pode fazer uma frequente repetição de exercícios, como ler e escrever o conteúdo várias vezes. Ao invés, porém, de apenas conduzir estes exercícios de repetição para memorizar a poesia em questão, o homem também pode imaginar como ler esta poesia. Nesse último caso, entra em cena a memória espiritual, “que está relacionada com a ressurreição da imagem que já existia antes, que não está relacionada ao exercício e não dá origem a um novo hábito de condução, é uma atividade puramente espiritual” (Ibidem, p. 371).

Ainda fundamentado em Bergson, Vigotski (2014) infere que é a memória espiritual que nos permite recordar imagens do passado como se elas estivessem acontecendo no tempo presente. A memória espiritual, contudo, somente se desenvolve ancorada na estrutura biológica. A atividade espiritual não existe sem o cérebro, mas o cérebro, por sua vez, não altera o desempenho da atividade espiritual. O cérebro participa de ambos os tipos de memória, mas de maneira distinta: na memória muscular ele realiza uma função; na memória espiritual ele apenas “serve como instrumento de uma atividade puramente espiritual, que em lesões do cérebro não pode se manifestar nem em forma de palavras, nem de relatos, nem de movimentos expressivos” (Idem).

Diante disto, é necessário pensar a memória como um conjunto de entendimentos de memória cerebral, no qual está envolvida a base orgânica essencial da matéria, com o ponto de vista idealista, que defende a existência de uma memória espiritual. Nessa direção, Vigotski (2014, p. 372) cita que Semon postulou o termo “mnemes” para se referir à memória,

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em um sentido que engloba a relação existente entre o cérebro e o espiríto. Segundo Vigotski (2014), Semon define a função de memória como uma “capacidade de conservar pegadas do passado, capacidade que considerava própria do homem e também dos demais representantes do reino animal e vegetal” (idem, p. 372). Seus estudos mostram que no homem isso pode “ocorrer quando se combinam aspectos psicológicos e fisiológicos” (Vigotski, 2012a, p. 247). Nas palavras deste autor,

Semon considera a memória em dois aspectos: por um lado, diz que a memória constitui o fundamento de toda a conciência, que ter conciência de algo significa sempre ter a memória da intenção anterior. Por outro lado, Bleuler, em um trabalho que escreveu em 1921, diz que devemos admitir a existência de um fator que se assemelha a psique, que o autor chama psicoide. Com este termo denomina o princípio semelhante à psique, inerente a toda matéria e que também está contido na matéria inorgânica. A ideia de Bleuler consiste em considerar a memória como uma função que tem uma ponte entre o abismo que separa a consciência da matéria. A matéria inorgânica goza da propriedade da plasticidade, da propriedade de conservar os traços de tal o que influencia que tenha experimentado esta matéria. Bleuler utiliza um rico material coletado por seus discípulos e demonstra a medida em que os traços da influência passada são conservados em matéria morta. Em sua opinião, esta propriedade parte de uma escala interrompida de fases que serve de fundamento ao desenvolvimento da psique humana. Portanto, a memória une a consciência com toda a natureza material, forma esta escala integrada por uma série de fases, através das quais podemos falar da conexão entre a matéria e o espírito (2014, p. 372).2

Vigotski (2012a, p. 150) reitera que “por trás de todas as funções superiores e suas relações, se encontram geneticamente as relações sociais, as autênticas relações humanas”. Sendo assim, o desenvolvimento da memória, da mesma forma que as outras funções superiores, como a atenção voluntária e a formação de conceitos, envolve o meio interpsíquico e o meio intrapsíquico, pois o meio social interfere na transformação das funções internas do sujeito.

A memória humana possui uma estrutura biológica, mas ela também é social e individual. Inumar e Palangana (2004, p. 104) aludem que “a memória não se constitui no interior do indivíduo isoladamente. Ao contrário, é engendrada em comunhão com o meio social e com as outras capacidades, tais como, o raciocínio, a percepção, a atenção, os sentimentos, etc.” Desta forma, se dois sujeitos com as mesmas características morfofisiológicas da espécie humana tiveram o mesmo objeto como foco de memorização, cada um vai memorizar aspectos singulares. Ambos terão sua própria compreensão ante o objeto, baseados no percurso e no contexto sociocultural e histórico experenciado por eles. Também cabe referir que o conhecimento apresentado para uma criança é social e que

2 As citações que aparecem neste texto e que se referem a obras escritas em Língua Espanhola foram

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somente depois que ela o internaliza e aprende a dominá-lo é que ele passa a ser individual. As pessoas não são iguais; cada uma tem uma personalidade que advém de suas vivências e interações estabelecidas na sociedade ao longo da história de vida. As características biológicas da espécie são fundamentais para a constituição da memória, mas segundo a abordagem Histórico-Cultural, são os contextos sociais que determinam seu desenvolvimento e tornam o homem humano. Ademais, cabe referenciar que

a memória, como parte da subjetividade humana, é, a um só tempo, uma função social e individual, ou seja, desenvolve-se como propriedade dos homens de um determinado tempo e cultura. Não se desenvolve, porém, em cada um deles com a mesma plasticidade, com a mesma profundidade e amplitude, já que tais características dependem das necessidades, das exigências, das condições socioculturais que se põem a cada um (INUMAR; PALANGANA, 2004 p. 105). A abordagem Histórico-Cultural não ignora a existência de fatores biológicos envolvidos na formação da memória humana, mas defende que o contexto social é fundamental para potencializar seu desenvolvimento (VIGOTSKI, 2012a). Segundo Braga (1995)

a consideração do homem como 'organismo', do meio como 'conteúdo' e da memória como um 'fenômeno biológico' – individual, no sentido de 'dentro de cada organismo' e universal, enquanto capacidade regida por leis da evolução biológica – não deixa espaço para a compreensão do aspecto cultural, imprescindível para o funcionamento especificamente humano. Muitas abordagens, tanto na Psicologia, quanto nas Neurociências, formulam seus problemas deixando de fora os fatores sociais do funcionamento psíquico, embora não neguem a importância de seu papel (p. 12).

Luria (1999) explica em sua obra alguns aspectos neurofisiológicos envolvidos na formação da memória, que vão ao encontro de algumas ideias expressas por pesquisadores atuais da matriz teórica Biológica, como Ballone e Moura (2008) e também Izquierdo (1999), que é um dos principais autores citados em estudos sobre a natureza da memória humana.

Para Luria (1999), a forma mais elementar da memória, pensando em termos fisiológicos, pode ser observada tanto em um neurônio quanto no sistema nervoso, pois ambos conservam vestígios que se formam em decorrência de estímulos vindos do meio externo. O autor explica que o cérebro capta os sinais vindos do meio externo, preserva a essência dos estímulos recebidos e lhes atribui uma resposta. Quanto mais frequente for um estímulo, mais fácil será para o cérebro se habituar com ele e também reagir mais rapidamente diante de uma futura repetição/manifestação deste sinal. Em um determinado momento um estímulo que atua sob o cérebro pode parar de se manifestar, mas a existência desse sinal

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poderá ficar conservada na memória por longo tempo.

Em situações como esta, os sinais que estão memorizados servirão como um “modelo” e poderão ser despertados futuramente, agindo como um reflexo que orientará o cérebro na recepção de estímulos similares dos sinais que inicialmente foram conservados. O cérebro registra e distingue os estímulos que recebe e isso permite “'conservar na memória os vestígios das influências antes percebidas por ele'” (LURIA, 1999, p. 47 [grifos do autor]). A identificação de um sinal, resultante de um estímulo que está atuando sob o cérebro, contudo, não é garantia de que o vestígio vai permanecer na memória. É necessário um movimento de consolidação dos traços, que envolve um período de tempo e alguns fatores individuais.

Segundo Ballone e Moura (2008), estão envolvidos na formação da memória humana duas funções neuropsiquícas que são fundamentais. Uma delas é “a capacidade de fixação”, responsável pelo “acréscimo de novas impressões à consciência e graças à qual é possível adquirir novo material mnemônico”. A outra função é a “capacidade de evocação”, também chamada de “reprodução, pela qual os traços mnêmicos são revividos e colocados à disposição livremente da consciência”. Sendo assim, não recordamos de nossas experiências individuais, armazenadas em nosso cérebro, ao mero acaso momentâneo. Na verdade, nossas recordações vão se manifestar se forem evocadas por algum estímulo, como uma música ou uma imagem. Izquierdo (1989) enuncia que a memória é a "conservação do passado através de imagens ou representações que podem ser evocadas" e que "no homem, a evocação pode também ser medida através do 'reconhecimento' de pessoas, palavras, lugares ou fatos" (p. 89-90 [grifos do autor]).

Por vezes, nos deparamos com situações em que conseguimos evocar de nossa memória informações ou lembranças de acontecimentos muito antigos, ocorridos há muitos dias, meses ou anos. Em contrapartida, há situações em que não recordamos de informações apuradas por nossos sentidos em um período muito recente, de poucos segundos ou minutos atrás. Isso ocorre porque “a memorização é um processo complexo que consiste em uma série de estágios sucessivos que diferem em sua estrutura psicológica, no 'volume' de traços passível de fixação e na duração de seu armazenamento, e que se estendem por um certo período de tempo” (LURIA, 1981 p. 248 [grifo do autor]). Nesse caminho, Luria (1999) e Izquierdo (1999) discutem que há diferentes modos de classificar a memória humana, levando em conta a informação que ela resguarda e também o tempo de durabilidade de conservação dos traços memorizados.

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diferenciada como “memória declarativa ou explícita” e como “memória de procedimento ou implícita”, que também pode ser designada como “hábitos” (p. 39). O autor explica que o hipocampo é a principal estrutura fisiológica do cérebro que participa na preservação da memória declarativa, e que os circuitos cerebelares são os responsáveis pela preservação da memória implícita. Em síntese, ele diferencia: memória declarativa é “saber que” e memória implícita é “saber como” (Ibidem, 1989, p. 94).

Segundo Izquierdo (1999), as memórias declarativas são aquelas que “relatamos e reconhecemos como memórias” (p. 39), como um acontecimento de nossa infância, o enredo de um filme, a fisionomia de uma pessoa, a história de um livro e os conteúdos que estudamos na escola. Para o autor, o esquecimento irreparável de “memória declarativa denomina-se amnésia” (p. 40). Quanto às memórias implícitas, ele alude que elas provêm da aprendizagem de como fazer determinadas atividades corriqueiras e que estamos habituados a evocá-las de um modo mais automático: sabemos caminhar, falar, nadar e pular, sem a necessidade de evocar de nossa mente o “saber como”.

Temos de considerar, contudo, que uma criança: aprende “saber que” comer um alimento muito quente pode queimar a boca; então, ao longo de sua vida, ela pode se habituar “a saber como” comer o alimento de modo a evitar queimar a boca. Outro exemplo disto são as medidas de segurança nos laboratórios a fim de evitar acidentes. Por isso, Izquierdo (1999) ressalva que é um tanto delicado distinguir com precisão os tipos de memória em conformidade com o tipo de informação contida, pois uma memória declarativa pode se transformar em um hábito.

Tratando-se do tempo de duração da conservação de traços memorizados, a memória pode ser especificada em três tipos: memória de trabalho, memória breve ou de curta duração e memória de longa duração ou longo prazo.

Conforme Izquierdo (1999), a memória de trabalho pode ser comparada com a memória RAM dos computadores. É esse tipo de memória que nos auxilia a compreender a leitura de uma frase sem a necessidade de lembrarmos precisamente de todas as palavras contidas na locução: considerando a “terceira palavra da frase anterior; todos a retiveram só o tempo suficiente para entender essa frase, e talvez a seguinte. A essa altura, já a perderam; se não voltarem atrás para relê-la, não a recordarão” (IZQUIERDO; BEVILAQUA; CAMMAROTA, 2006, p. 293).

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córtex pré-frontal” que, “durante a percepção, aquisição ou evocação” de uma informação, identificam se ela “é nova e convém guardá-la, ou se já existe e deve ser evocada” (IZQUIERDO, 1999, p. 40). A memória de trabalho guarda a informação enquanto está sendo “processada ou recebida”, “dura segundos e não deixa traços” (Idem). Não obstante, a memória de trabalho não grifa traços de memorização, ao contrário das memórias de curto e longo prazos.

Luria (1999) enuncia como sendo a memória breve “o estágio em que os vestígios se formam, mas ainda não estão consolidados” (p. 50). Em determinadas situações, por conta desse tipo de memória, conseguimos recordar poucos detalhes a respeito de um fato ocorrido há pouco tempo, pois, estando na memória breve, o fato em questão ainda não está consolidado. Nesse sentido, Izquierdo (1999, p. 40) complementa que memória de curta duração é “um conjunto de processos que mantém a memória funcionando” até que a memória de longo prazo adquira sua forma definitiva.

Segundo Izquierdo (1999) e Luria (1999), parte das informações que recebemos ficam registradas apenas na memória curta, que pode durar algumas horas; depois disso, essas informações podem ser esquecidas ou consolidadas na memória de longo prazo, durante dias, meses ou anos.

Reportando a termos fisiológicos, Luria explica que a memória breve ocorre em decorrência do “mecanismo de transmissão sináptica da excitação”, que possibilita a propagação de informações entre os neurônios (1999, p. 51). Consoante o autor, esse processo, que ocorre nos círculos reverberatórios, é característica primordial da memória breve. Ele ainda discorre que também acontecem mudanças bioquímicas nos círculos reverberatórios e “nos próprios corpos dos neurônios e em seus órgãos particulares” durante o processo de conservação dos vestígios na memória (Idem). Sendo assim, Luria (1999) denomina o ácido ribonucleico – RNA – como a “base bioquímica da memória”, pois esse material genético sofre mutações ao ser submetido a diferentes influências, e isso lhe permite atuar tanto na “conservação dos vestígios da informação obtida como também transmiti-los a outras espécies por via humoral” (Ibidem, p. 54).

Ballone e Moura (2008) realçam que a memória de longo prazo tem como função registrar fisicamente as experiências no córtex cerebral, que é uma região rica em células nervosas, que se comunicam pela troca de impulsos elétricos e químicos. Para esses autores, este conjunto de neurônios é ativado quando algum estímulo atinge nossa consciência. Eles

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entendem que as recordações são padrões de ligação entre células nervosas.

Luria (1999, p. 50) denomina a memória longa como “o estágio em que os vestígios não só se haviam formado mas estavam de tal forma consolidados que podiam existir durante muito tempo e resistir ao efeito destruidor das ações de fora”. A memória de longo prazo "não se forma instantaneamente: o processo de formação ou consolidação dessa memória requer uma sequência de passos moleculares que dura várias horas" (IZQUIERDO, 1999, p. 40).

A literatura ainda discorre que no itinerário do processo de conservação dos vestígios alguns tecidos do cérebro vão atuar de forma integrada (LURIA, 1999). Além dos neurônios, temos em nosso cérebro a glia, que são células auxiliares não neurais, responsáveis pelo revestimento das células nervosas. A glia dá “estabilidade aos processos que surgem na célula nervosa, exerce influência moduladora na ocorrência das excitações e, provavelmente, participa diretamente da conservação dos vestígios das excitações que surgem nos neurônios” (Ibidem, p. 55).

A excitação que ocorre a partir das sinapses afeta tanto os neurônios quanto a glia de forma alternada: “no início da excitação, aumenta a quantia de RNA nos neurônios e diminui a glia; ao final, diminui o RNA nos neurônios e aumenta as células da glia que circulam os neurônios” (LURIA, 1999, p. 55). Similar ao crescimento dos apêndices neuronais, axônios e dendritos, a glia também se movimenta, cresce ou diminui influenciada por excitações, e “é justamente esse efeito da formação de novas sinapses que constitui o substrato da memória longa” (Ibidem, p. 56). Sendo assim, é o “crescimento do aparelho sinapso-dendrítico da glia” a principal característica fisiológica relacionada à memória de longa duração (Idem).

Izquierdo (1989) esclarece que na formação da memória participam diferentes sistemas cerebrais, que são essenciais para a conservação de vestígios. Em nosso cotidiano estamos acostumados a realizar diversas atividades, sentimos diferentes estímulos vindos do meio externo e tudo isso requer o funcionamento de distintas funções do nosso organismo. Pelo tato, por exemplo, nos apropriamos da textura de um objeto, mas, por meio dele, contudo, não diferenciamos o gosto de um alimento. Sendo assim, a constituição da memória, que envolve a aquisição, o armazenamento e a evocação de informações, requer o funcionamento de diferentes áreas do sistema cerebral. Isto explica o porquê que “determinadas pessoas possuem uma excelente memória para números e não para faces; ou vice-versa” e também implica admitir que “diferentes memórias utilizam diferentes vias e processos tanto para sua aquisição como para sua evocação” (Ibidem, p. 92).

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De um modo geral, Luria (1999) focaliza que o nosso cérebro possui três blocos principais que atuam na formação da memória: “um assegura o tônus no córtex e a regulação dos estados gerais de excitabilidade, o segundo é o bloco de recebimento, processamento e conservação da informação recebida, sendo o terceiro o bloco de formação dos programas e controle do comportamento” (p. 57). Além disso, os neurônios que integram os sistemas do cérebro funcionam de modo distinto: alguns podem ter caráter modal e reagir “aos indícios seletivos limitados dos estímulos”; outros, localizados no hipocampo, “têm caráter específico-modal e reagem apenas à mudança da excitação” (Idem).

É o hipocampo quem seleciona o que pertence à memória breve e o que permanece na memória de longo prazo, pois armazenar ou diluir uma informação pode ser uma decisão voluntária, mas a qualidade desta memorização pode ser involuntária e depende do comando do hipocampo (BALLONE; MOURA, 2008). Luria (1999) também referencia que

o hipocampo e as formações a ele relacionadas (núcleo amendoado, núcleos do tálamo ótico, corpos mamilares) desempenham papel especial na fixação e conservação dos vestígios da memória e os neurônios que fazem parte de sua composição são um aparelho adaptado para a conservação dos vestígios das excitações, a comparação destas com novas excitações, tendo ainda a finalidade de ativar as descargas (se a nova excitação difere da velha) ou inibi-las. Esses fatos levam a pensar que os referidos sistemas são um aparelho que assegura não apenas o reflexo orientado (como já indicamos anteriormente) mas, também um aparelho portador da função de fixar e comparar os vestígios que desempenham papel especial nos processos de memória. (p. 57).

Ballone e Moura (2008) ainda discorrem que os estímulos são registrados na memória de longo prazo mediante repetição ou por meio de sua carga afetiva. Segundo os autores, o que facilita o registro de algo na memória de longo prazo é o fato de o cérebro tentar fazer associações, ou seja, analisar se as informações que estão chegando podem ser relacionadas com estímulos que já conhecemos. Ademais, a “permissão” do hipocampo para que um estímulo fique registrado na memória de longo prazo depende da importância afetiva da informação, pois nossa consciência se constrói em concordância com nossas emoções.

Nessa direção, Izquierdo, Bevilaqua e Cammarota (2006) advertem que é impossível memorizar com detalhes tudo o que aprendemos e experienciamos em nosso contexto social. Eles mencionam que para recordar de todas as informações processadas em um único dia, por exemplo, demandaríamos de um dia inteiro para cumprir a tarefa. Desta maneira, conforme os autores, não conseguimos e é impossível memorizar tudo o que nos acontece. Por isto, o cérebro precisa selecionar entre as experiências captadas por nossos sentidos quais delas devem ser conservadas, o que resulta na necessidade de esquecer ou deixar de evocar uma

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imensurável parcela de memórias.

Izquierdo, Bevilaqua e Cammarota (2006) ponderam que as memórias inexpressivas, que não têm um valor significativo em nossa vida, são deletadas de nossa mente de modo irreversível. Eles ressalvam, contudo, que também existem algumas memórias especiais, como a data do aniversário de um ente muito querido, ou a data de morte, que ficam consolidadas em nós de maneira indestrutível porque possuem algum sentido emocional muito profundo, seja ele positivo ou negativo. Isto se relaciona ao fato de a memória sofrer interferência de influências inibidoras, que auxiliam para uma seleção de eventos significativos e estimulam o esquecimento de experiências irrelevantes (LURIA, 1981).

De acordo com Izquierdo (1999), a emoção, a ansiedade, o estresse, o afeto e o estado de alerta são fatores reguladores do processo de memorização, que influenciam a formação de memórias de longo prazo, podendo atuar como agentes inibidores ou facilitadores da conservação de determinadas experiências. Em virtude da veracidade dessa constatação, não podemos ignorar "que a recordação é um 'processo complexo, ativo'" e podemos consumar que ele é "determinado por motivos especiais e pela tarefa de recordar o material apropriado" (LURIA, 1981 p. 251 [grifos do autor]).

Em síntese, Izquierdo (1989, p. 95) nomeia que na memorização estão vigentes quatro fatores. Ele expõe que, inicialmente, ocorre uma “seleção” de experiências que será memorizada e conservada. Em seguida, alguns agentes, como o afeto ou o estresse, ou, ainda, substâncias farmacológicas, poderão facilitar ou inibir a “consolidação” destes vestígios. Depois disso, acontece a “adição de novas informações” à memória que está sendo processada, como a associação dessa experiência com fatos que já estão consolidados há mais tempo, a fim de facilitar o registro de novas informações. Por fim, sucede a “formação de registros ou files”. Para o autor, é esse último fator que explica o porquê lembramos o dia de ontem como um conjunto de eventos, mas “não lembramos cada cor ou cada odor percebido ontem como tais, senão como detalhes de 'files' ou registros mais ou menos longos”. Izquierdo (1989) alerta, ainda, que “não guardamos itens isolados como memórias, sensações ou percepções avulsas: guardamos e evocamos registros, memórias complexas” (p. 103). Vale reforçar que os fatos consolidados em nossa memória somente se manifestarão caso forem evocados por algum estímulo do meio externo.

A partir do que foi apresentado até aqui, cabe refletir que o homem possui uma complexa estrutura biológica que lhe possibilita a memorização de experiências vivenciadas

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ao longo de sua vida. É laborioso para a memória humana, contudo, gravar tantas informações, sejam elas declarativas ou procedimentais, bem como é íngreme selecionar com precisão o que é relevante acondicionar memorizado (LURIA, 1999).

Em decorrência disto, é possível depreender que o ser humano, influenciado pelo seu meio cultural, sentiu a necessidade de desenvolver uma memória mediada, a partir de artefatos culturais, para preservar informações essenciais de sua sobrevivência. Nesse contexto, as ideias de Pino (2005, p. 54) destacam que:

a passagem do homem do estado de natureza ao estado de cultura é um processo cujos detalhes mal podemos imaginar e do qual pouca coisa podemos afirmar além de que se trata de algo paradoxal, uma vez que a cultura é, ao mesmo tempo, a condição e o resultado da emergência do homem como ser ser 'humano'. Isso quer dizer que a história da transformação da natureza (história cultural) é a história da humanização de 'Homo'; portanto, trata-se de uma mesma e única história. Se ainda sabemos pouco a respeito dessa passagem, muito nos resta ainda por saber a respeito da maneira como ocorre a passagem da criança da condição de um ser biológico para a de um ser cultural. Mas essa passagem tem que existir sob pena de não poder falar em humanização do homem

O desenvolvimento da memória mediada no homem se deve in/diretamente à intencionalidade de coordenar a própria vida e não depender restritamente de sua memória natural, com propriedades filogênicas comuns a todos os indivíduos da mesma espécie. Para tanto, ele passou a fazer uso de instrumentos auxiliares de memorização, denominados pela literatura de “meios mnemotécnicos” (VIGOTSKI; LURIA, 1996).

São exemplos de instrumentos mnemotécnicos, utilizados para assessorar a memorização, os registros escritos por meio dos quais “lembramos” o que não queremos/podemos esquecer e que ajudam a organizar nosso comportamento no meio social. Para Vigotski (2012a), a escrita é uma ferramenta mnemotécnica muito antiga e ainda muito usada atualmente. O autor a denomina como um “fato genético” para a recordação, pois é um instrumento que perpassa gerações e possibilita investigar o enredo de sua história em uma malha contextual e sociocultural.

A linguagem possibilita ao homem a apropriação de signos do contexto social, que, de acordo com Vigotski (2008), são instrumentos mediadores que viabilizam a comunicação e a socialização de conhecimento entre os sujeitos, pois a fala humana permite “a transmissão racional e intencional de experiência e pensamento” (2008, p. 7). O autor emenda que “as formas mais elevadas da comunicação humana somente são possíveis porque o pensamento do homem reflete uma realidade conceitualizada” e, como consequência, “uma vez que o conceito esteja amadurecido, haverá quase sempre uma palavra disponível” (Idem, p. 7-8). Os

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signos e a linguagem têm papel substancial na formação da memória humana, pois eles desenvolvem o pensamento e auxiliam a organizar e intencionalizar o que precisa ser conservado e evocado.

Nesta perspectiva, no próximo item do Capítulo será enfatizado as atribuições do signo e da linguagem na constituição da memória, função superior essencial para o desenvolvimento cognitivo e histórico-cultural do sujeito e, consequentemente, para a hominização de toda humanidade.

1.2 O Signo e a Linguagem como instrumentos para a constituição cultural da memória e do desenvolvimento humano

A memória está presente desde os estágios mais primitivos da constituição do homem e pode ser compreendida essencialmente de duas maneiras. Uma delas é a chamada de memória natural ou memória elementar, que, segundo Vigostki (2007), trata-se de uma memória instintiva que surge pelo imediatismo à percepção que o sujeito tem dos estímulos externos. Conforme Braga (2000), este tipo de memória é a lembrança pura e surge quando recebemos algum estímulo que nos faz recordar de alguma coisa. O outro tipo de memória é chamado de memória mediada e se desenvolve em decorrência da utilização de instrumentos mnemotécnicos do meio sociocultural (LEONTIEV, 1978; LURIA, 1981; VIGOTSKI, 2014).

Na Psicologia Histórico-Cultural a memória humana é estudada na perspectiva de desenvolvimento natural e também na perspectiva de desenvolvimento cultural, e ambas são nomeadas por termos específicos. A expressão “memória mnemônica” é utilizada para se referir à memória orgânica, também chamada de memória natural, direta, imediata, biológica ou involuntária. Os procedimentos culturais de memorização, como a escrita, são denominados “memória mnemotécnica”, que se refere, portanto, à memória cultural, indireta, mediada ou voluntária.

Segundo Vigotski e Luria (1996), no homem primitivo a memória natural era uma função que desempenhava as tarefas de memorização, de imaginação e de pensamento. Desta forma, a vida dependia diretamente da memória, que, unida a órgãos de percepção, era um fator de comunicação e sobrevivência. O homem primitivo não tinha conhecimento sobre a existência de meios mnemotécnicos externos, como criação cultural ao longo do decurso de desenvolvimento filogenético, ele não sabia como dominar sua memória. Contudo, com

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outros meios, sinais deu-se a gênese da memória mediada. Como humano algo já os distinguia de outros animais.

Naqueles tempos, eram os próprios homens que levavam informações e as comunicavam com linguagem oral a outras tribos. Nesse percurso, a memória natural era fundamental porque eles precisavam lembrar detalhadamente do que precisavam dizer quando chegavam ao destino das mensagens. A memória do homem primitivo era um tanto similar à memorização desencadeada por pessoas analfabetas; mesmo não tendo o domínio de leitura e de escrita, ele conseguia memorizar informações e movimentar-se em seu meio (VIGOTSKI; LURIA, 1996).

A memória natural foi responsável por fazer o homem primitivo lembrar e diferenciar as características de espécies de plantas e de animais e se localizar no ambiente, facilitando, assim, a caça e a busca por outros alimentos no interior da mata. Ela é um tipo de memória sensorial complexa que também pode ser chamada de memória eidética (VIGOTSKI; LURIA, 1996).

Conforme Luria (1999), a memória eidética permite ao homem “observar imagens claras e precisas de um objeto mostrado ou quadros inteiros, que se mantêm muito tempo após o desaparecimento dos objetos e quadros apresentados”; como se a memória reproduzisse uma cópia fotográfica do objeto observado (p. 61).

A memória eidética dominou o homem primitivo e “leva-o a criar mitos que frequentemente atuam como obstáculos no caminho do desenvolvimento de sua experiência; suas invenções subjetivas sobrepõem-se a uma figura objetiva de mundo” (VIGOTSKI; LURIA, 1996, p. 114). Aliada a emoções, ela pode provocar alucinações, visões e até mesmo a construção de imagens eidéticas mitológicas, como de duendes e sereias. A memória eidética justifica a origem dos desenhos no interior das cavernas. Isto é referido por Vigotski e Luria (1996), que citam Blonsky, para explicar que as “imagens eidéticas são mais brilhantes na escuridão e com os olhos fechados” (VIGOTSKI; LURIA, 1996, p. 113).

De acordo com os mesmos autores, em alguns casos a memória eidética pode se manifestar em pessoas com problemas de deficiência mental e, também, às vezes, em algumas que possuem talento para produzir pinturas em quadros artísticos. Essa memória diferencia o homem primitivo do homem cultural, pois ela é o estágio primário de memória comum a todos os sujeitos, perceptível, especialmente, em crianças e jovens, mas ausente na fase adulta. Segundo Martins (2013), é a memória eidética que possibilita ao bebê reconhecer sua

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