• Nenhum resultado encontrado

Violência doméstica e familiar: análise a partir do campo empírico

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Violência doméstica e familiar: análise a partir do campo empírico"

Copied!
40
0
0

Texto

(1)

DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUI

RAFAELA OTERO DA CONCEIÇÃO

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR: ANÁLISE A PARTIR DO CAMPO EMPÍRICO

IJUÍ, 2018

(2)

RAFAELA OTERO DA CONCEIÇÃO

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR: ANÁLISE A PARTIR DO CAMPO EMPÍRICO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Psicologia da UNIJUÍ como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Psicologia

Orientadora: Ms. Iris Fátima Alves Campos

IJUÍ, 2018

(3)

SUL - UNIJUI

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE BACHARELADO EM PSICOLOGIA

ORIENTADORA: Ms. IRIS FÁTIMA ALVES CAMPOS

RAFAELA OTERO DA CONCEIÇÃO

COMPONENTES DA BANCA

________________________ Ms. Iris Fátima Alves Campos

________________________ Ms. Tania Maria de Souza

IJUÍ, 2018

(4)

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu pai por ter sonhado este sonho comigo, com a certeza de que de onde estiver está comemorando esta vitória.

Agradeço a minha tia por me preparar tão bem para a vida antes de partir. Agradeço a minha mãe pelo apoio e por dividir seus conhecimentos comigo. Agradeço a minha irmã que entre todas as dificuldades que enfrentamos sempre me entendeu e esteve ao meu lado.

Agradeço ao meu filho por me dar forças para encerrar esta caminhada acadêmica e estar junto a mim nesta nova jornada que se inicia.

(5)

Descubra a si mesmo, senão, você terá que depender da opinião de pessoas que não sabem nada sobre si mesmas.

(6)

GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE BACHARELADO EM PSICOLOGIA

Aluna: Rafaela Otero da Conceição Orientadora: Ms. Iris Fátima Alves Campos

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR: ANÁLISE A PARTIR CO CAMPO EMPÍRICO

RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo apontar as questões que mobilizam as mulheres que acionam o sistema judiciário evocando a Lei Maria da Penha. As questões aqui apontadas são reflexões oriundas da experiência de estágio em Psicologia e Processos Sociais, onde foram acompanhadas audiências referentes ao crime de violência doméstica e familiar. Partindo de um levantamento estatístico de dados referentes as opções jurídicas tomadas pelas mulheres denunciantes os casos foram analisados através da ótica da Psicanálise. Sendo que por trás dos pedidos verbalizados ao juiz e escolhas jurídicas que fazem podemos compreender quais são os desejos que permeiam as suas vidas. Através deste estudo é possível verificar que existe uma pluralidade de demandas, pois cada uma tem sua subjetividade. Subjetividade esta que captamos na escuta clínica. Compreender que essas mulheres se prendem neste enredo de violência por motivos singulares, sejam estes de ordem psíquica, social ou cultural (e muitas vezes na articulação de todos eles) e é preciso um olhar único a cada delas para que elas possam falar sobre si mesmas e a partir de então se alavancar a construção de autonomia desses sujeitos. Neste aspecto importa que o empoderamento contra a violência doméstica acompanhe o tempo de cada uma.

(7)

INTRODUÇÃO ... 7

1 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR: DESCOBRINDO SEU UNIVERSO TEMÁTICO A PARTIR DE VIVÊNCIAS... 8

1.1 OS PEDIDOS E AS OPÇÕES DAS MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES CONJUGAIS ... 12

1.2 OS PEDIDOS E AS OPÇÕES DAS MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES PARENTAIS ... 12

1.3 OS PEDIDOS E AS OPÇÕES DAS MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES FRATERNAIS ... 13

2 OS ASPECTOS CLÍNICOS CAPTADOS A PARTIR DAS ESTATISTICAS E DA ESCUTA... 16

2.1 MANTER A RELAÇÃO E “ESPERANÇA” QUE A SITUAÇÃO CESSE SE HOUVER INTERRUPÇÃO DO USO DE ÁLCOOL E DROGAS ... 19

2.1.1 Exclusividade na relação ... 22

2.1.2 Fim das agressões e respeito ... 23

2.2 SEPARAÇÃO LITIGIOSA ... 26

2.2.1 Manter as medidas protetivas ... 28

2.2.2 O aceite ao fim do relacionamento ... 29

2.2.3 Disputa de bens... 32

2.3 DIREITO AO EXERCÍCIO DA MATERNIDADE E PAIS QUE QUEREM REATAR OS LAÇOS COM OS FILHOS ... 33

2.4 RESSARCIMENTO PELA VIOLÊNCIA PATRIMONIAL ... 34

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 36

(8)

INTRODUÇÃO

A violência se caracteriza por atos violentos sejam na forma física ou verbal contra o ser humano. Ela ocorre pela falta da palavra, ou seja, no ambiente em que se cala, se censura e se proíbe de dialogar, a violência surge como forma de resolver a situação. Diante das mulheres que acompanhei na minha experiência de estagio realizado em parceria com a Defensoria Pública de Ijuí que tem como objetivo trabalhar com as mulheres em situação de violência doméstica e familiar, levaram-me a refletir sobre o que querem as mulheres, percebo que na sociedade encontra-se uma pluralidade de mulheres, umas donas de si que não aceitam a violência e encerram o ciclo da violência sozinhas, outras, por sua vez, que precisam de apoio para construir sua própria autonomia.

Desta forma, este estudo tem como tema a violência doméstica e o desejo da mulher, tendo como objetivo entender qual a demanda das mulheres que acionam a Lei Maria da Penha a partir da leitura do psicólogo sobre o pedido destas mulheres em relação a situação de violência em que se encontram.

O primeiro capítulo apresenta dados estatísticos sobre as vivencias de estagio relacionadas a violência doméstica e familiar acompanhadas junto a defensoria pública da cidade de Ijuí – RS. Os dados estatísticos são analisados a luz da teoria psicanalítica e contextualizados historicamente. A ênfase do capitulo está em apontar, a partir dos casos acompanhados quais são os pedidos das mulheres no momento da audiência e o que elas pretendem com estes pedidos.

No segundo capítulo é explicado o que quer dizer cada um dos pedidos que as mulheres fazem durante as audiências, sendo que neste momento é necessário fazer uma leitura de como a psicologia entende estes pedidos para então poder acolher estas mulheres e transformar estes pedidos que representam seus desejos em demanda, dando espaço para que estas mulheres consigam de fato falar sobre as suas situações e possam ter a oportunidade de fazer algo a respeito.

(9)

1 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR: DESCOBRINDO SEU UNIVERSO TEMÁTICO A PARTIR DE VIVÊNCIAS

Partindo da ideia de que a arte fala daquilo que em outras formas teriam as palavras censuradas, trago a canção:

“Já tive mulheres de todas as cores de várias idades, de muitos amores com umas até certo tempo fiquei pra outras apenas um pouco me dei

já tive mulheres do tipo atrevida do tipo acanhada, do tipo vivida

casada carente, solteira feliz já tive donzela e até meretriz mulheres cabeça e desequilibradas mulheres confusas, de guerra e de paz...”

Martinho da Vila canta Mulheres, mulheres de todas as cores, idades e amores. Canção que relaciono com a minha experiência de estágio no campo de interface entre a Psicologia e o Direito. A pergunta que me inquieta é: o que querem as mulheres quando acionam a Lei Maria da Penha? O que buscam as mulheres, “cabeça e as desequilibradas”?

No “mundo” da violência doméstica encontramos muitas mulheres oriundas de uma cultura em que a obediência ao homem era fundamental e a mulher se “concedia” uma posição inferior e de aceite à violência.

Estamos tratando do patriarcado no âmbito familiar, ou seja, falamos sobre o poder masculino sobre a mulher e os filhos, mas cabe ressaltar que durante a História o patriarcado se caracterizou por ser aquele que mantém o poder sobre qualquer indivíduo da sociedade, podendo ser a mulher, filhos, súditos, escravos e seu povo. É a partir desta caracterização de patriarcado que surgem as outras características da cultura tradicional que moldam uma sociedade. Neste cenário impõe – se que a mulher seja submissa ao homem, entendendo que as mulheres nasceram explicitamente para casar-se com quem os pais autorizassem, cuidar dos filhos e da casa, idealizando que o amor romântico - também característica dessa cultura tradicional – determina casar-se com o escolhido e aceitar as condições impostas sem revidar ou questionar.

(10)

Na cultura tradicional as crianças desde o berço entendiam o patriarcado como a norma social, onde os homens sempre se viram tendo plenos poderes para decidir sobre tudo e as mulheres cresceram entendendo que vinham ao mundo para obedecer aos homens. Na passagem da cultura tradicional para a cultura moderna conhecemos algumas mudanças na organização da sustentação da sociedade, a mesma que antes era coletiva hoje se encontra cada vez mais individualizada, o patriarcado já não tem o mesmo poder que tinha antes e o amor romântico começa a ser substituído por outras formatações. De certa forma podemos pensar que essas características estão se moldando de formas diferentes, mas não sendo excluídas.

O filme escrito por Jewison (1971), “Um violinista no telhado” retrata com clareza o que ocorre na cultura. O patriarca da família, logo de início do filme, diz que as tradições eram tudo para ele. Um típico casal tradicional que seguia os costumes da época e religião, criando as suas filhas dentro do padrão cultural tradicional, até que em um momento algumas coisas começam a ser revistas, assim os direitos das mulheres começam a aparecer e elas desejam ter o mínimo de direito a educação, poder escolher seus maridos e seus destinos. O filme retrata um momento de transição onde há um declínio do patriarcado e homem começa a perder forças diante das decisões na vida da esposa e das filhas. Escolho este filme para referenciar as questões culturais que envolvem a família e a violência, pois com ele podemos comparar que por mais que na sociedade tenha havido uma transformação -que evoluiu de uma cultura tradicional para moderna, havendo vários ganhos- ainda existem coisas que se mantém.

Ainda fazendo uma correlação com o filme, é possível perceber que por mais que as mulheres tenham conseguido a liberdade de escolha de seus maridos o foco central é o casamento, ou seja, as filhas lutam pela liberdade de casar-se com os amados, porém as suas lutas ainda são em função da figura masculina. Os personagens são constantemente colocados a se questionar sobre suas escolhas e percebem que cada qual exercendo seu papel tem liberdade de escolha sobre si. O que pretendo dizer é que diante dessa compreensão da cultura é possível entender que a violência doméstica e familiar é oriunda de uma questão cultural e por mais que as mulheres já tenham conseguido muitas conquistas ainda encontramos impregnado nos restos traços passados que refletem nas escolhas das mulheres modernas.

(11)

Conforme o que escutei e observei no campo de estágio onde realizei a pesquisa, percebi que a cultura da inferioridade do gênero feminino se concretiza nas situações cotidianas de várias formas onde se mesclam os fatores culturais e econômicos. A dependência financeira vulnerabiliza as mulheres, as expondo a situação de violência, pois as que dependem financeiramente de seus agressores se encontram em uma situação de alienação e não se sentem em condições de se sustentar sozinhas (falta empregos, falta qualificação profissional). Algumas mulheres em situação de violência temem perder o emprego pelo fato de que o agressor invade o espaço do trabalho para assediá-las e constrangê-las. Quando a situação de violência está instaurada vários fatores determinam que ali permaneçam, sendo que constatamos que conhecem a lei, mas demoram muito a buscar os seus direitos. A vergonha é fator que impede as mulheres de sair da situação de violência, para elas o fato de ter que ir até a delegacia e enfrentar a audiência é uma situação vergonhosa frente a família, amigos e sociedade, a criação dos filhos é outro fator, as agredidas se submetem a esta situação para poderem criar os filhos perto dos pais ou por que não teriam condições de cria-los sozinhas, um último ponto seria a habitação, por não terem outro lugar para morar as mulheres se submetem a permanecer nesta situação de violência.

A Lei Maria da Penha vem no sentido de assegurar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar, visando criar meios de assistência e proteção à mulher em situação de violência. A partir desta lei foi criado a rede de atendimento que disponibiliza de serviços de saúde, judicial e assistência social.

O estudo consiste na interpretação de casos os quais foram acompanhados semanalmente nos dias de audiências referente ao crime de violência doméstica e familiar, foi construído um diário de campo onde as falas e decisões judiciais foram registradas. A partir da leitura destes registros primeiramente os casos foram divididos entre casos conjugais, parentais e fraternais após cada um destes foram separados entre as opções jurídicas as quais trataremos a seguir, escolhidas pelas agredidas, utilizando em cada caso a pergunta o que quer esta mulher? Os casos foram divididos de acordo com as respostas que foram encontradas nos relatos registrados no acompanhamento das agredidas, para isso estes se classificaram em grupos referentes a uso de álcool e drogas, fim das agressões, pedidos de separação e maternidade como serão tratados detalhadamente a seguir. Os dados foram contabilizados e representados no gráfico e nas tabelas a seguir. Com estes

(12)

dados e com base nos referencias bibliográficos procuro entender e fundamentar teoricamente as falas referente ao que querem essas mulheres.

Aqui então trataremos de estudar as situações em que as mulheres acessam o Fórum da comarca (JECRIM)1 para dar trâmite a denúncia que foi

realizada na DPPA (Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento). Há uma audiência em que a agredida tem respaldo legal para decidir em três vias: encerrar o expediente policial; suspender o expediente por 6 meses e ainda, processar o agressor. Há também a possibilidade de obter as medidas protetivas2, revogá-las ou

manter as já deferidas.

A violência doméstica ocorre nos laços conjugais (marido e mulher, ex marido e ex mulher, namorado e namorada e namorada e namorada), nos laços parentais (pais e filha, mãe e filho, mãe e filha, avós e netos) e nos laços fraternais (irmão e irmã, irmã e irmã, primos e cunhados). Acompanhando as audiências de março a agosto de 2018, temos os seguintes dados: 105 casos de conflitos de ordem conjugal, 28 casos de relação parental e 4 casos de conflitos nas relações fraternais, todos representados no gráfico.

0 20 40 60 80 100 120

CONJUGALIDADE PARENTALIDADE FRATERNIDADE

CASOS EM QUE AS MULHERES ACIONAM A LEI

MARIA DA PENHA

CASOS

A violência doméstica e familiar envolve várias situações oriundas da sintomática social e também intrapsíquica. Escutando os pedidos endereçados ao judiciário e tomando as três opções jurídicas possíveis, apresento a seguir brevíssimos apontamentos tomados nas audiências.

1 Juizado Especial Criminal.

(13)

1.1 OS PEDIDOS E AS OPÇÕES DAS MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES CONJUGAIS

Pedido Opções jurídicas

ENCERRAR SUSPENDER POR 6 MESES PROCESSAR

Interromper o uso de álcool e drogas 8 6 8 Fim da agressão/ Respeito 4 3 12 Separação litigiosa 11 18 13 Exclusividade na relação 3 - 6 Separação amigável 5 4 - Direito ao exercício a maternidade 2 - 1 Ressarcimento pela violência patrimonial 1 - -

1.2 OS PEDIDOS E AS OPÇÕES DAS MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES PARENTAIS

Pedido Opções jurídicas

ENCERRAR SUSPENDER POR 6 MESES PROCESSAR

Interromper o uso de álcool e drogas 6 5 3 Fim da agressão/ Respeito 2 - 1 Afastamento da convivência por medida protetiva 1 2 4 Decisão conjunta de não convivência - 2 -

Pais que querem reatar os laços

com os filhos

(14)

1.3 OS PEDIDOS E AS OPÇÕES DAS MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES FRATERNAIS

Pedido Opções jurídicas

ENCERRAR SUSPENDER POR 6 MESES PROCESSAR

Interromper o uso

de álcool e drogas - 3 1

De acordo com as situações que estão elencadas nas tabelas, podemos verificar que a opção de encerrar o expediente policial é a opção de 32,10% das mulheres, estas na sua maioria fazem esta opção pois não tem intenção de cortar os vínculos com o agressor. A opção de aguardar 6 meses é opção de 32,10% das mulheres. Esta escolha dá o direito a elas de deixar o expediente arquivado durante o prazo de seis meses a contar do dia em que a agredida realizou o boletim de ocorrência. Durante este período se o agressor voltar a importunar, descumprir as medidas ou agredi-la novamente o expediente pode ser reaberto, caso contrário passado o período de seis meses este expediente é automaticamente extinguido. Já a opção de representar contra o agressor é a de 35,80% das mulheres, ou seja, a maioria.

Dentre os casos observados durante os meses de março a outubro foi possível perceber que entre as mulheres que escolhem não representar na sua maioria já reataram o relacionamento com o agressor ou nunca tiveram a intenção de terminar a relação, outras dizem que querem dar uma nova chance ao agressor com algumas condições como respeita-las, sendo ainda, uma parcela das mulheres fazem a escolha de não dar continuidade ao expediente policial dizendo que o agressor não manteve mais contato e por esta razão não veem necessidade em dar continuidade.

Entre as mulheres que optam por aguardar 6 meses foi possível notar que algumas delas fazem está opção porque escolheram viver longe do agressor e ele respeitou essa escolha, outras querem usar essa opção para assustar ou ameaçar o agressor, algumas pedem o afastamento e o agressor sai da residência ou não vai mais perturbar, estas querem aguardar os seis meses como forma de proteção para que o agressor não retorne as suas residências ou a persegui-las para agredi-las. Também há uma parcela considerável de mulheres que optam por aguardar os seis meses, mas desistem das medidas protetivas pois desejam residir ou ter algum tipo

(15)

de relação com o agressor. Ainda, há mulheres que se encontram indecisas sobre as suas escolhas, estas geralmente escolhem os seis meses, tempo que aparentemente seria para elas analisarem a situação em que estão vivendo e decidir o que fazer.

As mulheres que escolhem representar querem que o agressor pague pelos seus atos, elas relatam que não aguentam mais ou que já sofreram por muito tempo e querem acabar com essa situação de agressão. Em contrapartida a estas, existem mulheres que não querem dar continuidade ao processo, porém, para a justiça se existe lesão corporal independente da vontade3 delas ocorre a representação

criminal, ou seja, a agredida não tem poder de escolha, o processo ocorre pelo fato de ser considerado lesões graves, então, algumas mulheres mesmo que não desejem representar, pelo fato de terem feito exame de corpo de delito precisam deixar que o processo ocorra.

Os relatos das agredidas vêm em palavras diferentes, cada uma expressa de forma diferente o que está passando, é a partir do projeto Sala de Espera desenvolvido com o intuito de acolher e orientar as mulheres em situação de violência que consiste em acolher as denunciantes no dia da audiência abordando sobre o registro de ocorrência realizado por estas quando agredidas, em uma sala separada dos agressores as mulheres são acolhidas para que em um primeiro momento participem de uma palestra onde é explicado à elas o motivo pelo qual se encontram nesta situação. A primeira parte da palestra é realizada por psicólogas formadas e psicólogas em formação fala sobre os motivos que levam as agressões, os tipos e o ciclo da agressão, a segunda parte da palestra é realizada pelos Defensores Públicos diz respeito ao que ocorre durante a audiência, no âmbito jurídico explicando as agredidas quais são seus direitos e quais são as suas possíveis escolhas. Em um segundo momento as mulheres que se encontram na sala podem utilizar este tempo para esclarecer suas dúvidas e posteriormente uma a uma se dirige a sala de audiência para então comunicar ao juiz a sua decisão sobre o crime cometido pelo agressor. O projeto conta com profissionais da área da saúde, assistência social, psicologia e direito, neste espaço é oferecido os atendimentos necessários dentro de cada área de atuação. É na sala de espera enquanto aguardam serem chamadas para a audiência que as mulheres relatam fatos mais

(16)

detalhados que na audiência, outras conseguem relatar de maneira mais concreta o que estão passando. Em algumas situações se encontram com medo nas audiências pelo fato de que serão colocadas frente a frente com o agressor e isso faz com que elas não consigam falar claramente sobre as agressões, neste momento elas relatam que tem medo que ao sair da audiência o agressor possa fazer algo contra elas.

Não é possível ter dados exatos sobre o número de mulheres que desejam romper o ciclo da violência pelo fato de que, nas audiências enquanto algumas deixam claro que querem a separação, não desejam ter mais contato com o agressor, não querem mais viver nesta situação, há outras que deixam para nós um ponto de interrogação, pois no seu discurso não fica claro sobre o desejo de romper este ciclo, estas não falam claramente sobre quererem o fim da relação conflituosa, o que nos leva a pensar na hipótese de que estas desejam continuar nesta relação com o seu agressor. É possível perceber que é mais difícil de romper com a violência quando se trata da relação de mãe e filho, onde as mulheres se colocam no lugar de mães e não conseguem se afastar ou tomar alguma atitude com receio de prejudicar os filhos.

Seja qual for a opção que a mulher escolha, os serviços da rede de proteção à mulher estão sempre disponíveis, as mulheres podem denunciar os agressores quantas vezes forem necessárias. Nota-se que seja qual for a opção que estas tenham tomado nas audiências várias mulheres retornam mais vezes com novos registros de ocorrência por agressão. Algumas não querem assistir a palestra que antecede as audiências pois relatam que já sabem do que se trata, estas mulheres são recebidas e escutadas todas as vezes que se dirigirem aos serviços, pois entende-se que por suas razões elas não conseguem se desvencilhar dessas situações de agressão e precisam ser escutadas.

(17)

2 OS ASPECTOS CLÍNICOS CAPTADOS A PARTIR DAS ESTATISTICAS E DA ESCUTA

Considerando o que está conhecido como o Ciclo da Violência (vide figura abaixo), é notório que todas as denunciantes estão envolvidas neste ciclo que tem como a primeira fase a da tensão- onde começam as brigas, humilhações, provocações e intimidações - que a mulher sempre tenta tamponar, dando desculpas para todas as agressões. A segunda fase: a de explosão é momento em que surgem as agressões físicas de maior força sendo que é aqui o momento em que a mulher vai até a delegacia fazer o boletim de ocorrência. A última fase, da lua-de-mel, se apresenta com duas faces, em uma delas o agressor coloca a culpa toda em cima da mulher, fazendo com que ela se sinta culpada pelas agressões sofridas, na outra face que pode ser usada pelo agressor nesta fase ele aparece arrependido com promessas de que irá mudar, que as agressões não irão se repetir e presenteiam a mulher.

É da fase dois para a fase três que podemos constatar a diferença no desejo destas mulheres. Sabemos que o ciclo da violência não se rompe sozinho, é preciso

(18)

que a mulher saia da posição passiva e seja ativa diante da sua vida, ou seja, as mulheres que desejam representar são as que desejam romper com este ciclo, ou ao menos as mulheres que conseguem romper com este ciclo, pois existe algumas questões inconscientes por trás de cada uma e por trás de seus desejos.

O enredo que envolve a mulher neste ciclo tem fundamento a partir do conceito de repetição. A repetição4 está presente em toda a formação sintomática,

razão pela qual sempre deva se levar em conta no discurso do paciente, neste caso das agredidas, onde está situada a repetição, sendo que, é possível levar em conta que a repetição faz parte do inconsciente. A repetição é o que envolve o sujeito sempre em uma tentativa de reencontrar algo, para Freud (1920) “a repetição, a reexperiência de algo idêntico, é claramente, em si mesma, uma fonte de prazer. ” O conteúdo recalcado irá operar a partir do inconsciente, isso gera no sujeito um obstáculo constante durante a vida, isso faz com que se estabeleça no sujeito um sofrimento inominável, ao qual o sujeito recorre sem saber ou contra sua vontade então tudo o que não pode ser recordado, pois faz parte dos conteúdos recalcados, é repetido.

Todas as mulheres que estão em situação de violência doméstica e familiar estão dentro deste ciclo da violência, que por sua vez pode ser comparado a repetição conceituado pela psicanalise. Independente da escolha da mulher no momento da audiência as mulheres tendem a repetir o lugar na cena de violência, isso por que, as mulheres que encerram o expediente não querem se distanciar do agressor e muito provavelmente irão retomar a convivência com este e consequentemente as agressões se repetem. Com as mulheres que escolhem aguardar seis meses nota-se que podem haver dois caminhos, no primeiro estas escolhem aguardar e não se distanciam do agressor a situação é a mesma já citada, indica que a situação irá retornar, no segundo caminho as mulheres escolhem aguardar seis meses e querem se distanciar do agressor e o ciclo de violência se encerra, porém, este ciclo se encerra com este agressor. A terceira opção das mulheres é de processar o agressor, nesta opção encontram-se as mulheres que querem se distanciar do agressor e encerram o ciclo de violência, mas também se encontram mulheres que apenas irão dar continuidade ao processo, pois por terem

4 Conceito fundamental na Psicanálise, que segundo Kaufmann (1996, p. 448) “A repetição4, de certo

modo, representa a própria pulsação da teoria, na medida em que se está marcada pela tendência a retornar sempre ao mesmo lugar.

(19)

lesões não tem escolha jurídica; estas na sua maioria retomam o relacionamento com o agressor, o que indica que a situação de violência ira se repetir.

Seja qual for a opção jurídica (encerrar, aguardar 6 meses ou dar continuidade) que as mulheres podem escolher estão sujeitas a repetição. Isso fica claro dentro da minha experiência de trabalho com esta população, pois durante as audiências as mulheres retornam inúmeras vezes com novos registros de ocorrência, alguns registros são contra o mesmo agressor enquanto outros registros são contra novos agressores. No discurso dessas mulheres percebe-se que a violência está presente na vida delas há muito tempo e de diversas formas, algumas já se encontraram em situação de violência em relações anteriores enquanto outras presenciaram a violência entre os pais.

Fica claro que a situação de violência para algumas mulheres é algo que ocorre uma vez e estas conseguem elaborar e decidir sobre sua situação rompendo com o ciclo, enquanto outras se encontram em uma situação que a violência é a repetição de algo recalcado, fazendo com que mesmo que elas desejem sair dessa situação elas retornem a ela. Uma mulher que decide encerrar este ciclo e se afasta do agressor não está livre de entrar em outra relação agressiva, talvez com um novo companheiro. Então, mesmo que isso não seja da sua vontade consciente, mesmo que queiram que este agressor pare com a violência não conseguem se ver longe dessa situação.

Desta forma, podemos afirmar que mulher não é agredida porque quer e não permanece em situação de violência porque deseja. Existem fatores psíquicos sociais, culturais e singulares de cada uma que faz com que se encontre nesta situação. Contudo, não quer dizer que esta mulher esteja condenada a viver eternamente nesta condição, mas sim que cada uma em sua singularidade tem um tempo de assimilação diferente da outra para poder entender e querer fazer algo a respeito. A partir de agora, passo a trabalhar cada uma das situações que mapeei nas tabelas apresentadas no capítulo 1; elas referem os pedidos verbalizados ao juiz de direito, são expressão de desejos (inconscientes) que se formam no íntimo dessas mulheres.

(20)

2.1 MANTER A RELAÇÃO E “ESPERANÇA” QUE A SITUAÇÃO CESSE SE HOUVER INTERRUPÇÃO DO USO DE ÁLCOOL E DROGAS

A presença do álcool é o fator que aparece com mais ênfase nas denúncias de violência doméstica, sendo que o álcool aparece com mais frequência na violência cometida pelos conjugues, onde as agredidas relatam que são nos momentos em que os conjugues ingerem bebida alcoólica que eles se tornam agressivos, alguns casos ocorrendo esporadicamente enquanto outros ocorrem diariamente. Já nas relações parentais é o uso de drogas que aparece como mais frequentes; temos que as mães sofrem violência por parte dos filhos (as), os quais cometem delitos, furtam dentro das suas residências, demonstrando agressividade e desrespeito. Ressalto que existem casos de álcool e drogas nas relações, tanto conjugais quanto parentais e fraternais.

Quanto a isso podemos utilizar da visão de Melman (1992), para compreender como é a psique do sujeito dependente químico. Sobre o alcoolismo o autor diz que o que distingue o alcoolista de outras afecções mentais é o seu discurso e não as suas modalidades de comportamento, este discurso ao outro que é endereçado à mulher. Para compreender esse endereçamento à mulher, penso que a Psicanalise trata de dizer que o homem consegue exercer a função paterna através do reconhecimento da mulher, ou seja, é a partir do reconhecimento da mulher que o homem exerce a função paterna, portanto para a criança passar pela castração a mulher precisa ser castrada e aceitar a castração, por assim dizer o homem precisa do reconhecimento da mulher.

A mulher é detentora e distribuidora de um gozo que ela recusa em dar para o alcoolista, isto faz dele um submisso. Este gozo marca a prevalência de uma fixação oral, remete-se a determinação do desejo pela ordem do significante que recorta a região labial. Portanto este gozo está ligado a pulsão oral, sabendo que, toda criança é erotizada pela mãe, momento que a falta “do seio” neste caso é insaturada sendo sempre reaguçada fazendo com que a fixação neste lugar seja sem descontinuidade e fora de limite.

O gozo fálico que permite o acesso do gozo ao exterior, segundo Nasio (1993, p. 27)

(21)

O gozo fálico corresponderia à energia dissipada durante a descarga parcial, tendo como efeito um alívio relativo, um alívio incompleto da tensão inconsciente. Essa categoria de gozo é chamada fálica porque o limite que abre e fecha o acesso à descarga é o falo;

É o obstáculo que impede o homem de gozar do corpo da mulher mais precisamente porque o de que ele goza é do gozo do órgão, sendo que a função fálica, sustenta o vazio de não complementaridade dos dois sexos.

O alcoolista precisa da mulher para ter algum reconhecimento, porém ele não o encontra, o que faz com que ele se volte agressivamente contra ela. As vias de fato em que o alcoolista pode chegar não afetam somente os próximos, mas antes de tudo ao seu próprio corpo. O humor do alcoolista varia indo da expansão eufórica e megalomaníaca à depressão suicida, que alimentam culpabilidade e sentimento de indignidade. A mulher sabe que ocupa, na economia psíquica de seu marido, o lugar central, de onipotência, deixando-o em uma posição de pedinte mesmo que ele seja violento.

O alcoolismo, distinguindo-se do grupo das toxicomanias, se produz dentro de uma categoria social trabalhadora. Para a psicanalise as toxicomanias vem no intuito de trazer felicidade se colocando em um lugar permanente na economia psíquica dos sujeitos. Por isso o alcoolista usa do álcool para se manter em um lugar de constante prazer.

O que parece fazer falta, então, ao alcoolista e do que ele tem sede é a possibilidade do gozo, de ser reconhecido e respeitado como sujeito. O que se pretende trabalhar no tratamento é a reinserção no trabalho, sendo que seus efeitos curadores passem pelo reconhecimento de um sujeito. O alcoolista bebe para não lembrar da ausência do gozo, tentando assim esquecer a sua condição de sujeito, se pondo a oferecer aquilo que supõe ser de apelo do capitalista e da mulher. Freud vai dizer que parte dos impulsos sexuais e agressivos são renunciados em prol da vida em sociedade. É uma renúncia que causa o mal-estar na civilização, porém é porque vivemos em civilização que sentimos isso. Para Galvão “o alcoolista encontra no álcool a química que tampona sua falta, o gozo que lhe parece eterno enquanto dura o efeito da droga”. O alcoolista está sempre tentando corrigir a castração, uma relação que não lhes foi imposta limites. Para se trabalhar através da psicanalise o paciente precisa perceber-se como protagonista da sua história, o psicólogo,

(22)

portanto precisaria se posicionar de maneira ativa, pois para o alcoolista o silêncio pode se tornar ameaçador.

Se tratando das drogas, afirma-se que é um sintoma social, que se inscreve no discurso dominante da sociedade. Como Freud já havia mencionado o mal-estar na civilização surge a partir de uma insatisfação, entende-se, portanto, que a tentativa do toxicômano consiste em querer tamponar este mal-estar. O toxicômano se funda no efeito da organização da linguagem, sendo assim é possível perceber através dessa linguagem o que se encontra abalado e que o leva a encontrar a solução na droga. É notório que a drogadição é algo que afeta os laços sociais se tratando de laços familiares e se estendendo a sociedade em geral.

Melman (1992) quando fala sobre o gozo do toxicômano, apresenta este sendo diferente do gozo o alcoolista, aqui o toxicômano não goza com a ingestão da droga, sendo que está proporcionaria apenas o prazer, o gozo do toxicômano se encontra na falta. Por esta razão que o toxicômano diferente do alcoolista não estoca a droga, pois ele precisa da necessidade da falta.

As drogas fazem parte do sistema capitalista sendo a drogadição considerada como um sintoma social, assim como no alcoolismo aqui também não é a droga que o torna um toxicômano e sim o lugar do sujeito no discurso, neste caso no discurso da sociedade. A toxicomania se encontra na civilização há muitos anos, apresentando –se como uma defesa para o sujeito enfrentar o mal-estar da civilização.

Para o sujeito toxicomaníaco voltar a realidade é algo que o aterroriza por esta razão que ele está sempre em busca da substância que ingerida dá ao sujeito a sensação de satisfação, pois produz um gozo sem limites. Diferente do alcoolismo na toxicomania não tem uma representação social, ou seja, como já citado, no alcoolismo há uma certa veneração pelo objeto que sempre está em evidência nos laços sociais e é tratado como “normal”. A droga que vem para tamponar o mal-estar da civilização acaba por ser uma ameaça ao que organiza a sociedade, uma vez que o sujeito usa da droga para se defender do que deveria enfrentar na sociedade, se tornando assim um perigo aos laços sociais.

Para o toxicômano o gozo está na falta da droga, ele goza quando não tem a droga e precisa busca-la, pois mesmo não tendo ele sabe onde encontrar a droga e também goza no momento que consome a droga. Há da parte do toxicômano uma erotização da pulsão de morte, portanto o sujeito toxicômano, está sempre se

(23)

ausentando, como suspensão da sua existência. Para a toxicomania ao contrário do alcoolismo há uma ausência da questão fálica, o que ocorre é que tem uma recusa de valores ditos pela sociedade, então o toxicômano vai de encontro ao objeto que é interditado pelos laços sociais.

Sabemos que nos sujeitos existe uma falta que faz parte da constituição de cada sujeito, é um vazio constitutivo que causa angustia quando se tenta tampar esse “buraco”. A sociedade capitalista prega que existe um ideal ilusório de que existe um objeto que tampona essa falta, mas de encontro a isso tenta ignorar que esse objeto ideal é encontrado pelo toxicômano. A droga existe para o toxicômano como recurso de suportar a dor de existir, o seu uso é uma saída para o sujeito não precisar se deparar com os inconvenientes da castração.

A toxicomania faz com que o neurótico suspenda de maneira artificial a função fálica, como se houvesse uma forclusão do Nome- do- Pai. Antes o que se transmitia de pai para filho era a renúncia ao gozo em uma tentativa de conviver em sociedade, hoje se privilegia o gozo tornando a sociedade moderna narcísica. Melman (1992) afirmou que os toxicômanos eram os filhos dos ideais da sociedade, compreendendo a toxicomania como um fenômeno de massa.

Os usuários de drogas nos relatos ouvidos pelas mulheres passam dias longe de casa causando-lhes angustia, quando retornam acabam roubando os pertences da casa, não aceitam as regras e são violentos. Na sua maioria as relações das mulheres com os drogaditos são de mãe e filho, estas mães não conseguem se reconhecer como parte deste mundo, elas projetam para fora, ou seja, em outras pessoas a culpa dos filhos estarem nesta condição sem conseguir entender os motivos de estarem em tal situação essas mulheres se colocam em uma posição passiva permitindo que o drogadito cometa as agressões.

2.1.1 Exclusividade na relação

Uma parcela das mulheres que chegam até o fórum está envolvida em um triangulo amoroso, relatam saber que seus parceiros têm outras mulheres ou famílias. Em termos jurídicos escolhem encerrar o expediente apresentando a exigência de que o companheiro deixe de lado esta relação nova e voltem a viver somente com a denunciante- primeira esposa. Na sua maioria os homens afirmam

(24)

manter um relacionamento fora do casamento, ou ao menos não negam quando a mulher faz a afirmação diante do juiz.

Estas mulheres desejam preservar o casamento e a família, assim como Hera Deusa Grega, conhecida como Deusa protetora do casamento, da vida e da mulher. Deusa da mitologia grega Hera era a rainha do Olimpo, símbolo da fidelidade e da fertilidade, casada com Zeus que tinha muitas amantes e filhos fora do casamento, Hera foi protagonista de muitas vinganças contra as amantes de Zeus e seus filhos. Deusa de personalidade forte, marcada por sua agressividade, orgulho e ciúmes era temida até por Zeus seu marido.

As ações das mulheres que recorrem a Lei Maria da Penha são análogas as de que Hera pelo fato de que a mulher desde os primórdios da cultura tradicional, foi criada para ser dona de casa, esposa e mãe, com o passar do tempo e as revoluções a mulher conquistou o direito de desvendar o mundo na mesma proporção ou mais que os homens, porém estas mulheres carregam consigo os valores de esposa e mãe, agora não somente dona de casa, mas também dona do mundo. Hera preservava o casamento e a fidelidade, mas em seu casamento com Zeus ela foi muito traída, o que deixava a enfurecida, assim como podemos constatar na relação dessas mulheres com seus maridos.

Vale ressaltar que estas mulheres muitas vezes gozam de estar nesta posição de disputar o homem, embora verbalizem pedido que o homem lhes seja fiel, seu real desejo é manter este gozo5 de ter que disputar este homem. Assim

como Hera, uma Deusa que sabia das traições do marido, nunca o deixou pois era isso que mantinha a relação e que a deixava mais poderosa, as mulheres mortais também se veem como poderosas quando em uma relação de infidelidade conjugal, onde estas pedem para serem únicas, mas não se colocam no lugar de únicas.

2.1.2 Fim das agressões e respeito

Uma parcela das mulheres denuncia o agressor pedindo o fim das agressões e respeito. A mulher que faz a denúncia com este pedido, não deseja o fim do seu relacionamento nem o afastamento dela e do agressor, ela deseja que o mesmo a respeite da mesma forma como todos os seres humanos devem ser

5 O gozo fálico corresponderia à energia dissipada durante a descarga parcial, tendo como efeito um

(25)

respeitados. Os direitos humanos garantem direito à liberdade e igualdade entre todos os seres humanos, a mulher fazendo parte dessa população, portanto tem seus direitos preservados.

É preciso lembrar que no passado as mulheres foram privadas de estudar e trabalhar, estas eram criadas para casar e cuidar dos filhos. A mãe criada deste modo consequentemente passa essa criação aos filhos. A identificação projetiva6 se

dá nas pequenas que estão tomando o caminho feminino ao visualizar a mãe que ouve insultos do marido, é agredida fisicamente, é dominada pelo homem, a criança/menina toma a mãe como sendo o seu exemplo de mulher; assim também se dá no masculino, quando a criança vê o pai sendo hostil e entende que para ser homem precisa ser agressivo. Quero pautar que na história da humanidade as mulheres sempre foram rebaixadas aos homens e que não faz muito tempo na história que as mulheres começaram a ter seu valor na sociedade reconhecido. Quando falo que as mulheres não sofrem violência porque querem e não permanecem porque gostam, estou me referindo inicialmente a este início da sociedade, onde a mulher por identificação veio sendo criada nos moldes tradicionais em que não tinha direito a nada a não ser respeitar o marido e cuidar dos filhos.

Não satisfeitas algumas mulheres conseguem perceber que assim como elas foram criadas para respeitar os homens eles também teriam que as respeitar, assim começa a luta de algumas mulheres pela liberdade e respeito de gênero, o que começa a mudar um pouco o cenário feminino. Porém, o que posso ver é que depois de toda a luta e história vivida pelas mulheres para defender seus direitos, eles ainda não são totalmente respeitados, afinal aqui testemunho a experiência de mulheres que chegam ao tribunal pedindo por respeito. O que me leva a refletir que, em primeiro lugar, existe uma sociedade que ainda cultiva resquícios de uma cultura machista e em segundo que isso pode ser consequência de uma questão inconsciente que tem a ver com a identificação já citada acima e a repetição que segundo Lacan “está marcada pela tendência de retornar sempre ao mesmo lugar”, exemplificando podemos dizer que uma mulher que sofre violência em um relacionamento pode entrar em outro relacionamento e sofrer violência novamente

6 Conceito que para a Psicanalise segundo Kaufmann (1996, p. 256) a Identificação é uma lenta

hesitação entre o “eu” e o “outro”, ao passo que a identidade é finalmente encontrar um eu que poderia (ilusoriamente) estar livre de qualquer relação de objeto.

(26)

assim sucessivamente. Segundo Kaufmann (1996, pg. 448) “Isso é verdade se entendemos por repetição um movimento de reprodução do mesmo. ”

Vale lembrar aqui que a violência doméstica não se caracteriza apenas por agressão física, ela também é psicológica, moral, sexual e patrimonial. A agressão em geral não começa com atos graves, normalmente a mulher é explorada em relação ao seu patrimônio, perde o poder sobre o próprio corpo e é moralmente desrespeitada. Sendo estas violências que produzem uma violência psicológica esta que causa danos emocionais e de autoestima, bem como prejudica seu comportamento, crenças e decisões, constrange e humilha a mulher prejudicando a sua saúde psicológica. Por fim, quando chega a agressão física, onde a mulher já em sofrimento pelas outras formas de violência que viveu acrescenta sofrer a violência corporal, que deixa lesões e podem levar a morte.

A mulher sofre vários tipos de agressão pensando na perspectiva de que “ele não bateu” sem entender que qualquer atitude que deixe a mulher acuada, com medo e sem se reconhecer como mulher é violência. Ela pode querer sair dessa situação momentânea, ou melhor, ela deseja que a atitude agressiva seja momentânea sempre encontrando uma razão para o acontecimento. A agressão envolve culpabilizar a mulher pelos atos do agressor. Esta mulher que está entrelaçada nesta relação abusiva não consegue se permitir ver a não ser pelos olhos do agressor, assim a agressão passa a ser algo “normal”, digo normal até chegar a uma agressão física, onde então a mulher procura os meios judiciais para pedir o fim das agressões. Em resumo, a mulher vem sofrendo violência por um longo tempo sem se dar conta da situação até que em um dado momento a violência se torna física e é então que ela procura as vias judiciais para pedir que a lei ordene que as agressões parem.

A mulher não procura a justiça com o desejo de terminar a relação como abordado anteriormente, me parece que essa situação pode ser comparada com a lei que é internalizada pelo ser humano na sua constituição psíquica. Para isso pode ser relembrado a obra de Freud Totem e Tabu (1913) onde ele fala sobre a Lei e a constituição do sujeito, este último nos remete a pensar que é pela intervenção da função paterna que a criança sai do mundo imaginário para entrar no mundo simbólico da lei. Dizemos que o pai incorpora a lei, o que marca a entrada da criança na civilização através do complexo de édipo, esta lei que vem para barrar a criança

(27)

do desejo incestuoso pela mãe, o que faz com que o sujeito se constitua e possa conviver em sociedade.

Na obra Totem e Tabu (1913) Freud traz o pai como aquele que detinha todo o poder e poderia ter todas as mulheres sendo ele a lei, com a morte do pai não se viu outro meio a não ser restituir a lei, o que para Freud significa que o pai morto se torna mais forte do que vivo se instaurando assim a lei da civilização. A convivência na civilização nem sempre é fácil e tomando a lei referida a cima entendemos que em todos os sujeitos existe uma lei internalizada que faz parte da constituição do sujeito e que permite que este conviva em sociedade, o que acontece é que em algumas situações como na violência esta lei falha e por este motivo é que se utiliza a lei jurídica para garantir o cumprimento da Lei paterna. Por esta razão que retorno a afirmar que interpreto a busca da mulher pela justiça para pedir por respeito no âmbito que esta lei jurídica irá dar conta da Lei interna que falha, sendo o seu desejo de que o agressor obedeça aquele que lhe disser que pare as agressões.

2.2 SEPARAÇÃO LITIGIOSA

A mulher que sofreu violência, ao chegar na audiência de oitiva, expressa pedido de separar ou manter certa distância do agressor. A separação litigiosa, em casos de cônjuges, e o afastamento da convivência nos casos parentais e fraternais visa dissolver a relação violenta. As mulheres que fazem esta opção normalmente relatam estar vivendo sob vigilância e ameaça, o que lhes causam medo.

Nas situações de violência parental ou fraternal, devido a indissolubilidade do vínculo, há situações em que consensualmente optam pelo não convívio a fim de não aumentar o conflito. Quando relacionado a conjugalidade há mulheres que desejam uma separação amigável, são aquelas que estão decididas a se divorciar, realizar a dissolução de união estável ou seguir suas vidas sem nenhuma questão que lhes impeça disso. Combinam com os agressores como querem separar seus bens, sem se fixar nos restos. Também elas entram em comum acordo do casal, quando se tem filho sobre a guarda e pensão alimentícia dos filhos. O que elas pedem é que a não convivência se mantenha, dizendo que o agressor não manteve mais contato e desejam que continue assim.

Essa decisão é compatível com a tessitura subjetiva atual, onde o sujeito nas suas relações amorosas e sociais, se vê incertezas pela inexistência de

(28)

referências macros, isso torna a relação em sociedade frágil e o sujeito é capturado pelo individualismo. O que se percebe é que estes casais por estarem dentro dessa sociedade de relações frágeis não conseguem construir um porto seguro no outro. Bauman (2004), diz que neste mundo de incertezas as relações sociais são trocadas por conexões. Os sujeitos procuram por uma relação sólida que lhes proporcione segurança absoluta, uma vez que o mundo não proporciona esta segurança, a busca por uma relação de total segurança causa angustia para o sujeito pois não se tem lastro subjetivo para isso.

A cultura tradicional quando um objeto quebrava este era consertado e retornava ao uso, assim era com as relações que se solidificavam na relação mutua de afeto e na construção gradativa de seus laços. Na contemporaneidade as coisas e objetos são trocados facilmente, um objeto quando apresenta algum problema logo é descartado e substituído por outro novo. Assim se dá nas relações também, as pessoas não conseguem se entregar por inteiro a uma relação seja amorosa ou social pois a sempre uma instabilidade emocional presente, ou seja, as pessoas não conseguem confiar por inteiro no outro fazendo com que em um determinado momento haja alguma desavença e o casal substitua seus parceiros por outros, sem muitos problemas.

Quando Bauman (2004), fala de conexão está tentando explicitar que hoje em dia é fácil se desconectar de uma relação. Podemos pensar que essa facilidade é a mesma de quando as pessoas se desconectam de uma rede social e se ligam a outra, na internet. Bauman fala de amor líquido, o dicionário traz líquido como sendo algo que flui ou corre como água, mais além, são moléculas que se adequam a qualquer meio. Assim são as relações modernas, liquidas que correm como a água e que conseguem se conectar e desconectar com mais facilidade.

Entendo que estas mulheres que, nas audiências judiciais, desejam que seus parceiros conjugais se afastem das “amantes”, suas rivais, estão cegamente mergulhadas neste mundo de incertezas desenhado por Bauman e que contempla toda sociedade. Sabemos que a violência surge onde a palavra deixa de existir, entendo que, estes casais deixam de lado o diálogo e consequentemente permitem que muitas coisas sejam censuradas na relação, o que um não gosta ou o que outro não deseja, construído assim uma relação frágil que a qualquer momento pode desandar e se desconectar, sendo fácil para cada um seguir sua vida individual plena. Não sem angústias, obviamente.

(29)

2.2.1 Manter as medidas protetivas

A Lei Maria da Penha preconiza a formação de redes de proteção à mulher que envolve o país, estado e município que promovem a segurança da agredida, disponibilizando assistência jurídica, atenção à saúde, assistência social entre outros.

As medidas protetivas, conforme a referida lei, são uma das maneiras de terminar com a violência doméstica e proteger a mulher. Ela visa assegurar os direitos da mulher, a liberdade e a viver sem violência. Diante de qualquer quadro de violência seja psicológico, físico, moral, sexual ou patrimonial, por lei as medidas podem ser concedidas de imediato. As medidas protetivas são solicitadas no momento em que a agredida faz o registro de ocorrência na delegacia, este pedido terá 48 horas para ter uma decisão judicial de deferimento ou não.

A mulher solicita as medidas protetivas com o intuito de preservar sua segurança, por mais que sua opção seja ter o expediente encerrado, a mulher deseja manter as medidas por medo ou receio de que o agressor volte para casa, perturbe no trabalho, persiga, ameace ou agrida a fisicamente.

A partir dos casos observados, porém, pude perceber que algumas vezes as medidas são descumpridas, fazendo com que haja mais registros. Além dos casos observados no período de estágio junto ao JECRIM é notório que no Brasil existem milhares de casos de mulheres que sofrem agressão e até acabam mortas mesmo tendo medidas protetivas. Isto me faz pensar novamente na questão da lei internalizada do sujeito, pois mesmo o judiciário impedindo através das medidas protetivas o agressor infringe a lei e desafia o poder judiciário e toda a rede de proteção. Nestes casos se pode pensar que o agressor vive lei própria, sem permitir que o judiciário emerja como o elemento terceiro, interditor. Muitas vezes, com medo, a mulher não denuncia o descumprimento da medida, mas quando o faz há o agressor está sujeito a prisão.

Quando as mulheres solicitam a intervenção do judiciário entende-se que estas mulheres estão em sofrimento a muito tempo, quando solicitam as medidas protetivas o fazem em um último ato de proteção. Diante dos tipos de violência que são: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, quando a situação atinge a violência física ela já passou pelos outros tipos de violência, a mulher pode sofrer um ou mais tipos de violência ao mesmo tempo, sendo que todos os tipos

(30)

levam a violência psicológica. A mulher em situação de violência se encontra em um estado psicológico de medo, tensão e culpa, para ela as medidas protetivas são uma forma de proteção, mas não exime o medo de que o agressor a descumpra. A prisão do agressor pelo descumprimento das medidas é para a mulher um momento de duplo sentimento, ao mesmo tempo que ela se sente protegida também pode sentir-se culpada pois, ela não quer prejudicar a vida do agressor, discurso este que na sua maioria ela ouve do agressor que a faz sentir-se culpada pela situação em que ela se encontra.

Observamos, tal como consta nas tabelas apresentadas no capítulo 1, que a conservação das medidas protetivas também aparece como pedido das mulheres que optam pela separação não litigiosa.

2.2.2 O aceite ao fim do relacionamento

O que leva muitas vezes ao descumprimento das medidas protetivas é o fato de que o agressor não aceita o fim do relacionamento, que pode ser relacionado com o sentimento de ciúme, em especial o ciúme paranoico. O ciúme pode impulsionar ao ato violento, a tradução amorosa do ciúme pode vir através desse ato, ou seja, o sujeito ciumento pode vigiar, amedrontar e matar em nome do amor. O ciúme normal é um afeto que participa da construção do sujeito podendo ser ele comparado a um estado emocional como o luto, pois há uma perda do objeto amado, o sujeito se defronta com a ideia de que é dispensável para o outro e que este outro consegue sobreviver sem ele. O ciúme traz o medo de perder o objeto ou raiva de quem pode roubar o objeto. Além do ciúme normal há o ciúme delirante o qual desvia para a paranoia, que trabalharemos aqui. Este ciúme pode ser visto como um mecanismo de defesa contra uma homossexualidade reprimida, por exemplo o homem se vê perseguido por outro que tenta roubar sua mulher.

Deste modo, segundo Santos (2002, p. 76) o ciúme pode existir em três níveis diferentes, que vai do “sentir-se enciumado”, onde este é visto como algo normal, até sua forma mórbida, que entraria em um quadro de paranoia, sendo uma forma de delírio obsessivo. Este último, causa um sofrimento psíquico insuportável para quem sente, e grandes riscos de violência para quem padece sob o ciumento paranóico. (O ciúme suas causas e consequências nos relacionamentos conjugais 2014)

(31)

Recordamo-nos de que os que sofrem de paranóia persecutória agem exatamente da mesma maneira. Eles, também, não podem encarar nada em outras pessoas como indiferente e tomam indicações insignificantes que essas outras pessoas desconhecidas lhes apresentam e as utilizam em seus delírios de referência. O significado de seu delírio de referência é que esperam de todos os estranhos algo semelhante ao amor. No entanto essas pessoas não lhes demonstram nada desse tipo; riem consigo próprias, fazem floreios com as bengalas e até mesmo cospem no chão enquanto passam; e, na realidade, tais coisas não se fazem quando uma pessoa em que se tem um interesse amigável se acha perto. A não ser quando nos sentimos inteiramente indiferentes ao passante, quando se pode tratá-lo como se fosse ar e, considerando também o parentesco fundamental dos conceitos de “estranho” e “inimigo”, o paranóico não se acha tão errado em considerar essa indiferença como ódio, em contraste com sua reivindicação de amor.

A seguir apresentarei um caso que exemplifica o que é a violência doméstica quando há o ciúme/posse:

“Na audiência a agredida pede para ser ouvida pelo juiz sem a presença do ex companheiro. Relata que o ex companheiro é uma pessoa muito agressiva e tem um temperamento explosivo, por isso já tentou se separar algumas vezes, porém ele não aceitava a separação e ameaçava fazer algo contra ele mesmo. Assim, ela voltava a residir com ele. Sem mais suportar a situação a agredida saiu de casa. Relatou que o casal tem um filho pequeno que ela deixou morando com o ex-marido pensou que se o filho ficasse com ele, seria um bom motivo para ele não cometer nenhum ato contra sua própria vida. Na ocasião da audiência o agressor se mostrou uma pessoa tranquila, concordou com todos os argumentos do juiz e aceitou as decisões sem questionar. Passados alguns dias o agressor procurou a rede de atendimento pedindo ajuda, ele está com dificuldade de entender por que ela pediu a separação. Ele passou a ser atendido pelo acolhimento psicológico conveniado com a defensoria pública onde estive estagiando. No primeiro acolhimento ele conta que a ex-esposa teria ameaçado se matar quando estivesse com o filho e ele estava com medo de entregar o filho a ela. Várias vezes ele repetiu que queria ajuda, mas que ninguém poderia ajudá-lo. Quando indagado sobre o tipo de ajuda que ele precisava ele dizia que queria deixar claro para algum juiz que ele não entregaria o filho para a mãe, como combinado na audiência, pois ela iria se matar e matar o filho. Tomaria esta atitude mesmo sabendo que poderia ser preso por descumprir uma decisão judicial.

Durante todos os atendimentos ele demonstrava uma oscilação de humor, havia momentos em que ria outros chorava, o que chamava a atenção era que essa

(32)

mudança de humor acontecia ao mesmo tempo que ria, já cessava o riso e iniciava o choro ou vice-versa. Ele dizia que amava muito sua ex-esposa e encontrava bastante dificuldade para saber como se referir a ela, pois não sabia se chamava de mulher, ex-mulher, minha mulher ou esposa.

Contou que o menino sempre acordava de noite com pesadelos e fazia xixi na cama, ele não dormia de noite para cuidar do filho que tinha medo de fazer algo errado e que o pai batesse nele. A falência dos seus antigos negócios ele atribuía a sua ex-mulher, disse que teve um primeiro casamento, onde ele acabou deixando da mulher para ficar com a atual ex-esposa e que foi a partir daí que ele começou a perder tudo.

Em outro momento disse que bateu nela com um relho no trabalho deles e em casa ele tentou matá-la degolada. Ele se emocionou muito, chorou bastante e se questionou até que ponto ama alguém a quem mataria por amor, também disse que se matasse ela nunca mais iria conseguir dormir. Havia conversado com sua defensora e que sua ex-esposa não teria aceitado a proposta de voltar para ele. Dias antes tinha procurado ela e tentou beija-la três vezes e depois disso ela registrou novo boletim de ocorrência (isto ocasionou o pedido de prisão, que foi efetuado de imediato). Relatou a intenção de incomodar a ex-esposa na justiça, negando-se a dividir os bens materiais com ela, referindo que que ela era uma prostituta, pois é o que se pode pensar de mulher que está solteira.

Neste período, ele estava em um estado grave de surto, nos atendimentos ele demonstrou muita frieza ao falar das agressões sempre como se fossem coisas normais.

Neste caso é possível perceber elementos tanto culturais quanto psíquicos que complexificam a questão da violência. Entendo que o sujeito a quem escutei tem como base a cultura machista em que uma mulher tem de ser casada para ter dignidade- viver sexualmente ativa sem estar casada é sinônimo de prostituição- sua reação a perda da posse da mulher se dá em dois níveis: apresenta-se como sofredor e diante do insuportável da perda ameaça o suicídio e, de outro lado, violenta a mulher a fim de mantê-la sob sua égide poupando-se de conviver com a falta dela. Esta falta não é exatamente a falta daquela pessoa, mas uma fissura que remete a falta primordial.

Muitas mulheres se referem aos agressores dizendo que estes são doentes, o que não é totalmente verdade e nem totalmente mentira, os homens na sua

(33)

maioria são agressivos por não aceitarem o fim das relações pelo fato de que estão perdendo a posse sobre o corpo da mulher, porém em alguns casos o não aceite do fim do relacionamento pode estar ligado não há uma patologia biológica ou neurológica e sim a uma estrutura psíquica que não suporta perdas, frustrações.

2.2.3 Disputa de bens

Algumas mulheres chegam na audiência decididas a não representar e querem apenas a separação. Não é costume nestas audiências ser feito divorcio ou separação de união estável, mas quando o juiz julga necessário ou as duas partes entram em acordo já saem dali com o caso resolvido judicialmente. O que acontece nestes casos algumas vezes é que o casal entra em atrito em função de não querer abrir mão dos bens adquiridos durante o casamento, uma vez que tudo será dividido entre os dois.

Algumas mulheres alegam que devem ficar com tudo ou com boa parte dos bens, pois estão sendo prejudicadas e alguns homens não querem abrir mão de seus bens alegando que eles trabalharam para conseguir. Assim como também aparece muito a questão de heranças usadas para adquirir bens para o casal. A parte herdeira entende que deve ficar com tudo. Quando ocorre estes atritos no momento da divisão dos bens, acaba que o juiz apenas encerra o expediente referente a denúncia criminal da Maria da Penha e a separação litigiosa é feita em outro processo em uma vara cível.

Do ponto de vista psi estes conflitos entre os casais quanto a divisão de bens pode ser pensada como se os bens representassem os restos da relação. A Psicanalise sempre se se ocupa dos restos, de uma experiência que foi recalcada, não sendo diferente neste momento. No processo de constituição o sujeito tem uma relação de fascinação e repulsa para com o seu objeto de desejo, a relação do sujeito com seu objeto de desejo se dá uma primeira vez e depois de recalcado. Na relação do sujeito com o Outro se dá de maneira indireta pela via dos restos, pois, depois de instaurada a falta no sujeito seus desejos aparecem quando este se depara com os restos, que irá definir seus objetos de satisfação.

(34)

O recalque não lida com as pulsões em si, mas com seus representantes, imagens ou ideias, os quais, apesar de recalcados, continuam ativos no inconsciente, sob forma de derivados ainda mais prontos a retornar para consciente na medida em que se localizam na periferia do inconsciente. (Roudinesco 1998, p. 648)

Em um primeiro momento o objeto de satisfação eleito na relação desses casais é o outro, que vem para dar conta de uma falta estabelecida em cada um dos parceiros na relação mãe-bebê. Aqui tratamos o resto como causa do desejo, provindo da fantasia, no momento da separação as partes não querem abrir mão dos bens uma vez que estes são objetos que foram investidos de desejo, estes objetos que falam da relação do casal, do gozo e satisfação que um encontra no outro sendo um objeto de amor do outro, suprindo a falta. O casal, portanto, deseja a separação dos corpos, mas não deseja se desfazer do investimento libidinal dirigido ao outro. Supõe inconscientemente que os bens materiais os ligaria ainda, proporcionando um certo gozo.

2.3 DIREITO AO EXERCÍCIO DA MATERNIDADE E PAIS QUE QUEREM REATAR OS LAÇOS COM OS FILHOS

Algumas mulheres sofrem violência doméstica e perdem o direito de cuidar de seus filhos, estes são levados pelo pai para residir em sua residência e o mesmo não permite que a mãe os visite, alegam que a mulher maltrata os filhos e são eles que não querem a companhia da mãe, outros pedem para ver o filho e não os “devolvem”, além das mulheres que deixam os filhos com o pai e depois aparecem requerendo seus direitos os quais o pai não aceita. Estas mulheres querem poder exercer seu direito a maternidade.

Ocorre que neste aspecto, mais frequentemente encontramos casos, onde é a mulher que não permite que o pai se aproxime do filho. Algumas mulheres dizem que não irão permitir a presença do pai na vida dos filhos porque somente elas podem ter o cuidado com o filho, outras não querem permitir a aproximação dos filhos com o agressor como forma de castigo pela agressão sofrida. O que estes casos têm em comum é o fato de que há sempre uma das partes que faz alienação parental com os filhos.

(35)

Neste contexto é possível encontrar também pais que por alguma razão tiveram os laços cortados com seus filhos, sendo mães e filhas, pais e filhas que estão em busca de uma reconciliação para reatar os laços parentais com seus filhos. A lei diz que a alienação parental é cometida através de uma interferência psicológica na criança ou adolescente induzida pelo pai mãe, avós ou outro que tenha a guarda do menor, que afete a sua relação com a outra parte. Acredita-se que a alienação ocorre porque uma das partes não está satisfeita com o rumo da relação, como já citados a alienação muitas vezes ocorre como vingança. Esta vingança para as mulheres que estão em situação de violência doméstica vem como uma maneira de punir o agressor pelos atos violentos, a mulher que sofre agressão e se encontra em um estado psicologicamente abalado encontra na proibição de deixar o pai ver os filhos uma forma de que este sinta o mesmo que ela sente quanto as agressões, sendo esta proibição uma fonte de alivio da sua dor. De modo geral a alienação ocorre quando uma das partes exclui a outra da participação na vida ativa dos filhos.

A alienação atinge seu ápice quando a criança ou adolescente passa a nutrir sentimentos negativos e guarda experiências falsas em relação ao alienado. Nos casos de alienação parental podemos identificar dois sujeitos que sofrem, o alienado ou seja a parte que fica privada de participar da vida dos filhos e os próprios filhos que se veem presos em memórias falsas criadas pelo alienador.

O filho alienado teme desobedecer ao alienador, por esta razão ele se submete a certas posturas impostas pelo alienador. Por medo de perder o amor da mãe ou do pai a criança ou adolescente se torna dependente de quem impõe a situação a ele. Aparentemente a imagem ruim do alienado parece vir da criança sem influência de outro, o que é parte da alienação, porém a criança apresenta uma fragilidade para apresentar razões para todas as más experiências que se diz ter vivido com a parte alienada, o que mostra que há uma alienação presente nestas relações.

2.4 RESSARCIMENTO PELA VIOLÊNCIA PATRIMONIAL

Uma pequena parcela de mulheres que denunciam seus agressores, o fazem por terem sido violentadas patrimonialmente. O que em geral ocorre é que estas mulheres desejam se divorciar ou fazer a dissolução de união estável, porém o

Referências

Documentos relacionados

As mudanças que se observam no mundo contemporâneo são de tal modo profundas, que inauguram a necessidade de repensar alguns dos nossos pressupostos teóricos para manter

Ora, evidentemente isto demanda trabalho, de modo que seja preciso, para apreender a essência de algo, proceder a uma variação eidética que é,

[r]

O representante da Prefeitura Municipal de Coronel Vivida, especialmente designado para acompanhar e fiscalizar a execução deste contrato, efetuará medições mensais a partir

Nesse sentido, o livro de Mary Del Priori Sobreviventes e guerreiras: Uma breve história da mulher no Brasil de 1500 a 2000 convida seus leitores a refletir sobre a história

Convênio de colaboração entre o Conselho Geral do Poder Judiciário, a Vice- Presidência e o Conselho da Presidência, as Administrações Públicas e Justiça, O Ministério Público

A questão posta não reclama a discussão sobre ter, a emenda Constitucional 66, eliminado a separação no Direito Brasileiro, caracterizado, até então, por um

Querido Jesus, eu peço-Vos que me consagreis, à minha família, amigos e nação para a Protecção do Vosso Precioso Sangue.Vós morrestes por mim e as Vossas Feridas