• Nenhum resultado encontrado

Encruzilhadas do corpo (em) processo : f(r)icção arte-vida na criação de uma dança-teatro brasileira

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Encruzilhadas do corpo (em) processo : f(r)icção arte-vida na criação de uma dança-teatro brasileira"

Copied!
261
0
0

Texto

(1)

DANIEL SANTOS COSTA

ENCRUZILHADAS DO CORPO (EM) PROCESSO

f(r)icção arte-vida na criação de uma dança-teatro brasileira

CAMPINAS – SP 2014

(2)
(3)

iii

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

DANIEL SANTOS COSTA

ENCRUZILHADAS DO CORPO (EM) PROCESSO

f(r)icção arte-vida na criação de uma dança-teatro brasileira

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Artes da Cena. Área de Concentração: Teatro, Dança e Performance.

ORIENTADORA: GRÁCIA MARIA NAVARRO

Este exemplar corresponde à versão final da dissertação defendida pelo aluno Daniel Santos Costa e orientada pela Professora Doutora Grácia Maria Navarro.

CAMPINAS – SP 2014

(4)

iv

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes

Eliane do Nascimento Chagas Mateus - CRB 8/1350

Costa, Daniel Santos, 1986-

C823e Encruzilhadas do corpo (em) processo : f(r)icção arte-vida na criação de uma dança-teatro brasileira / Daniel Santos Costa. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.

Orientador: Grácia Maria Navarro.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas Instituto de Artes.

1. Corpo como suporte da arte. 2. Arte. 3. Improvisação (Representação teatral) . 4. Epistemologia. 5. Dança. 6. Teatro brasileiro. I. Navarro, Grácia Maria,1965-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Crossroads of the body (in) process : art-life f(r)iction in the creation of

a Brazilian dance-theater Palavras-chave em inglês: Body art Art Improvisation (Acting) Epistemologies Dance Brazilian drama

Área de concentração: Teatro, Dança e Performance Titulação: Mestre em Artes da Cena

Banca Examinadora:

Grácia Maria Navarro [Orientador] Verônica Fabrini Machado de Almeida Lilian Freitas Vilela

Data de defesa: 09-12-2014

(5)
(6)

vi

(7)

vii RESUMO

Esta dissertação apresenta as encruzilhadas de um corpo em processo de criação, profanando possibilidades autorais para a produção de conhecimento nas artes da cena a partir de uma perspectiva dialógica a qual busca friccionar arte e vida. O corpo (em) processo, visto sob um prisma da autobiografia de um sujeito que fala de si, experimenta epistemologias locais advinda do universo da oralidade popular brasileira como tentativa de fuga dos processos centralizadores, além disso, utiliza a autoetnografia como uma possibilidade metodológica para projetar seu ponto de vista sobre o mundo através das artes da cena. Nessa práxis, o corpo sensível percebe o mundo e dialoga com ele, destacando um peculiar modo de fazer-pensar a cena contemporânea neste entrelugar que é a encruzilhada, um espaço possível para o híbrido. De tal local, foi possível emergir um ponto de vista privilegiado no sentido da multiplicidade que o referido espaço provoca, seja na possibilidade do novo, do vir a ser, ou, mesmo, nas provocações e referenciais deste. A resultante experimental do processo em questão é apresentada na forma de uma dança-teatro brasileira a qual problematiza uma construção teórica a partir da prática. O diálogo revelou um sujeito/personagem singular que entrecruza, em seu cotidiano, devoções populares – Umbandas e Folias de Reis, realidade e ficção, memória e presentificação, constituindo um personagem que apresenta comportamento cultural de “um brasileiro” dentre as tantas possibilidades de “ser brasileiro” que a pluralidade da cultura nacional promove. Elucida-se, então, a importância da instauração de processos de criação para a produção das especificidades que geram conhecimento nas artes da cena levando em conta as possibilidades de descobrir caminhos próprios, singulares, além de questionar a inversão ou o descarte de hierarquias, problematizando suas essências e produzindo uma cena pautada na diferença, na desestabilização dos centros reguladores do pensamento dominante. Palavras-chave: Corpo, Arte-Vida, Processo Criativo, Epistemologias Locais, Dança-Teatro Brasileira.

(8)

viii

(9)

ix ABSTRACT

This master’s thesis presents the crossroads of a body in a creation process, profaning authorial possibilities for the production of knowledge in the performing arts, from a dialogic perspective, which desires to friction art and life. The body (in) process, seen by the prism of an autobiographical individual that speaks of himself, experiences local epistemologies coming from the universe of Brazilian popular orality as an attempt to escape from centralizing processes. Moreover, he uses autoethnography as a methodological possibility to project his point of view about the world through the performing arts. On this praxis, the sensible body realizes the world and dialogues with it, highlighting a peculiar way of doing - and thinking over - the contemporary scene in this in-between place, the crossroads, a possible space for the hybrid. From such position, it was possible to emerge a privileged point of view in the sense of the multiplicity that the reported space provokes, either when it comes to the possibility of the new, of something that comes to become something else, or even when related to its provocations and references. The experimental process result under discussion is presented in the form of a Brazilian dance-theater, which will be capable of problematizing a theoretical construction through practice. The dialogue revealed a singular subject/character that intersects in their daily life, popular devotions - Umbanda and Folia de Reis, reality and fiction, memory and presentification, constituting a character presenting cultural aspects of a "Brazilian" among the many possibilities "being Brazilian" that the diversity of national culture promotes. Hence, it is elucidated the importance of establishing creation processes for the production of specificities that beget knowledge in the performing arts taking into account the possibilities of discovering personal, singular ways, besides questioning the inversion or the discard of hierarchies, problematizing their essences and producing a scene based on difference, on the destabilization of centers that regulate dominant thinking.

(10)
(11)

xi

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO (ou Achadouros) ... 1

2.ENCRUZILHADA: Arte – Vida – Corpo – Criação ... 5

2.1 AUTOETNOGRAFIA COMO CAMINHO METODOLÓGICO... 9

Da Autobiografia: um recorte alternativo de investigação ... 18

Um corpo-sujeito da encruzilhada ... 23

A Folia de Reis no corpo ... 25

2.2. CORPO (EM) PROCESSO (EM) CRIAÇÃO ... 31

Corpo e produção de conhecimento ... 33

(em) processo (em) criação: um espaço formativo ... 37

Inventar-iar o corpo: trajetória de formação em dança ... 41

3.ENCRUZILHADA: Tessituras da criação de uma dança-teatro brasileira ... 53

3.1 PAISAGENS-CORPO ... 63

3.2 DOS LABORATÓRIOS DE CRIAÇÃO: Experiências Cênicas ... 87

Corpo (C)errado ... 91

Corpo-Espaço ... 96

Corpo-Festa ... 105

Corpo-Casa ... 119

3.3 EXPERIÊNCIAS DIALÓGICAS ... 131

3.4 DA DRAMATURGIA: uma autoficcção ... 141

3.5 DO ROTEIRO E DA ENCENAÇÃO: um lugar híbrido ... 151

4.CONCLUSÃO ... 183

REFERÊNCIAS ... 191

BIBLIOGRAFIA ... 197

ANEXOS ... 201

A. Processo Criativo – Visualidades, por Tiago Bassani ... 203

B. Cadernos de Criação – Registros (2013 – 2014) ... 217

C. Clipagem do Espetáculo – Temporada de Estreia... 227

(12)
(13)

xiii

“Com pedaços de mim eu monto um ser atônito”.

(14)
(15)

xv

AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Grácia Navarro pelo encontro, parceria, preciosa orientação de pesquisa e direção do espetáculo Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira

Cigana.

Aos mestres, Ana Carolina Mundim, Fernando Aleixo, Carlos Gomes, pelos encontros, pela iniciação no campo da arte e pelo caminho possível que demonstraram em seus corpos. À Rosana Baptistella, grande amiga, incentivadora do meu trabalho artístico, parceria de criação e pesquisa. Obrigado pelo encontro por abrir e mostrar os caminhos na arte e na educação.

À Diane Ichimaru e Marcelo Rodrigues, da Confraria da Dança, pelo encontro, pelas trocas, pelo apoio de sempre. Uma admiração eterna e um gosto permanente de calêndulas. À Profa. Dra. Verônica Fabrini, pela disponibilidade imediata na banca de qualificação e de defesa e o inculcar das questões paradigmáticas acerca dos modelos epistemológicos assumidos nas pesquisas contemporâneas e produção de conhecimento.

À Profa. Dra. Ana Carolina Melchert, pelo acolhimento na graduação em dança, de modo sensível e atuante.

À Dra. Lílian Vilela, pelo encontro-encruzilhada, pela disponibilidade, diálogos e as preciosas contribuições no momento de qualificação.

Ao Prof. Dr. Rogério Adolfo de Moura, pelo encontro, amizade e afeto. Pelas preciosas contribuições no momento de qualificação e as tantas orientações pessoais e científicas no período da graduação em dança.

Aos queridos professores da Graduação em Dança e da Pós-Graduação em Artes da Cena, em especial Profa. Dra. Marília Vieira Soares, Dr. Jorge Schoerder, Profa. Dra. Isa Kopelman e Profa. Dra. Elisabeth Bauch Zimmermann.

À Profa. Dra. Marina Baruco Andraus e Prof. Dra. Luciana Lyra, pela atenção e disponibilidade em participar como suplente da banca de defesa.

À Profa. Heloísa Cardoso, pela parceria pessoal e “visual” em muitos caminhos.

Às queridas Profa. Dra. Marcia Strazzacappa e Profa. Dra. Eliana Ayoub, do Laboratório de Estudos sobre Arte, Corpo e Educação (LABORARTE), da Faculdade de Educação da

(16)

xvi

UNICAMP. Esse laboratório foi, sem dúvidas, um grande espaço de formação artística e acadêmica.

Aos queridos amigos da Pós-Graduação, em especial Luciane Olendzki, Erika Cunha, Vivian Cardozo, Pâmella Vilanova, Aline Nunes, Ana Paula Ibañez, Joana Wildhagen, Mariana Floriano e toda Comissão Organizadora do II Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena (PPGADC) IA-UNICAMP por tantas discussões e partilha de experiências.

Ao Grupo PINDORAMA que, desde 2012, propiciou experiências enriquecedoras a esta pesquisa e ao meu desenvolvimento artístico e pessoal.

Ao Departamento de Artes Cênicas (alunos e funcionários), pelos espaços de ensaios, apresentações, participações em disciplinas da graduação e parcerias.

Ao Programa de Pós-graduação em Artes da Cena – UNICAMP por acreditar nesta pesquisa.

Ao SESI – Serviço Social da Indústria (CE 389 e CE 437), por incentivar meu trabalho acadêmico e fortalecer o desejo, além de possibilitar um espaço de experiência na escola através da Arte.

À Prefeitura Municipal de Campinas, através do Fundo de Investimento Culturais de Campinas – FICC 2012/2013, pelo patrocínio do Projeto “É tanta festa de alegria!”, o qual tornou possível subsidiar uma pesquisa artístico-acadêmica que circulou por diversos espaços da cidade de Campinas em 2014.

A toda equipe do espetáculo Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à

Pombagira Cigana, pela parceria de trabalho na realização desta grandiosa produção. O olhar, a

mão, o coração de cada um alimentarão toda nossa jornada.

À Soninha Santos pela preciosa revisão e formatação e ao Rafael Massoti pelo pela ajuda no Abstract.

À CAPES, que possibilitou o desenvolvimento deste trabalho. À minha família pelo apoio constante e irrestrito.

Ao Tiago Bassani, pela parceria, pela paciência, pelas eloquentes discussões artísticas e a irrestrita parceria na vida.

(17)

xvii

LISTA DE IMAGEM

Imagem 1: Palhaço de Folia de Reis, Lagoa Escondida, Município de Guarinhatã – MG, 2006. Foto: Daniel Santos Costa._ 28 Imagem 2: Cia de Reis Estrela do Oriente, Lagoa Escondida, Município de Gurinhatã – MG, 2006. Foto: Daniel Santos Costa.

______________________________________________________________________ 28

Imagem 3: Ô de Casa? – Bandeira de Reis, Lagoa Escondida, Município de Gurinhatã – MG, 2006. Foto: Daniel Santos Costa.

______________________________________________________________________ 29

Imagem 4: Cia Reis São José Operário, Chegada Ritual no Jardim Ouro Verde, Campinas – SP, 2006. Foto: Daniel Santos Costa. ___________________________________________________________________ 29 Imagem 5: Devoção à Bandeira de Reis em Chegada Ritual na Vila Castelo Branco, em Campinas – SP, 2006. Foto: Daniel Santos Costa. _______________________________________________________________ 30 Imagem 6: Triângulo da Composição, Base do Teatro do Movimento. Fonte: Lobo e Navas (2003). _______________ 49

Imagem 7: Paisagem do Cerrado (2007). Foto: Daniel Santos Costa. ________________________________ 65

Imagem 8: Chão de Pedra I. Foto: Daniel Santos Costa. _______________________________________ 67 Imagem 9: Paisagem do Cerrado – Comunhão, 2012. ________________________________________ 68

Imagem 10: Paisagem do Cerrado – Chão de Pedra II, 2012. ____________________________________ 69 Imagem 11: Paisagem do Cerrado – Eu.flor, 2012.__________________________________________ 70 Imagem 12: Paisagens do Cerrado – Corpo-Tronco Áspero, 2012. _________________________________ 71

Imagem 13: Cena Quase Noite. Foto: Bruno Torato. _________________________________________ 75 Imagem 14: Cena A Mulher. Foto: Bruno Torato. __________________________________________ 76

Imagem 15: Detalhe do objeto/guarda-chuva tecido em fios de barbante, por Tiago Bassani. Foto: Bruno Torato. ________ 76

Imagem 16: Cena O Rio – Detalhes dos tecidos diversos. Foto: Bruno Torato. ___________________________ 77 Imagem 17: Cena Quase Noite – Tecido Juta, Corpo-Velho. ____________________________________ 77

Imagem 18: Corpo-Velho em cena Quase Noite. Foto: Bruno Torato. ________________________________ 79 Imagem 19: Corpo-Velho Dona Doca (Sebastiana), Minha Avô, 2009. _____________________________ 80 Imagem 20: Dança do palhaço-espantalho. Foto: Tiago Bassani. ___________________________________ 81

Imagem 21: Seu Jair dançando Congada em Mogi Mirim. ______________________________________ 81 Imagem 22: Ensaios do espetáculo Ô de Casa? Ô de Fora!... em Nov. de 2013. __________________________ 83

(18)

xviii

Imagem 24: Daniel Santos Costa, Corpo-Rio. ____________________________________________ 85

Imagem 25: Daniel Santos Costa, Corpo-Rio. ____________________________________________ 86 Imagem 26: Visão Geral do espaço laboratório Corpo (C)errado. Foto: Tiago Bassani. ______________________ 91 Imagem 27: Pedaço de madeira extraído nas paisagens do cerrado. __________________________________ 94

Imagem 28: Corpo-Bicho. Experimento realizado em Out. de 2013. Foto: Tiago Bassani. ____________________ 95 Imagem 29: Corpo-Espaço I. Foto: Tiago Bassani. __________________________________________ 97

Imagem 30: Corpo-Espaço II. Foto: Tiago Bassani. _________________________________________ 97

Imagem 31: Corpo-Espaço III. Foto: Tiago Bassani. _________________________________________ 98 Imagem 32: Corpo-Espaço IV. Foto: Tiago Bassani. _________________________________________ 98

Imagem 33: Corpo-Espaço V. Foto: Tiago Bassani. _________________________________________ 99 Imagem 34: Corpo-Espaço VI. Foto: Tiago Bassani. _________________________________________ 99 Imagem 35: Corpo-Espaço VII. Foto: Tiago Bassani. _______________________________________ 100

Imagem 36: Corpo-Espaço VIII. Foto: Tiago Bassani. _______________________________________ 100 Imagem 37: Corpo-Espaço IX. Foto: Tiago Bassani. ________________________________________ 101

Imagem 38: Corpo-Espaço X. Foto: Tiago Bassani. ________________________________________ 101

Imagem 39: Corpo-Espaço XI. Foto: Tiago Bassani. ________________________________________ 102 Imagem 40: Corpo-Espaço XII. Foto: Tiago Bassani. _______________________________________ 102

Imagem 41: Corpo-Espaço XIII. Foto: Tiago Bassani. _______________________________________ 103 Imagem 42: Corpo-EspaçoXVI. Foto: Tiago Bassani. _______________________________________ 103 Imagem 43: Corpo-Espaço XV. Foto: Tiago Bassani. _______________________________________ 104

Imagem 44: Corpo-Espaço XVI. Foto: Tiago Bassani. ______________________________________ 104 Imagem 45: Cena Experimental Água na Bacia I, 2013. Fotos: Tiago Bassani. ________________________ 107

Imagem 46: Cena Experimental Água na Bacia II, 2013. Fotos: Tiago Bassani. ________________________ 108

Imagem 47: Corpo-Boi. Foto: Tiago Bassani. ____________________________________________ 111 Imagem 48: Cena O Palhaço-Espantalho, um corpo em festa. ___________________________________ 114

Imagem 49: Sebastiana, Corpo da Terra I. Foto: Tiago Bassani. _________________________________ 115 Imagem 50: Sebastiana, Corpo da Terra II. Foto: Tiago Bassani. _________________________________ 116 Imagem 51: Espaço de encenação do espetáculo Exus, em Set. 2013. _______________________________ 138

Imagem 52: Montagem do espaço de encenação de Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana, em Mar. 2014. ________________________________________________________ 138

(19)

xix

Imagem 53: Daniel Santos Costa, Corpo-Pombagira no espetáculo Exus, em Set. 2013. ____________________ 139

Imagem 54: Grácia Navarro, Eduardo Cecconello, Daniel Santos Costa, Alessandro Oliveira e Inácio Azevedo (da esquerda para direita) em ensaios de Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana, Fev. 2014. Foto: Celso Palermo. _____________________________________________________________ 139

Imagem 55: Detalhe Lampião em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. _____________________________________________________________ 151 Imagem 56: Prólogo – Ida ao terreiro em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. _____________________________________________________ 153 Imagem 57: Prólogo - A Gira e o Homem I em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. _________________________________________________________________ 153

Imagem 58: Prólogo - A Gira e o Homem II em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. _________________________________________________________________ 154 Imagem 59: Arquétipos II em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. _____________________________________________________________ 155 Imagem 60: Cena 2 – Entrar em Casa em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. _____________________________________________________ 157

Imagem 61: Cena 3 – A Mulher I em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. __________________________________________________________ 160 Imagem 62: Cena 3 – A Mulher II em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. __________________________________________________________ 160 Imagem 63: Cena 3 – A Mulher III em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. _____________________________________________________ 161

Imagem 64: Voltar à Casa – Meio Dia I em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. _____________________________________________________ 162

Imagem 65: Voltar à Casa – Meio Dia II em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. _____________________________________________________ 163 Imagem 66: O Rio I em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. _________________________________________________________________ 168 Imagem 67: O Rio II em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. _________________________________________________________________ 169

Imagem 68: O Rio III em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. _________________________________________________________________ 169

(20)

xx

Imagem 69: O Rio IV em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. _________________________________________________________________ 170

Imagem 70: O Rio V em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. _________________________________________________________________ 170

Imagem 71: O Rio VI em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Tiago Bassani. _____________________________________________________________ 171 Imagem 72: Quase Noite I em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Bruno Torato. _____________________________________________________________ 173 Imagem 73: Quase Noite II em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Bruno Torato. _____________________________________________________________ 174

Imagem 74: Quase Noite III em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Bruno Torato. _____________________________________________________________ 174 Imagem 75: O Palhaço-Espantalho I emÔ de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Bruno Torato. __________________________________________________________ 177 Imagem 76: O Palhaço-Espantalho II em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Bruno Torato. _____________________________________________________ 177

Imagem 77: O Palhaço-Espantalho III em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Bruno Torato. _____________________________________________________ 178 Imagem 78: O Palhaço-Espantalho IV em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Bruno Torato. _____________________________________________________ 178 Imagem 79: O Palhaço-Espantalho V em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. _________________________________________________________________ 179

Imagem 80: O Palhaço-Espantalho VI em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. _________________________________________________________________ 179

Imagem 81: Homem-Bicho I em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana. Foto: Bruno Torato. _____________________________________________________________ 181 Imagem 82: Cena Homem-Bicho em Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana.

_____________________________________________________________________ 182

(21)

1

1. INTRODUÇÃO (ou Achadouros)

Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. Mas o que eu queria dizer sobre o nosso quintal é outra coisa. Aquilo que a negra Pombada, remanescente de escravos do Recife, nos contava. Pombada contava aos meninos de Corumbá sobre achadouros. Que eram buracos que os holandeses, na fuga apressada do Brasil, faziam nos seus quintais para esconder suas moedas de ouro, dentro de grandes baús de couro. Os baús ficavam cheios de moedas dentro daqueles buracos. Mas eu estava a pensar em achadouros de infâncias. Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada às costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos. Hoje encontrei um baú cheio de punhetas. Manoel de Barros In: Memórias Inventadas: a terceira infância.

A poesia de Manoel de Barros reflete a atitude metodológica do nosso empreendimento artístico-científico, uma dissertação de mestrado que se pautou na valorização da experiência como produção de conhecimento, tendo como objeto de estudos as tessituras de uma obra artística de um corpo-sujeito (em) processo (em) criação.

A aproximação com Manoel de Barros não acontece por acaso, mas, em analogia ao poema que abre este trabalho, foi um achadouro. A obra do poeta pantaneiro constitui um lugar refugiado nas lembranças, e concebe a ideia de um lugar e um espaço vinculados à construção da identidade do sujeito, seja esta pessoal ou ficcional. Na época atual, a pós-modernidade, sua poesia parece fazer mais sentido que a utopia. Vinculada às experiências, reais ou intensamente imaginadas, seus dizeres aproximam-se do modo de fazer-pensar do artista contemporâneo, ou seja, do sujeito que pode apropriar-se das suas afirmações identitárias como umas das questões acentuadas desta época. Do lugar de onde fala, o poeta profere o discurso com uma voz marginal, de alguém que se localiza no interior pantanoso do território brasileiro, que se diferencia e potencializa sua obra num grau de simplicidade e

(22)

2

transgressão, fazendo sempre transparecer a possibilidade da descoberta de novos mundos, assim como ocorre em nossa atividade de criação artística, na qual metaforizamos a realidade, podendo sempre exercer a alteridade e individualização por meio das nossas visões do mundo, para o diálogo com o Outro, bem como para o ir além de uma visão ensimesmada desse mesmo mundo.

A maneira ver o mundo do poeta aproxima-se do nosso fazer artístico, intencionando pensá-lo de modo menos reducionista e com potencial discursivo que ancora uma aproximação do modo de fazer-pensar a produção cênica em buscas de especificidades da produção de conhecimento.

Nesse percurso, é elucidada a tentativa de desestabilizar paradigmas concernentes ao ato técnico-criativo, no universo da dança, o que dilui a fronteira com outras linguagens, em especial, a do teatro. Com isso, provoca-se uma tensão dimensionada na mistura, mestiçagem ou no hibridismo, levando em conta a qualidade harmoniosa, ou não, do lugar de onde se fala. Volta-se a atenção ao local (marginal) do discurso, a quem o narra e àquilo que é narrado, tentando distanciar-se do posicionamento dominante do pensamento. Assim, assume-se um lugar como identidade, que pode ser entendida como elemento não estanque, mas alinhavada como uma colcha de retalhos, ou seja, construída em processos de criação.

Lanço olhares para fragmentos autobiográficos, performatizo-os, reinvento meu percurso histórico-corporal e dimensiono o local de um novo discurso comprometido, então, com a perspectiva de abrir espaço para discussão de novas possibilidades de uma composição artística construída a partir da experiência e com uma postura crítica. Ao elaborar esse espaço do meu discurso cênico autoral, deflagro a possibilidade de rever meu percurso diásporo no próprio universo artístico que escolhi, no qual, além de não orientar-me por padrões da dança contemporânea ocidental, tateio analogias e imbricações estruturais no próprio espaço da espetacularidade e da oralidade popular brasileira.

As manifestações performativas desse universo oferecem uma possibilidade de se ver o corpo “popular”, percebendo suas singularidades e complexidades que podem, aliadas às linguagens artísticas, projetar olhares para provocação de novas epistemologias sobre o corpo e o fazer artístico.

(23)

3

Apresento-me como corpo-sujeito (VILELA, 2013) do corpus desta pesquisa que previu, num primeiro momento, o registro das tessituras de um processo criativo como forma de conhecimento. De fato, ao acompanhar um processo de criação, foi possível denominar os movimentos transformadores que, sob um olhar sensível e ao mesmo tempo investigativo, puderam deixar vir à tona oportunidades de se vislumbrarem novos modos de fazer/pensar as artes cênicas. Um corpo-sujeito como um ser no mundo, nesse lugar, trava oportunidades essenciais para a produção de forças de mudanças, de um olhar mais localizado à demanda da produção artística brasileira. Além disso, esse caminho não impossibilita a profusão do diálogo, do relacionamento entre a produção colocada em jogo. Trata-se, contudo, de colocar em xeque a validade concreta do que nos é imposto e a tomada de consciência para a autonomia nas escolhas e nos projetos.

Recorri, neste lugar, a inúmeros pesquisadores e/ou artistas que trouxeram amplitude ao meu modo de ver o mundo e que abriram espaço no caminho da criação, de um sujeito na encruzilhada, lugar de centramentos, e descentramentos, de onde pode emergir a novidade, criando lugar, também, para a experiência (em) processo (em) criação alcançar status substancial na produção artístico-acadêmica em nossos dias.

(EM) PROCESSO (EM) CRIAÇÃO o corpo está em constante movimento, ação e transformação, espiralando e tri-dimensionando seu ponto de vista sobre o mundo. Na primeira parte desta dissertação, apresento-me como um sujeito em diálogo com o mundo, tendo como ponto de partida a encruzilhada, lugar de encontros, fusões, do traço mestiço, portanto, do híbrido típico e análogo à oralidade popular brasileira. Apresento a autoetnografia como um possível caminho metodológico e a ideia da autobiografia como um recorte possível a ser investigado e traduzido em potência cênica, entendendo os processos de criação artística como processos de formação e conhecimento.

Da perspectiva do corpo-sujeito como produção de conhecimento, na segunda parte deste empreendimento artístico-científico, apresento minha projeção do mundo por um discurso cênico autoral. Atento ao lugar em que tal discurso é culminado e lançado à cena, demonstro tessituras desse fazer-pensar a cena contemporânea. Vem à tona, então, o espetáculo Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia à Pombagira Cigana, o

(24)

4

qual provem de experiências dialógicas ímpares que uma produção cênica suscita. Os fragmentos autobiográficos, instaurados propositalmente, num intenso exercício de alteridades disparados em processo de criação, provocam abundantes dialogias e contagiam-se com a presença e proposição do Outro, um espectro de fundamental importância para que, como corpo-sujeito, eu pudesse entender quem sou. Desse modo, deu-se origem a este projeto cênico preocupado também um posicionamento político no mundo circundante.

Assim, amalgamam-se autobiografia e manifestações espetaculares da cultura popular brasileira na produção de uma linguagem plural e ao mesmo tempo singular, ou seja, feita na encruzilhada e a partir dos pontos de vistas dos sujeitos-criadores, apresenta traços típicos da complexa formação intercultural do Brasil como divergências, influências, fusões, rupturas, multiplicidade, origem e dispersão.

Do local ao global, do micro ao macro, nesta obra é lançada ao mundo uma das tantas possibilidades de ser brasileiro: um sujeito no mundo atravessado de inquietações, reverberando, em movimento, os traços e texturas impregnados no corpo. Arte e Vida imbricam-se em um diálogo com o mundo e o ser autobiográfico está exposto às mazelas e alegrias de ser sujeito de estudos da sua própria investigação.

Mantendo um brilho no olhar, aguçado da infância, observo os movimentos ínfimos com curiosidade instantânea, valorizo as experiências, abrindo-me sempre ao novo e ao desconhecido. Olho cuidadosamente... Cientista ou Artista? Diz o ditado popular: “De médico e louco todo mundo tem um pouco”. Acho que isso é comunhão, como exclamava o poeta Manoel de Barros. É saber lidar, saber estar, saber ser. Eu desejo ser, para sempre, perceber-me à procura de achadouros.

(25)

5

2. ENCRUZILHADA:

Arte – Vida – Corpo – Criação

(26)
(27)

7

Neste projeto, o corpo-sujeito localiza-se na encruzilhada, em estado de criação e em processo, prevendo que há, nesse lugar simbólico, a produção de conhecimento advindo da experiência, da práxis artística. Assim, a presente proposta engendra uma analogia à pesquisa acadêmica e ao processo criativo, em que, nesse entrelugar ou encruzilhada há também um processo de desestabilização que poderá ser pensado sob uma perspectiva da liminaridade, ou como neste momento prefiro definir, um meio que produz hibridismos pelo caráter fronteiriço e em trânsito imbricado nessa perspectiva processual de criação.

A noção de encruzilhada é lugar exponencial do encontro, de centramentos e descentramentos a partir de onde, o corpo-sujeito, nesse potente lugar simbólico, toma posse de suas proposições discursivas motivadas pelos próprios discursos que habitam nesse entrelugar. Entendida não apenas como um espaço estanque, mas uma instância simbólica que tangencia todo processo de formação do artista da cena, bem como a elaboração de discursos cênicos, a dimensão de encruzilhada, aqui exposta, coaduna com a mesma definição de Martins (1997), da encruzilhada como lugar radial de centramentos, descentramentos, intersecções, influências, divergências, fusões, rupturas, multiplicidade e convergência, unidade e pluralidade, origem e disseminação e do entrelugar de Bhabha (2013), pesquisador para quem tal espaço não está dentro nem fora, mas numa relação tangencial entre essa fronteira ou uma zona de negociação entre dentro-fora, centro-periferia ou, ainda, global-local para a desestabilização de categorias centralizadoras do pensamento utópico, num posicionamento tensivo, complexo e híbrido. O conceito híbrido para a presente pesquisa também ancora definição em Canclini (2011), que definiu tal ideia como encontro de práticas ou estruturas que existiam de formas separadas, combinam-se no exercício da geração de novas estruturas, objetos e práticas.

O corpo-sujeito da encruzilhada apresenta um discurso autoral, a partir de um ponto de vista de quem é artista da cena, pesquisador e também é parte manifestante das Folias de Reis. Trata-se, dessa maneira, da visão de quem não está inserido no universo da cultura popular brasileira e, mais especificamente, nas manifestações espetaculares de Folias de Reis apenas para realizar uma pesquisa de campo, mas de quem convive em espaços periféricos e marginais da cidade de Campinas-SP, que toma como discurso a própria estrutura da

(28)

8

manifestação popular brasileira na construção de uma linguagem artística autoral, além de acessar a memória para um diálogo entre vida pública e privada. Como consequência desse posicionamento, elucido um acordo sincrético como a própria formação da cultura brasileira, composta pela presença de um estrangeirismo que tenta mascarar ou limpar traços da dialogicidade impregnada nos espaços populares e, consequentemente, em nossos corpos.

Um corpo-sujeito da encruzilhada, então, apresenta-se como uma possibilidade de pensar dispositivos próprios, singulares ou autorais na produção do conhecimento nas artes da cena numa postura aberta à experiência dos processos, atento ao corpo como próprio processo. Travar esse diálogo, certamente, será tarefa árdua, mas instauro aqui a proposta desse pensamento para emergência da presente produção e a possibilidade do novo, pois como afirmava Klauss Vianna (2005) o conflito precisa de espaço grande o suficiente para demonstrar a presença dos opostos – a encruzilhada.

Busco, nesse diálogo com o mundo, a autoetnografia como procedimento metodológico, traçando um perfil artístico-acadêmico autobiográfico que apresenta o sujeito deste estudo para elucidar questões pertinentes da própria metodologia em questão. Por fim, procuro destacar a ideia de corpo que aqui é explorada e a demonstração de uma possibilidade de formação (em) processo (em) criação entremeada pelos procedimentos criativos que foram experienciados, aos quais se somam as tessituras da tecedura dramatúrgica do espetáculo

(29)

9

2.1 AUTOETNOGRAFIA COMO CAMINHO METODOLÓGICO

A possibilidade da autoetnografia como estruturação de metodologias e caminhos da pesquisa-criação tornou-se extremamente viável neste contexto, pois percebe o sujeito como produtor de conhecimento ao mesmo tempo em que reflete sobre noções alternativas desse mesmo sujeito. Em tal lugar há uma necessária reorganização paradigmática da produção artística e científica legitimada por uma marca que discrimina territórios particulares da consciência de si, do outro e da produção gerada dessa tensão de um sujeito descentrado dos meios de produção e formação tradicionais no âmbito da dança.

Nesse caminho, há a possibilidade de se visualizarem os processos de sujeição e exclusão na mira de enxergar vestígios, rastros que demarquem estratégias do processo de construção de um sujeito consciente, no qual a idealização da integridade do self é colocado à frente de uma polifonia e num diálogo entre subjetividades distintas. A produção artística aqui, de modo geral, pode ser vista como reprodução diáfana de realidades exteriores abrindo-se, então, um panorama para a atitude auto-reflexiva, permitindo ao pesquisador uma observação atenta do local de onde se fala e as possibilidades de articulação da vida privada deste com a coletiva.

Nesse aspecto, além do olhar processual para a postura metodológica da experiência do sujeito (em) criação, utilizo-me da autobiografia como uma possibilidade de compartilhá-la, longe de uma visão ensimesmada com o mundo em acordo com o seguinte pensamento de Greiner:

Não se trata de explicar as conexões neuronais que acontecem no processo e no corpo, mas sim de elucidar novas intervenções epistemológicas, principalmente na tentativa de romper com os dispositivos coloniais1 que

ainda nos assombram em diversos sentidos (2012, p. 09).

Greiner (2010), pesquisadora da comunicação e das artes do corpo, apoiada no discurso do filósofo italiano Giorgio Agamben, vem corroborando com esse discurso das

1 Dispositivos coloniais ou colonizadores são aqui empregados como sinônimos de aparatos reguladores ou até

(30)

10

singularidades não categorizado por escolas técnicas, gêneros ou temas. Há o prelúdio de que é necessária uma mudança paradigmática, que pode ser pensada como singularidades, focada nas diferenças e na construção de epistemologias locais.

Deparo-me então, ao olhar para minha biografia (autobiografia), com a ideia de identidade ao observar as mudanças tratadas por Hall (2011) e ocorridas no pensamento moderno acerca de sujeito e identidade. O autor trabalha com visão de “descentramento”2 do

indivíduo, que sugere que poderíamos falar melhor em identificação do que em identidade, por trazer um entendimento de processo em andamento, o que corrobora com minha acepção de um corpo (em) processo, organismo vivo, complexo.

Assim, articulo esse “Eu”, corpo-sujeito da encruzilhada, com a proposta do jamaicano Stuart Hall, ou seja, como uma possibilidade de desarticular estabilidades e possibilitar o surgimento de novas identidades, que, em sua visão, são abertas, contraditórias, plurais e fragmentadas, caracterizando o sujeito pós-moderno, para o qual a identidade tornou-se uma espécie de “festa móvel”, descentrada, deslocada, híbrida, de uma complexidade dialética.

Hall (2011) traz uma importante reflexão no sentido de entender um caminho possível, pois observa que, em direção a homogeneização, há uma fascinação pela diferença. Existe, juntamente com o impacto “global”, um novo interesse pelo “local” e se repensam novas articulações entre essas duas categorias. Tal “local” não deve, naturalmente, ser confundido com velhas identidades firmemente enraizadas em localidades bem delimitadas.

A globalização, assim estaria vinculada à tentativa de uniformização, homogeneização, mas é preciso olhar à margem e perceber que, ao mesmo tempo em que dissolve barreiras, aproxima o centro e a periferia imediata e intensamente e isso pode restaurar a presença do marginalizado (BHABHA, 2013) num estado de emergência, de vir à tona, ou da possibilidade do sujeito de vir a ser.

Há o desejo de contrapor dispositivos de sujeição dos indivíduos às diretrizes do poder que giram no vazio em direção a um abismo catastrófico. Nessa contemporaneidade,

2 Stuart Hall trabalha com a noção de descentramento considerando a importância da leitura das obras de Marx,

Freud, Saussure, Foucault e a questão do Feminismo, onde em cada um desse ligará a problematização e/ou reinvindicação de uma identidade própria deslocando o sujeito de uma visão cartesiana.

(31)

11

busco enxergar o escuro deste tempo, e não apenas as luzes, no intuito de descobrir o meu escuro especial que não é, no entanto, separado das luzes, conforme a reflexão de Agamben (2009, p. 64):

Ao contrário, o contemporâneo é aquele que percebe o escuro do seu tempo como algo que lhe concerne e não cessa de interpretá-lo, algo que mais do que toda a luz, dirige-se direita e singularmente a ele. Contemporâneo é aquele que recebe em pleno rosto o facho de trevas que provém do seu tempo.

Então, nos fachos de trevas provindos do meu tempo e para fortalecer as ideias que apresento acima, dialoguei com pesquisadores contemporâneos das artes da cena, que, em suas produções, têm pensado a práxis individual como uma questão de pesquisa e que se reverbera da passagem do “eu” para o “nós” e do “nós” ao “eu” como pensa Fortin (2010), e que elucidam uma relação dentro-fora, eu-mundo desse sujeito. A pesquisadora vem desenvolvendo uma ideia de trabalho autônomo da dança com viés da educação somática num movimento de conhecer a si próprio para despertar possibilidades de atuação no mundo de maneira autônoma.

A educação somática, como campo de conhecimento e de natureza multidisciplinar, ganha destaque também no século XX. O campo compreende diversos métodos com novas abordagens do movimento a partir de pressupostos que divergem da visão apenas mecanicista do corpo e Fortin et al (2010) afirma que tal tipo de educação pode ser concebida como uma tecnologia do self que pode combater o discurso dominante e apoia as transformações das relações de poder na dança contemporânea.

No âmbito da Graduação em Dança na Universidade Estadual de Campinas (2006-2010), comecei a identificar-me através dessas práticas alternativas (ou marginais), pois elas não trabalham a técnica enquanto instrumento a ser adestrado, mas para se reconhecer e relacionar com o mundo, expressar-se. Percebi, então, que havia a possibilidade de pensar o corpo em sua totalidade, valorizando experiências próprias, voltando a atenção para o eu e as demandas do sujeito em cuidado consigo mesmo, com o espaço e num estado de jogo, prontidão, diálogo, permitindo-se abrir constantemente a novas percepções e experiências.

(32)

12 Nesse rumo Navarro (2009) provoca:

O corpo aqui não é intermediário: o processo dá-se no corpo, que não é instrumento e o ator não interpreta. O que é esperado do ator é que ele tenha condições de estar presente por completo durante o trabalho que está estruturado na experiência presencial e que quer trabalhar com dados, cujo desdobramento depende dessa qualidade de estar presente como um jogador, tanto ao pesquisar o material, como ao acessá-lo em laboratório de criação cênica e ainda no ato da apresentação. É preciso uma técnica corporal que pense o corpo aberto, em comunicação. Como será a construção desse corpo, qual é a técnica ou a antitécnica, nesse processo? (NAVARRO, 2009, p. 80).

Através dessa colocação consigo refletir, que as abordagens somáticas permitiram enxergar a possibilidade de reconhecimento na dança a partir da experiência que eu poderia e se quisesse realmente travar diálogo com determinada linguagem. Com Strazzacappa (2012) foi possível perceber o teor da uma reflexão prático-teórica acerca o corpo nas artes cênicas e as abordagens somáticas quando a autora sugere que pensemos em técnicas corporais no plural, pois existem (coexistem) vários corpos brasileiros subentendidos em experiências e técnicas corporais particulares.

O corpo tem uma forma, um sexo, uma massa ou um peso. Ele tem uma memória – como registro de uma história passada – e, ao mesmo tempo, ele é uma projeção para o futuro, com sua bagagem genética, seus desejos, sonhos, projetos (STRAZZACAPPA, 2012, p.31).

De maneira geral, tais práticas buscam a experiência sensível e refutam a repetição do movimento sem consciência. A repetição “mecânica” do movimento, ao contrário, pode levar a um automatismo que diminui a autopercepção. Assim, busca-se um tipo de repetição que estimule a aprendizagem da dança, capaz de manter os sentidos bem vivos FORTIN (1998). O princípio organizador que privilegia a sensopercepção (ou propriocepção) está baseado em uma noção muito importante: movimento não é apenas ação - mas ação e percepção atuando continuamente.

A pesquisadora canadense, Sylvie Fortin (2010; 1999; 1998) vem desenvolvendo importantes relações acerca das abordagens da educação somática na formação em dança, a partir da abordagem da experiência. Como novo elemento para a formação em dança, a

(33)

13

educação somática ainda ocupa, segundo Fortin (1999), uma posição marginal frente aos discursos dominantes da dança contemporânea.

A pesquisadora, juntamente com suas orientandas de doutorado, realizou uma pesquisa-ação a partir de tal visão da dança (discurso dominante) X educação somática (discurso marginal) frente à formação profissional do artista da dança, colocando em questão como os estudantes negociam com os discursos em suas formações. Apoiada em Michel Foucault, a pesquisa destaca que, em geral:

O discurso dominante da dança valoriza um ideal de corpo em que prevalecem critérios de beleza, esbeltez, virtuosidade, devoção e ascetismo. Por outro lado, o discurso somático promove a consciência do corpo a fim de permitir aos indivíduos fazer escolhas para o seu próprio bem-estar, contrapondo-se assim à fantasia de um corpo ideal, o qual costuma estar ausente da concretude do corpo vivido (FORTIN et al, 2010, p. 72).

A conclusão desse estudo apontou categorias emergentes em relação a um discurso dominante como apropriação (sujeitos que se identificam com o discurso dominantes e internalizá-lo), acomodação (sujeitos que se adaptam ao discurso dominante sem aceitá-lo), resistência (sujeitos que podem frustrar o discurso). Assim, as pesquisadoras destacam também a importância de contextualização das abordagens somáticas para serem visualizadas criticamente, dentro dos discursos históricos e artísticos nos quais são praticadas.

Da minha parte, acredito que o papel que a educação somática vem exercendo sobre a dança é de fundamental pertinência para o desenvolvimento de um corpo-sujeito autônomo, que possa resistir e

[...] por seus próprios meios ou com a ajuda de outros, certo número de operações em seu corpo, seu espírito, seus pensamentos, sua conduta e seu jeito de ser, visando à transformação para atingir um estado de felicidade, pureza, sabedoria, perfeição ou imortalidade (FOUCAULT, 1988, apud FORTIN et al, 2010, p. 73 ).

Nas intervenções em que os indivíduos podem se valer da autoconstrução (autoformação), torna-se possível um processo de maior autonomia, deixando estes mais preparados para resistir à dominação. Fica claro, que esse caminho não acontece “do nada”, uma vez que as tecnologias de dominação e os processos individuais estão sempre

(34)

inter-14

relacionados num intenso processo de construção e desconstrução. Eu estou sempre em relação com o mundo (MERLAEU-PONTY, 2011), na perspectiva de que o corpo contemporâneo se ‘re-compõe’ a cada dia, todos os dias, acumula muitas informações e transforma algumas delas em conhecimento (composição da experiência), recicla, “re-vive”, questiona, pesquisa, não estanca, movimenta (MUNDIM, 2013).

Mundim (2013) faz menção a uma “pessoalização” das atividades e práticas artísticas tencionando a relação entre autodidatismo e a liberdade individual e um padrão de horizontalidade nas relações estabelecidas contemporaneamente. Nesse rumo, destaco que o processo de aquisição de autonomia, que pontuo neste projeto, é uma relação de afetação e de comunicação com o mundo e não uma visão ensimesmada deste. Quero pensar nos diálogos, assim como nesta pesquisa recorto e amplifico vozes diferentes. Entro em acordo com a autora e também com ideia de ruptura (ou enfraquecimento) da relação mestre-discípulo no ocidente, conforme apresenta Strazzacappa e Morandi (2006) e Vianna (1990) quando nos apontam a relação professor-aluno.

Meu contato com a dança instaurou-se já nessa proposta de ruptura mestre-discípulo e foi contaminado por experiências diversas, ao invés de ter sido uma formação tradicional que pudesse docilizar o corpo. Preocupo-me agora não em construir um tratado autobiográfico na minha relação com a dança, mas, evidenciar a construção de um caminho trilhado com muita objetividade, subjetividades e autonomia, num percurso marginal no qual busquei travar diálogos distintos entre inúmeros espaços de formação, constituindo-me como um sujeito autônomo.

Evidenciar esse “modo de fazer” entra em contato, também, com a ideia da dança como pronúncia do mundo conforme Vilela (2013), deflagrou na pesquisa de vida de um corpo-sujeito para entender um panorama. A pesquisadora consolidou sua tese de doutorado sobre tessituras da vida de uma artista da dança Denise Stutz e compôs uma rede para pensar a dança numa relação eu-mundo e/ou indivíduo/coletivo e a consolidação de um artista autônomo e construtor de seus próprios discursos e estéticas.

(35)

15

Arte-Vida na pesquisa (auto)etnográfica de outros corpos-sujeitos

Inúmeras pesquisas têm apontado para a autoetnografia como um caminho metodológico, bem como a análise da autobiografia do sujeito-criador na criação de uma dança de si em diálogo com o mundo, numa postura crítica e não apenas contemplativa.

Santana (2009) desenvolveu uma dissertação de mestrado intitulada: Dança

autobiográfica – multivocalidade do self encenado a partir e além da carne negra, através do Programa de

Pós-Graduação em Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA), na qual visualiza a dança autobiográfica como aquela que encena o self (o eu), o pesquisador realizou um estudo de caso da obra coreográfica O Samba do Crioulo Doido (2004), do artista da dança Luiz de Abreu e teve por objetivo investigar de que modo as proposições cênicas de uma dança autobiográfica são passíveis de fazer do universo particular do criador, um espaço compartilhável.

Suas conclusões demonstraram que a dimensão pessoal não é restrita ao próprio criador. Ou seja, a autobiografia pode ser compartilhada, uma vez que o eu encenado extrapola essa dimensão estritamente pessoal e “opera continuamente de modo dialógico: aberto, interativo, descentralizado, plural e compartilhado...” (SANTANA, 2009, p. 26).

A dança de Luiz de Abreu vem vendo crescentemente discutida sob o prisma da autobiografia, da história de vida encenada, do self multivocal, dialógico e corporificado. O discurso do sujeito, através de uma dança de si mesmo, reverbera uma condição sociocultural, que é também coletiva. Em seus trabalhos, a temática gênero, raça e sexualidade pode ser vislumbrada da dimensão do “eu” para o “nós” caracterizando uma condição e realidade do sujeito no mundo contemporâneo, no qual todas as informações são recebidas pelo corpo, tornando-o um próprio processo. Assim, é possível perceber o corpo (em) processo não apenas como objeto, mas o que vai sendo processado, nas incessantes trocas entre este e o espaço.

Luiz de Abreu, bailarino e coreógrafo, natural do interior do mesmo Triângulo Mineiro, de onde venho, profissionalizou-se em Belo Horizonte/MG, atuando, entre 1986 e 1994, como bailarino na Cia de Dança Palácio das Artes e no Grupo Primeiro Ato, dirigido por Suely Machado. Ao deslocar-se para São Paulo, pelo excessivo “branqueamento” da dança

(36)

16

moderna que não mais lhe satisfazia, buscou um discurso autoral, para além da questão racial numa proposição de dança que fizesse sentido. Deslocado do contexto de origem, em diáspora, as questões de identidade ficaram mais latentes e isso passou a ser marca de seu trabalho autoral. Assim, autobiografia, memória pessoal e coletiva passa a ser material do trabalho deste autor.

Solos, trabalhos em grupos partem sempre da relação indivíduo, coletivo para dançar aquilo que é corpo, o que é o sujeito e o espaço em que se está submetido. Nessa perspectiva, só se pode dançar, “performar” aquilo que se vivenciou, na memória que está agarrada ao corpo, revelando, no corpo e através deste, uma potência criadora de discursos artísticos-políticos próprios e autênticos.

A projeção nacional de Abreu deu-se quando seu projeto solo ganhou o projeto Rumos Itaú Cultural Dança de 2003.

Em sua opinião, com este trabalho ele consegue sintetizar o que vinha fazendo e pensando até então sobre a questão racial. Finalmente ele teve financiamento para se dedicar durante seis meses a um único projeto. E quis gritar! Samba do Crioulo Doido nasce como um grito (LEAL, 2011, p. 120). Outra pesquisadora que adentrou o espaço da pesquisa autobiográfica foi Leal (2011), defendendo a tese de doutorado Memória e(m) performance: material autobiográfico na composição da

cena, através do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da

Bahia (UFBA), esta também, numa das partes da pesquisa, apresenta três trabalhos de Luiz de Abreu, discutindo como esses processos de criação, baseados nas memórias dos criadores põem em evidencia construções fixas de gênero, raça e sexualidade. Relaciono essa evidência apresentada ao conceito de Bhabha (2013) do sujeito criado em entrelugares, daquilo que sobra e que foi pré-definido como identidades fixas e totalitárias.

A pesquisadora desenvolveu performances autobiográficas, nas quais o trabalho sobre si, inevitavelmente, passa por um lugar de alteridades. O contato e a contaminação com outro propõe reflexões sobre nós próprios, e, dessa maneira, pode se acionar dispositivos de transformação e de reconfiguração de identidades. No intercâmbio entre memória pessoal e

(37)

17

coletiva, deve haver uma reflexão ativa, pois o meu discurso do mundo obrigatoriamente deve tocar no coletivo, ir para além de mim e transformar-se em discurso potencial artístico-político. Freitas (2011), outro pesquisador da dança defendeu sua dissertação de mestrado Para

uma cidade habitar um corpo: proposições de uso do espaço urbano e seus acréscimos na formação do artista da cena, através do programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal de Uberlândia

(UFU), e utilizou-se da abordagem processual da Autoetnografia de sua trajetória pessoal com ênfase nas manifestações de Dança de Rua (B. boying), Le Parkour e Release Tecnique (Dança Contemporânea). O procedimento metodológico do trabalho utilizado por Lakka3, na referida

pesquisa, dialogou com “a auto-etnografia da experiência pessoal do pesquisador e as dimensões culturais envolvidas na mesma objetivando uma proposta de formação para o artista cênico” (FREITAS, 2011, p. 04).

Demonstro, então, a pertinência do uso da Autoetnografia como um caminho de investigação plausível, pois segundo Fortin (2010) esta evidencia a pertinência do uso da biografia do pesquisador, sobretudo em uma pesquisa artística, prática, das artes do corpo. Esta visão metodológica certamente é resquício de um pensamento oposto ao positivismo metodológico que resultou na crise de representação conforme observado por Fortin (2010, p. 82):

A crise de representação, longe de ver a descrição como um simples exercício de transcrição e de adequação entre as palavras e a realidade, impõe firmemente a presença e a subjetividade do pesquisador até fazer deste o objeto central nos estudos auto-etnográficos.

Diante de tal visão, reforço a apropriação da Autoetnografia da experiência pessoal para descentrar o lugar discursivo e disciplinar pelo qual as questões dominantes de identidade são estrategicamente colonizadas, reconhecendo da interioridade num ato de comunidade e alteridade. Nesse processo, em analogia, posso ajudar a dar voz a comunidades e processos marginalizados, em que, no recorte das experiências pessoais, possamos reclamar de modo

3 Lakka, nome artístico de Vanilto Alves de Freitas, destacado artista da dança do cenário da dança

contemporânea, de Uberlândia, Minas Gerais. Professor do Curso da Dança da Universidade Federal de Viçosa - UFV.

(38)

18

menos submisso, e quiçá mais subversivo, por nossa produção de conhecimento, muitas vezes, vista sob uma névoa ou um vidro embaçado.

Projeto-me, nessa perspectiva, lanço olhares a mim como corpo-sujeito das próprias experiências e da minha dança, através da abordagem de um corpo próprio, o qual dança, encarnado em seu contexto histórico e social, explorando a multivocalidade e polissemia, entendendo-o como processo (em) criação.

À margem (ou descentrado) e falando da margem, localizo abaixo o conceito de autobiografia no campo da literatura principalmente em Lejeune (2008) para entendê-la no corpo (em) processo como indícios de autoria neste, (em) criação como contravenção aos princípios colonizadores da dança, tomando a educação somática como uma proposta de desenvolvimento da autonomia no meu processo de formação e construção de um discurso autoral.

Da Autobiografia: um recorte alternativo de investigação

Partindo do que vivenciei ao logo da minha graduação em dança e de todas as experiências corporais vinculadas às manifestações da cultura popular brasileira, especialmente na Folia de Reis, chego à ideia de autobiografia dançada a partir do desenvolvimento do projeto “Investigando corpos íntegros e expressivos: um experimento de dança”4 que previu novos

contatos e desdobramentos para uma pesquisa de campo em manifestações de Folias de Reis na cidade de Campinas-SP.

Tal contato possibilitou revisitar e, contudo, referenciar aspectos da minha própria formação, além de criar novas relações a partir da visão da criação da cena. Sendo assim, a pesquisa foi uma oportunidade de experienciar, de receber, de trocar, de exercer a alteridade,

4 Projeto de Iniciação Científica desenvolvido sob minha autoria e orientação da Profa. Dra. Marília Vieira Soares

(39)

19

pois “o contato e comunicação com o outro nos leva a refletir sobre nós próprios e acionar processos de transformação e redefinição de identidade” (MULLER, 2005, p. 72).

Como um dos resultados do projeto foi possível reiterar que o sentido de corpo íntegro e expressivo vincula-se ao posicionamento marginal ou descentrado na sociedade contemporânea dos manifestantes populares. Isto ao se considerar, que, estando à margem de certos imperativos éticos, estéticos, sociais econômicos e culturais da contemporaneidade, esse corpo ganha uma dimensão além do visível, sem ter que representar tipos “frágeis ou vazios” de acordo com o pensamento do filósofo Ghiraldelli Jr (2007).

No contato com esses corpos íntegros e expressivos, situados na experiência sensível do processo criativo em dança, foi possível apontar uma íntima similitude com a manifestação que culminou em um projeto coreográfico autobiográfico, numa relação de inevitável contaminação, entre ficção e realidade, minhas Primeiras notas autobiográficas.5

Foi desse modo que percebi a ideia de autobiografia como um recorte metodológico de um percurso autoetnográfico. Investigando referências sobre a definição do termo e buscando uma analogia entre um modo de fazer, em dança, através de uma autobiografia dançada e outra escrita, deparei-me com a definição de Miranda (2009, p. 30):

A autobiografia, mesmo se limitada a uma pura narração, é sempre uma auto-intepretação, sendo o estilo o índice não só da relação entre aquele que escreve e seu próprio passado, mas também o do projeto de uma maneira de dar-se a conhecer ao outro, o que não impede o risco permanente do deslizamento da autobiografia para o campo ficcional, o seu revestir-se da mais livre invenção.

O olhar metodológico para a investigação autobiográfica pretende que, a partir da narrativa de si, o narrador retome sua história, sua formação e sua atuação profissional para ressignificá-las. Esse tipo de pesquisa analisa os modos como os indivíduos e os grupos sociais trabalham e incorporam biograficamente os acontecimentos e as experiências, havendo, por extensão, a possibilidade de ampliar e produzir conhecimentos sobre a pessoa em formação,

5Primeiras notas autobiográficas foi projeto coreográfico desenvolvido como Trabalho de Conclusão do Curso de

Bacharelado em Dança pela UNICAMP – 2010 sob orientação da Profa. Dra. Marília Viera Soares, apresentado em temporada no Departamento de Artes Corporais – UNICAMP - Campinas, em Novembro de 2010.

(40)

20

suas relações com territórios, tempos, seus modos de ser, de fazer e de biografar resistências e pertencimentos.

A abordagem autobiográfica na pesquisa científica tem crescido consideravelmente, ampliando seus usos e potencialidades como método de investigação, principalmente na área das ciências humanas, quando nos vemos diante de concepções formais de produção que não correspondem às questões identitárias relacionadas à raça, gênero, classe conforme elucidação de Bhabha (2013), em que a dimensão das minorias está produzindo diferenças, não apenas retomando o passado, mas fazendo uma releitura, uma renovação pensada através dos percursos de vidas contemporâneos, caracterizados pelo discurso plural e também de experiências singulares.

Nesse panorama, a autobiografia tem sido encarada como “método alternativo” em reação à tradição positivista do fazer científico e, nesse momento, encontrei a possibilidade do seu uso “não como um simples enunciado, mas como um ato de discurso literariamente intencionado” (MIRANDA, 2009, p. 25).

Buscando maiores referências no campo literário, para delimitação do conceito de autobiografia, encontro em Lejeune (2008) uma rica problematização acerca da definição de um “pacto autobiográfico” que define as diversas categorias de autobiografias textuais. O referido pacto é a relação, que se estabelece com a escrita, deixando explícita ou implícita a relação “autor-narrador-personagem”.

De acordo com Lejeune (2008), uma autobiografia pode ser escrita através de gêneros diversos: em prosa, em poesia, memórias, poema, diário, romance pessoal, um tratado filosófico, carta, autorretrato e tudo isso está relacionado à ideia de identidade, que aqui não é semelhança, e sim, um fato perceptível, sendo definida na conjunção entre autor-narrador-personagem, e, na minha visão, em analogia a um corpo ficcional construído na interação “corpo/linguagem/personagem” defendida por Navarro (2009) em sua pesquisa das danças brasileiras ao teatro contemporâneo.

Retomando o conceito do termo, Miranda (2009) aponta-nos a mudança ocorrida com a questão da autobiografia, a partir da década de 60, em que, através do surgimento desse novo gênero, que consiste na narrativa de vida de camponeses, operários, artesãos coletadas

(41)

21

em narrativas gravadas e publicadas em formas de livros. O fato de gravar memórias contrasta ao fato de escrever e publicar narrativas tidas, até então, como um privilégio das classes dominantes, em contraponto à voz silenciada do dominado. Assim, colocam-se em cheque noções de autoria, bem como a necessidade da revisão de procedimentos técnico-formais da escrita autobiográfica para dar voz, à periferia, ao marginal. Num movimento plurivocal que compõe a produção artista de um corpo-sujeito em oposição a univocidade de discursos centralizadores e dominantes, bem como na pulverização desses centros de referências.

Esse tipo de escrita ligada à crise do indivíduo, conforme Hall (2011), advinda das dimensões anteriormente mencionadas, e de um posicionamento marginal, representaria uma possibilidade e entendimento da inter-relação entre vida pública e privada, o pessoal e o coletivo. Com isso, associo os conceitos defendidos por esses autores como um clarão para entender um processo de autoria que se processa na contemporaneidade, o qual está à margem e na solidificação de um modo de fazer em dança, território desse processo de criação.

A sociedade contemporânea, com potencial de romper com as práticas tradicionais e pré-estabelecidas, sublinha o culto às potencialidades individuais, oferecendo ao indivíduo uma identidade móvel e mutável. Deslocado do cânone tradição, abre-se ao indivíduo um desafiador mundo de possibilidades e de escolhas, assim, este tem a possibilidade de se autoconstruir. Entro em contato, então, com o sujeito pós-moderno, sem identidade fixa, essencial ou permanente, que segundo por Hall (2011) tem a identidade acoplada a uma “celebração móvel”. Tal indivíduo pode possuir diversas identidades em si, utilizando-as de acordo com os sistemas culturais que os circundam. Ainda, de acordo com o autor, a identidade não é automática, é reposta de como somos interpelados pela sociedade. Nessa perspectiva, o indivíduo está constantemente em processo, já que identidade não é estanque.

“Identidade é o ponto de partida da autobiografia.” (LEJEUNE, 2008, p. 39)

Tudo o que meu corpo apreende não se dá de maneira pura, objetiva. A ciência não é neutra e totalmente objetiva. Antes toma forma em mim, moldando aquilo que vivenciei e que

Referências

Documentos relacionados

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

No caso dos idosos o próprio Ministério da Saúde reforça a ideia quando diz ser imprescindível que os profissionais de saúde da Atenção Básica utilizem

Assegurar que qualquer informação requerida por um usuário esteja à sua disposição, dentro dos recursos disponíveis, no momento em que for solicitada. Bem como consiste

Para disciplinar o processo de desenvolvimento, a Engenharia de Usabilidade, também conceituada e descrita neste capítulo, descreve os métodos estruturados, a

No panorama internauta são vários os softwares à disposição do utilizador que servem para converter ficheiros PDF em flipbooks, que nada mais são que livros ou publicações

Se a queda dos salários não for acompanhada de redução alguma dos preços, teremos que evidentemente o efeito Pigou não vai funcionar pois o valor real da oferta monetária não

Ninguém quer essa vida assim não Zambi.. Eu não quero as crianças

A descrição das atividades que podem vir a ser desempenhadas pelo AVISA, além de se fundamentar na perspectiva da integralidade da atenção à saúde, envolvendo desde as ações