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Contornos jurídicos da responsabilidade civil do advogado

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

GABRIELA ANTÔNIA GALVÃO CORRÊA

CONTORNOS JURÍDICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

Ijuí (RS) 2019

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GABRIELA ANTÔNIA GALVÃO CORRÊA

CONTORNOS JURÍDICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão do Curso - TCC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: MSc. Sergio Luís Leal Rodrigues

Ijuí (RS) 2019

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Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. (Mateus, cp. 5, v. 6).

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AGRADECIMENTOS

A DEUS, por ter orquestrado esse momento em minha vida;

A meu pai, por ter tornado esse sonho realidade;

A meu noivo, pela motivação.

A meu orientador, demais professores, familiares e amigos, que, de alguma forma, contribuíram para a concretização deste projeto.

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RESUMO

A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao advogado um status qualificado, na medida em que o coloca com indispensável à administração da justiça. Em um novo tempo dentro do cenário jurídico em que é dada ênfase à reparação do dano e não à intenção propriamente dita do agente em produzi-lo ou não, mostra-se imprescindível pensar o advogado dentro deste cenário de risco no que diz respeito a produção de dano, sobretudo pela função social que desempenha dentro do Estado Democrático de Direto. O advogado é um portal de acesso ao cenário jurídico, no qual direitos são criados, modificados e extintos, portanto, uma atuação diligente, em atenção aos preceitos éticos consagrados na legislação especifica – o Código de Ética da OAB e o Estatuto da Advocacia – revela-se primordial. Assim, pretende-se analisar os fatores históricos, doutrinários e jurisprudenciais acerca do regime de responsabilização civil aplicável ao advogado, bem como as hipóteses concretas que atraem o dever de reparação civil.

Palavras-Chave: Responsabilidade Civil. Advogado. Hipóteses concretas. Análise histórica, doutrinária e jurisprudencial.

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ABSTRACT

The Federal Constitution of 1988 attributed to the lawyer a qualified status, inasmuch as he places it indispensable to the administration of justice. In a new time within the legal scene in which emphasis is given to repairing the damage and not to the agent's actual intention to produce it or not, it is essential to think of the lawyer within this risk scenario with regard to production mainly because of the social function it performs within the Democratic State of Direct. The lawyer is a portal to access the legal scene, in which rights are created, modified and extinguished, therefore, a diligent action, in accordance with the ethical precepts enshrined in the specific legislation - OAB Code of Ethics and the Law Statute - reveals is paramount. Thus, it is intended to analyze the historical, doctrinal and jurisprudential factors regarding the civil liability regime applicable to the lawyer, as well as the concrete hypotheses that attract the civil repair duty.

Keywords: Civil Liability. Lawyer. Concrete hypotheses. Historical, doctrinal and jurisprudential analysis.

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INTRODUÇÃO ... 7

1 PRECISÃO CONCEITUAL ... 9

1.1 Conceito de Responsabilidade Civil ... 9

1.2 Funções da Responsabilidade Civil ... 15

1.3 Espécies de Responsabilidade Civil ... 19

1.3.1 Responsabilidade Civil Objetiva ... 20

1.3.2 Responsabilidade Civil Subjetiva ... 22

1.3.3 Responsabilidade Civil Extracontratual ... 24

1.3.4 Responsabilidade Civil Contratual ... 25

2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO ... 27

2.1 Natureza jurídica da atividade advocatícia ... 28

2.2 Regime Jurídico da Responsabilidade Civil do Advogado ... 35

2.3 Danos possíveis e precisão do quantum indenizatório ... 44

3 VISÃO JURISPRUDENCIAL ... 52

3.1 Do TJRS – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ... 52

3.2 Do STJ – Superior Tribunal de Justiça ... 55

3.3 Do STF – Supremo Tribunal Federal ... 63

CONCLUSÃO ... 71

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INTRODUÇÃO

As mutações histórico-sociais perpetuadas desde o início do relacionamento civil fizeram com que estudiosos elaborassem uma estrutura autônoma, com preceitos teóricos e institutos próprios, mais conhecido como Teoria Geral da Responsabilidade Civil, como resposta ao desastre das relações sociais privadas.

Apesar de ser um instituto jurídico de consolidação recente, pois os primeiros contornos da Responsabilidade Civil, jurisprudencial e teoricamente, foram traçados ao final do século XVIII, as funções do instituto perpassam populações e momentos históricos desde a primitividade, mantendo as diretrizes da prevenção, reparação e da punição.

As funções da Responsabilidade Civil foram consideradas pela Constituição Federal de 1988, o que implica no dever de reparação de todo o dano material e moral que afete à intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, direitos fundamentais consagrados no texto constitucional decorrentes de fundamento basilar da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana. A partir da importância conferida pelo texto constitucional ao instituto da Responsabilidade Civil, cada vez mais as relações interpessoais passaram a ser judicializadas, exigindo-se, precipuamente, a intervenção do Poder Judiciário na vida privada.

Diante disso, novas legislações foram promulgadas na intenção de abarcar e regulamentar o maior número de situação que poderiam ser concretizadas no mundo dos fatos, de modo a abranger não só a relação entre particulares, mas também destes com o comerciante, com o industriário, com o médico e, inclusive, com o advogado, objeto de estudo do presente trabalho de conclusão do curso.

O advogado, enquanto engrenagem da estrutura denominada Administração da Justiça, desempenha função social de ampla magnitude, uma vez que se

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configura como meio hábil, dotado de capacidade postulatória, ao alcance e materialização, na esfera jurídica do patrocinado, de direitos e garantias previstos na legislação constitucional e infraconstitucional, de modo que uma atuação condizente, ética, em estrita observância à técnica jurídica se mostra imprescindível.

Diante da importância do profissional que exerce a advocacia no meio social, conhecer e propagar o tipo de responsabilidade aplicável ao advogado quando atua de forma dissonante à função constitucional e aos deveres impostos na legislação é de relevância ímpar, considerando que o que está em jogo são pretensões positivadas que podem vir a ser frustradas em decorrência de má atuação do profissional que patrocina a causa.

Pelo exposto, o objetivo precípuo do presente trabalho é justamente definir os contornos jurídicos da responsabilidade civil do advogado.

No primeiro capítulo será tratado do conceito da Responsabilidade Civil, a partir de um panorama geral, seguindo à linhagem histórica dos regimes da responsabilidade civil – objetiva e subjetiva – consolidados no decurso do tempo, abordando as principais considerações dos pensadores da época que impulsionaram o desenvolvimento conceitual e a forma de aplicabilidade às situações fáticas, com a pretensão de traçar os principais elementos que compreendem os regimes da responsabilidade civil hodiernamente, a funcionalidade dentro do ordenamento jurídico, e realçar a diferença existente entre os regimes.

No segundo capítulo, a partir das considerações introdutórias a despeito do conceito e das funções da Responsabilidade Civil e das definições acerca dos regimes jurídicos, busca-se situar o advogado dentro da Teoria Geral da Responsabilidade Civil, estabelecendo qual o regime jurídico a que está submetido. Antes, contudo, será esboçado a natureza jurídica da responsabilidade civil do advogado, explicitando seus principais deveres e a legislação pertinente à categoria, bem como tecer considerações acerca do relacionamento entre advogado e cliente. Analisar-se-á as hipóteses concretas que podem ensejar a responsabilização do advogado e a forma de fixação do quantum indenizatório, dentre as quais se destaca a perda de uma chance que leva ao dano presumido.

Na última seção será observado o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e dos Tribunais Superiores – Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal – a respeito da Responsabilidade Civil do Advogado diante dos percalços provenientes da relação advogado-cliente.

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1 PRECISÃO CONCEITUAL

A Responsabilidade Civil, malgrado a regulamentação recente do instituto por doutrinadores e juristas, continuamente esteve presente no seio das civilizações. Os grupos sociais habitualmente estabeleciam diretrizes comportamentais como tentativa de estabelecer uma organização social, contudo, assim como sempre houve essa tentativa, constantemente fez-se presente aqueles que não respeitavam a organização social previamente estabelecida, gerando um conflito social.

Acompanhando o conflito social estabelecido, o ofendido sentia a necessidade de vingança, isto é, desejava que o ofensor sofresse igual dano ou mal equivalente, para fins de minimizar o dano sofrido. Desse modo, como será explanado neste capítulo, longo foi o percurso aperfeiçoador da Responsabilidade Civil na forma como se apresenta atualmente, desde a sua desvinculação da vingança privada à mediação do Estado na sua aplicação, com as funções e classificações que apresenta hodiernamente.

Assim, no presente capítulo, pretende-se esmiuçar os aspectos conceituais, históricos, funcionais e classificatórios que dizem respeito à Responsabilidade Civil, como forma de fixar os principais pontos que pertence a essa matéria tão presente nas relações interpessoais da Pós-Modernidade.

1.1 Conceito de Responsabilidade Civil

Preferencialmente, antes de adentrar na concepção conceitual acerca da responsabilidade civil, mostra-se imperioso tecer algumas considerações históricas acerca desse instituto jurídico, que, apesar de ser relativamente novo, precisamente, do final século XIX, fez-se constante no seio das relações civis primitivas, abrangendo tanto o seu desenvolvimento no meio jurídico de outros países quanto no ordenamento jurídico brasileiro.

Preteritamente, quando ainda não havia consolidação da figura do Estado, a reparação dos danos decorrentes das relações sociais era resolvida no âmbito privado entre os indivíduos ou grupos sociais intimamente ligados ao fato danoso, em uma sistemática de resolução de conflito em que prevalecia a Lei do mais Forte. Aquele ou aqueles que apresentassem maior força física ou destreza impunha sobre

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o mais fraco o seu modo de solução de conflito, que, normalmente, consistia em penalidades físicas ou ataque ao patrimônio pessoal.

Com o surgimento do Estado Moderno, a partir do século XVIII, centralizou-se o monopólio da justiça nas mãos do poder estatal, que retirou da esfera individual a possibilidade de realização da vingança privada, ao menos, vedou tal prática nas legislações que regulamentavam a atuação estatal. Entretanto, longo foi o percurso deste ramo do direito até a materialização do formato hodierno.

A consolidação da concepção moderna da Teoria Geral da Responsabilidade Civil é resultado das intensas relações interpessoais travadas ao longo da história da humanidade que impulsionaram a criação de teorias e institutos reguladores dessas relações, dentre eles a responsabilidade civil, aperfeiçoados pelas civilizações, principalmente pelos romanos e franceses de cujas leis e entendimentos sobre o instituto influenciaram as legislações de outros países, inclusive o Brasil.

A principal contribuição do direito romano materializa-se na criação da Lex Aquilia, preceito normativo que inseriu a concepção da culpa na responsabilidade civil, isto é, acrescentou o elemento subjetivo. Esse elemento não esteve presente nas normativas romanas anteriores, em que o sistema da responsabilização se baseava no ideal da proporcionalidade, conforme esboça a Lei de Talião, “Olho por olho, dente por dente”, consagrada posteriormente na Lei das XII Tábuas, nas quais bastava a presença do dano para fins de responsabilização.

Assim, a Lex Aquilia ditou as bases do que mais tarde foi chamado de Sistemática da Responsabilidade Subjetiva.

Por fim, aproximadamente entre 300 a.C. e 250 a. C. foi editada a Lex Aquilia de Damno que previa uma cláusula geral de indenizar no seu item terceiro, obrigando o causador do dano a indenizar qualquer prejuízo causado ao escravo ou patrimônio da vítima. Para caracterizar esta ampla obrigação de indenizar era essencial a presença de três requisitos: ocorrência de dano a coisa corpórea; que o dano decorre de ação humana e que esta ação fosse praticada sem direito ou excusa legal (injuria). Especialmente este último requisito possibilitou que vários doutrinadores – apesar das divergências sobre o assunto – afirmassem que esta norma foi a primeira a trazer a previsão da culpa como requisito essencial à imputação civil dos danos, inclusive ficando célebre o brocardo que afirmava que in lege Aquilia et levíssima culpa venit. (SOARES, 2008, p.235)

Posteriormente, as pinceladas da ideia de culpa elaboradas no direito romano foram concretizadas no Direito Francês a partir da consolidação da responsabilidade

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civil baseada na culpa, ou seja, para que estivesse presente o dever de reparação civil, a demonstração do elemento subjetivo era imprescindível no sistema jurídico francês:

A noção de culpa in abstracto e a distinção entre culpa delitual e culpa contratual foram inseridas no Código Napoleão, inspirando a redação dos arts. 1.382 e 1.383. A responsabilidade civil se funda na culpa – foi a definição que partiu daí para inserir-se na legislação de todo o mundo. (GONÇALVES, 2009, p. 16 apud MAZZA, 2010, p. 13).

Seguindo o contexto histórico, a Revolução Industrial se apresenta como fator preponderante na criação de uma nova perspectiva da Responsabilidade Civil, pois o exercício de certas atividades industriais, por conta de métodos pouco avançados, colocava em risco a integridade física dos operários e, até mesmo, a sua própria vida. Não bastasse o desamparo do trabalhador por parte do empregador e do sistema jurídico vigente à época, no caso de produção de dano ao operário, este não reunia condições de demonstrar a culpa do empregador, pois, ainda que tentasse, estava fadado ao insucesso diante da desigualdade social, econômica e jurídica havida entre os envolvidos.

A partir dessa impossibilidade do operário em buscar a reparação devida mediante a demonstração da culpa do empregador, ainda no final do século XIX, começou-se a pensar e a desenvolver os traços da Responsabilidade Civil Objetiva e posterior instituição da “Cláusula Geral de Risco” (SANSEVERINO, 2015, p. 355). Nesse contexto, o direito francês foi pioneiro na criação da Teoria do Risco, através das obras Les Accidentes de Travail et la Responsalité e De la responsabilité du fait des choses inanimées, formulada pelos juristas franceses Raymond Saleilles e Louis Josserand, respectivamente.

Os aludidos escritores juristas, que há certo tempo já defendiam a instauração do objetivismo na responsabilidade civil, fortaleceram seus ideais diante da ocorrência de um caso concreto apreciado pela Corte de Cassação Francesa, ocorrido no ano de 1896. A situação fática, denominada “Caso Teffaine”, envolvia uma relação de trabalho a partir da qual, durante o exercício de sua atividade laborativa, o empregado acabou falecendo devido à explosão de uma caldeira. Diante desta situação, a viúva ingressou com demanda indenizatória, levando o caso até a Corte Francesa, que inovou ao desconsiderar a culpabilidade para responsabilizar objetivamente o proprietário do empreendimento.

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Estamos nos referindo ao célebre Arrêt Teffaine, proferido pela Corte de Cassação francesa em 1896. O caso referia-se à explosão da caldeira de um rebocador, causando a morte de um empregado, de nome Teffaine. A viúva entrou com uma ação indenizatória, que foi rejeitada em primeiro grau, por não ter restado evidenciada a culpa do proprietário da embarcação. O caso acabou chegando à mais alta corte ordinária francesa, que aplicou o então art. 1384 I ao caso, afirmando a responsabilidade objetiva do proprietário do rebocador. (CELLA, et. al., 2018, p. 55)

Diante do amparo jurisprudencial, Raymond Saleilles no ano de 1897, na obra de sua autoria supramencionada, defendeu a aplicação da concepção da responsabilidade civil objetiva no direito francês, através de uma releitura do artigo 1.382, do Código Civil Francês, que dispõe o seguinte: “Qualquer fato oriundo daquele que provoca um dano a outrem obriga aquele que foi a causa do que ocorreu a reparar este dano” (BÜHRING, 2017, p. 299), imprimindo à palavra faute a concepção da palavra fait, sendo que tal substituição interpretativa ocorre para o fim de afastar o subjetivismo psíquico, núcleo da Responsabilidade Subjetiva.

Propugna pela substituição da ideia de culpa pela de causalidade objetiva, através de uma nova interpretação da palavra faute contida no art. 1382 do Código Civil francês, afirmando que ela se refere apenas ao próprio fato causador do dano sem qualquer indagação do elemento psicológico. Critica a ideia de culpa, qualificando-a como falsa e humilhante e sugerindo que, em atenção à dignidade humana, cada um assuma os riscos de sua atividade³, transformando, em síntese, faute em fait. (SANSEVERINO, 2015, p. 350)

Louis Josserand, por seu turno, arquiteta sua fundamentação teórica para estabelecer o regime da Responsabilidade Civil das coisas inanimadas, exposta na obra De la responsabilité du fait des choses inanimées, tomando por base o artigo 1.384, do Código Civil Frances, que estabelece o que segue: “Ele é responsável não só pelo dano que ele causa por seu próprio ato, mas também do que é causado pelo fato das pessoas que estão sob sua responsabilidade, ou coisas que estão sob sua guarda”(BÜHRING, 2017, p. 299), defendendo ferozmente a mudança no cenário jurídico para o fim de substituir a noção de culpa pela noção do risco.

Josserand, através de sua obra De la responsabilité du fait des choses inanimées, concentra a sua atenção em torno da responsabilidade civil por fato de coisas inanimadas a partir da interpretação conferida pela jurisprudência francesa à regra do artigo 1384, I, do Código Civil francês, estabelecendo que a presunção

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legal de culpa seria absoluta e cederia apenas diante da força maior e da culpa da vítima. Após ampla análise do adelgaçamento da noção de culpa, sugere o seu banimento completo do domínio da responsabilidade civil, já que “somos responsáveis não apenas pelos nossos atos culposos, mas pelos nossos atos que causarem dano injusto e anormal a outrem”. A noção de culpa deve ser substituída pela de risco, pois “quem cria um risco deve, se esse risco vem a verifi car-se à custa de outrem, suportar as conseqüências”. (SANSEVERINO, 2015, p. 351)

Como visto, o ordenamento jurídico francês foi o berço da Responsabilidade Civil Objetiva, cujas bases são resultados da interação entre o mundo fático, representado pelos movimentos sociais da época, a estruturação da sociedade e ocorrência de casos específicos que atraíram a atenção de grandes pensadores da época, e o mundo jurídico, por intermédio do entendimento jurisprudencial, alicerce legislativo e a doutrina impulsionada pelos juristas Raymond Saleilles e Louis Josserand. Tal interação propiciou a criação do novo instituto dentro da Responsabilidade Civil Geral, que mais tarde se consolidou como Teoria do Risco ou Cláusula Geral do Risco, fundamento da Responsabilidade Civil Objetiva.

O entendimento difundido pelos juristas franceses Saleilles e Josserand não foi bem acolhido por outros doutrinadores franceses da época, especialmente aqueles que defendiam a necessidade da demonstração da intenção do agente para o fim de materializar o dever de reparação, de modo a travar uma batalha intelectual no âmbito jurídico daquele país, tendo em vista as duas correntes doutrinárias, com fundamentos opostos, sendo defendidas na aplicação da mesma situação fática.

Esta instabilidade jurídica e doutrinária refletiu na ordem jurídica mundial, tanto que no Brasil, a formulação do Código Civil 1916 prestigiou somente o fundamento da culpa, ignorando totalmente o fator risco, amplamente difundido no direito francês, malgrado a previsão de algumas hipóteses de responsabilização objetiva decorrentes da presunção da culpa absoluta.

Em que pese o descaso ocorrido no Código Civil de 1916, a responsabilidade objetiva apareceu no ordenamento jurídico brasileiro em outros diplomas legais. O Decreto nº 2.681/1912, que dispõe acerca da responsabilidade civil das estradas de ferro, foi pioneiro na introdução da responsabilidade objetiva baseada no risco, ao prever no artigo 26, que “as estradas de ferro responderão por todos os danos que a exploração das suas linhas causar aos proprietários marginais”, ou seja, não faz menção acerca da necessidade de demonstrar a culpa na atuação do gerenciador

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da estrada de ferro, de modo que a sua responsabilização é objetiva.

Posteriormente, a Lei das Atividades Nucleares nº 6.453/1977 estabeleceu expressamente, no artigo 4º, a responsabilidade objetiva, prescindindo da demonstração de culpa, aplicada ao operador da instalação nuclear, fundamentando tal previsão legal na Cláusula Geral do Risco, conforme entendimento doutrinário majoritário. Contudo, neste caso, a lei prevê uma excludente da responsabilização objetiva, escancarada no artigo 8º do aludido diploma legal, que resta afastada, portanto, quando o dano decorrer de conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza.

Em sequência, o Código Brasileiro da Aeronáutica nº 7.565/1986, também previu a responsabilidade objetiva imputada ao transportador diante da provocação de dano ao passageiro consistente na destruição, perda ou avaria de bagagem durante a vigência do contrato de transporte aéreo, nos termos do artigo 260, do aludido diploma legal.

A Carta Maior brasileira, Constituição Federal de 1988, igualmente adota o sistema da responsabilidade objetiva em determinados casos. No artigo 37, §6º, adota o regime da responsabilidade objetiva para os agentes estatais, vinculados ao Estado por via da Administração Pública Direta ou pela Administração Pública Indireta, que causar prejuízo a terceiros no exercício da função.

Seguindo a linha do texto constitucional, outros diplomas infraconstitucionais adotaram o posicionamento da responsabilidade objetiva, a título de ilustração, o Código de Defesa do Consumidor de 1990.

Com efeito, todas as tentativas de inserção da Cláusula Geral do Risco no ordenamento jurídico pátrio, a começar com a entrada em vigor do Decreto 2.681/1912, no ano de 1912, posteriormente com outras leis extravagantes que previram hipóteses da responsabilização objetiva, perfectibilizada no texto constitucional brasileiro, deram aporte à adoção do critério objetivo, baseado na Teoria do Risco, no novo Código Civil Brasileiro de 2002, especialmente no artigo 927, §ú, que assim dispõe: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”, dentre outras hipóteses que serão apreciadas no momento oportuno.

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responsabilidade civil objetiva, no ordenamento jurídico pátrio a regra é a responsabilidade civil subjetiva, prevista no artigo 186, do Código Civil de 2002, sendo que a responsabilização objetiva é exceção aplicada em determinadas situações previstas em lei. Portanto, excepcionando os casos previstos em lei, deve ser evidenciado pelo lesado o elemento subjetivo no caso concreto para que o agente seja responsabilizado pelos danos causados.

De todo o exposto, conclui-se que existe um dever jurídico primário traduzido em uma regra de conduta imposta por lei que obrigatoriamente deve ser observado pela coletividade. A violação do dever primário – observar o dever de conduta legal– configura conduta ilícita, que, causando prejuízo a outrem, implica no surgimento de um dever jurídico secundário: a reparação civil.

Assim, a responsabilidade civil decorre de um dever jurídico primário e constitui-se como um dever jurídico secundário que assume o caráter de uma contraprestação, haja vista que o que se pretende é reestabelecer o status quo ante do lesado, isto é, conferir o reequilíbrio entre os envolvidos. Mas o que é Responsabilidade Civil?

Pode ser definida como a “obrigação de reparar danos que infringimos por nossa culpa e, em certos casos determinados pela lei” (RICOEUR, 1995, p. 33-34 apud FARIAS, 2015, p. 05). Esta definição se mostra compatível com as matérias expostas até então, pois abrange tanto a responsabilidade civil subjetiva quanto a responsabilidade civil objetiva, na medida em que estabelece a obrigação de reparação quando se provoca o dano mediante a presença de culpa, pelo rito da responsabilidade subjetiva, ou nas hipóteses específicas previstas no ordenamento jurídico, segundo a sistemática da responsabilidade objetiva.

Diversos doutrinadores empregaram sua capacidade técnica para o fim atribuir conceito ao instituto da responsabilidade civil, contudo, considera-se que o conceito supramencionado dá conta de sintetizar os elementos pertinentes com êxito.

1.2 Funções da Responsabilidade Civil

A evolução histórica aliada aos anseios sociais proporcionou a criação de direitos fundamentais compartimentalizados em gerações de direitos. Essas gerações de direitos passaram a ser positivadas nos ordenamentos jurídicos de

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diversos países, sendo que a primeira geração diz respeito aos direitos do indivíduo frente ao Estado compreendendo a liberdade, a vida, a propriedade; a segunda geração decorre da preocupação da qualidade de vida e de gozo dos direitos positivados pelo indivíduo, tais como a saúde, habitação e o trabalho; a terceira geração abrange os direitos de solidariedade, que ultrapassa a esfera individual, podendo ser citado o direito ao ambiente saudável, patrimônio histórico-cultural.

Num primeiro momento, a primeira geração dos direitos fundamentais que possibilitaram ao homem a consagração dos direitos negativos, ou seja, garantiam que o Estado respeitasse os direitos individuais, e, impediram a atividade arbitraria e centralizadora do mesmo. O homem viu assegurado seu direito à vida, à liberdade, etc. Direitos Naturais, inerentes a condição humana do homem. Num segundo momento, os direitos individuais não foram suficientes para assegurar dignidade ao homem, a simples abstenção estatal não era suficiente para assegurar o exercício dos direitos fundamentais de primeira geração. Desta feita, foram conquistados os direitos sociais, econômicos e culturais, que complementariam os de primeira geração e possibilitariam ao homem a efetividade dos direitos individuais. Podemos relacionar os direitos, ao lazer, ao trabalho, a educação, etc. Todos com a finalidade de assegurar uma existência digna ao ser humano. Posteriormente vieram os de terceira geração, que transcenderam o individual, enfocando o ser humano relacional, em conjunção com o próximo. Também chamados de direitos de solidariedade e de fraternidade (FERRARESI, 2012, p. 334)

Insta salientar que as gerações de direitos não se limitam as três gerações principais expostas acima, considerando que a evolução histórica configura procedimento constante, permitindo a concepção de novas categoriais de direitos que, acompanhando a velocidade das transformações sociais, já estão sendo pensados, desenvolvidos e positivados.

Como dito, as gerações de direitos são resultado dos anseios sociais, contudo, a positivação de direitos, embora tenha sido fortemente impulsionada pela Revolução Francesa e pela Revolução Americana, datadas do final do século XVIII, acompanham a humanidade desde a Antiguidade através de importantes cartas de direitos e deveres consagradas a determinados grupos humanos.

Conquanto, como sabido, não eram todos os integrantes da coletividade que respeitavam a organização social preestabelecida e com essa ruptura à estrutura social, ocasionavam danos de diversas ordens a determinado indivíduo ou a grupos sociais, conforme a dimensão da afronta. Daí factível perceber a primeira função da Responsabilidade Civil: a função compensatória – reparatória.

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O intuito primordial da função compensatória – reparatória consiste em reestabelecer o equilíbrio social e compensar o prejuízo suportado pelo lesado de forma proporcional à violação dos bens jurídicos positivados e violados. Assim, constata-se sua função de moralização das condutas individuais, as quais podiam ser consideradas indesejadas socialmente (BERNARDES; FERREIRA) de modo que aquele que se comportasse de forma contrária ao comportamento moral preexistente, suportaria o ônus da função reparatória.

Quando se refere à função reparatória da responsabilidade civil, está-se falando unicamente na obrigação de reparação de danos, pois esta função não possui o condão de repreender a conduta perpetrada pelo agente, de modo que a finalidade precípua é “garantir uma distribuição do peso do dano sob a base de critérios social e economicamente justificáveis” (FARIAS, et. al., 2015, p. 38).

Com base nesses critérios admitidos no direito, sopesando as peculiaridades do caso concreto, busca-se o reequilíbrio econômico na esfera patrimonial do lesado, que injustamente foi abalada, sendo importante esclarecer que não é qualquer dano patrimonial que pode ser objeto de reparação pelo lesante, haja vista que para tanto deve estar presente a ilicitude, a injustiça vedada pela ordem jurídica, como pressuposto do dever de reparação. “Nada obstante, por força do princípio da proporcionalidade, será insuficiente a alegação de mera perda patrimonial e/ou lucro cessante, afirmando-se a necessidade de que o dano seja injusto” (FARIAS, et. al., 2015, p. 39).

Calha frisar que a função reparatória não se destina unicamente ao restabelecimento do status quo ante do patrimônio injustamente afetado pelo evento danoso, mas também às violações de ordem subjetiva, que, por vezes, proporcionam tamanho estrago na esfera subjetiva do lesado que torna impossível desfazer o “mal” feito e consertá-la. Nesta situação, tenta-se quantificar o prejuízo moral suportado e reparar, ainda que minimamente, aquela situação danosa. Assevera o autor Farias (et al., 2015. p. 38) que a ofensa neminem laedere não se manifesta apenas em lesões relacionadas à circulação de riquezas (situações subjetivas patrimoniais) e à propriedade, como também ao valor da dignidade da pessoa humana (situações subjetivas existenciais).

Malgrada a importância da função compensatória – reparatória da Responsabilidade Civil no meio social, ao longo do surgimento das gerações de direitos e toda a gama de direitos abrangidos por elas, a existência da função

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compensatória – reparatória se mostrou insuficiente na composição do dano, haja vista que a violação a determinados direitos não contemplam a reparação completa ou o total restabelecimento do status quo ante do lesado. Assim, a fim de conferir maior proteção jurisdicional às prerrogativas positivadas em favor dos indivíduos e da sociedade em geral, surge a segunda função da Responsabilidade Civil: a função punitiva – pedagógica.

A Revolução Industrial, outro evento histórico que impulsionou a criação de novas categorias de direitos, também se mostrou como fator preponderante na demonstração da insuficiência da função unicamente compensatória-reparatória da Responsabilidade Civil, haja que o processo de industrialização, não só do trabalho, mas das relações sociais em si, provocou uma crescente violação à esfera individual e consequentemente jurídica dos indivíduos de tal forma que a simples reparação pecuniária proporcional não contemplava a magnitude do estrago proporcionado pelo dano, como, por exemplo, no caso de morte do operário ou da perda de seus membros.

A principal finalidade da função punitiva – pedagógica é aplicar a devida punição ao infrator do dever legal ou contratual preexistente e imputar freio às práticas lesivas.

Entretanto, hodiernamente, a função punitiva da responsabilidade civil não apresenta máxima eficácia na prática. Isso, porque se difundiu amplamente o costume de realizar contrato de seguro, por meio do qual, por meio de uma contraprestação pecuniária, um terceiro, estranho ao evento fático que ensejou a ocorrência do dano, assume a responsabilidade de arcar com as consequências dele – o dano – decorrentes.

A função compensatória, que defende a responsabilização do patrimônio do lesante pelo dano injusto ocasionado, “culminava por gerar perifericamente um efeito inibitório, desestimulando o ofensor à reiteração da conduta perante outros potenciais membros da coletividade” (FARIAS, et. al., 2015, p. 43), contudo, o lesante, se protegido pelo contrato de seguro, exime-se de responder pelo dano causado à vítima, haja vista que tal encargo será suportado pela seguradora, que nenhuma relação guarda com cenário fático danoso, provocando o enfraquecimento da função punitiva.

A função punitiva está intimamente ligada à função compensatória-reparatória, pois a necessidade de reparação do dano implica na punição civil do

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agente que sofrerá diminuição de seu patrimônio. Como dito, verifica-se que tal função tem sofrido mitigação, principalmente através da formalização do contrato de seguro, no entanto, ainda assim, a função punitiva da responsabilidade civil apresenta extrema importância no meio social, uma vez que funciona como freio ou desestimulador às ações possivelmente danosas.

“A responsabilidade civil dos dias atuais é o reflexo da ‘sociedade de risco’” (FARIAS, et. al. 2015, p. 46). Tal afirmativa sintetiza o novo cenário a que a sociedade pós-moderna está inserida, novamente decorrente da transformação social ocorrida principalmente no aspecto tecnológico e científico que impulsionou o aperfeiçoamento de uma nova função da responsabilidade civil: a função precaucional.

Farias ( et. al. 2015, p. 46) refere que houve a “substituição de uma sociedade industrial ‘que distribui riqueza’ para uma sociedade ‘que distribui riscos’ e anseia por segurança”. Daí que ganha força o “princípio da precaução” a partir do qual, embora não haja dimensionamento concreto acerca da proporção do dano, mas mera possibilidade de risco de sua ocorrência, deve-se pensar em medidas a serem adotadas para fim de neutralizar o risco e evitar a ocorrência do dano, haja vista que diante da inserção do fator risco nas relações sociais hodiernas, o dano advindo dessas relações ultrapassam a esfera individual e abrange a coletividade entre si.

O princípio da precaução ingressa quando há o confronto entre o ordenamento jurídico e as atividades danosas cujas consequências não são passíveis de compensação ou securitização. Pensa-se, por exemplo, os riscos de natureza nuclear, química, ecológica ou as associados à engenharia genética, os quais, em virtude de não poderem ser limitados pelo tempo ou pelo espaço, não são calculáveis segundo as regras de causalidade e responsabilização, não podem ser compensados, nem segurado (FARIAS, et. al., 2015, p. 48).

Assim, a adoção de medidas jurídicas aptas à evitar o dano transcendente, isto é, aquele cuja proporção transborda o limite da singularidade de cada indivíduo e afeta a esfera jurídica da coletividade em si, são necessárias como forma de controlar e supervisionar atividades que podem causar danos desta magnitude, ao passo que materializa a função precaucional da responsabilidade civil.

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Como já referido anteriormente, há muito tempo se faz presente no meio dos homens a intenção de reparar os danos causados por mal injusto. A lei de diversas nações, em diferentes épocas, organizou-se de forma a regulamentar a forma de repressão ao causador de danos, por vezes alinhando-se a entendimentos anteriores, noutras divergindo e estabelecendo nova forma de responsabilização.

Na tentativa de doutrinar a forma de responsabilização, os pensadores se propuseram a regulamentar o processo, sobretudo os elementos do instituto, em obras próprias, e seguindo a sua linha de raciocínio, o que proporcionou a existência de diferentes regimes de responsabilidade civil, tendo como cerne a ausência ou presença do elemento subjetivo e a fonte geradora da obrigação de reparar.

Nessa toada, no presente tópico será analisado os elementos doutrinários que constituem os diferentes regimes de responsabilidade civil. Há que se destacar que o ordenamento jurídico brasileiro é dual, o que significa dizer que aceita todos os regimes que serão analisados, mas para situações específicas, como será, a seguir, explicitado.

Apreciar as espécies da Responsabilidade Civil é essencial no presente estudo para o fim de estabelecer as premissas e os elementos caracterizadores de cada um dos regimes que serão analisados e, posteriormente, definir a posição do advogado dentro deste contexto jurídico, precisamente, se ao causídico se aplicam as disposições da responsabilidade civil objetiva ou subjetiva, quanto ao elemento subjetivo, e, ainda, se é contratual ou extracontratual, quanto à fonte originária do dever de reparação civil.

1.3.1 Responsabilidade Civil Objetiva

A justificativa para imposição da Responsabilidade Objetiva reside na premissa de que todos os danos devem ser reparados, contudo, diante do capital de uma grande empresa ou do aparato tecnológico disponível ao Estado, por vezes, o lesado se viu impossibilitado de alcançar a reparação civil, diante da dificuldade na demonstração da culpa do agente, quando apenas existia o regime da Responsabilidade Subjetiva. Assim, na busca de conferir equilíbrio a uma condição naturalmente desigual, pensou-se os parâmetros da Responsabilidade Objetiva, que dispensa a demonstração de culpa pelo lesado.

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Como dito anteriormente, as raízes da Responsabilidade Civil Objetiva estão fixadas no Direito Francês, impulsionado, principalmente, pela Revolução Industrial, a partir da qual, constata-se muitos danos ocasionados aos operários que por vezes tinham afetada a sua integridade física na execução dos serviços industriais a que era exposto com métodos de trabalho e maquinário pouco seguros.

A situação desenhada no mundo físico esboçava que nenhum dos envolvidos no evento danoso apresentava culpa, isto é, nem o operário nem o dono do maquinário agiram culposamente na consecução dos atos que culminaram no prejuízo, tendo em vista que o empresário não visava lesar o operário, assim como o operário não pretendia ver afetada a sua integridade física ou a sua vida. Como tentativa de resolução da instabilidade consolidada, são lançadas as bases da teoria do risco, a partir da qual se afasta a concepção de culpa e introduz-se a responsabilidade daquele que voluntariamente assumiu o risco ou criou a situação para sua produção: o empregador.

A Teoria da Cláusula Geral do Risco, enquanto fundamento da “nova” concepção/ramo da Teoria Geral da Responsabilidade Civil, diante da complexidade que apresenta, instiga os autores que acompanharam o desenrolar e posterior consolidação do risco como cerne da responsabilidade objetiva a pensarem sobre a sua natureza, surgindo, daí, modalidades ou classificações de risco. Nesse ínterim, as principais concepções de risco são: risco-integral, risco-proveito e risco-criado.

O risco-integral diz respeito a uma modalidade de risco agravada. Isso porque basta a ocorrência do dano para que surja o dever de indenizar, dispensando a comprovação da culpa. Assim, nenhuma excludente de responsabilidade, inclusive aquelas que quebram o nexo causal (culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito, por exemplo) são aptas a afastar o dever de reparação civil, se presente o dano. Normalmente, esta espécie de risco está intimamente ligado aos danos ambientais, portanto, é amplamente difundida pelos autores e defensores ambientalistas, regidos pela lógica do artigo 225, §3º, da Constituição Federal de 1988. O Superior Tribunal de Justiça aplica, nos casos submetidos a sua apreciação, a teoria do risco-integral quando a matéria versa sobre dano ambiental, entendo que o causador do dano não pode apresentar ou requerer o reconhecimento de qualquer excludente de responsabilidade, devendo suportar as penalidades previstas em lei.

O risco-proveito se traduz na ideia de que pessoa física ou jurídica cria possibilidade de risco em nome de um proveito econômico, isto é, no desemprenho

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de uma atividade, que trará benefício patrimonial, faz uso de ferramenta, equipamento, maquinário, estrutura ou qualquer outro elemento que se destina a atingir a finalidade máxima – lucro – e, em contrapartida, gera uma situação ou probabilidade de risco a terceiro.

Por fim, o risco-criado é aquele que não está vinculado ao proveito econômico obtido com o exercício da atividade, mas sim, aquele que decorre necessariamente da atividade desenvolvida, estão vinculados, sendo que a posse da coisa ou exercício da atividade, embora sejam lícitas, por si só, criam probabilidade de risco, aumentando, consequentemente, as chances de violação de direito de terceiro.

O objetivismo da responsabilidade civil surge como nova resposta às relações sociais, dada a insuficiência do subjetivismo que não abarcava todas as situações fáticas, pois, como no caso dos operários e do industrial, não havia culpa de nenhum dos lados na ocorrência do dano, assim, para não haver a frustração da pretensão reparatória, surge a teoria objetiva da responsabilidade civil.

Na dinâmica desse regime, cada indivíduo deverá responder pelos riscos das atividades que desempenha dentro da civilização, compreendendo a tentativa de socialização do risco. A socialização do risco está calcada na ideia de ampliar a possibilidade de reparação, de restabelecer o equilíbrio social, pois como dito, não há culpa a ser demonstrada, mas sim o dano decorrente de atividade de risco praticada por determinado agente.

1.3.2 Responsabilidade Civil Subjetiva

A Responsabilidade Civil Subjetiva é mais antiga do que a Responsabilidade Civil Objetiva, visto que o sentimento que perpassou as civilizações, desde a Antiguidade, era de que aquele que por sua culpa causar dano a outrem assume o dever de repará-lo, inclusive, a partir da Lei de Talião que representava os costumes e princípios da época, a reparação deveria ser realizada na mesma proporção do dano, representada pela expressão “olho por olho, dente por dente”.

O conceito de culpa sofreu diversas alterações ao longo do desenvolvimento das ciências jurídicas e socais. Do aperfeiçoamento na França, com o Código Civil Francês de 1804, a culpa assumia caráter essencialmente subjetivo/moral, ligado à autonomia da vontade, decorrente da má utilização da liberdade conferida ao indivíduo pelas correntes liberais da época. Em verdade, buscava-se

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primordialmente o restabelecimento da situação anterior do lesado, isto é, “a culpa, portanto, inicialmente é tida como elemento psicológico, sendo eminentemente subjetiva, restando o padrão médio do bonus paterfamilias (homem médio) como única porção objetiva da culpa” (BEDONE, 2013, p. 51).

Posteriormente, com o lançamento das bases da responsabilidade civil objetiva, ocorreu a objetivação do conceito de culpa. “O avanço tecnológico do final do século XIX, acelerado durante o século XX, tornou insuficiente o sistema que exigia a comprovação de culpa ligada a um fundo moral” (BEDONE, 2013, p. 53).

O processo de objetivação se traduz na substituição do elemento essencialmente anímico pelo erro de conduta, isto é, a culpa deixou a esfera meramente psíquica do agente para ser uma infringência à norma, uma ilicitude. Portanto, “aquela noção tradicional de culpa, relacionada ao estado de ânimo de agente e à reprovação moral, paulatinamente perdeu força, substituída pela culpa normativamente definida” (BEDONE, 2013, p. 53), logo, a atuação contrária a certos modelos de conduta normatizada implica em ação ilícita e configura a modalidade de culpa objetiva.

No ordenamento jurídico vigente, a conduta normatizada, isto é, a cláusula geral da Responsabilidade Civil Subjetiva, que obrigatoriamente deve ser observada, está consagrada no artigo 186, do Código Civil, de 2002, o qual estabelece que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Dá leitura do mencionado dispositivo legal, depreende-se que estão presentes quatro requisitos para configuração da responsabilidade subjetiva: a) ação ou omissão do agente; b) voluntariedade, no sentindo de que não pode haver vício de consentimento na prática da conduta culposa; c) negligência ou imprudência que materializam as formas de exteriorização, sendo que a primeira pressupõe que o agente deixou de fazer algo que deveria ter feito e detinha poderes para tanto e a segunda o agente não adota as devidas precauções para evitar o risco de dano que a própria conduta permite prevê-lo; d) violar direito e causar dano a outrem, ou seja, após a prática da conduta descrita anteriormente, com todas as qualificações retromencionadas, o agente ainda causa um prejuízo injusto a terceiro, de ordem patrimonial ou moral, que deverá ser reparado, conforme a disposição legal.

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Como visto, a culpa é o elemento central da responsabilidade civil subjetiva. Para que seja possível a responsabilização do agente, o ordenamento jurídico vigente incumbe a vítima de demonstrar a culpabilidade na ação ou omissão praticada, caso contrário ocorre a frustração da pretensão reparatória, portanto, o ônus probandi recai sobre o lesado. Tal tarefa árdua foi simplificada, como visto, com a objetivação do conceito de culpa, a partir de que no ordenamento jurídico brasileiro ao lesado compete demonstrar o erro de conduta do lesante, que afronta a conduta normatizada, consagrada no artigo 186, do Código Civil, de 2002.

1.3.3 Responsabilidade Civil Extracontratual

A doutrina classifica a responsabilidade civil em contratual e extracontratual que serão analisadas individualmente.

Com visto, a lei imputa um dever geral de conduta que necessariamente deve ser observado por todos os integrantes da sociedade. A inobservância do preceito normativo implica em quebra da cláusula geral e consequentemente, urge a responsabilização civil do infrator.

A ordem jurídica estabelece deveres que, conforme a natureza do direito a que correspondem, podem ser tanto positivos, de dar ou fazer, como negativos, de não fazer ou tolerar alguma coisa. Fala-se, até, em um dever geral de não prejudicar ninguém, expresso pelo direito romano através da máxima nenimem laedere, cuja transgressão provocaria o surgimento da obrigação de indenizar. (MAIA et al., p. 41).

Em uma situação danosa, há o agente lesante e o lesado, aquele que sofre o prejuízo em virtude da conduta ilícita perpetrada. Contudo, na responsabilidade civil extracontratual, os envolvidos não apresentam nenhuma relação prévia, não há um liame jurídico que vinculasse o lesante e o lesado antes da situação danosa.

O vínculo jurídico remanesce da própria conduta ilícita. Para ilustrar, o acidente automobilístico reflete bem a inexistência de vínculo jurídico anterior, quando, por uma infração de condutada cominada pela lei, repentinamente, urge entre os envolvidos uma relação jurídica decorrente do acidente de trânsito.

Entre as penalidades que será imposta ao infrator, que, diga-se de passagem, poderá ser nos âmbitos penal, administrativo e civil, certamente estará à reparação civil, a partir da aferição da responsabilidade civil do agente ao caso concreto.

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O fundamento da responsabilidade civil extracontratual, como referido, é a violação da norma jurídica preexistente e a essa violação, a legislação brasileira estabelece o dever de reparação, conforme leciona o artigo 927, do Código Civil de 2002, in verbis:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Desse modo, ao lesado além da demonstração do dano e do nexo de causalidade, incumbe a árdua tarefa de demonstrar a culpabilidade do agente na provocação do prejuízo, conforme remissão às hipóteses legais que estabelecem a culpa como fundamento da responsabilidade civil. No entanto, no parágrafo único do dispositivo legal, a necessidade da demonstração da culpa é afastada nas hipóteses de aplicação do regime objetivo de responsabilização, previstos em lei.

1.3.4 Responsabilidade Civil Contratual

Ao contrário da responsabilidade civil extracontratual, na responsabilidade civil contratual há um liame jurídico prévio que envolve as partes antes mesmo de entravar-se a situação conflituosa. Nesta modalidade também existe um dever jurídico preexistente, contudo, não está previsto em lei, mas sim no instrumento contratual perfectibilizado entre as partes.

Desse modo, enquanto as partes contratantes observarem os termos contratados e expressos no instrumento público ou particular firmado, não há o que se falar em responsabilidade civil contratual. Esta responsabilidade remanesce no momento em que há um descumprimento das cláusulas contratuais, isto é, quebra do dever jurídico contratual, instituído segundo a livre vontade das partes.

Outra distinção importante entre as duas espécies, reside no fato de que na responsabilidade civil contratual há presunção relativa de culpa em desfavor daquele que violou o dever jurídico contratual preexistente, logo, o lesado é desincumbindo do dever de demonstrar a culpa do lesante. Factível perceber a distinção do ônus probandi na responsabilidade civil contratual e extracontratual, em que naquela há uma facilitação quanto à prova da culpa, conforme salienta a autora Thalita Trevisan:

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Com efeito, quanto à prova da culpa, em matéria de responsabilidade extracontratual cabe à vítima demonstrar sua existência – seja por imprudência, negligência ou imperícia do causador do dano –, enquanto que na responsabilidade contratual, de forma geral, presume-se a existência da culpa a partir do descumprimento do contrato (TREVISAN, 2013, p. 91).

Contudo, em que pese a presunção da culpa em desfavor daquele que descumpriu a disposição contratual, possível a estipulação contratual de cláusulas que impõe limitação à responsabilidade civil, no aspecto patrimonial, até mesmo cláusula exoneratória tanto do reconhecimento da responsabilidade quanto do dever de indenização, se o ordenamento jurídico vigente não dispor o contrário.

A fim de exemplificar a obrigação contratual, pode-se evidenciar o contrato de transporte. O transportador, ao assumir a obrigação contratual de transporte de pessoas e objetos, deve atuar de forma diligente para que o cumprimento se dê nos exatos termos do contrato, responde pelos danos causados a um ou outro, sendo que, neste caso, é vedada a estipulação de cláusula exoneratória, conforme dispõe o artigo 734, do Código Civil, abaixo transcrito:

Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade. Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização.

O ordenamento jurídico brasileiro adota as duas espécies de responsabilidade civil, a contratual e a extracontratual

O Código Civil brasileiro adotou a duplicidade de regimes, regulando a responsabilidade contratual e a extracontratual em seções marcadamente diferentes de seu texto – a responsabilidade contratual veio disciplinada entre os artigos 389 e 420, e a responsabilidade extracontratual encontra-se regrada pelos artigos 186 a 188 e 927 a 954 do Código Civil. Nisto, acompanhou a generalidade das codificações antigas, contra as quais se manifesta a tendência das legislações modernas, inclinadas à unificação, tendo em vista o fundamento comum da falta de diligência em relação ao direito alheio. (TREVISAN, 2013, p. 90).

Porém, como refere a autora, a legislação não estabeleceu as distinções entre as duas categorias. Tal tarefa ficou a cargo da doutrina, que, além de estabelecer as distinções, também propõe-se a pensar a utilidade do sistema duplo, haja vista as semelhanças verificadas, principalmente quanto a seus efeitos.

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2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

Não há registro histórico que aponte com precisão a época em que surgiu a advocacia ou qual foi a primeira pessoa a exercer o ofício. Supõe-se que a figura do advogado tenha surgido tão logo as civilizações passaram a ser regidas pelo Direito, portanto, um dos ofícios mais antigos do mundo. O que se arrisca a afirmar, com base na citação de diversos autores, é que Atenas, cidade grega, tenha sido “o berço da advocacia”, onde surgiram renomados oratores, sendo Demóstenes o pioneiro grego.

No entanto, há praticamente um consenso em considerar Atenas como o berço da advocacia, principalmente no período Axial. Na Grécia Antiga, os cidadãos compareciam pessoalmente, para pleitear ou defender seus direitos, diante dos juizes; após a era de Dracon, vieram às leis de Sólon, que facultavam às partes o direito de serem acompanhadas por um amigo, conhecido como “amici”, que se postava em segundo plano, somente “auxiliando”, porém sem nenhum conhecimento legal. Ao longo dos anos, surgiu a classe dos “oratores” ou como poderiam também ser chamados de “logografos”, que tinham como principal característica à retórica, os primeiros advogados conhecidos da História faziam parte dessa categoria, eram eles, Demóstenes, Esquines, Hipérides e Péricles. (SOLLBERG).

A palavra advogado deriva do latim “advocatus” ou “advocare”, e, nas palavras do autor Madeira (2002, p. 20), são compostas da preposição ad (para junto de) e do verbo vocare (chamar) e se refere ao chamamento de alguém para de, de algum modo, auxiliar numa atividade. Já da palavra advocatio, no entendimento do aludido autor, é um termo técnico derivado do latim advocare, mas que significa “atividade postulatória – desiderium exponere –, exercida profissionalmente por alguém perante autoridade jurisidicional – qui praeest iurisdictioni – a pedido do interessado ou do magistrado” (2002, p. 25).

No Brasil, os primeiro advogados surgiram ainda no período colonial, sob égide das ordenações portuguesas, com necessidade de deslocamento até Portugal para fins de obter a formação jurídica, sendo que somente no ano de 1827 foram instituídos aqui no Brasil dois cursos de direito, um em Olinda/Recife e outro em São Paulo/São Paulo, através da Lei de 11 de Agosto de 1827, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM.-11-08-1827.htm

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Não surpreende que em nosso país a profissão seja superestimada, pois, dentre às funções essenciais à justiça elencadas na Constituição Federal de 1988, está a advocacia privada. O advogado, no exercício da capacidade postulatória que lhe é atribuída, pode buscar a tutela de interesses privados junto ao Poder Judiciário, revelando-se, desse modo, como engrenagem indispensável à persecução da justiça.

2.1 Natureza jurídica da atividade advocatícia

Nesse ímpeto, o advogado, mais do que atuar como representante do interesse da parte, está desempenhando uma função social, haja vista que atua como portal de acesso ao cenário jurídico, onde direitos são criados, modificados e extintos, de modo a possibilitar alterações significativas na esfera jurídica inerente ao representado.

Considerando a finalidade precípua da advocacia, qual seja: a realização da justiça, o advogado, no exercício dessa função social, deve estar filiado aos ditames constitucionais, isto é, à toda gama principiológica e axiomática presente no texto constitucional, bem como à legislação específica que rege o exercício de sua função, pois ele – advogado – é o principal meio de acesso à justiça para todos os grupos sociais.

Trata-se, portanto, de uma atividade privada, que se sujeita às particularidades do interesse público, conforme esclarece o artigo 133, da Constituição Federal e o artigo 2º, da Lei 8.906/1994, que dispõe acerca do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados, abaixo transcritos:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Art. 2º. O advogado é indispensável à administração da Justiça. § 1º. No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

§ 2º. No processo judicial, o advogado contribui na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.

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O advogado instiga a observância dos direitos fundamentais conferidos aos cidadãos, pois, se ninguém pudesse solicitar a observância do direito positivado, a letra da lei seria morta e a existência de ditames legais em nada importaria no seio social. Contudo, o advogado, na qualidade de porta-voz da sociedade, mantém viva a letra da lei, mais do que isso, ele instiga a adequação do ordenamento jurídico à realidade fática que assola a vida privada e, consequentemente, a movimentação do oceano de leis que compõe a ordem jurídica brasileira.

Como salientado, o advogado exerce atividade extremamente importante dentro do Estado democrático de Direito. Nos termos do art. 2º, do Código de Ética da OAB, o advogado é defensor da democracia, da ordem jurídica, da cidadania, da moralidade, da justiça e da paz social. Portanto, quando chamado por algum integrante da sociedade à defesa de interesses positivados, o advogado deve estar atento aos deveres previamente estabelecidos para que preste atuação jurídica condizente à função social que deve desempenhar.

Além daqueles encontrados na Constituição Federal de 1988, de caráter geral e aplicável a todas as pessoas e a todos os profissionais, há também deveres específicos estabelecidos no aludido Código de Ética da OAB, dentre os quais, destaca-se o dever de informar o cliente.

De início, a despeito deste dever, é importante salientar que a relação advogado-cliente desponta da confiança construída entre eles. Assim, esse elemento é intrínseco a essa relação, sem o qual nenhum trabalho técnico-jurídico poderia ter início ou se desenvolver. Daí, em nome da confiança depositada pelo cliente em seu patrocinador de que este detém capacidade para defender o bem jurídico em evidência, é que surge o dever de informar atribuído ao advogado.

Nessa trilha, o advogado, de plano, detém a incumbência de esclarecer ao cliente as probabilidades de êxito ou de derrota na demanda que se pretende ajuizar, bem como as possíveis consequências jurídicas dela proveniente, informações estas que devem ser prestadas de forma clara e inequívoca. Esta é a inteligência do artigo 9º, do Código de Ética da OAB.

O profissional deve, portanto, informar ao cliente os caminhos jurídicos que o ordenamento jurídico coloca à disposição para tutela do interesse examinado, na tentativa de possibilitar que ambos, advogado e cliente, construam a melhor estratégia para condução do processo, “isso porque, se houver conflito de interesses

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entre ambos, não pode o cliente impor ao advogado determinada atitude e vice-versa.” (TREVIZAN, 2013, p. 61).

A partir das informações prestadas pelo advogado, o cliente reúne critérios suficientes para decidir se é vantagem a propositura da ação ou se deve apostar em outro meio para solucionar o impasse ou, ainda, qual profissional apresentou a melhor estratégia para o deslinde da controvérsia, ou seja, a informação permite o estabelecimento da própria confiança entre patrocinador e patrocinado, consolidando o que a autora Thaita denomina “consentimento informado”.

Se o direito à informação é direito básico do consumidor (cliente), em contrapartida, o dever de informar é também um dos principais deveres do prestador de serviços. Dever, este, corolário do princípio da boa-fé objetiva, que se traduz na cooperação, na lealdade, na transparência, na correção, na probidade e na confiança que devem existir nas relações advogado-cliente. A informação deve ser completa, verdadeira e adequada, pois somente esta permite o consentimento informado (TREVIZAN, 2013, p. 61).

Com relação às informações prestadas pelo cliente ao advogado, em tese, este não responde pelas falsas informações prestadas pelo cliente, salvo quando deveria desconfiar ou se a falsidade fosse de fácil constatação e o patrono não empregou todas as diligências que estavam ao seu alcance para verificá-las. Diferente, contudo, é quando o advogado insere informação no processo conhecidamente falsa ou, pior, a informação inverídica foi empregada como meio unicamente protelatório, hipótese em que a responsabilidade é solidária e o prejudicado pode reaver perdas e danos tanto em desfavor do cliente quanto do advogado.

Em outras palavras, não se pode levar a responsabilidade do advogado ao limite extremo de fazê-lo suportar todos os ônus decorrentes da falta de veracidade em que incorreu o patrocinado, pois não se pode exigir que o advogado se transforme em um investigador exaustivo dos fatos daquele que narra e que, geralmente, não são de seu conhecimento pessoal. Somente nas hipóteses em que exista certeza de que sabia do falseamento da verdade ou da existência de fatos decisivos e sempre que as circunstâncias demonstrem que a conduta é compartilhada com seu cliente, aí sim, será passível de responsabilização.

O segundo dever a ser evidenciado é dever posto ao advogado de desestimular o ingresso em aventuras jurídicas, que tem previsão no artigo 2º, inciso

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VII, do Código de Ética da OAB. Em contraste a este dever, tem-se o Princípio da Inafastabilidade da Tutela Jurisdicional, que permeia a seara jurídica processual, e está previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, ou seja, toda a demanda entregue ao juiz-estado necessariamente deverá ser examinada e, presentes os requisitos legais, aplicada a tutela jurisdicional pertinente ao caso concreto.

Esse princípio, contudo, sofre mitigação diante da proibição legal do ajuizamento de lides temerárias. Isso, porque, para que se obtenha a tutela jurisdicional, devem estar presentes o aspecto processual, materializados nas condições da ação – interesse e legitimidade – e os requisitos da petição inicial, e também o aspecto moral que está ligado à boa-fé e à lealdade processual, supervalorizados atualmente pela ordem jurídica, conforme se extraí da última tentativa de alinhamento da matéria processual ao texto constitucional consubstanciado no Novo Código de Processo Civil de 2015.

Trata-se, em síntese, da necessidade de se interpretar as regras processuais com os óculos da Constituição, vez que o processo existe para implementar os direitos fundamentais e, nesse mister, não pode, obviamente, deixar de atender às garantias indispensáveis a um processo justo... (FARIA, 2015, p. 1397).

O envolvimento da boa-fé e da lealdade no processo, enquanto aspectos subjetivos que devem fazer parte de todo sujeito processual, decorrem dos ditames constitucionais que foram incorporados ao novel código de processo civil, tais como, e principalmente, o direito ao devido processo legal e ao contraditório, haja vista que a falta destes elementos – boa-fé e lealdade processual – podem acarretar, inclusive, a inadequada/injusta prestação da tutela jurisdicional.

Assim, e primeiramente, cumpre verificar que o STF vem entendendo, de algum tempo, que a lealdade seria uma face da garantia constitucional do devido processo legal, o qual “(...) assegura que todo julgamento seja realizado com a observância das regras procedimentais previamente estabelecidas, e, além disso, representa uma exigência de fair trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, enfim, sempre imbuída pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais (...)(FARIA, 2015, p. 1400).

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