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Do STJ – Superior Tribunal de Justiça

A decisão judicial que será analisada foi prolata pela Terceira Turma Cível do Superior Tribunal de Justiça, em análise ao Recurso Especial nº 1.750.570/RS, datado de 11 de setembro de 2018, assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ADVOGADO. DESCUMPRIMENTO DO MANDATO. PRESCRIÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. CELEBRAÇÃO DE ACORDO PREJUDICIAL. RENÚNCIA DE CRÉDITO. RESPONSABILIDADE CIVIL. RELAÇÃO CONTRATUAL. ABUSO DE PODER. CONFIGURAÇÃO. HONORÁRIOS. ABATIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. TERMO FINAL. QUITAÇÃO. BLOQUEIO DOS BENS. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. DANO MORAL. REDUÇÃO. INVIABILIDADE. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Controvérsia relacionada com uma série de demandas indenizatórias cíveis ajuizadas por antigos clientes do escritório de advocacia do recorrente, Maurício Dal Agnol. 3. No caso concreto, ficou consignado que o advogado celebrou acordo prejudicial ao cliente, por meio do qual renunciou a crédito consolidado em sentença com remota possibilidade de reversão, em virtude de ajuste espúrio realizado com a parte contrária. 4. As condutas atribuídas ao réu são incontroversas e indicam o efetivo descumprimento do mandato outorgado, sendo o seu reexame vedado por se tratar de questão decidida à luz do contexto fático-probatório dos autos, a atrair o óbice da Súmula nº 7/STJ. 5. Diante da impossibilidade de precisar o momento da ciência da lesão, deve ser mantida a data de deflagração da Operação Carmelina como o termo inicial do prazo prescricional para as ações indenizatórias propostas pelos clientes lesados, quando foi dada ampla publicidade aos ilícitos imputados ao réu. Aplicação da teoria da actio nata. Precedentes. 6. Nas ações de indenização do mandante contra o mandatário incide o prazo prescricional de 10 (dez) anos, previsto no art. 205 do Código Civil, por se tratar de responsabilidade proveniente de relação contratual. Precedentes. 7. O fato de o advogado-mandatário ostentar procuração com poderes para transigir não afasta a responsabilidade pelos prejuízos causados por culpa sua ou de pessoa para quem substabeleceu, nos termos dos arts. 667 do Código Civil e 32, caput, do Estatuto da Advocacia. 8. A responsabilidade pelos danos decorrentes do abuso de poder pelo mandatário independe da prévia anulação judicial do ato praticado, pois o prejuízo não decorre de eventual nulidade, mas, sim, da violação dos deveres subjacentes à relação jurídica entre o advogado e o assistido. Documento: 85594721 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 14/09/2018 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça 9. É indevido o abatimento proporcional, no cálculo do prejuízo suportado pela parte autora, de parcela relativa a honorários advocatícios contratuais se não houve o cumprimento integral do contrato e a remuneração devida estava atrelada ao proveito econômico obtido pelo cliente no processo originário. 10. Esta Corte firmou o entendimento de que, em se tratando de indenização por danos decorrentes de responsabilidade contratual, os juros moratórios fluem a partir da citação tanto para os danos morais quanto para os materiais. 11. A mera notícia de decisão judicial determinando a indisponibilidade forçada dos bens do réu, no cerne de outro

processo, com objeto e partes distintas, não possui o condão de interromper a incidência dos juros moratórios. O bloqueio judicial dos bens é medida constritiva de natureza preventiva que não se confunde com a sistemática do depósito judicial em garantia. Precedente em caso análogo. 12. O montante fixado a título de indenização por danos morais (R$ 10.000,00 - dez mil reais) não se mostra irrisório ou abusivo ante o quadro fático delineado na origem. 13. Não se vislumbra a divergência jurisprudencial suscitada na hipótese em que o entendimento do acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte, incidindo a Súmula nº 83/STJ. 14. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.

O fato concreto diz respeito a Darci José Dall Agnese que adquiriu linha telefônica junto à Companhia Riograndense de Telecomunicações S/A – CRT, com o que também se tornou acionista da referida empresa. Com a cisão ocorrida na antiga CRT, transformada em Celular CRT Participações S/A, os acionistas passaram a ter direito à subscrição de ações, bem como a sua correção monetária, pelo que Darci, na qualidade de acionista da antiga CRT, procurou Maurício Dal Agnol, advogado, em meados dos anos 2000, para que este promovesse a ação competente visando à subscrição de 13.796 ações a que detinha direito.

O advogado contratado, em atendimento aos interesses do mandante, promoveu ação ordinária, autuada sob nº 001/1.05.0132851-7, em face de BRASIL TELECOM S/A, sucessora empresarial da CRT, através do qual sobreveio sentença de procedência do pedido, com a condenação da Brasil Telecom S/A ao pagamento da quantia equivalente ao número de ações da Celular CRT Participações S/A (13.796), a serem fixadas pela melhor cotação que alcançaram ou vierem a alcançar no mercado, entre o período da cisão (29-01-1999) até o pagamento.

Com a decisão favorável, o advogado constituído, Maurício Dal Agnol, promoveu o competente cumprimento de sentença por intermédio do qual a Brasil Telecom S/A depositou a importância de R$ 14.323,90. Contudo, após o depósito, Maurício Dal Agnol, procurador de Darci, abdicou de 50% do valor já depositado judicialmente, entregando a Darci a importância de R$ 5.995,87.

Para surpresa de Darci e de outros clientes de Maurício Dal Agnol, foi amplamente divulgado pela imprensa no ano de 2015 que o advogado teria se apropriado de valores pertencentes aos clientes, o que foi alvo de investigação criminal intitulada “Operação Carmelina”, tendo sido apurado, posteriormente, que o advogado firmou contrato com Brasil Telecom S/A comprometendo-se a abdicar

50% do crédito de que seus clientes teriam direito, pelo que receberia R$ 50.000.000,00.

Diante dos fatos, Darci José Dall Agnese procurou outro advogado para ingressar com ação indenizatória em face do advogado Maurício Dal Agnoll, que abdicou 50% do crédito sem o seu consentimento, e a Brasil Telecom S/A, buscando a condenação dos réus, de forma solidária, ao pagamento de R$ 8.915,54, valor que deixou de receber na época devido à transação ilícita dos réus, devidamente atualizado, e indenização por danos morais.

Em contestação, Maurício Dal Algnol alegou decadência da pretensão. Disse que, na verdade, beneficiou Darci, pois, pelo que consta do Resp. 1.148.732, o crédito seria reduzido a praticamente zero, pelo novo entendimento firmado para subscrição de ações, e referiu que outros escritórios advocatícios também realizaram acordo com a Brasil Telecom S/A, requerendo a improcedência dos pedidos.

A OI S/A também contestou o feito, salientando que Darci, quando do recebimento do crédito, deu plena e geral quitação do débito; afirmou a ocorrência de prescrição e decadência; que o autor já recebeu o valor despedido para aquisição da linha telefônica; salientou que efetuou o pagamento do valor devido, que não houve prova do dano material e moral, pelo que deve ser improcedente o pedido inicial.

Quando da análise de mérito, a magistrada fixou prazo prescricional de 03 anos, a contar da data em que foi amplamente divulgado na imprensa nacional acerca do acordo ilícito perfectibilizado entre Maurício Dal Agnol e Brasil Telecom S/A, pelo que o pedido deduzido por Darci não se encontrava prescrito. Reconheceu a legitimidade tanto de Mauricio Dal Agnol quanto da OI S/A para responder à demanda, haja vista que o prejuízo suportado pelo autor decorreu de relação contratual estabelecida entre os corréus.

Em suas razões de decidir, a magistrada afirmou que o contrato firmado entre os corréus, sob ótica do advogado que patrocinava os interesses de Darci, agrediu uma série de deveres ético-disciplinares, previstos no Código de Ética da OAB e no Estatuto da Advocacia, atingindo o status de conduta criminosa, devido ao patrocínio infiel, cuja pena está prevista no artigo 355, do Código Penal, pois aceitou pagamento da parte adversária para abdicar valor expressivo de propriedade do mandante, prejudicando-o.

Com relação a OI S/A, a julgadora atribuiu a responsabilidade solidária ao ressarcimento dos danos experimentos por Darci, porque os procuradores da empresa telefônica causaram prejuízos a terceiro quando firmaram o aludido contrato com Maurício Dal Agnol, pelo que devem responder, condenando- os ao pagamento de indenização por danos materiais equivalente ao que Darci deixou de obter no processo ajuizado contra a Brasil Telecom S/A, no importe de R$ 8.915,54, a ser corrigido monetariamente, bem como ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 10.000,00, levando-se em conta a reprovabilidade da conduta perpetrada pelos corréus.

Inconformados com a decisão do juízo a quo, Mauricio Dal Agnol e OI S/A interpuseram Recurso de Apelação, e Darci recorreu adesivamente. O apelante Maurício, além de reafirmar as teses defensivas lançadas na contestação, salientou que o acordo não produziu prejuízos à parte autora e que, no momento da renúncia de valores, a impugnação ao cumprimento de sentença interposto por Brasil Telecom S/A ainda não havia transitado em julgado, podendo ocorrer a redução do crédito; buscou o afastamento da condenação ao pagamento de indenização por danos morais, e, subsidiariamente, a minoração da verba indenizatória arbitrada. A OI S/A, por sua vez, reafirmou categoricamente a sua ilegitimidade passiva, ratificando as teses defensivas lançadas na contestação, e requereu a minoração da indenização fixada.

Em análise à preliminar de ilegitimidade arguida pela OI S/A, o relator a reconheceu, tendo justificado tal posicionamento pela ausência de interesse do autor na anulação do acordo perfecitbilizado entre Maurício e Brasil Telecom nos autos do cumprimento de sentença. Considerou válido e eficaz o acordo lá produzido, redirecionando a ação apenas ao réu Maurício, haja vista que o tema vertido dos autos restringe-se à inadequada/abusiva utilização de poderes no exercício do mandato judicial, pelo que deu provimento ao recurso de apelação apresentado pela OI S/A e extinguiu o feito com relação à empresa.

Superadas as questões preliminares suscitadas pelo réu Mauricio Dal Agnol, de ordem processual, o relator não reconheceu a ocorrência de decadência, fixando o prazo prescricional decenal, previsto no artigo 205, do Código Civil à espécie – ações movidas pelo mandante contra antigo mandatário –, seguindo entendimento firmado pelo STJ, tendo como marco inicial a deflagração da

Operação Carmelina, em março de 2014, pelo que afirmou não ter sido implementada a prescrição.

No mérito, propriamente dito, o relator referiu que o acordo celebrado pelo advogado causou prejuízos ao seu cliente pelo que deve sofrer responsabilização civil. Salientou que diante da propositura do cumprimento de sentença por Maurício Dal Agnol, a Brasil Telecom S/A interpôs impugnação ao cumprimento de sentença, que foi julgada improcedente para manter o critério avaliativo das ações que se pretendia a subscrição, assim, afastou a alegação do advogado, ora apelante, no que diz respeito à possibilidade de alteração do julgado, nem mesmo a interposição de recurso especial ao STJ implicou em probabilidade de alteração do teor da decisão, ou seja, não havia risco de mutabilidade do crédito exequendo.

Diante disso, o relator constatou que o acordo perfectibilizado no cumprimento de sentença causou prejuízo ao cliente, haja vista que não havia risco de diminuição do crédito, que já estava consolidado, sem conceder anuência consciente ao apelado para abrir mão de 50% do valor do crédito e condenou o mandante ao pagamento de R$ 5.995,87 – valor abdicado naquele cumprimento de sentença.

O relator fixou a data do levantamento do alvará pelo advogado como marco inicial para incidência da correção monetária, e a data da citação para fins de aplicação dos juros de mora, no que foi provido o recurso de Mauricio Dal Agnol, tendo como termo final, tanto a incidência da correção monetária quanto dos juros de mora, a data do efetivo pagamento.

Com relação aos danos morais, o relator referiu que está presente na situação vertida dos autos, considerando que o advogado se aproveitou da confiança estabelecida entre ele e seu cliente para firmar acordo maléfico ao mandante com intuito de beneficiar a si mesmo, situação que não condiz com mero dissabor cotidiano. Frisou quanto à reprovabilidade da conduta do advogado, ora apelante, pois descumpriu a função social que lhe era inerente ao “trair” os interesses jurídicos de seu mandante, mantendo a indenização de R$ 10.000,00 fixada em primeiro grau.

Pelas razões expostas, por decisão unânime, foi dado parcial provimento aos apelos dos corréus e para negar provimento ao recurso adesivo.

Inconformado com a decisão proferida no acórdão lançado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Maurício Dal Agnol interpôs Recurso Especial, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, para o fim de impugná-lo.

Sustentou o recorrente, além de divergência jurisprudencial, a ocorrência de afronta a dispositivos legais (arts. 11, 105, 240, 1.022, II, CPC; 189 e 206, § 3º, IV e V, 682 e 849, 944 do CC-02; 5°, § 2°, 22 e 23 da Lei n° 8.906/1994), bem como asseverou que o bloqueio judicial dos bens do devedor fez cessar a mora e aplicação do prazo prescricional trienal.

O ministro relator, em análise as teses lançadas no recurso especial, entendeu por manter o prazo prescricional decenal aplicado pelo TJRS, pois de acordo com o entendimento firmado pelo STJ, aplicando a teoria actio nata, segundo a qual o prazo prescricional flui do momento da ciência da lesão pelo prejudicado e não da data em que ocorreu efetivamente a lesão, para fixar o termo inicial do decurso da prescrição a data da deflagração da Operação Carmelina, ocorrida em 2014.

Asseverou que na oportunidade da celebração do acordo em que houve renúncia de 50% do valor do crédito pelo advogado, o cliente não detinha conhecimento de que o advogado estava atuando de forma contraria a seus interesses, pois presume-se que o causídico constituído não se comportará de modo a prejudicar o próprio cliente, ao contrário, espera-se que atue de forma diligente com atenção aos deveres éticos na perseguição do interesse jurídico para o qual foi contratado.

Frisou que o entendimento do STJ, com relação ao prazo prescricional aplicado nas pretensões indenizatórias promovidas pelo mandante contra o mandatário é de dez anos, previsto no artigo 205, do Código Civil, pelo que manteve a fixação realizada pelo TJRS, reconhecendo que não houve prescrição da pretensão indenizatória do recorrido, haja vista que a Operação Carmelina se tornou pública em março/2014 e a ação indenizatória, sub examine, foi proposta em maio/2015.

No tocante ao ato ilícito e os danos materiais e morais, asseverou o relator que tanto o juízo a quo quanto o juízo ad quem basearam-se nos fatos descobertos através da Operação Carmelina de que o recorrente, Maurício Dal Agnol, formalizou acordo extrajudicial com a Brasil Telecom com o intuito de pôr fim

a número expressivo de ações movidas pelo patrono contra a empresa de telecomunicações, pelo que receberia a quantia estimada de 50 milhões para abdicar de 50% do crédito executado nas referidas ações, frisando ser descabida a revisão das conclusões dos órgão julgadores por se tratar de reexame fático- probatório, o que não é permitido face a súmula nº 7/STJ.

Além disso, sustentou que o recorrente não impugnou tais alegações, apenas referiu que detinha procuração outorgada pelo cliente para transigir em nome deste, tendo sido o acordo homologado pelo juízo, diante do que é válido e eficaz. Contudo, rebateu o relator que o fato do cliente ter outorgado procuração permitindo a realização de acordos não chancela condutas do advogado no sentido contrário a seus interesses, não lhe confere “livre arbítrio” para prática de conduta “temerária”, muito menos para produzir benefício próprio, o que sustentou com fulcro no artigo 667, do CC-02. Afirmou que “não há falar em regular exercício da advocacia se as condutas imputadas ao advogado se amoldam a infrações ético- disciplinares previstas expressamente na Lei nº 8.906/1994”. Por fim, constatou o seguinte:

Assim sendo, a ausência de invalidação do acordo judicial não constitui óbice para a responsabilização do recorrente, pois a conduta lesiva imputada ao réu não é a celebração de um acordo nulo, mas, sim, a quebra das obrigações ínsitas ao mandato outorgado. Em casos tais, as consequências da conduta abusiva do mandatário podem ser dirimidas à luz da relação jurídica interna existente entre o mandatário e o mandante, no âmbito da competente ação indenizatória, como é o caso.

No que diz respeito ao termo inicial da incidência dos juros moratórios, o relator manteve a forma estabelecida no acórdão, pois de acordo com o entendimento firmado pela corte de que nas ações indenizatórias provenientes de ralação contratual – neste caso, o descumprimento do contrato de mandato por abuso de poderes conferidos a partir da perfectibilização de acordo contrário aos interesses do mandante – o termo inicial de incidência dos juros moratórios sobre os danos morais e materiais é a data da citação. Ademais, manteve o quantum indenizatório fixado no acórdão por não demonstrar irrisoriedade ou abusividade com relação à situação fática.

Ademais, O relator asseverou que o bloqueio de bens do recorrente realizado em outro processo não serve para obstar a mora do devedor no que diz respeito a outra obrigação, envolvendo credor e situação fática diversa.

Diante das razões jurídicas e legais supracitadas, por unanimidade, foi negado provimento ao Recurso Especial.