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Aspectos da organização interacional nas cartas pessoais compartilhadas entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM. EUNICE MATIAS DO NASCIMENTO. ASPECTOS DA ORGANIZAÇÃO INTERACIONAL NAS CARTAS PESSOAIS COMPARTILHADAS ENTRE CÂMARA CASCUDO E MÁRIO DE ANDRADE. NATAL/RN 2017.

(2) EUNICE MATIAS DO NASCIMENTO. ASPECTOS DA ORGANIZAÇÃO INTERACIONAL NAS CARTAS PESSOAIS COMPARTILHADAS ENTRE CÂMARA CASCUDO E MÁRIO DE ANDRADE. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem. Área de concentração: Linguística Teórica e Descritiva Orientadora: Profa. Dra. Marise Adriana Mamede Galvão.. NATAL/RN 2017.

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(4) Aos meus pais, Francisco e Margarida..

(5) AGRADECIMENTOS. A Deus, por ter me concedido força, paciência e perseverança para concretizar mais uma vitória em minha vida. Aos meus pais, Francisco e Margarida, por todo esforço realizado ao longo dos anos para me proporcionar a oportunidade de estudar. A vocês, minha eterna gratidão. Aos meus irmãos, Sirleia, Simone (in memoriam), Sinésio (in memoriam), Sidney e Eugênio, pelo amor fraterno que (com)partilhamos. Minha gratidão, a vocês, por todo cuidado e proteção dedicada. A Daniel, meu namorado, pelo companheirismo e por todas as palavras de encorajamento que me incentivaram a prosseguir, buscando realizar mais um sonho em minha vida. À minha orientadora, professora Dra. Marise Adriana Mamede Galvão, que desde a graduação vem me incentivando e conduzindo no mundo da pesquisa. Minha gratidão por todas as conversas/aulas, esclarecimentos e orientações que foram fundamentais para a realização deste trabalho. À professora Dra. Ana Maria de Oliveira Paz pela acolhida no estágio de Docência Assistida. Serei sempre grata pelos ensinamentos, os quais contribuíram com minha formação e prática docente na graduação em Letras no Centro de Ensino Superior do Seridó, e por todo carinho. Agradeço imensamente à professora Dra. Maria das Graças Rodrigues Soares, pelas valiosas contribuições a esta dissertação, enquanto membro da banca de qualificação e defesa, pelo espaço no grupo de estudo Análise Textual dos Discursos e pelas demais oportunidades no âmbito acadêmico que me proporcionou. À professora Dra. Josilete Alves Moreira de Azevedo, não só por todas as importantes contribuições a esta dissertação, mas também pelos ensinamentos durante a minha formação na graduação em Letras no Centro de Ensino Superior do Seridó, os quais foram (e ainda são) essenciais para a caminhada profissional. À professora Dra. Maria Eliete de Queiroz, pelas contribuições a este trabalho como membro da banca de defesa..

(6) Aos meus colegas da turma de Letras de 2011.1, pelas experiências acadêmicas e de vida partilhadas ao longo da graduação. Vocês contribuíram de forma especial para que as dificuldades durante tal período fossem superadas. À Maria Betânia, Vitória, José Iranilson e Romena, por todos os momentos (com)partilhados no decorrer do curso de mestrado e pelas palavras de incentivo e amizade. À Célia Maria de Medeiros, pelo carinho e por contribuir com a revisão das referências, no que se refere às normas da ABNT. Ao corpo docente do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, pelos ensinamentos e aos funcionários da secretária, Beth e Gabriel, pelo atendimento ao longo curso. À turma de Letras 2015.1 do Centro de Ensino Superior do Seridó, pela recepção, troca de conhecimentos e experiências durante minha atuação no estágio docente no ensino superior. À Capes, pela bolsa de demanda social que contribuiu, imensamente, para que eu pudesse participar de atividades acadêmicas do curso de mestrado e realizar este trabalho. Por fim, a todos que, diretamente e indiretamente, contribuíram com este trabalho. Muito abrigada..

(7) “[...] E você aprende que realmente pode suportar ... que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor e você tem valor diante da vida! Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar se não fosse o medo de tentar.” (William Shakespeare).

(8) RESUMO. Esta dissertação teve como objeto de estudo a interação estabelecida por meio de cartas pessoais partilhadas entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade. Assim sendo, estabelecemos como objetivo geral investigar aspectos da organização interacional dessas correspondências e como objetivos específicos descrever, analisar e interpretar os propósitos comunicativos e a composição dos planos de texto da carta pessoal; as intervenções que ocorrem nas interações instauradas; a materialização das sequências dialogais e as trocas nesses textos; a natureza e estrutura das perguntas e respostas evidenciadas. Subsidiamo-nos, para tanto, em Bakhtin (2003), Silva (2002), Silva (1997), Marcuschi (2005, 2008), Bazerman (2005), Andrade (2010), Adam ([2008] 2011), entre outros pesquisadores, no que se refere a questões específicas do gênero discursivo/textual em foco. Também, orientamo-nos por perspectivas textuais e interacionais de investigação, cujas discussões fundamentam-se, principalmente, nos postulados da Análise da Conversação para abordar noções gerais que embasam o estudo da interação verbal em situações diversas. Nessa direção, destacamos pressupostos teóricos que têm como referência os estudos de Sacks, Schegloff e Jefferson ([1974] 2003), Marcuschi ([1986] 2003), Briz (2006), Kerbrat-Orecchioni (2006), Adam ([2008] 2011), Galvão (2011) e Galvão e Silva (2012), dentre outros. Metodologicamente, a pesquisa caracterizou-se como documental, sendo guiada por uma abordagem qualitativa e indutiva de investigação, com postura interpretativista de análise dos dados. O corpus do trabalho se constituiu de 97 cartas pessoais que fazem parte da correspondência de Câmara Cascudo e Mário de Andrade, escrita durante o período de 1924-1944, organizada em livro publicado em 2010. As análises realizadas revelaram que as cartas são interações verbais cujos aspectos de organização deixaram transparecer planos de texto fixos e ocasionais em um gênero discursivo/textual, sequências dialogais que se realizaram de forma semelhantes ao que observamos em situações face a face, embora os participantes estivessem distantes um do outro. Os resultados apontaram que essas ocorrências foram organizadas e mediadas por trocas e intervenções em que os participantes contribuíram na construção de um foco comum, pela instauração de pares dialogais, principalmente por manifestações de perguntas e respostas. Entendemos, assim, que escrever carta é uma forma de interação em que os participantes abordam muitas questões de interesse comum, compartilhando questões como política, literatura, cultura, entre outras, cujo objetivo é trazer um ao outro para o espaço presente. Palavras-chave: Interação. Carta pessoal. Sequência dialogal. Trocas. Pares dialogais..

(9) 9. ABSTRACT The object of study of this Master’s thesis is the interaction established between Câmara Cascudo and Mário de Andrade through their personal correspondence. Given this focus, our general objective was to investigate aspects of the interactional organization of these letters and, specifically, to describe, analyze and interpret the generic purposes and composition of these personal letters’ text plans. In addition, we consider both the interventions that occur in the established interactions, plus the materialization of the dialogical sequences and the exchanges in these texts, as well as the nature and structure of the questions and answers therein. This study relies on the theories of Bakhtin (2003), Silva (2002), Silva (1997), Marcuschi (2005, 2008), Bazerman (2005), Andrade (2010), and Adam ([2008]2011), among others researchers, with regard to specific issues of the discursive / textual genre in focus. We also adopt textual and interactive research perspectives that base discussions primarily on the theoretical precepts of Conversational Analysis to address the general notions on which the study of verbal interaction in different situations are based. Along these lines, we prioritize theoretical assumptions derived from the studies of Sacks, Schegloff and Jefferson ([1974] 2003), Marcuschi ([1986] 2003), Briz (2006), Kerbrat-Orecchioni (2006), Adam ([2008] 2011), Galvão (2011) and Galvão e Silva (2012), among others. Methodologically, the research is characterized as documentary, relying on an investigative approach that is both qualitative and inductive, as well as interpretative with regard to data analysis. The corpus of the investigation is comprised of 97 personal letters, part of the correspondence of Câmara Cascudo and Mário de Andrade, written during the period of 1924-1944, and later organized into a book, published in 2010. The analysis revealed that the letters are verbal interactions, which presented aspects of organization that showed fixed and occasional text plans in a discursive / textual genre, dialogical sequences that take place similar to what we observe in face-to-face situations, even though the participants are distant from one another. The results indicate that these occurrences were organized and mediated by exchanges and interventions in which the participants contribute to the construction of a common focus, by the establishment of dialogue pairs, mainly the manifestation of questions and answers. We understand, therefore, that writing a letter is a form of interaction in which the participants focus on many issues of common interest, sharing issues such as politics, literature, culture, among others, and with the goal of bringing each one into a present space. keywords: Interaction. Personal letter. Dialogical sequences. Exchanges. Dialogical pairs..

(10) 10. LISTA DE ILUSTRAÇÕES. QUADROS Quadro 1 – Plano de texto da carta pessoal .............................................................................. 27 Quadro 2 – Regras conversacionais.......................................................................................... 34 Quadro 3 – Níveis do modelo hierárquico ............................................................................... 37 Quadro 4 – Organização da sequência dialogal........................................................................ 41 Quadro 5 – Poema “O fantasma e a canção” ............................................................................ 42 Quadro 6 – Cartas selecionadas ................................................................................................ 64 Quadro 7 – Tipos de pares dialogais identificados nas interações analisadas .......................... 95. ESQUEMAS. Esquema 1 ................................................................................................................................ 47 Esquema 2 ................................................................................................................................ 47. TABELA Tabela 1 – Organizações dos Planos de Texto das cartas analisadas ....................................... 69.

(11) 11. SUMÁRIO. 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13. 2 APORTES TEÓRICOS ...................................................................................................... 16 2.1 O gênero ............................................................................................................................ 16 2.1.1 Uma noção de gênero discursivo/textual ......................................................................... 16 2.1.2 O gênero carta pessoal ..................................................................................................... 21 2.1.2.2 A prática e os propósitos comunicativos .............................................................................21 2.1.2.3 Plano de texto da carta pessoal .............................................................................................25 2.2 A interação verbal ............................................................................................................ 28 2.2.1 Noções gerais ................................................................................................................... 28 2.3 Regras interacionais ......................................................................................................... 34 2.3.1 O modelo hierárquico interacional .................................................................................. 37 2.3.2 A sequência dialogal ........................................................................................................ 38 2.3.3 A troca ............................................................................................................................. 49 2.3.3.1 O par adjacente .......................................................................................................................52 2.4 O par dialogal pergunta-resposta em interações ........................................................... 55 2.4.1 Quanto à estrutura do par dialogal pergunta-resposta ..................................................... 57 2.4.2 Quanto à natureza do par dialogal pergunta-resposta ...................................................... 59. 3 METODOLOGIA DA PESQUISA .................................................................................... 62 3.1 A abordagem e o tipo de pesquisa ................................................................................... 62 3.2 Objeto de estudo e constituição do corpus ...................................................................... 63 3.3 Etapas e categoria de análise ........................................................................................... 67. 4 ANÁLISES ........................................................................................................................... 69 4.1 Plano de texto e os propósitos comunicativos das cartas .............................................. 69 4.2 Organização estrutural da interação .............................................................................. 78 4.2.1 A sequência dialogal ........................................................................................................ 78 4.2.2 A troca ............................................................................................................................. 84.

(12) 12. 4.2.2.1 Os pares dialogais ...................................................................................................................92 4.2.2.2 Aspectos da estrutura e da natureza das perguntas e respostas ........................................95 4.2.2.2.1 Quanto à estrutura das perguntas e repostas .............................................................. 95 4.2.2.2.2 Quanto à natureza das perguntas e repostas .............................................................. 99. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 103. REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 106.

(13) 13. 1 INTRODUÇÃO. Nesta dissertação, partimos do princípio de que as interações verbais são eventos comunicativos materializados em diferentes lugares e sob diversos formatos, de modo organizado, efetivando-se ao longo de nossas vidas. Tendo por base essa compreensão, buscamos investigar como se instaura a interação verbal em cartas pessoais, haja vista que elas podem evidenciar ocorrências de estruturação próximas ao que se observa em eventos face a face, entre essas as contribuições dos interactantes na construção de intercâmbios comunicativos. Assim sendo, este trabalho insere-se em perspectivas textuais e interacionais de investigação, mais especificamente, fundamentado nos pressupostos teóricos da Análise da Conversação (doravante AC), além de adotar contribuições advindas da Análise Textual dos discursos, enfoque que prioriza textos efetivados em situações concretas de realização. Tendo como norte esse direcionamento, tomamos como objeto de estudo o gênero discursivo/textual já mencionado por compreendermos que se trata de um meio de interagir das pessoas que se encontram distantes, embora não se constitua uma prática recorrente. Consideramos que estudar a carta pessoal nos possibilitará o reconhecimento de como as pessoas interagem e como criam condições para tal realização. Acreditamos que pesquisar questões relativas à interação entre as pessoas que buscam um entendimento na construção de espaço de relacionamento comum, poderá ser de reconhecida relevância para a compreensão de outras interações menos ou mais espontâneas, quer se realizem com os participantes dividindo o espaço do aqui e do agora quer por outros meios e modalidades. Nessa ótica, ressaltamos que nossa escolha por um texto escrito, em vez de um falado, para realização de uma pesquisa com foco em aspectos da organização interacional, se deve ao fato de cartas pessoais apresentarem em sua constituição, características semelhantes às situações comunicativas face a face. Ressaltamos, nesse sentido, o compartilhamento de um espaço comum em que os participantes reclamam, solicitam informações, pedem ajuda, relatam experiências do cotidiano, enfim, se engajam e contribuem com o desenvolvimento de diálogos ao longo das interações estabelecidas. Assim sendo, apresentamos, a seguir, as principais questões de pesquisa que moveram e despertaram o nosso interesse da pesquisa desenvolvida: . Quais os propósitos comunicativos da carta pessoal?.

(14) 14. . Como se apresenta o plano de texto das cartas pessoais estudadas?. . Que ocorrências de interações face a face se materializam nos diálogos estabelecidos pela partilha de cartas pessoais?. . Por meio de quais evidências linguísticas a sequência dialogal e a troca ocorrem nesses textos?. . De que forma as perguntas e as respostas se estruturam?. . Que funções as perguntas e as respostas cumprem nas cartas?. Com o fim de responder tais questionamentos estabelecemos os seguintes objetivos:. Objetivo geral: . Investigar a organização interacional de cartas pessoais oriundas da correspondência compartilhada entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade.. Objetivos específicos: . Descrever, analisar e interpretar os propósitos comunicativos e as constantes composicionais evidenciadas no plano de texto da carta pessoal.. . Identificar, descrever, analisar e interpretar: a) as intervenções constituintes das interações instauradas por meio de cartas; b) a materialização das sequências dialogais e as trocas nesses textos; c) a ocorrência dos pares dialogais; d) os aspectos da natureza e estrutura das perguntas e respostas evidenciadas nas escrituras investigadas.. Para tal fim, orientamo-nos, inicialmente, pelas discussões de Silva (1997), Bakhtin (2003), Silva (2002), Marcuschi (2005, 2008), Bazerman (2005), Andrade (2010), Adam ([2008] 2011), Galvão e Silva (2012) e outros estudiosos, no que se refere à questão do gênero discursivo/textual carta pessoal e do plano de texto. Em seguida, embasamo-nos pelos postulados da AC, que têm como referência o estudo de Sakcs, Schegloff e Jefferson ([1974] 2003), e as pesquisas de Marcuschi ([1986] 2003, 2007), Kerbrat-Orecchioni (2006) etc. A realização de nossa investigação se justifica pela relevância de estarmos engajados com o estudo de ocorrências da língua mais espontânea em textos escritos. Nessa direção, destacamos, ainda, a importância de abordar cartas pessoais que integram a correspondência de dois autores que exerceram grande influência no cenário social, histórico, artístico, literário.

(15) 15. e intelectual de dois estados e do Brasil. Desse modo, buscamos contribuir com a área de pesquisa da AC, apresentando um estudo acerca de níveis da organização interacional em eventos comunicativos materializados em uma realidade textual escrita. Este trabalho está organizado da seguinte forma: além desta introdução e das considerações finais, contém três capítulos. No primeiro, abordamos os aportes teóricos que fundamentam uma compreensão acerca dos gêneros discursivos/textuais, bem como focalizamos os propósitos comunicativos e plano de texto da carta pessoal. Logo após, apresentamos as noções gerais que embasam o estudo da interação verbal, seguindo as discussões de Sakcs, Schegloff e Jefferson ([1974] 2003), Marcuschi ([1986] 2003) e o modelo proposto por Kerbrat-Orecchioni (2006). Nesse contexto, apoiamo-nos também nas contribuições de Galvão e Silva (2012), Galvão (2011) e outros. No segundo, discorremos sobre os aspetos metodológicos que norteiam o desenvolvimento da investigação, o objeto de estudo e as etapas de análise. No terceiro capítulo, tratamos da análise do corpus da pesquisa..

(16) 16. 2 APORTES TEÓRICOS. Neste capítulo, tratamos os pressupostos teóricos que fundamentam este trabalho. No primeiro momento, abordamos estudos que orientam uma compreensão a respeito de gênero discursivo/textual para, na sequência, discutirmos acerca dos propósitos comunicativos do objeto de investigação da nossa pesquisa, a carta pessoal, e as constantes identificadas no plano de texto que elas, comumente, evidenciam em sua realização. No segundo, por sua vez, refletimos sobre noções gerais da interação verbal, focalizando as regras interacionais e as unidades que permitem o exame do nível local das conversações. Além disso, fazemos uma discussão que trata das sequências dialogais, das trocas e dos pares adjacentes e, mais especificamente, dos pares dialogais pergunta-resposta, organizadores da interação face a face presentes na materialização das escrituras analisadas.. 2.1 O gênero Nesta seção, apresentamos algumas considerações acerca da noção de gênero discursivo/textual. Para tanto, recorremos aos postulados de Bakhtin (2003), cuja discussão é referência para diversos autores, e aos estudos de Silva (2002), Marcuschi (2005, 2008), Bazerman (2005) e Adam ([2008]2011).. 2.1.1 Uma noção de gênero discursivo/textual Marcuschi (2008), em seu livro “Produção textual, análises de gêneros e compreensão”, observa que, no Brasil, nos últimos tempos, vários estudiosos têm se detido a refletir sobre a questão dos gêneros. Esse autor mostra que, embora os trabalhos elaborados em torno do referido assunto no nosso país sejam diversos e sigam diferentes linhas de investigação, muitos deles apresentam em suas discussões as influências de Bakhtin. Como frisa Marcuschi (2008), as definições explicitadas em seu estudo também dialogam com o posicionamento bakhtiniano. Os postulados do filósofo russo têm como base uma perspectiva sócio-histórica e dialógica da linguagem. Assim, eles estão situados em um quadro teórico que se preocupa com propósito comunicativo daquela. É importante destacar.

(17) 17. que a nomenclatura1 utilizada por Bakhtin (2003), em seus textos, é gêneros do discurso e não gêneros textuais como prefere Marcuschi (2005, 2008). Em um artigo dedicado aos gêneros, Bakhtin (2003) inicia sua reflexão acerca desses ressaltando que uso da linguagem socialmente se dá por meio de enunciados, sejam eles orais e/ou escritos, reais e/ou únicos, produzidos pelos falantes de um determinado campo da atividade humana. Esse pesquisador explica que os enunciados proferidos por nós constituemse individuais, entretanto, conforme salienta: “cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados”. (BAKHTIN, 2003, p. 279). Esses são denominados de gêneros do discurso. Nesse entendimento, postula-se que as realizações de nossas práticas comunicativas nos mais variados campos da atividade humana estão relacionadas ao uso de gêneros discursivos. Esses, de acordo com Bakhtin (2003), dizem respeito às formas típicas de enunciados que proferimos e utilizamos – em campos sociais particulares – para escrever uma carta, um romance e/ou até mesmo para estabelecer diálogos no dia a dia. Para o autor,. Cada esfera conhece seus gêneros, apropriados à sua especificidade, aos quais correspondem determinados estilos. Uma dada função (científica, técnica, ideológica, oficial, cotidiana) e dadas condições, específicas para cada uma das esferas da comunicação verbal, geram um determinado, ou seja, um dado tipo de enunciado, relativamente estável do ponto de vista temático, composicional e estilístico. (BAKHTIN, 2003, p. 283-284).. Sob essa ótica, Bakhtin (2003) deixa claro que existem três elementos essenciais que constituem os gêneros do discurso, a saber: o conteúdo temático, a forma composicional e o estilo. O primeiro desses refere-se ao tema, isto é, ao assunto que um enunciado particular trata; o segundo remete-se aos aspectos estruturais; e o terceiro abrange as questões de seleção lexical, frasal, e gramaticais da língua. Tais elementos “fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação”. (Ibid., p. 279). Segundo esse filósofo da linguagem,. A riqueza e a diversidade dos gêneros são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando1. Esclarecemos que nessa pesquisa utilizaremos sem distinção os termos gêneros do discurso (BAKHTIN, 2003; BAZERMAN, 2005), gêneros de discurso (ADAM, [2008] 2011) e gêneros textuais (MARCUSCHI, 2005, 2008), uma vez que se trata de flutuação terminológica e discutir isso aqui não é nosso objetivo..

(18) 18 se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. (BAKHTIN, 2003, p. 279).. Na abordagem bakhtiniana, os gêneros do discurso são classificados em duas categorias: primários e secundários. Os gêneros discursivos primários relacionam-se a textos da comunicação verbal cotidiana, ou seja, imediata e espontânea como os diálogos orais, as cartas privadas etc. Já os secundários, a textos mais elaborados e formais como os romances, os dramas, as teses, e outros. Marcuschi (2008) comenta que a posição teórica defendida por Bakhtin norteia a compreensão de que os gêneros do discurso devem ser abordados considerando as realidades sociais que se inserem e as atividades humanas que estão relacionados. Para Marcuschi (2008), a noção de gênero está vinculada ao envolvimento social, por isso ele adota e defende a seguinte tese: “é impossível não se comunicar verbalmente por algum gênero, assim como é impossível não se comunicar verbalmente por algum texto. Isso porque toda a manifestação verbal se dá sempre por meio de textos realizados em algum gênero”. (Ibid., p. 154). Com base nessa premissa, Marcuschi (2008) explana que os gêneros textuais são entidades empíricas usadas por nós em situações comunicativas que fazem parte do nosso cotidiano. O autor revela que – em virtude de estarem relacionados a um domínio discursivo, isto é, a uma esfera da atividade humana, como discute Bakhtin – gêneros constituem-se em outras noções como “entidades orientadas para fins específicos”. (Ibid., p. 159). Marcuschi (2008) utiliza de um questionamento de Bathia (1997, p. 629) a respeito da forma de uso da língua pelos integrantes de uma determinada comunidade discursiva para enfocar o pensamento, a seguir:. Por exemplo, por que todos os que escrevem uma monografia de final de curso fazem mais ou menos a mesma coisa? E assim também ao pronunciarmos uma conferência, darmos uma aula expositiva, escrevermos uma tese de doutorado, fazermos resumo, uma resenha, produzimos textos similares na estrutura, e eles circulam em ambientes recorrentes e próprios. Isso ocorre também numa empresa com os memorandos, os pedidos de venda, as promissórias, os contratos e assim por diante. Vai ocorrer na esfera jurídica, na esfera jornalística, religiosa e em todos os demais domínios. (MARCUSCHI, 2008, p. 150).. Considerando tais indagações, o pesquisador em questão salienta que as pessoas elaboram textos em situações específicas com estruturas textuais parecidas para realizarem determinados objetivos. Em outros termos, Marcuschi (2008) faz referência ao domínio da publicidade para explicar que empresas diversas, como as imobiliárias, supermercados, lojas.

(19) 19. de móveis e tantas outras, usam os anúncios publicitários com a mesma finalidade, no caso, vender produtos anunciados. Nessa perspectiva, esse estudioso afirma que “cada gênero textual tem um propósito bastante claro que o determina e lhe dá uma esfera de circulação”. (MARCUSCHI, 2008, p. 150). Contudo, vale frisar que, apesar dos gêneros evidenciarem características textuais com certa estabilidade em suas materializações, elas não os definem. Sobre essa questão, Marcuschi (2008, p. 150) enfatiza que eles “têm uma forma e uma função, bem como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se dá basicamente pela função e não pela forma”. Desse modo, Marcuschi (2008, p. 154) entende que “quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma forma linguística e sim uma forma de realizar linguisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares”. Essa postura implica dizer que o conhecimento dos gêneros nos dá compreensão de como elaborar textos, tendo em vista as situações comunicativas que fazem parte da nossa rotina no convívio familiar, no trabalho, na faculdade, na vida em geral. Partindo dessas observações, Marcuschi (2008, p. 155), em síntese, assinala:. Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas.. Nessa direção, podemos estabelecer um diálogo de Marcuschi (2008) com Bazerman (2005). Esse último autor considera que os gêneros reportam-se aos “tipos que as pessoas reconhecem como sendo usadas por elas próprias e pelos outros”. (Ibid., p. 31). Consoante aos dizeres de Bazerman (2005), se um texto é compreendido pelas pessoas em uma determinada situação, tendemos a seguir padrões comunicativos semelhantes quando nos encontramos em ocasiões parecidas. Por exemplo, quando participamos de uma entrevista, sabemos como agir no seu decorrer. Nesse ponto de vista, “as formas de comunicação reconhecíveis e autoreforçadas emergem como gêneros”. (BAZERMAN, 2005, p. 29). No seu trabalho, Bazerman (2005) destaca que costumamos identificar e classificar um texto em função das características textuais evidenciadas. Entretanto, esse estudioso ressalta que tal maneira de identificação nos dá uma compreensão parcial de gênero, pois estaremos reconhecendo-o apenas pela forma. Nesse enfoque, ele chama atenção para a mudança do conhecimento comum e das situações comunicativas, destacando que “gêneros emergem nos processos sociais em que as pessoas tentam compreender umas às outras suficientemente bem.

(20) 20. para coordenar atividades e compartilhar significados com vistas a seus propósitos práticos”. (Ibid., p.31). Marcuschi (2005) defende que os gêneros devem ser reconhecidos como entidades dinâmicas e não como modelos estanques com estruturas rígidas, dado que constituem-se variáveis, flexíveis e desenvolvem-se de modo que possibilita até mesmo o surgimento de outros, dependendo das necessidades comunicativas dos falantes. Com o advento da internet, por exemplo, gêneros como o e-mail e o chat surgiram em virtude da nossa busca por uma comunicação mais rápida e online. Todavia, Marcuschi (2005) lembra que nem sempre essas entidades dinâmicas da língua surgem como novas, mas derivadas de uma já existente. Para esse teórico, “um gênero dá origem a outro e assim se consolidam novas formas com novas funções de acordo com as atividades que vão surgindo”. (MARCUSCHI, 2005, p. 22). A respeito disso, Bazerman (2005) aponta que as cartas contribuíram na emergência de gêneros distintos, entre estes figuram: o artigo científico, o relatório etc. Nessa mesma perspectiva, Silva (2002, p. 29) assegura que “a sociedade, em suas práticas comunicativas, para colocar a língua em funcionamento, e mais especificamente os discursos materializados em textos, elabora e atualiza gêneros textuais de modo que estes respondem às necessidades comunicativas dos indivíduos”. A autora considera que a dinamicidade dos gêneros “vincula-se à sua própria natureza: são fenômenos sócio-históricos e culturais que se transformam, redimensionam-se, desaparecem, reaparecem, como também outros novos são criados”. (SILVA, 2002, p. 31). Não obstante às considerações explicitadas, Adam ([2008] 2011), ao refletir sobre os gêneros, orienta-se pelos estudos de Pêcheux (1990) para estabelecer uma relação entre esses e as formações discursivas. Segundo Adam ([2008] 2011), a noção de formação discursiva pode ser lida na citação seguinte que foi reformulada por Pêcheux (1990, 148):. [As] formações discursivas [...] determinam o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de um discurso público, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa etc.)a partir de uma dada posição, em uma determinada conjuntura: o ponto essencial aqui é que não se trata somente da natureza das palavras usadas, mas também (e sobretudo) das construções nas quais essas palavras se combinam, na medida em que elas determinam a significação que assumem essas palavras [...], as palavras mudam de sentido, segundo as posições defendidas por aqueles que as usam; as palavras “mudam de sentido” passando de uma formação discursiva para outra. (PÊCHEUX, 1990, p. 148 apud ADAM [2008] 2011, p. 44, ênfase conforme o original francês).

(21) 21. Nesse sentido, Adam ([2008] 2011, p. 44) explica: “mesmo que a palavra não apareça, ao falar de discurso público, sermão, panfleto, exposição, programa, Pêcheux enumera uma lista de gêneros”. Em seguida, Adam ([2008] 2011), apoiando-se nos dizeres de Stierle (1977, p. 425), reitera que “o conceito de discurso [...] é definido pelos traços: uma estabilização pública e normativa, e a possibilidade de um status institucional”. Nessa visão, “é nos gêneros de discurso que localizaremos esta ‘estabilização pública e normativa’ que opera no quadro do sistema de gêneros de cada formação discursiva”. (ADAM, [2008] 2011 p. 45). Convém ressaltar que Adam ([2008] 2011) propõe a investigação da organização de uma carta, poema, enfim, de um gênero de discurso a partir da compreensão do plano de texto que eles materializam-se. De acordo com o autor, “os planos de texto desempenham papel fundamental na composição macrotextual do sentido”. (ADAM [2008] 2011, p. 257). Assim sendo, adotamos as orientações desse teórico para discorremos sobre as constantes que são identificadas na realização da forma epistolar. Após termos revisitado essas noções, resumimos, consoante a afirmação de Marcuschi (2008, p. 159), que os gêneros figuram como “[...] entidades comunicativas em que predominam os aspectos relativos a funções, propósitos, ações e conteúdos”. Tendo em vista a discussão feita nesta seção, focalizamos, a seguir, alguns aspectos que fazem parte dos propósitos comunicativos do objeto de investigação desta pesquisa, a carta pessoal.. 2.1.2 O gênero carta pessoal. 2.1.2.2 A prática e os propósitos comunicativos. A tradição de escrever cartas em nossa sociedade é recorrente desde antiguidade, conforme afirma Andrade (2010). Mas, como lembra Silva (2002), em dado período a escrita desses textos constituía-se como uma prática social que se prestava a atender as necessidades comunicativas do Estado. De acordo com Silva (2002), tradicionalmente, o endereçamento de cartas voltava-se para intercambiar notícias, regimentos, ordens e questões burocráticas do governo. Para exemplificar, essa autora cita que na Grécia e Roma antigas, ordens, leis, proclamações, comandos militares, pronunciamentos, documentos administrativos e outras atividades eram emitidas na forma de carta. Silva (2002) explica que, além do Estado, a Igreja Católica, na Roma antiga e no período medieval, também se utilizou do envio de cartas para auxiliar o seu processo de.

(22) 22. expansão. Essa pesquisadora menciona que o intercâmbio dessas escrituras por parte da Igreja, no tempo referido, possibilitou a criação de uma rede comunicativa que permitia o gerenciamento dos interesses da Igreja frente às comunidades cristãs. Para Bazerman (2005, p. 88-89),. As primeiras cartas da igreja constituíam um veículo importante para manter a sua comunhão em lugares distintos. Os viajantes levavam cartas de seu bispo, apresentando-os como membros comungantes da igreja e reafirmando os laços de comunhão entre bispos. Em cartas encíclicas também circulavam informações sobre divisões internas e listas de quais clérigos permaneciam “em comunhão”. Enquanto a organização da igreja se desenvolvia nos períodos romano tardio e medieval, nessas cartas apostólicas e pastorais circulavam decisões doutrinais, decisões dos sínodos episcopais e assuntos temporais e políticos.. Dessa forma, inicialmente, a escritura de cartas estava relacionada às atividades do Estado, bem como da Igreja, os quais se utilizavam de seu envio para intercambiar notícias oficiais. Porém, como registra Silva (2002) e Andrade (2010), com o passar dos tempos a escrita desses textos se popularizou entre outras esferas da sociedade, passando a circular, então, entre amigos e parentes o que a caracterizou como uma atividade íntima. Segundo Silva (2002), a prática de escrever cartas no espaço das relações privadas e íntimas tem seu início no século XVII, primeiro na Inglaterra e depois em outros países da Europa e na América do norte. Apoiada nas investigações de Dierks (1999), a estudiosa explica que a carta pessoal surge, enquanto gênero discursivo/textual, em função da disseminação de manuais que orientavam a escrita da forma epistolar no espaço familiar. Silva (2002) esclarece, a partir de Dierks (1999), que os manuais sugeriam que as cartas escritas em tal âmbito deveriam evidenciar em sua materialização expressões de afeto, sinceridade, cordialidade, expressividade e informalidade. A autora diz, ainda, que havia recomendações para que os textos fossem elaborados com uma linguagem elegante e cortês, contudo essa não poderia realizar-se de forma suntuosa, uma vez que o propósito delas era (e ainda é) manter relações de proximidade entre parentes, amigos, etc. Barrenechea (1990 apud ANDRADE, 2010, p. 195) considera que as cartas pessoais caracterizam-se “pela emergência do traço constituído pela franqueza nas manifestações que escrevem com liberdade e que se apoiam na confiança depositada no destinatário”. Nessa direção, Andrade (2010) argumenta que o gênero discursivo/textual em questão pode ser lido como um intercâmbio – entre enunciador e enunciatário – “que comporta um diálogo entre.

(23) 23. duas pessoas que compartilham sentimentos, relações, ideias, isto é, uma história de vida em comum”. Sob essa ótica, a carta é compreendida como uma forma de diálogo, no entanto, tratase de um diálogo que sempre ocorre na ausência de um de seus participantes. Dessa maneira,. Quando o enunciador escreve, seu enunciatário está distante, mas quando este último recebe a carta ela lhe falará sobre a distância. Nessa perspectiva, ambos os sujeitos jamais estão presentes ao mesmo tempo: a presença real de um somente pode ser acompanhada da reconstrução imaginária do outro, em um tempo e lugar distintos, nunca compartilhados. (ANDRADE, 2010, p, 196).. Assim sendo, compreendemos com o posicionamento de Andrade (2010) que os diálogos nas cartas se estabelecem no sentido do compartilhamento de diversas questões entre os autores, bem como da (re)construção dessas escrituras, pois os participantes não estão presentes ao mesmo tempo. Assim, a realidade comunicativa só pode ser acompanhada a partir de seu intercâmbio, ou seja, a cada carta enviada e/ou recebida. Na visão de Andrade (2010, p. 195), “como abertura de uma sequência conversacional, a carta determina – pelo simples fato de ter sido enviada – uma obrigação de reposta por parte do destinatário, e se isso não ocorresse seria como o silêncio que se instaura numa interação face a face, permitindo inferências pragmáticas análogas.” Nessa perspectiva, responder a uma carta recebida apresenta-se como uma obrigação entre aqueles que se correspondem por meio desses textos. Alinhada com essa compreensão, Silva (2002, p. 68) assegura que “o contrato que subjaz às práticas comunicativas desse gênero é que as cartas são escritas para ir ao encontro de uma resposta”. Para Andrade (2010, p. 195), “a matriz epistolar pode ser observada na carta pessoal (caracterizada por apresentar escritura cotidiana e intima [sic])”. Contudo, a autora deixa claro que esse gênero discursivo/textual atualiza-se de acordo com as “práticas sociais em que a escritura da carta se instaura e os distintos usos que dela são feitos”. (Ibid., p. 195). Silva (1997, p. 121) faz relevantes considerações ao definir que O rótulo carta é abrangente e pouco esclarecedor: excetuando-se o formato externo – cabeçalho, data, assinatura – e algumas expressões formulaicas freqüentes [sic] em suas seções iniciais e finais, o corpo da carta permite qualquer tipo de comunicação: desde as vantagens de um de um determinado cartão de crédito até informações sobre condomínio, passando pelas esperadas novidades do amigo que mora no exterior..

(24) 24. Dessa modo, percebemos que, apesar de poder se atualizar de diferentes maneiras socialmente, o referido gênero discursivo/textual evidencia em sua realização traços que possibilitam que o reconheçamos, como discutem Silva (1997) e Andrade (2010). Essa última estudiosa cita que a configuração das cartas apresenta elementos fixos e ao menos um alternativo. Os fixos compreendem os elementos de local, data e a assinatura do autor da escritura, já o alternativo ao PS: post scriptum. Andrade (2010) ressalta que os elementos de local e data fazem parte da abertura e a assinatura e o post scriptum do fechamento dos textos em questão. No que concerne aos propósitos comunicativos, Castilho da Costa (2012, p. 145) esclarece que as cartas pessoais podem englobar “desde o desejo de expressar amizade [...] o de fazer fofoca sobre a vida alheia, o de dar notícias sobre a família até o de declarar amor de forma íntima”. Isto é, sendo uma atividade íntima, ela permite que as pessoas falem sobre uma série de assuntos, com vista nos mais variados propósitos. Silva (1997), em um estudo que se propõe a classificar cartas, chama atenção para questão de que muitas vezes nesse gênero discursivo/textual pode-se identificar mais de um ou até mesmo a superposições de propósitos. Ao estudarem as relações de envolvimento em cartas pessoais, Galvão e Silva (2012) observam que essas constituem-se em gêneros discursivos/textuais “usados em nossas práticas cotidianas, com objetivos dos mais variados, entre esses o de relatar ocorrências da vida diária". Os autores mostram que os interlocutores das cartas analisadas as (com)partilham com finalidades diversas, inclusive, com a de manter relações de amizade, conforme observado nas cartas de Câmara Cascudo e Mário de Andrade. Quanto à estrutura composicional do gênero carta, Silva (2002, p. 133) salienta: À época, como ainda hoje, as cartas sustentam-se basicamente em três grandes etapas, quais sejam: abertura do evento, espaço que se instaura o contato e a interlocução com o destinatário, que corresponde ao exórdio; o corpo da carta, desenvolvimento do objeto do discurso; o narrativo e, por fim, o encerramento do contato, da interlocução; a conclusão.. Em seu livro – A linguística textual: introdução à análise do discurso, Adam ([2008] 2011) se deteve a refletir sobre as constantes composicionais que identificou na forma epistolar. Na investigação desse teórico, como frisamos anteriormente, tais constantes são abordadas a partir da compreensão do plano de texto do gênero discursivo/textual em estudo..

(25) 25. 2.1.2.3 Plano de texto da carta pessoal. Nos estudos de Adam ([2008] 2011), os planos de texto são apresentados como ligações que integram a composição estrutural de um texto. Nessa perspectiva, o autor considera que “o reconhecimento de um texto como um todo passa pela percepção de um plano de texto, com suas partes constituídas, ou não, por sequências identificáveis”. (ADAM, [2008]2011, p. 254). Sob essa ótica, o texto é compreendido como uma estrutura sequencial, com partes identificáveis no conjunto que elas integram. Adam ([2008] 2011) destaca que duas unidades constituem-se responsáveis por tornar o texto um todo configurado, a saber: a unidade temática e a unidade ilocucionária. Essas, nas palavras do autor, “determinam a coerência semântica-pragmática de um texto (ou de uma parte do texto)”. (Ibid., p. 254). Adam ([2008] 2011, p. 258) explica, ainda, que “os planos de textos estão, juntamente com os gêneros, disponíveis no sistema de conhecimentos dos grupos sociais. Permitem construir (na produção) e reconstruir (na leitura ou na escuta) a organização global de um texto, prescrita por um gênero.” Nessa abordagem, o teórico distingue os planos de texto convencional e ocasional. Conforme sugere Adam ([2008] 2011), o convencional corresponde a um plano oratório clássico da retórica, isto é, “ao que a retórica colocava na disposição, parte da arte de escrever e da oratória que regrava a ordenação dos argumentos tirados da invenção2”. (Ibid., p. 255). Esse plano compreende, inicialmente,. Um exórdio (cujo objetivo é interessar ao auditório), seguido de uma proposição (causa ou tese resumida do discurso), com sua divisão (anúncio do plano). O desenvolvimento tem como principal a confirmação (que prova a verdade avançada na proposição), a qual pode ser precedida por uma narração (exposição dos fatos) e em seguida por uma refutação (rejeição dos argumentos contrários). A peroração (conclusão que comove o auditório) completa esse conjunto. (ADAM, [2008] 2011, p. 255-256).. Nesse sentido, o plano convencional diz respeito a um modelo fixo e cristalizado, como frisa Adam ([2008]2011, p. 256), “pelo estado histórico de um gênero ou subgênero do discurso”. Além do plano da oratória, esse estudioso menciona que os planos de realização dos verbetes dos dicionários (com as partes de entrada, definição e exemplo), da dissertação (introdução, tese, antítese, síntese, conclusão) e de outros textos também apresentam um plano fixo. 2. Ênfases do autor..

(26) 26. De acordo com Adam ([2008] 2011), o fato do plano convencional não abranger as realizações prováveis dos planos de textos fez com que surgissem outros planos, esses inesperados e deslocados, no caso, ocasionais. Com base nas discussões de Adam ([2008] 2011), Passeggi et al. (2010, p. 297) mencionam que os planos ocasionais “com frequência fogem à estruturação clara de um gênero ou subgênero do discurso. As partes ou segmentos do texto são marcados por uma variedade de recursos, textuais e peritextuais.” Para exemplificar os planos ocasionais, Adam ([2008] 2011, p. 256) cita o texto de um editorial, de um poema, de uma novela etc. Considerando essas noções teóricas, esse estudioso analisa a organização da carta, transcrita, a seguir, como exemplo de um plano convencional. A carta foi escrita por Corneille a Colbert, em 1978.. <1- ABERTURA> A Colbert Senhor, <2-EXÓRDIO> Na infelicidade que me esmaga há quatros anos, por não participar mais das gratificações com as quais Sua Majestade honra aos homens de letras, não posso ter recurso mais justo e mais favorável do que vós, Senhor, a quem sou inteiramente devedor da que eu tinha. <3-CORPO ARGUMENTATIVO DA CARTA> Nunca a amarei, mas, pelo menos, procurei não me tornar completamente indigno do uso que fiz dela. Não aa utilizarei, de forma alguma, em benefício próprio, mas para manter dois filhos nos exércitos de Sua Majestade, um dos quais foi morto ao seu serviço no sítio de Grave; o outro serve há quatorze anos e é agora capitão na cavalaria ligeira. Assim, Senhor, a perda desse favor, ao qual V. Exa. Tinha me habituado, não pode deixar de ser extremamente penosa para mim, não por interesse próprio, apesar de ter sido o único benefício recebido em cinquenta anos de trabalho, mas porque era um glorioso sinal da estima que aprouve ao Rei ter para com o talento que Deus me deu, e que esta desgraça me impossibilita de sustentar por mais tempo esse filho no serviço que consumiu a maior parte dos meus escassos bens, para preencher com honra o lugar que ocupa. <4PERORAÇÃO> Ouso esperar, Senhor, que terá a bondade de restituir-me vossa proteção, e de não deixar destituir vossa obra. Que sou tão infeliz para esmagar-me com essas esperanças, e permanecer excluído dessas graças que me são tão preciosas e tão necessárias, peço-lhe a justiça de acreditar que a continuação desta má situação não enfraquecerá, de forma alguma, meu zelo pelo serviço do Rei, nem os sentimentos de reconhecimento que vos devo pelo passado, <5-ENCERRAMENTO> e que, até o último suspiro, terei a glória de ser, com toda paixão e o respeito possíveis, Senhor, Seu muito humilde, muito obediente e muito agradecido servidor, Corneille.. Analisando a carta, Adam ([2008] 2011) explica que no reconhecimento de algumas partes constituintes do gênero discursivo/textual em questão “podemos hesitar entre cinco ou três grandes unidades: o contato inicial com o destinatário da carta, a apresentação e o desenvolvimento do objeto do discurso, por fim, a interrupção final do contato, ou.

(27) 27. conclusão.” O autor entende que “os dois marcos, inicial e final, podem desdobrar-se em unidades peritextuais e em zonas fronteiriças de abertura e de fechamento, e podemos ter três ou cinco partes”. (ADAM, [2008] 2011, p.257). Nessa direção, o pesquisador destaca que as partes <1> e <5> reportam-se aos momentos inicial e final, respectivamente, do plano, correspondendo à dominante discursiva fática. As partes <2> e <4> compõe o corpo da carta e constituem-se como zonas de transição, em que se tem uma introdução-preparação e uma conclusão-fechamento, já o momento marcado pela parte <3> configura o corpo da carta. Na visão de Adam ([2008] 2011, p. 158), essas partes. Comportam todas as características que a retórica atribui ao exórdio <2> e à peroração <4>: preparar <2> a recepção da mensagem preservando a face de outrem (do registro familiar ao mais solene), introduzindo o assunto, e, outrossim, recapitular e convencer, introduzindo eventualmente, com <4>, elementos patéticos, preparando as futuras interações com o destinatário (em particular, sua resposta).. A partir dessa organização, o estudioso em questão postula o seguinte plano textual, para a forma epistolar:. Quadro 1 – Plano de texto da carta pessoal. Fonte: Adam ([2008] 2011, p. 257). Consoante as observações feitas e ao esquema apresentado, percebemos que a carta pessoal, enquanto forma epistolar, pode evidenciar em sua materialização um plano de texto composto por: sequências fáticas e sequências de transição. As sequências fáticas compreendem aos momentos <1> e <5> e têm como função anunciar o início e a finalização.

(28) 28. da interação, respectivamente. Nas sequências de transição <2>, <3> e <4>, por sua vez, os interlocutores podem ou não introduzir, desenvolver, bem como concluir e/ou encerrar o propósito comunicativo em questão. Para Adam ([2008] 2011, p. 257), “o corpo da carta é livre e deve, portanto, ser analisado como um plano de texto ocasional”. A estrutura composicional do plano de texto da carta é comparada – na abordagem do referido pesquisador – aos dos textos dialogais-conversacionais, cuja estrutura apresenta segmentos fáticos de abertura e fechamento e segmentos transacionais. Com base nessas considerações, discorreremos, a seguir, a respeito das bases teóricas que fundamentam o estudo da interação verbal, enfocando noções que tratam dessa questão de forma mais abrangente.. 2.2 A interação verbal Tendo em vista o objetivo de analisar a interação em cartas pessoais, discutimos, nesta seção, acerca da interação verbal a partir das investigações de Sakcs, Schegloff e Jefferson ([1974] 2003), Marcuschi ([1986] 2003), Kerbrat-Orecchioni (2006), Barros (2002), Silva (2002), Preti (2002) entre outros pesquisadores.. 2.2.1 Noções gerais. Para estabelecer uma compreensão sobre a noção de interação verbal nesta pesquisa, orientamo-nos, a princípio, por uma literatura com foco nos estudos conversacionais. Marcuschi ([1986] 2003, p. 14), ao refletir sobre a conversação, ressalta que se trata do “gênero básico da interação humana”. Para esse estudioso, “a conversação é a primeira das formas de linguagem a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca abdicamos vida afora”. (MARCUSCHI [1986] 2003, p. 15). Nesse sentido, ela constitui-se como sendo uma das práticas sociais mais recorrentes de nosso dia a dia. Conforme Marcuschi ([1986] 2003), para duas pessoas produzirem e sustentarem uma conversação elas devem partilhar um mínimo de conhecimentos comuns. Entre eles estão a aptidão linguística, o envolvimento cultural e o domínio de situações sociais. O autor admite que “os esquemas comunicativos e a consecução dos objetivos exigem partilhamentos e aptidões cognitivas que superam e muito o simples domínio da língua em si”. (MARCUSCHI ([1986] 2003, p. 16)..

(29) 29. Nessa direção, Hilgert (2002, p. 90) afirma que “a conversação é sempre uma atividade social, de natureza lingüística [sic], construída por interlocutores em interação, na medida em que alternam os papéis de falante e ouvinte.” Dessa forma, a conversação face a face instaura-se com a participação de, no mínimo, duas pessoas que se alternam enquanto falam, podendo focalizar diversos assuntos. Do ponto de vista de Preti (2002, p. 45), conversação é uma palavra que “abrange um grande leque de atividades de comunicação verbal”. Assim sendo, podemos reconhecê-las tanto em situações comunicativas onde nossas falas, geralmente, são concebidas de forma mais descompromissadas, quanto em situações que apresentam assuntos já pré-estabelecidos. Segundo Silva (2010), além de ser uma prática social de expressão, a conversação permite, ainda, que as pessoas, por meio dela, realizem outras práticas como, por exemplo, romper e/ou construir relacionamentos, etc.. Assim, de acordo com esse estudioso, é conversando que nós conseguimos nos expressar, como também, realizar ou não nossos propósitos comunicativos. Sob um viés etimológico, Silva (2010, p. 32) explica que Conversação é um substantivo ligado ao verbo conversar3, que procede do latim conversare, encontrar-se habitualmente num mesmo local. Esse termo é composto de con (junto) e versare (dar voltas), remetendo-nos à ideia de conviver com outras pessoas. A palavra conversação deriva do latim conversatio, onis, significa convivência, ação de viver junto. A conversação é, pois, uma atividade em que duas pessoas interagem por meio da linguagem verbal e/ou não verbal.. Ao longo da discussão, Silva (2010, p. 32) frisa que “a conversação tem sido o centro de atenção de diversas perspectivas científicas, tanto do ponto de vista individual como do social. Por isso, o termo conversação4 pode ser concebido de diversas maneiras.” Assim, “há aqueles que o utilizam num sentido amplo, que recobre qualquer tipo de interação oral que, em geral, fazem distinção entre conversação informal (aquelas que são espontâneas, não planejadas) e conversação formal (aquelas que têm algum tipo de planejamento prévio)”. (SILVA, 2010, p. 32). Como exemplo de conversações formais esse pesquisador cita entrevistas, debates, seminários, entre outros. Com efeito, Silva (2010) menciona que também existem aqueles que usam o termo conversação em um sentido que o toma como sinônimo de conversações espontâneas, em que se pressupõe que não há qualquer tipo de planejamento. O autor explícita que essa compreensão pode ser lida na seguinte citação de Levinson (1989, p. 271): “[...] 3 4. Ênfases do autor. Ênfase do autor..

(30) 30. consideraremos conversação5 o tipo de fala predominante com que estamos familiarizados, no qual dois ou mais participantes se alternam livremente ao falar e que costuma ter lugar fora de instituições específicas como serviços religiosos, tribunais, aulas e outros similares”. De acordo com Marcuschi ([1986] 2003, p. 15), toda atividade conversacional apresenta uma organização elementar básica; nela podemos encontrar as características constitutivas transcritas, a seguir: “(a) interação entre pelo menos dois falantes; (b) ocorrência de pelo menos uma troca de falantes; (c) presença de ações coordenadas; (d) execução numa identidade temporal; (e) envolvimento numa interação centrada”. Ancorado em Dittmann (1979, p. 2-11), Marcuschi ([1986] 2003) argumenta que as características citadas possibilitam que reconheçamos a conversação como uma interação centrada, em que seus participantes voltam-se, por um determinado tempo, a realização de uma tarefa comum. Na obra “Interação na fala e na escrita”, organizado por Dino Preti (2002), verificamos que vários autores dedicam-se a discutir acerca da interação em gêneros que incluem desde os diálogos gravados pelo Projeto NURC/SP até textos falados em diversas interações com temas distintos. Mas, como anunciado na apresentação do livro, os estudos incluídos nesses textos nem sempre são apresentados a partir da mesma perspectiva teórica, de modo que, podemos encontrar discussões sobre aquela com diversas posições conceituais. Sendo assim, a seguir, mencionaremos algumas, com o fim de ilustrar a abrangência conceitual que o termo interação pode apresentar. Barros (2002), no trabalho “Interação em anúncios publicitários”, deixa explícito que a semiótica discursiva de linha francesa considera que os sujeitos se envolvem em dois tipos de relações: “entre o sujeito e objeto, relação que simula a do homem com o mundo, sobre o qual age; entre sujeitos, relação que simula as de comunicação e interação entre os homens”. (BARROS, 2002, p. 17). Nessa perspectiva, a interação é vista como a relação estabelecida entre os sujeitos envolvidos em uma comunicação e também como um fenômeno sociocultural e discursivo. No artigo “Estruturas de participação e interação na sala de aula”, Silva (2002) se inspira nos dizeres de Geraldi (1990, p. 36) e Milanez (1987, p. 244) para discutir a interação evidenciada na relação professor/aluno na sala de aula como uma atividade que se constitui de ações de ambos participantes. Em síntese, o autor diz que, “quando se utiliza a língua para se comunicar, há uma ação de um para com o outro, uma ação entre aquele que produz e aquele que recebe e vice-versa”. (SILVA, 2002, p. 182). Na acepção da investigação – Alguns. 5. Ênfase do autor..

(31) 31. problemas interacionais da conversação – Preti (2002, p. 45) esclarece que “o conceito de interação pode ser entendido em sociedade sob o ponto de vista da reciprocidade do comportamento das pessoas, quando em presença uma das outras, numa escala que vai da cooperação ao conflito”. Em uma pesquisa intitulada “Um estudo sobre o gênero carta pessoal: das práticas comunicativas ao indícios de interatividade”, Silva (2002) também discorre sobre a noção de interação. Nesse estudo, essa pesquisadora menciona que a definição emerge no âmbito dos estudos da etnometodologia, da etnografia da comunicação e da antropologia, cujas referências são os estudos de Hymes (1972), Goffman (1974), Gumperz e Hymes (1974). Nessa perspectiva, Silva (2002) deixa claro que, na perspectiva de discussões desses teóricos, o conceito de interação é entendido apenas em eventos comunicativos, onde os participantes em situações face a face constroem textos por meio de diversas estratégias textuais, linguísticas, cognitivas e interativas. Contudo, a estudiosa, ressalta que, apesar de nessa abordagem interação referir-se somente a um contexto de produção específico, ela acredita que tanto Goffman quanto Hymes jamais descartam de suas reflexões um entendimento acerca da interação com sentido mais abrangente, a qual pode ser assim traduzida: Toda e qualquer atividade discursiva, atualizada a distância ou in praesentia6 se constitui num quadro interacional, regido por regras e normas pragmáticas, adequadas a situação comunicativa. Aí se reflete, em larga medida, o que foi construído social, histórica e culturalmente, em termos de padrões interacionais, pelas pessoas de uma dada sociedade. (SILVA, 2002, p. 23).. Nesse sentido, Silva (2002, p. 23) compreende a interação como uma dimensão comunicativa que envolve e caracteriza toda e qualquer produção discursiva, a qual se pressupõe a (inter)ação dos participantes sobre (e entre) si mesmos, sobre os saberes partilhados [...] as representações da situação comunicativa em que estão engajados, o(s) assunto(s) em questão.. Conforme ficou explicitado, embora a interação seja alvo de estudos de áreas diversas, a compreensão de sua noção nas perspectivas citadas não apresenta entendimentos discrepantes em relação ao que apreende por interação, mas sim complementares. Em síntese, percebemos que a interação apresenta-se como uma atividade – de natureza conversacional ou 6. Ênfase da autora..

(32) 32. não – em que seus participantes através de ações conjuntas se organizam para interagir com objetivos comuns. No livro “Análise da Conversação Princípios e Métodos”, Kerbrat-Orecchioni (2006) ressalta que a interação é uma produção linguística em que os diferentes participantes se ajustam, se ordenam e se coordenam para falar e desenvolver diversas trocas comunicativas, à medida que se permutam nos papéis de emissor e receptor. Porém, essa pesquisadora frisa que, para haver troca nas interações. Não basta que dois falantes (ou mais) falem alternadamente; é ainda preciso que eles se falem, ou seja, que estejam, ambos, “engajados” na troca e que deem sinais desse engajamento mútuo, recorrendo a diversos procedimentos de validação interlocutória7. Os cumprimentos, apresentações e outros rituais “confirmativos” desempenham, nesse sentido, um papel evidente. Mas a validação interlocutória se efetua, sobretudo, por outros meios mais discretos e, no entanto, fundamentais. (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 8).. Assim sendo, compreendemos a partir do ponto de vista dessa estudiosa que a noção dos procedimentos de validação interlocutória se estende, em princípio, aos participantes de uma interação nas seguintes tarefas: no caso, do emissor, deixar evidente que está falando com alguém, como também proporcionar a escuta do destinatário; no caso, do receptor, produzir sinais que demostrem ao falante que está engajado no circuito comunicativo em desenvolvimento. É importante destacar que alguns dos procedimentos sugeridos por Kerbrat-Orecchioni (2006), para tais expressões e indicações, podem ser evidenciados apenas em uma interação face a face como, por exemplo, a orientação do corpo, a expressão do olhar, etc. No entanto, ressaltamos que nas interações, em que os participantes não (com)partilham o espaço do aqui e do agora, como nas cartas, os procedimentos realizam-se por outros meios, tais como: formas de tratamentos, captadores (do tipo - hein, né etc.), ênfase expressa pela realização da palavra em letra maiúscula (ENTENDEU?), ou até mesmo pelo prolongamento de uma das letras da palavra (Simmmm), etc. Nesse sentido, a autora considera as interações como atividades colaborativas, independentemente dos participantes estarem ou não na presença um do outro. Na discussão acerca das interações, a pesquisadora em questão comenta, ainda, que os meios pelos quais podemos interagir socialmente são múltiplos, e muitas vezes não são de 7. Ênfase da autora..

Referências

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