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4.2 Organização estrutural da interação

4.2.2.1 Os pares dialogais

Como identificamos na seção anterior, Câmara Cascudo e Mário de Andrade nas interações viabilizadas pelo (com)partilhamento de cartas pessoais se utilizam de trocas que se organizam por meio de pares dialogais. Entretanto, nas cartas esses pares não se manifestam de forma coocorrente como, geralmente, acontece na fala.

Compreendemos que, como as cartas são textos escritos, enviados e recebidos em tempos diferentes, a resposta a um determinado questionamento, por exemplo, não é produzida simultaneamente, isto é, logo após que o interlocutor faz uma determinada pergunta ao remetente. Assim, observamos no exemplo 21 que as perguntas efetivada em 1º de janeiro de 1928 na carta nº 45 – (P) “Como se foi o Ascenso se é que ele andou aí?”; (P) “Por que V. não me mandou nenhum daqueles instantâneos tirados aqui?” – são respondidas apenas em 22 de janeiro na carta nº 46.

Assim como os demais, o exemplo em foco evidencia que nas interações instauradas, por cartas, os pares dialogais se realizam em um espaço-temporal diferente de uma conversação face a face, uma vez que os autores das cartas não dividiam o espaço do aqui e do agora no momento da escrita e da leitura daqueles textos. Dessa maneira, intervenções iniciativas como as perguntas feitas na carta nº 45 – “Como foi o Ascenso se é que ele andou aí?”; “Por que V. não me mandou nenhum daqueles instantâneos tirados aqui?” – poderão ser completadas somente no evento comunicativo de outra carta que, por sua vez, pode ser a escritura seguinte ou não.

Nessa direção, é importante destacar que em virtude dos turnos nas escrituras serem concretizados em uma realidade espaço-temporal distinta, conforme afirma Galvão (2011), o entendimento dos pares dialogais nas cartas se dá de modo diferente da que se observa nas interações face a face, pois eles não são constituídos apenas por um questionamento ou uma resposta a esse, mas também por outras contribuições que podem ou não apresentar natureza do tipo iniciativa-reativa.

No que se refere ao reconhecimento dos pares, no exemplo 21, fica claro que nas interações em questão eles ocorrem por suas partes mutuamente relacionadas, ou seja, pelo princípio da relevância condicional, conforme discutido por Marcuschi ([1986] 2003, 2007). Logo, “a relevância condicional de um item sobre o outro diz que, dada a primeira parte, uma

segunda é esperável; se esta ocorrer, é vista como a segunda em relação à primeira”. (MARCUSCHI, [1986] 2003, p. 36).

Nesse direcionamento, notamos que na intervenção reativa “Quanto ao Ascenso esteve aqui, matamos saudades bem” o interlocutor usa palavras do domínio discursivo do questionamento, a seguir, para responde-lo e completa-lo: “Como se foi com o Ascenso se é que ele andou aí?”.

Exemplo 21 (Carta nº 45 p. 139-140) – Remetente LCC 1. Natal, 1º de janeiro de 1928 2. Mário de Andrade. 3. Amigão. [...]

13. (P) Como se foi o Ascenso se é que ele andou aí? Jorge terminou o livro. 14. Eu continuo tomando notas para uma História do Rio Grande do Norte em [...]

22. (P) Por que V. não me mandou nenhum daqueles instantâneos tirados 23. aqui? [...]

35. Grandes abraços deste seu 36. Luís.

37. Mamãe muito se recomenda e agradece ter-se V. se lembrado dela. (Carta nº 46 p. 141-142) – Remetente MA

1. São Paulo, 22 de janeiro de 1928. 2. Luís querido.

9. [...]

13. praceanas agradáveis, eta bolo natalense que nunca sai do meu goto! (R) Falar 14. nisso, as fotografias você não imagina, só mandei até agora tirar cópia pra ver, 15. umas saíram boas, outras ruíns, outras não saíram nada, nunca mais não pe- 16. guei nelas de tanto que tenho lerdeado. Mas vou principiar cuidando disso e 17. mandarei pra você as que prestam.

[....]

37. (R) Quanto ao Ascenso esteve aqui, matamos saudades bem. Agora [...] 45. (P) E recebeu meu Clã?

46. Um baita abraço do sempre amigo que te quer bem e um beijo pras 47. mãos de sua mãe. Me lembro sempre dela, tão boa.

48. Mário.

Como mostra o exemplo 22, as escolhas lexicais dos autores contribuem, igualmente, ao longo das interações estabelecidas, para que um determinado enunciado seja reconhecido como um agradecimento a um elogio e até mesmo uma resposta a uma questão posta. Por exemplo, o uso da expressão lexical “Clã” no enunciado “Gracias pelas palavras a respeito do Clã” deixa evidente que o agradecimento de Mário de Andrade na carta nº 49 é uma contribuição correspondente ao elogio feito por Câmara Cascudo no texto nº 47. Assim também acontece com a intervenção “Mandei sim o livro de você pro Manu e pro Ribeiro Couto”. Nessa contribuição são selecionados o termo “livro” e os nomes próprios “Manu” e “Ribeiro Couto” para reagir na direção do questionamento “V. mandou os livros aos Couto & Manu?”. Assim sendo, o par elogio-agradecimento é constitutivo das cartas escritas de Mário de Andrade para Câmara Cascudo e vice-versa.

Exemplo 22

(Carta nº 47 p. 143-144) – Remetente LCC 1.Natal, 2 de fevereiro de 1928

2. Mário. [...]

17. (I-ic)Clã de Jabuti é o seu melhor livro de poemas, como brasilidade 18. pura e sensível. Não sendo livro de tese nem de pessoísmo estético (Losan- 19. go cáqui e neste clã os poemas das páginas 37 e 93) Clã é bandeira de 20. tribo. [...]

42. Grande abraço deste seu seguro e fiel amigo. 43. Luís.

44. (P) V. mandou os livros ao Couto & Manu?

(Carta nº 49 p. 147-148) – Remetente MA 1. São Paulo, 8 de março de 1928.

2. Luís,

3. recebi carta e como consequência natural: alegrão baita nesta casa

4. que você se obstina em não vir entrar nela. (I-re) Bom. Gracias pelas palavras a res- 5. peito do Clã. Palavra de honra que acho que você tem razão, também imagino 6. que é a coisa melhor que escrevi. E creio que em poesia, seu Luís, não faço 7. mesmo coisa que preste. [...]

25. terá sua importanciazinha, não acha? (R) Mandei sim o livro de você pro Manu e 26. pro Ribeiro Couto. (P) Não escreveram sobre? [...]

43. E o abraço mais carinhoso do 44. Mário.

Os dados do corpus desta pesquisa revelam que nas trocas instauradas entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade podemos identificar pares dialogais do tipo:

Quadro 7 – Tipos de pares dialogais identificados nas interações analisadas Convite – Recusa

Pedido – Concessão/ Recusa Agradecimento – Aceitação

Elogio – Agradecimento Pergunta – Resposta Fonte: Dados da pesquisa

Dentre as intervenções iniciativas que constituem tais pares dialogais, verificamos a ocorrência de 234 perguntas ao longo das interações instauradas. Tendo em vista os propósitos deste trabalho, analisamos na seção analítica seguinte aspectos da estrutura das pergunta efetivadas e das resposta atribuídas, a fim de melhor discutir e compreender essas evidências interacionais.