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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE ARTES - CEART DOUTORADO EM TEATRO ADRIANA MARIA DOS SANTOS

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DOUTORADO EM TEATRO

ADRIANA MARIA DOS SANTOS

DISABILITY ou SAMUEL BECKETT e a PINTURA

FLORIANÓPOLIS, SC

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DISABILITY ou SAMUEL BECKETT E A PINTURA

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Teatro da Universidade do

Estado de Santa Catarina, como requisito para obtenção do grau de Doutor em Teatro, área de concentração Teorias e Práticas Teatrais, na Linha de Pesquisa Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade.

Orientador:

Prof. Dr. Milton de Andrade Leal Junior

FLORIANÓPOLIS, SC

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UDESC S237d Santos, Adriana Maria dos

Disability ou Samuel Beckett e a pintura / Adriana Maria dos Santos. - 2013.

195 p. : il. ; 30 cm Bibliografia: p.158-163

Orientador: Prof. Dr. Milton de Andrade Leal Junior

Tese (doutorado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Doutorado em Teatro, Florianópolis, 2013.

1. Pintura - 2. Samuel Beckett. - I. Leal Junior, Milton de Andrade (Orientador) – II. Universidade do Estado de Santa Catarina. Centro de Artes. Doutorado em Teatro – III. Título

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DISABILITY ou SAMUEL BECKETT E A PINTURA

Esta tese foi julgada aprovada para obtenção do Título de Doutor, área de concentração Teorias e Práticas Teatrais, na linha de pesquisa Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade, pelo Programa de Pós-Graduação em Teatro, do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina, em 27 de maio de 2013.

Banca Examinadora:

Orientador: __________________________________________ Prof. Dr. Milton de Andrade Leal Junior UDESC

Membros:

__________________________ ____________________________ Prof.ª Dr.ª Anita Prado Koneski Prof.ª Dr.ª Sandra Meyer Nunes

UDESC UDESC

________________________________ ____________________________ Prof. Dr. Luiz Fernando Ramos Prof. Dr. Nestor Habkost

USP UFSC

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SANTOS, Adriana Maria dos. DISABILITY ou SAMUEL BECKETT E A PINTURA.

2013. 195 f. Tese (Doutorado em Teatro, área de concentração Teorias e Práticas Teatrais, na

linha de pesquisa Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade) – Centro de Artes da

Universidade Estadual de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Teatro, Florianópolis, 2013.

Esta pesquisa parte do texto de autoria do escritor irlandês Samuel Beckett acerca da obra dos irmãos Abraham e Gerardus van Velde em meados do século XX. A análise de Beckett sobre esses artistas contém uma gama de conceitos e considerações críticas que fundamentam esta pesquisa teórica sobre pintura e de onde parte a reflexão em torno da representação e dos termos utilizados pelo autor de referência, sendo estes: fracasso, impedimento e desmoronamento. Estes permeiam toda a pesquisa e são pensados na pintura contemporânea com base em dois pintores, Jean Rustin e Margherita Manzelli, nos quais o corpo entendido aqui como corpo transgressor e inominável encontra correspondência nos personagens beckettianos. Esta abordagem é desdobrada pela interlocução com outros autores a fim de

chegar-se ao termo Disability e os conceitos de contaminação e monstruoso como condição

dentro da arte contemporânea, mais precisamente no teatro e na pintura, que desborda os

termos informe, fracasso e impedimento suscitando um olhar “mais-além” sobre os conceitos

elaborados pelo autor de referência.

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SANTOS, Adriana Maria dos. DISABILITY ou SAMUEL BECKETT E A PINTURA.

2013. 195 f. Tese (Doutorado em Teatro, área de concentração Teorias e Práticas Teatrais, na

linha de pesquisa Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade) – Centro de Artes da

Universidade Estadual de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Teatro, Florianópolis, 2013.

Cette partie de la recherche sur le texte écrit par l'écrivain irlandais Samuel Beckett sur le travail de l'Abraham frères et Gerardus van Velde dans le milieu du XXe siècle. L'analyse de Beckett à propos de ces artistes contient une série de concepts et considérations essentiels qui sous-tendent cette recherche théorique sur la peinture et où la réflexion sur le cadre de la représentation et les termes de référence utilisé par l'auteur, à savoir: l'échec et l'effondrement prévention. Ceux-ci imprègnent toutes les recherches et l'on pense à la peinture contemporaine repose sur deux peintres, Jean Rustin et Margherita Manzelli, dans lequel le corps ici compris comme un corps transgresseur et innommable se reflète dans les beckettianos caractères. Cette approche est déployée pour le dialogue avec d'autres auteurs afin d'obtenir de l'invalidité de longue durée et les concepts de la contamination et la façon monstrueuse état de l'art contemporain, en particulier dans le théâtre et la peinture qui déborde le rapport termes, l'échec et entrave posant un regard «plus que» sur les concepts développés par la référence de l'auteur.

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Figura 1 – Adriana Maria dos Santos - Pintura (detalhe) 2011 ... 01

Figura 2 – Adriana Maria dos Santos - Desenho digital - Coletiva Armazém 2012 ... 15

Figura 3 – Adriana Maria dos Santos - Pintura s/ papel de out door 1998 ... 26

Figura 4 – Adriana Maria dos Santos - Pintura s/ papel de out door 1998 ... 27

Figura 5 - Adriana Maria dos Santos – Molduras do Corpo Mutilado na Pintura 2000 .... 27

Figura 6 - Adriana Maria dos Santos – Molduras do Corpo Mutilado na Pintura 2000 ... 29

Figura 7 - Adriana Maria dos Santos – Molduras do Corpo Mutilado na Pintura 2000 .... 30

Figura 8 (A-B) - Adriana Maria dos Santos – Molduras do Corpo Mutilado na Pintura 2000 ... 30

Figura 9 (A-B) – Adriana Maria dos Santos - Molduras do Corpo Mutilado na Pintura 2000 ... 31

Figura 10 – Adriana Maria dos Santos – Anjo-Monstro 2011 ... 34

Figura 11 - Desenho de Monstro 1ª Edição 2010 ... 35

Figura 12 – Desenho de Monstro 2ª Edição 2011 ... 35

Figura 13 – Adriana Maria dos Santos – Vertigem – Desenho - 2012 ... 37

Figura 14 –Bram e Geer van Velde Lachan 1948 ... 47

Figura 15 - Abraham van Velde –Composition– 1970 ... 40

Figura 16 - Abraham van Velde –Members Chello ... 50

Figura 17 - Abraham van Velde –Snow Landscape 1923...65

Figura 18 - Abraham van Velde –Still Life 1924/30 ... 66

Figura 19 - Abraham van Velde –Fenêtre Description 1937/38 ... 66

Figura 20 - Abraham van Velde –Untitled 1939 ... 67

Figura 21 - Abraham van Velde –Untitled 1956 ... 67

Figura 22 - Abraham van Velde –Abstract ... 68

Figura 23 - Abraham van Velde –Completion ... 68

Figura 24 - Abraham van Velde –Nocturne 1981 ... 69

Figura 25 - Abraham van Velde –L’Unique III 1973... 69

Figura 26 - Abraham van Velde –Desertique 1981 ... 70

Figura 27 - Geer van Velde –Vue du Village 1925 ... 72

Figura 28 - Geer van Velde –Composition circa 1940 ... 73

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Figura 32 - Geer van Velde –Composition 1955/58 ... 75

Figura 33 - Geer van Velde Composition circa 1948/50 ... 75

Figura 34 - Geer van Velde –Composition 1952/55 ... 76

Figura 35 - Geer van Velde –Nature Morte ... 76

Figura 36 - Geer van Velde –Composition 1939/40 ... 77

Figura 37 - Geer van Velde –Composition 1949/51 ... 77

Figura 38 - Geer van Velde –Composition 1962 ... 78

Figura 39 – Francis Bacon – Estudo para Cabeça de um Papa que Grita 1952 ... 84

Figura 40 – Lucien Freud –Leigh on a Green Sofa.... ... 85

Figura 41 – Jenny Saville –Juncture 1994 ... 85

Figura 42 – Alyssa Monks –Pressure 2009... 86

Figura 43 – Eduardo Berliner – Acostamento 2009 ... 86

Figura 44 –McLean Edwards –Bound 2011 ... 87

Figura 45 – Iberê Camargo – O Ciclista 1989 ... 87

Figura 46 – Paula Rego –Dog Woman 1994 ... 88

Figura 47 – Olivier de Sagazan –Transfiguration 2010 ... 88

Figura 48 – Gottfried Helwein –The Disasters of War 2007 ... 89

Figura 49 – Egon Schiele - Self portrait with his head down 1912 ... 89

Figura 50 – Alberto Giacometti - Portrait of Peter Watson 1953 ... 90

Figura 51 – Jean Rustin –Tres Personajes 1982 ... 95

Figura 52 – Jean Rustin - Where is little Bébert?1964 ... 96

Figura 53 – Jean Rustin –The Read Heels 1971 ... 96

Figura 54 - Jean Rustin – S/ Titulo 1972 ... 97

Figura 55 – Jean Rustin –The Holy Woman 1984 ... 97

Figura 56 - Jean Rustin – Duas Mulheres Sentadas 1990 ... 98

Figura 57 – Jean Rustin em seu atelier ... 98

Figura 58 – Jean Rustin –La Chaise de Latelier 1992 ... 99

Figura 59 – Jean Rustin – S/Titulo 1993 ... 99

Figura 60 - Jean Rustin –Les Deux Amies s/d ... 100

Figura 61 - Jean Rustin - S/Título s/d ... 100

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Figura 65 – Margherita Manzelli –Verifica del Funzionamento, spazio vuolto ... 107

Figura 66 – Margherita Manzelli –Luminate ... 108

Figura 67 – Margherita Manzelli –Notten ... 108

Figura 68 – Margherita Manzelli –Programma Disciplina Maestro ... 109

Figura 69 – Margherita Manzelli –Ostinato ... 109

Figura 70 – Margherita Manzelli –Untitled G ... 110

Figura 71 – Margherita Manzelli –Untitled E ... 110

Figura 72 – Margherita Manzelli –Untitled J ... 111

Figura 73 – Margherita Manzelli –La Vita é Nulla ... 111

Figura 74 – Billie Whitelaw in Happy Days 1979 ... 117

Figura 75 - Billie Whitelaw - Royal Court Theatre di Londra 1976 ... 118

Figura 76 - Billie Whitelaw playing the role of "May" in "Footfalls" 1976 ... 118

Figura 77 – Delphine Seyrig nella versione francese di Passi 1978 ... 119

Figura 78 –Catherine Sellers in Dondolo 1983 ... 119

Figura 79 - Adriana Maria dos Santos –Molloy 2011 ... 122

Figura 80 - Adriana Maria dos Santos –Molloy 2011 ... 123

Figura 81 - Adriana Maria dos Santos –Molloy 2011 ... 124

Figura 82 - Adriana Maria dos Santos –Molloy 2011 ... 125

Figura 83 - Adriana Maria dos Santos – Estudo fotográfico para pintura 2010 ... 125

Figura 84 - Jean Rustin – S/ título s/d ... 127

Figura 85 – Samuel Beckett –Fragment dramatyczny I ... 128

Figura 86 – Jean Rustin – S/ título s/d ... 129

Figura 87 –Michael Gambon’s 2004 ... 132

Figura 88 – Dorothy Silver as Nell in Beckett’s Endgame ... 133

Figura 89 – Elaine Stritcht and Alvin Epstein in Endgame ... 133

Figura 90 – Jean Rustin – S/ Título 1988 ... 134

Figura 91 - Jean Rustin – S/ Título s/d ... 135

Figura 92 - Jean Rustin – S/ Título s/d ... 136

Figura 93 - Jean Rustin – S/ Título s/d ... 137

Figura 94 – Samuel Beckett Not I 1973 ... 139

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Figura 98 - Adriana Maria dos Santos - Disability 2012 ... 144

Figura 99 - Adriana Maria dos Santos - Disability 2012 ... 145

Figura 100 - Adriana Maria dos Santos - Disability 2012 ... 145

Figura 101 - Samuel Beckett diante das pinturas de Henry Hayden 1922 ... 157

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INTRODUÇÃO ... 16

Percurso ... 21

1 PINTURA ... 38

1.1 OS IRMÃOS ABRAHAM E GERARDUS VAN VELDE ... 47

1.2 INOMINÁVEL ... 79

1.2.1 A decrepitude do corpo em Jean Rustin (França, 1928-) ... 90

1.2.2 Corpo e rosticidade em Margherita Manzelli (Itália, 1968-) ... 101

2 UM CORPO TRANSGRESSOR ... 142

3 DISABILITY ... 146

DISPOSIÇÕES FINAIS ... 154

REFERÊNCIAS ... 158

APÊNDICES ... 164

APÊNDICE A - ADRIANA MARIA DOS SANTOS (2013) ... 165

APÊNDICE B – ADRIANA MARIA DOS SANTOS - DESENHOS E AQUARELAS (2013-2009) ... 168

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INTRODUÇÃO

O texto que apresento a seguir, como tese doutoral no Programa de Pós-Graduação em Teatro, doutorado na Linha de Pesquisa em Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade, é fruto de parte da pesquisa que venho desenvolvendo na pintura desde a conclusão do mestrado em poéticas visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1998.

O autor irlandês Samuel Beckett (1906-1989) possui no campo da arte do século XX uma produção profunda e amplamente pensada por autores de variadas categorias de conhecimento. E, por sua relevância para o pensamento atual naquilo que se postula contemporaneidade, sua abordagem singular da vida por meio de personagens ficcionais tanto na obra literária quanto na teatral e nas adaptações para a TV ou cinema, supõe uma forte marca conceitual que dialoga com as questões que aparecem muito evidenciadas hoje nas artes visuais e demais categorias.

Encaminharei o raciocínio à seguinte consideração: se as artes visuais, em algum momento da tradição modernista das vanguardas, operacionalizaram conceitos até então específicos de algumas áreas das ciências humanas e tecnológicas, e que ressoam de modo abrangente no pensamento atual, podemos considerar que, pelo ato de criação de quebra da tradição que as envolve, uma das rupturas significativas tenha sido o da ruptura formal que se operou nas artes do final do século XIX, mediante movimentos e artistas isolados que trataram de alterar o tratamento formal na composição em pintura, dado que esta é a categoria sobre a qual concentro esta reflexão. Hibridismos e aproximações entre categorias artísticas não são prerrogativas do momento contemporâneo, tendo sido consequência de encontros já no período do Barroco, bem como nas primeiras vanguardas com as colaborações entre os primeiros modernistas.

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Samuel Beckett cunhou termos com os quais ele tecia sua interlocução com a pintura:

pintores do impedimento, estética do pouco, fracassos, fiascos, etc. Partindo de seus escritos

sobre a pintura, busco tecer uma trama com algumas vertentes conceituais da pintura contemporânea. A proposta desta pesquisa é fundamentalmente a busca de mecanismos nas artes visuais que possibilitem uma interlocução com a obra de Samuel Beckett, que não se constitua uma proposta de leitura de imagem seja por que ordem for, mas uma dobra entre minha prática como pintora, a obra de alguns pintores específicos e as questões apontadas

pelo autor, ainda que para este não fossem mais que fragmentos ao qual intitulou Disjecta.

O texto concentra o olhar na relação entre a obra de Samuel Beckett, mais

precisamente o ensaio La Peinture des van Velde ou le Monde et le Pantalon, presente no

livro Disjecta Miscellaneous Writing and a Dramatic Fragment (1945), e os pintores de

referência, Jean Rustin, Margherita Manzelli, em relação ao texto de Beckett sobre os irmãos pintores Abraham e Gerardus van Velde. Inicio alinhavando alguns elementos que permeiam a ideia de um diálogo entre os personagens e o tratamento dado pelos pintores e os personagens

de Samuel Beckett nas obras Molloy, O Inominável, Happy Days, Endgame, Not I, Rockaby,

Rough for Theatre. Ainda neste estudo estarão sendo elaborados alguns recortes referentes ao

corpo como se apresenta na pintura e alguns paralelos com conceitos como o Informe em

Georges Bataille, o termo rosticidade e a máquina de guerra em Gilles Deleuze, e outros

desdobramentos. Trato de pensar como alguns elementos sugeridos pela observação do quadro e do corpo apresentado nele e o corpo pensado em Samuel Beckett podem criar dobras de confrontamento e, dialogicamente, remetem aos conceitos de humano e transgressão associados e referendados na pintura como linguagem que se constitui, segundo o autor Hugo

Houayek, como queda e morte, ao mesmo tempo em que esta (a pintura) possui em si o

impedimento da representação segundo Samuel Beckett.

O termo disability dá título à pesquisa, uma vez que sugere uma condição de

inabilidade na sua potência em lidar com o fracasso ou a falibilidade que, segundo o autor de

referência, Samuel Beckett, é dado ao artista ao referir-se à obra de Bram van Velde. Beckett afirma em uma célebre conversa com Georges Duthuit em 1949:

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sei que tudo o que é necessário agora, para trazer ainda este assunto horrível para uma conclusão aceitável, é fazer dessa submissão, essa admissão, esta fidelidade ao fracasso, uma nova ocasião, um novo termo de relação, da ação que, incapaz de agir, obriga a agir, através de um ato expressivo, mesmo que apenas de si mesmo, da sua impossibilidade desta obrigação. (BECKETT, 1983, p. 145). 1

Buscar uma reflexão acerca do percurso de Beckett ao considerar as questões da pintura, da pintura moderna, é operar sobre território instável, sobre o qual o próprio autor não possibilita uma saída, apenas disponibiliza algumas pistas. Como ele disse em entrevista

acerca de seus romances, Molloy, Malone Morre e O Inominável: “[...] mas vieram num

grande jorro de entusiasmo... Não sou um intelectual. Tudo que sou é sentimento. Molloy e os

outros vieram a mim no dia em que tomei consciência da minha loucura. Só então comecei a

escrever as coisas que sinto[...]” (apud ANDRADE, 2001 p.189).

A leitura da obra dos irmãos van Velde por Samuel Beckett sedimenta o aporte conceitual sob o qual busco pensar os desdobramentos na pintura contemporânea, partindo da premissa de que a representação, ao falhar na tentativa de reproduzir a realidade, sendo esta uma das rupturas às quais as artes visuais foram submetidas no decorrer do século XX, pode potencializar outros desdobramentos como fronteira ou margem para outras significações.

Discorre-se sobre as principais rupturas a partir de Marcel Duchamp, o princípio do retard,

que supõe um atraso no tempo, no movimento elaborado por este e o qual relaciono ao

silêncio e às pausas em Samuel Beckett, o conceito de subjétil em Antonin Artaud reelaborado

por Jacques Derrida, que conduz a pensar sobre subjetividade e projétil na visão de Artaud, a

consideração sobre o termo máquina de guerra de Gilles Deluze e Felix Guattari a fim de

considerar a pintura um campo de operações que se aproximam desta, aliados ao texto de Hugo Houayek sobre a frontalidade e as estratégias de pensar a queda ou a morte através do ato pictórico.

Os termos impedimento, fracasso, desmoronamento acompanham o olhar sobre a obra

de pintores contemporâneos, cujas obras não se aproximam pelo tratamento estético dos

1 [...] The history of painting, here we go again, is the history of is attemps to escape from this sense of failure, by means of more authentic, more ample, less exclusive relations between representer and representee, in a kind of tropism towards a light as to the nature of which the best opinious continue to vary, and with a kind of Pythagorean terror, as though the irrationality of pi were an offence against the deity, not to mention his

creature…van Velde is the first to desist from this estheticized automatism, the first to admit that to be a artist to fail, as no other dare fail, that failure is his world and the shrink from it desertion, art and craft, good

housekeeping, living…I know that all that is required now, in order to bring even this horrible matter to an acceptable conclusion, is to make of this submission, this admission, this fidelity to failure, a new occasion, a new term of relation, and of the act which, unable to act, obliged to act, he makes, an expressive act, even if

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irmãos van Velde; inclusive em Jean Rustin vamos encontrar um percurso oposto ao desses pintores, uma vez que Rustin passa de uma pintura abstrata para uma figuração do corpo mais próxima de um realismo. A pintora Margherita Manzelli foca seu trabalho em uma presença feminina no quadro, a qual se aproxima de algumas obras de Samuel Beckett cuja relação é similar na escolha da mulher como centro, entre outros aportes. A ideia ao eleger dois pintores contemporâneos para refletir a problemática questão em Beckett é de sugerir outro

mecanismo de experiência do fracasso, da falibilidade e da impossibilidade de pintar que

opera no tratamento do corpo como fenômeno que este suscita ao ser tratado pela via da queda, da decrepitude, do avesso da beleza como contraponto do princípio clássico da figura humana na superfície da tela.

O filósofo Giorgio Agamben apresenta em um texto intitulado O que é o

Contemporâneo? (2009) uma versão de sujeito contemporâneo com base na noção de sombra, uma consideração relevante para que localizemos de que sujeito está tratando-se e o porquê das escolhas dos artistas de referência.

As obras de Samuel Beckett mencionadas e escolhidas para supor uma interlocução entre autores, artistas e obras estão relacionadas a essas considerações, pois que não se trata de uma reflexão sobre toda a obra deste, e sim sobre aquelas às quais a reflexão pode ser

submetida. A obra O Inominável, da qual emprestamos o nome ao terceiro capítulo, constitui

base de reflexão para toda a pesquisa, pois o consideramos um termo que conduz o olhar para a pintura contemporânea e nas relações desta com a morte e a queda.

Disability corresponde ao sentido de impossibilidade de constituir-se um título que dê conta da complexidade presente na constituição de obra de arte nos dias atuais, também em um termo que dialogue com os termos postulados por Samuel Beckett e que compreenda a noção de corpo transgressor pensado através do monstruoso como via de subversão da busca pelo sentido. Para pensar uma dobra nas considerações teóricas, penso que a transcendência em Georges Bataille permite considerar o abismo como figura imagética da descontinuidade; compreende um “mais-além” do impedimento ao aliar as obras mencionadas e as considerações de Gilles Deleuze com relação ao diagrama na pintura, como gesto primordial, um silêncio carregado de impulsos, tal qual na pintura dos irmãos van Velde, os impedimentos bifurcam-se, gerando estruturas que se afastam e podem conduzir a uma nova/velha pintura.

Ainda buscamos o termo contaminação como parte de um determinado teatro que incorpora atores com deficiência ao espetáculo, pois entendemos ser este um dos aportes o

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redimensiona aspectos relacionados à representação, inclusive.

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Percurso

Meu interesse pelo corpo na pintura surge em meados dos anos noventa por meio de uma experiência cotidiana muito singular. Por essa época me concentrava em elaborar mentalmente detalhes sobre meu trabalho na pintura, incomodava-me não possuir ainda um repertório forte, no qual pudesse buscar continuidade. Era dia, e no período de tempo em que esperava dentro de um ônibus no terminal urbano no centro da cidade, observando as pessoas passando na rua, acontece de subitamente um homem de uns trinta anos parar em frente à janela em que eu estava. Ele vestia roupas pretas, muito sujas, sem sapatos. Esse homem tinha uma atitude insólita: dava bocados num saco de farinha de mandioca, abocanhava mesmo, e o rosto estava completamente branco, ressaltando os olhos arregalados que me encaravam enquanto mastigava aquela farinha seca. Por instantes nos encaramos, embora lembre que o olhar dele parecia não estar nesse mundo...

Meu trabalho na pintura segue desde que ingressei no curso de graduação em Educação Artística em 1984. Fiz várias buscas pela gravura, escultura, escultura em bronze, até a instalação, embora não tenham sido linguagens nas quais tenha me concentrado, foi necessário experimentar assuntos diferentes sob diferentes abordagens. A pintura e o desenho são campos em que concentro o trabalho, além da fotografia. Em 1998 concluí a dissertação

de mestrado, que se intitulou Luz e Escuridão nas Imagens Poéticas da Loucura (UFRGS),

sob orientação de Edson Luis André de Sousa, doutor, psicanalista e professor, ao qual devo sempre agradecimentos pela empreitada. Nessa dissertação pude fazer uma passagem tanto na pesquisa escrita quanto na pintura (ambas estavam envolvidas no mestrado), relevante para o que estou desenvolvendo hoje nesta tese e no ateliê.

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abertura, com a presença de amigos, jovens artistas, veteranos do cenário catarinense e nacional, além do ilustre diretor do Museu de Arte de Santa Catarina, Harry Laus, já falecido, que concentrou muitos esforços na época para que o sistema das artes plásticas de Santa Catarina saísse um tanto da margem. No entanto, este teceu severas críticas à minha exposição, em nota no jornal Diário Catarinense, em sua coluna sobre cultura. Eu tinha tido, então, minha primeira experiência como jovem artista, desde a exposição em si até a crítica na mídia.

Foi também nessa época que encontrei o homem que devorava a farinha no terminal de ônibus. Eu estava em crise com minha produção em arte, abstrações geométricas (a individual

intitulou-se Instalações Elétricas de Adriana dos Santos), porque consistia em telas que

simulavam instalações cujos objetos que remetem a estas, como plugs, interruptores e fiação

eram inseridos junto com as formas pintadas com cores quentes mais o preto, em tinta

acrílica, tinta de serigrafia fluorescente e spray metálico na dimensão 1,40 x 1,10 m). E esta

foi a primeira janela que se abriu com a visão do Zé Farinha, o morador de rua com

problemas mentais, assim conhecido pelo estranho hábito já descrito. A cor preta da roupa e a cor branca da farinha fizeram-me voltar para o ateliê e eliminar completamente a paleta

colorida; fiquei com o par de máxima contrastante pxb e alguns tons de cinza, sobretudo. Foi

necessário trazer a figura humana para dentro do trabalho, eliminando as formas abstraídas, e tentando apreender esse corpo, que, pela condição do “modelo” de referência, veio a ser o dos pacientes de hospitais psiquiátricos e os habitantes das ruas das cidades.

Minhas leituras foram canalizadas para essa ordem, ou melhor dizendo, desordem corporal, a qual eu tentava explicitar na tela dando ênfase ao rosto, à expressão do rosto, e a algum estado do corpo em desconforto ou fora de eixo, algo que traía uma condição desarmônica com o que a sociedade compreende como normalidade dentro das regras de conduta. Assim, a primeira janela trouxe-me muitas vivências fortes, tanto aqui na ilha quanto em Porto Alegre/RS, onde defendi o mestrado. A experiência de observar e pensar a loucura dentro e fora das instituições manicomiais trouxe uma potência à pintura, como campo de forças ligadas ao corpo (afetivo, político). Essa passagem foi fundamental para que eu chegasse a Samuel Beckett.

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ambas dialogam necessariamente perpassando o corpo, como via de conduta de afetividade e, portanto, de comprometimento sensível com a arte. A partir da defesa da dissertação, o trabalho que já vinha operando sob outros interesses sofreu uma alteração na abordagem. A questão da loucura como vinha sendo pensada gerou um desgaste por conta de uma mudança no tratamento dado ao corpo na pintura: eu havia escolhido como suporte uma espécie de tecido, o TNT branco utilizado em macas de clínica de acupuntura, era levemente transparente, possuía a textura de algodão prensado. Com o uso da tinta e o bastão de tinta óleo, por exemplo, percebi que estes permitiam desfiar a fibra e provocava uma textura esfiapada muito sugestiva, como uma pele. Esse dado sinalizava de que sairia das grandes áreas escuras do quadro tensionado com bastidor e dos pregos enferrujados que eu conseguia de casas em demolição e perfurava a superfície da tela. Além das questões técnicas envolvidas, havia já um desgaste no comprometimento com a temática da insanidade, em razão da complexidade envolvida nesta. Realinhado o foco, o trabalho seguiu tratando do corpo, não mais com o aporte focado na insanidade mental, mas pela via da mutilação física e o uso de próteses, como a cadeira de rodas e partes mecânicas acopladas aos membros amputados.

Sempre esteve presente no processo da pesquisa de ateliê a questão da fragilidade nas escolhas, tanto pelo assunto quanto pelo tratamento. Logicamente havia de assumir que não tenho controle absoluto sobre as coisas, que o controle mesmo técnico é mínimo e não é,

nesse caso, o que considero mais relevante. Saber persistir ou agregar o fracasso (para usar o

termo de Samuel Beckett) como um estado motivador, e não de frustração, é encontrar um caminho que afasta o medo do erro, ao que me parece ser uma das forças mais incrustadas no nosso inconsciente/consciente como indivíduo e como artista.

Encontrar o pensamento de Georges Bataille foi, também conceitualmente, um sensível

avanço na pesquisa, porquanto sua elaboração do informe e a máxima reflexiva de

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que pressupõe uma busca, talvez, por encontrar pontes entre outros abismos. Georges Bataille considerou o sexo e a religião, por exemplo, como possíveis meios de supressão da descontinuidade. Entendemos que a arte possa dar conta de preencher o espaço entre corpos, entre lugares, entre culturas diferentes. Parece-nos que essa ponte fenomenológica supõe uma luta, a fim de dar à descontinuidade um caráter transcendente.

[...] A conquista de um território estrangeiro pressupõe um movimento de ir de encontro ao outro, confronto que é um movimento de frontalidade_ esse esbarrão de pele contra pele, dessa superfície de contato que interpela o roçar dos corpos. A frontalidade é o acontecimento da guerra, é o choque de duas falanges inimigas, o embate duplo: contra o inimigo (o outro) e contra si mesmo, refletido nos olhos do outro. É o momento em que, tanto na guerra quanto na pintura, a morte nos encara. (HOUYAEK, 2011, p. 33).

Considerando esse embate, o surgimento do monstruoso como categoria de desumanidade, ainda que tenha permeado toda a pesquisa desde que elegi o corpo como figura central, potencializou ainda mais a distância entre o outro e a obra. Entendo como corpo transgressor esse corpo malformado, mutilado ou deformado, que impõe certa desordem na vivência cotidiana, pois toda diferença altera a ordem da sociedade. O entendimento dessa potência transgressora no indivíduo que, por si, supõe uma condição de fragilidade aparente, posto que a princípio, por não possuir todas as partes do corpo suscita

essa impressão, foi crucial para que a presença do corpo na pintura adquirisse ainda mais

eloquência (no fazer) e sentido de reflexo (na expectativa) da condição humana, de uma parte que se diferencia pela fragmentação, outra força que advém da falta, que redimensiona o corpo-máquina como postulou Gilles Deleuze, potencializando as partes, as quais, segundo Julia Kristeva, constituem essa condição de certo modo imposta ao indivíduo na sociedade contemporânea.

[...] Trata-se de levar a termo a exigência universal e a exigência da singularidade em cada indivíduo, fazendo desse movimento simultâneo a mola do pensamento e

ao mesmo tempo da linguagem. ‘Existe um sentido’: isto será meu ‘universal’. E ‘eu’ tomo as palavras da tribo para ali inscrever o desenrolar da minha singularidade. ‘Eu é um outro’: essa será minha ‘diferença’, e ‘eu’ formularei minha

especialidade infligindo distorções aos clichês, contudo necessários, dos códigos de comunicação, assim como das desconstruções permanentes das ideias-conceitos-ideologias-filosofias das quais ‘eu’ sou o herdeiro [...]. (KRISTEVA, 2000, p. 41).

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que inicio um trabalho, e parto de algo que se aproxima do diagrama de Francis Bacon, que pode ser uma mancha, um risco, um contorno de rosto. Há um abismo e uma noite presentes nesse gesto, e até o fim é um sentimento muito próprio de impedimento que impera nesse processo. Entendo que isto é a poética de processo de criação, embora esse termo não me pareça muito apropriado, pois criar é uma condição que nunca consigo assimilar como termo que dê conta do que está realmente envolvido no pintar. “[...] A obra atrai aquele que se consagra para o ponto onde ela é prova da impossibilidade. Experiência que é propriamente

noturna, que é aquela própria da noite [...]” (BLANCHOT, 1987, p.163).

Trazer à tona as questões que criam impedimento: de vivenciar, de representar e criar, é uma ação que, nesses tempos em que já muito revisto o corpo na pintura, é o que, como pintora, decido considerar. O sentimento mais próximo é sempre este: de impotência diante do mundo, do quadro, da memória. Porém, existe a questão da diferença, de certa singularidade que nos isola e coloca-nos em um estado de solidão absoluta frente à imagem, frente ao processo de elaboração desta, e que nos permite, enfim, tentar dizer algo dentro do impossível de dizer.

[...] Entretanto a obra - a obra de arte, a obra literária - não é acabada nem inacabada: ela é. O que ela nos diz é exclusivamente isso: que é - e nada mais. Fora disso, não é nada. Quem quer fazê-la exprimir algo mais, nada encontra, descobre que ela nada exprime. Aquele que vive na dependência da obra, seja para escrevê-la, seja para lê-la, pertence à solidão do que só a palavra exprime: palavra que a linguagem abriga dissimulando-a ou faz aparecer quando se oculta no vazio silencioso da obra [...] (BLANCHOT, 1987, p. 12.).

Trata-se da solidão do artista como mentor. É preciso salientar (posto que em muitos casos existe um aparato profissional com alto nível de exigência de muitas pessoas na execução e divulgação da obra, tornando o processo um campo de operacionalização coletiva) que se trata aqui de um isolamento poético, da solidão inerente à pintura e ao observador. E nesse viés, o corpo mutilado ou apresentado de modo inacabado aparece como alento. Esses aspectos correspondem a um modo de lidar com a falibilidade como artista, e com uma escolha de confrontamento com as estruturas em que o trabalho é inserido, institucionalmente,

socialmente. A potência desse feio, apresentado na forma de tratar a figura, está naquilo que é

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[...] Diante de suas estátuas (de Giacometti), um outro sentimento: são todas pessoas muito belas, contudo me parece que sua tristeza e solidão são comparáveis à tristeza e solidão de um homem disforme que, subitamente nu, veria exposta sua deformidade, ao mesmo tempo oferecida ao mundo para indicar sua solidão e sua glória. Inalteráveis [...] (GENET, 2000, p.72).

Tenho convicção de que a arte não possui o papel de redentora das mazelas da humanidade, nem o poder para tanto, creio, porém, como pintora, que trabalho com a imagem presentificada como de um corpo malformado intencionalmente. Com isto não nego a necessidade do libelo da beleza, harmonia, equilíbrio, combinação de cor e proporção, mas prefiro que as pessoas encontrem estes através da pintura e do desenho com toda a potência do desequilíbrio, da ausência da cor, da desarmonia e da desproporção que posso provocar. Que encontrem alguma beleza nestes (ciente de que não é difícil obter esse critério uma vez que se conheça certa gama de formas e cores que manipuladas adequadamente faz uma imagem tanger a sensibilidade comum) é uma questão muito pessoal esta escolha de que categoria de beleza tratar e como aceitar a elaboração do sentido estético e de gosto num âmbito absolutamente pessoal.

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Figura 4 - Adriana Maria dos Santos - Pintura - óleo s/ papel de out door, 1998 Fonte: Acervo da artista

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A realidade possui um caráter de contundência que nenhuma obra de arte pode dar conta de redimir, porém, no meu caso, posso afirmar que busco alcançar a beleza pelo seu avesso, pois no corpo trabalhado na pintura para mim instaura-se um momento de reflexão sobre a vida, nessa postura que se apresenta na linha, na textura e na relação que se estabelece com o observador nesse embate frontal, cuja bidimensionalidade impõe. Mesmo o monstruoso, na ficção, fica sempre uma espécie de subalterno da realidade concreta, é uma impotência à qual todo artista precisa submeter-se, ainda que muitos tenham vestígios de dor, violência e experiências intensas em seus registros biográficos, ainda assim a obra é ficcional, contundente quando parte da experiência pessoal, embora nem sempre se tenha poder sobre essa implicação. É um devir, potencializado pela motivação interna de metamorfosear o corpo por meio da pintura.

Molduras do Corpo Mutilado na Pintura (desde os anos noventa até meados dos anos

2004) foi uma série em que trabalhei no período anterior ao das Interlocuções entre Monstros.

Chamei de moldura a cadeira de rodas e as próteses acopladas ao corpo. O princípio da moldura é essencialmente o acabamento para que o quadro ganhe o caráter de objeto pronto para ser exposto, ela contorna, adorna ou ainda reforça o limite da pintura como um espaço de confinamento ou apenas de sustentação. Ao elaborar a imagem da pessoa que se move em uma cadeira de rodas, colocando-me em uma delas a fim de poder ter uma noção, ainda que superficial, de relação com o mundo do ponto de vista dessa pessoa, pude constatar o

sentimento de ser um quadro emoldurado. Ao que pese todas as implicações da imobilidade

do corpo que depende de uma prótese, pensar o portador de necessidade especial ou o que

precisa da cadeira por determinado limite de tempo fez-me considerar que o termo moldura é

concernente a uma aparência, por assim dizer, que contorna o corpo, dá o limite a este, porém, também permite a mobilidade, o que contrapõe a noção de quadro como objeto fixo.

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Se estender o conceito de prótese até um extremo, esta adquire um caráter de objeto ou ação que vem a suprir uma falta, num sentido muito amplo, veículos, objetos de higiene pessoal, talheres ou roupas que funcionam como tal, a prótese como algo de que não apenas os portadores de necessidades especiais ou lesados dispõem. Tudo é prótese num mundo industrializado. Assim, ao tentar elaborar teoricamente o sentido desta como moldura, acabei por transpor esta também ao patamar de prótese da pintura.

Figura 6 - Adriana Maria dos Santos – Molduras do Corpo Mutilado na Pintura – Acrílica s/ papel de out door –

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Figura 7 - Adriana Maria dos Santos – Molduras do Corpo Mutilado na Pintura – Crayon s/ papel A3 – 2000 Fonte: Acervo da artista

Figura 8 (A-B) - Adriana Maria dos Santos – Molduras do Corpo Mutilado na Pintura – Crayon s/ papel – 0,80 cm x 0,50 cm - 2000

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Figura 9 (A-B) - Adriana Maria dos Santos – Molduras do Corpo Mutilado – Instalação – Museu da Imagem e do Som Fpolis/SC – 2000

Fonte: Acervo da artista

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uma produção em que parte foi gerada por fotografia, cinema, e desenho de observação de pessoas em cadeiras de rodas, e parte foi gerada de memória, incluindo pessoas conhecidas, vistas na cidade em locais públicos, hospitais e asilos. Ainda, tive duas oportunidades em sala de aula, uma de ter um aluno tetraplégico em uma instituição de ensino de jovens e adultos, que gentilmente colaborou para alguns croquis, (sua cadeira/moldura era bastante sofisticada), e a outra, uma aluna em uma universidade, na qual ministrei a disciplina de pintura, pintava com um dos pés, a única forma que ela encontrava de articular o pincel entre os dedos. Seu corpo tinha as extremidades dos braços comprometidas e reagia de modo bastante descoordenado e abrupto a qualquer tentativa de movimento. Ela também não falava; assim que a pintura era nossa forma de diálogo. Tenho uma memória carregada de experiências sensíveis em relação a esse tema, aprendizados certamente relevantes e inesquecíveis, tanto no plano pessoal quanto como artista.

A questão da moldura é essencialmente uma elaboração de uma imagem, uma cena, uma condição sob um olhar pessoal, não diz respeito a uma condição “real” de pessoas em cadeira de rodas, é um termo que tange uma elaboração poética. No decorrer do processo desta, surgiram depoimentos que considero muito relevantes na possível contribuição do artista em direção ao outro. A questão é exclusivamente de ordem estética, uma forma de elaboração do corpo visto e transposto para a pintura, sem qualquer comprometimento fidedigno às motivações e realidade de cadeirantes cujas próteses/molduras variam tanto quanto seus corpos e contextos.

Interlocução entre Monstros (termo que compreende o período de trabalho dos últimos cinco anos) consiste na última série composta de quadros, telas sem bastidor, desenho

sobre papel, gravura, e uma experiência cênica no Seminário Temático Corpo e

Performatividade ministrada pelo professor Matteo Bonfitto neste programa de Pós- Graduação. Minha principal vertente para chegar a esta pesquisa foi a passagem pelo estudo do Monstro como personagem, seja pelo cinema ou obras literárias com base em uma nova

leitura de Frankenstein, de Mary Shelley, como principal referência para a pintura, além de

um rol de artistas pintores, escultores que abordam a questão sob muitas particularidades. Posto que existam artistas cujas obras propõem uma reflexão acerca do monstruoso (Figuras

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mitológicos povoam a história da arte. A base está posta na carga de historicidade que o corpo vem carregando na pintura desde longa data. A meu ver ninguém nos dias atuais desconhece esse fio que nos interliga como vários olhos que convergem o olhar para um mesmo ponto de fuga.

O termo interlocução parte de uma premissa de que entre o observador e a pintura se

estabelece um tipo de diálogo, a frontalidade, essa ação de troca que se estabelece silenciosamente entre observador e objeto de arte. Meu interesse em pensar nessa interlocução não se atém à questão da recepção por parte do público, mas da pintura propriamente dita; diz mais a certa cumplicidade ou abjeção que percebo se estabelecer entre o corpo pintado e o corpo que o contempla, pois o processo em arte é afetivo, no sentido em que acredito que o artista concede ao outro uma imagem, sem nenhuma garantia do que pode receber, é uma doação, obviamente relativizada pelos objetivos que podem variar do puramente financeiro até o puramente fetichista, as variáveis são muitas. Minha proposta é possibilitar uma interlocução, seja com outros objetos de arte, com outros artistas e o público, onde quer que o

trabalho se mostre. A questão do “entre Monstros” diz respeito à diferença de que somos

constituídos, e particularmente à sombra de cada um. Acredito que se desloco o sentido de monstruoso para o da singularidade e o avesso de cada pessoa, tenho um permanente campo de interlocuções inapreensíveis, e isto conduz a um devir-monstro, que acredito estarmos todos imbuídos.

Não acredito que esse devir seja o do monstruoso perverso, pois ainda que esta seja uma das faces entre as tantas que nos compõem, penso mais no sentido de uma epifania monstruosa, algo que inspire uma metamorfose na qual o objeto de arte possa ser o elemento deflagrador. Essas são minhas considerações de ateliê.

Meu imaginário foi formado por poetas malditos, minhas leituras adolescentes não foram esquecidas, são parte da bagagem a que até hoje recorro, assim que, consciente de que existe na arte contemporânea uma ordem de produção bastante duvidosa quando se trata de elaborar o “feio” para fins de criar uma espécie de aura fake transgressora, acredito existirem artistas que são seriamente comprometidos com a sombra, porque não possuem outra visão senão a que o mundo espelha. Ou se possuem, passam a considerar a beleza onde ela não está,

porque não existe coisa mais monstruosa que a incerteza do que e em quem acreditar, posto

que estamos vivendo em um mundo do absoluto talvez, este que encontro em Samuel Beckett

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lidas cotidianas; então uma arte que sublime isto está para transcender o retard, como para reconciliar o homem com sua angústia infinita num outro valor que não exatamente o da arte, ao menos no lugar onde ela está posta como tal, uma vez que o lugar do objeto de arte não é mais necessariamente o do espaço que o comportou oficialmente, historicamente.

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O evento que venho coordenando há alguns anos, a coletiva Desenho de Monstro (2010 - 2013), é uma exposição e publicação que envolve um grupo de artistas os quais eu convido e proponho participar com um único trabalho, naquilo que o artista entende como monstruoso em sua produção. Não faço a curadoria das obras, apenas dos artistas. O que cada um decide expor é por conta própria, desconheço o material até o dia da montagem.

Figura 11 – Desenho de Monstro 1ª Edição – 2010 Fonte: Elaboração da autora

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Os artistas que são convidados são escolhidos independentemente de seu repertório, nem sempre operam nesse viés, e todos aceitam em razão de que se sentem provocados a pensar o Monstro em si próprio ou em seu fazer de ateliê; em geral varia bastante o tipo de abordagem conforme o entendimento e identificação com o termo. A ideia partiu de uma necessidade de dar mais visibilidade ao aspecto sensível e reflexivo que existe no monstruoso, e menos o que a sociedade encara como entretenimento, terrorífico ou decorativo. Os espaços das duas exposições anuais foram escolhidos fora do circuito institucional oficial: uma casa tombada em condições precárias apesar de ser espaço cultural aberto a sessões de cinema e teatro, em área considerada de risco da cidade com vida noturna intensa de bares, restaurantes, e a segunda edição aconteceu também em uma casa que se transformou em um ateliê improvisado no centro. As categorias também variam bastante; a principal é desenho, mas há desdobramentos em vídeo, cerâmica e instalação, dependendo da disponibilidade do espaço físico.

A próxima edição será uma publicação por uma editora local prevista para este ano. Essas edições em formato de exposição foram bastante visitadas na abertura, pois o espaço de tempo de duração é curto, e se tem um retorno menor do público nesse período. O número de artistas participantes costuma ser em torno de vinte ou mais. Costumo equilibrar trazendo para

dentro dessa proposta artistas de fora do Estado e do País, artistas atuantes com status

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Figura 13 - Adriana Maria dos Santos - Vertigem - Desenho colorido por Rafael Palilo Yanes Bernardes - Lápis crayon, sanguínea e lápis aquarela s/ papel adesivo, 2012. Dimensão: 1.00 m x 1.10 m.

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1 PINTURA

“C’est là qu’on commence enfin á voir, dans le noir. Dans le noir qui ne craint plus aucune aube. Dans le noir qui est aube et midi et soir et nuit d’un ciel vide, d’une terre fixe. Dans le noir qui éclair l’espirit. C’est là que le peintre

peut tranquillement cligner de l’oeil.”

(Samuel Beckett)

No início do século XX, a pintura passava por uma transformação específica, não apenas a passagem de um movimento a outro como classifica a história da arte ocidental, mas conceitualmente operava-se uma dobra, quase uma quebra na relação desta com os preceitos formais anteriormente sedimentados. A relação forma/espaço, ou seja, elementos de composição e superfície passavam a ser um campo de ruptura estética. E, a partir dessa relação de ruptura, altera-se a relação do observador e a obra, no caso específico, quadro/público.

Com a grande quebra da estrutura formal no abstracionismo russo e no cubismo, as relações formais rompendo com a figuração, como até então vinham se apresentando mediante uma pintura que se dividia em gênero, retrato ou cenas mitológicas, históricas, de forte narrativa figurativa, com a passagem gradual pelos artistas que desconstruíram as máximas anteriores desde o Romantismo, a forma perde o sentido do caráter narrativo e

adquire status independente. As três formas básicas, círculo, quadrado e triângulo, passam a

estruturar o pensamento reflexivo em arte, sendo os seus desdobramentos claros na obra plástica e teórica do artista Wassili Kandinsky (1866-1944), por exemplo. Este elaborou um pensamento em torno do ponto e da linha e o plano, que fundamentou as perspectivas da

escola de design Bauhaus junto com outros artistas de várias nacionalidades naquele

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A nova estética pictórica cujos elementos fracionaram a composição, dando a ver outra concepção de realidade, desmontando as máximas que davam certeza ao observador contemplativo de que tratava o quadro. E, nesse meio de entreguerras e movimentação intensa de artistas cujas obras não se enquadravam nos moldes anteriores ao período, surgem vozes que passam à história como cernes de grandes mudanças no cenário das artes no mundo moderno. É fato que todas as reviravoltas políticas, econômicas e sociais da época refletiram fortemente na busca e nas rupturas estéticas do início do século XX. Ocorre que havia uma necessidade muito forte por parte de alguns autores e artistas em desmobilizar certa ordem de fatores que compunham o sistema da arte até então, que compreendia galerias, museus e salões essencialmente.

Marcel Duchamp (1887-1968) mergulhou profundamente em uma predileção pela reflexão crítica ao sistema de arte do início do século, potencializando a ideia que antecede à obra, radicalizando significados ao que se instaurou posteriormente no âmbito de galerias e museus como obra de arte. Ao que pese suas considerações sobre o objeto em si, elabora seus ready-made em um tempo em que Samuel Beckett está elaborando seus ensaios literários

buscando uma forma de romper com a narrativa nos parâmetros de James Joyce, ao qual

esteve ligado como secretário particular. O inconformismo de Beckett e de Duchamp encontram na arte europeia do momento um prisma potencial a emanar e, em certo aspecto, libertar o pensamento em diferentes direções a serem processadas no decorrer do século até os dias atuais. Ocorre que Duchamp escolhe o caminho do objeto destituído da função original, refaz o olhar sobre a obra de arte, divide o pensamento ocidental que levou algum tempo para assimilar seus aparatos como conceito transgressor de obra e, consequentemente de sistema

de arte, Duchamp postula como retard/retardo algo que substituiria o termo pintura, porque

para ele há o tempo, o tempo-pintor, o tempo que transcende o movimento a que Otávio Paz comenta: “[...] Em uma das notas da célebre Caixa Verde anota: “dizer retarde em lugar de pintura ou quadro; pintura sobre vidro se converte em retarde em vidro, mas retarde em vidro não quer dizer pintura sobre vidro [...]” (PAZ, p. 8, 1998). Com relação ao tempo que Samuel

Beckett propõe na sua obra cênica, podemos pensar que é um retard dramatizado na cena ou

no texto, não se trata do tempo da vida cuja aparência é das ruas da cidade com seu movimento contínuo, mas o tempo que para o autor é quase ausência de movimento, é o silêncio ao qual Duchamp se fez conhecer, é o atraso relativo a uma fala, uma ação e uma

repetição que pode dialogar com o retard duchampiano. A não linearidade no pensamento

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sentido lógico cujos acontecimentos ou diálogos sugerem não conduzir, não haver como conduzir; é o impreciso que permeia toda a obra, sendo o silêncio e as longas pausas sinais de que não há sentido, a não ser o que cada olhar escolhe de si como reflexo num espelho. Abstração, termo que surge na virada do século XIX para o XX cuja origem remonta a um processo de busca em vários artistas anteriores ao período, e que significa “tirar uma parte de”, isto é, traz à tona apenas aquilo que sintetiza a forma. E nesse viés, os artistas da Europa da virada do século desvencilham-se das normativas que caracterizaram a arte do período clássico ou acadêmico e criam novos procedimentos que apontam para as grandes rupturas do

século XX. A forma a qual os artistas da Bauhaus apregoaram como base era constituída de

forças internas, que Wassili Kandinsky postulou como necessidade interior, ou seja, os

elementos de composição deviam conter as forças que faziam, à medida que eram agrupados, potencializar a pintura. Ponto, linha e plano constituíam as bases sobre as quais esse autor teorizou as questões da arte, mais precisamente no desenho e na pintura. Partindo de uma

necessidade interna e de correspondências e ressonâncias, ele elaborou um estudo cuja

organização dos elementos de composição passa a ter uma conotação espiritual, termo que gerou o primeiro livro acerca do assunto. A tensão a qual Kandinsky irá observar como condição dos elementos uns em relação aos outros e em relação ao plano material sugere que a composição aconteceria de modo a trazer à tona um sistema que estenderia a divisão entre mundo material e mundo espiritual, a partir da inserção de pontos e linhas sobre um plano, e na variação infinita dessas combinações problematizaria este, gerando situações, acontecimentos, cujas forças traduzidas pela ação, direção e oposição possibilitariam um sentido. Ainda que o método seja o de análise e com todas as ressalvas presentes até hoje quanto ao modo de organizar sua teoria, considero importante aqui relembrar o quanto o estudo científico, por assim dizer, da arte naquele momento refletia uma transformação significativa na composição pictórica da época e seu porvir.

Samuel Beckett escreve seus ensaios sobre pintura na década de 40; são eles Words Abount Painters: La Peinture des Van Velde ou Le Monde et le Pantalon, Peintres de l’Empêchement. 2

Beckett foi sensível às relações dos pintores e círculo de amigos na Europa em meados

do século XX. A pintura abstrata para ele continha o impedimento; os pintores eram assim

2

Esses ensaios foram escritos em francês (idioma adotado por Beckett) ainda que constem na obra Disjecta

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identificados por ele, porque, ao propor outra formalização para além da figuração, eles

estavam no olhar de Beckett, trazendo à tona a impossibilidade do real, o inominável.

Acredito que a relação dessa representação, que falha ao reapresentar a vida como se fosse

possível abarcar essa noção de imitação do real, sempre aporte às margens do impedimento,

pois que na pintura tudo se planifica, e a terceira dimensão é uma ilusão. É no fim da década

de 40 que Beckett escreve a trilogia Molloy, Malone Morre e O Inominável. Acredita que é

preciso falar do fracasso: o fracasso de dizer, a exemplo do fracasso de pintar, norteia essa

concepção com base na obra dos irmãos holandeses Gerardus Van Velde (1898-1977) e Abraham Van Velde (1895-1981). O olhar de Samuel Beckett volta-se para a pintura no período classificado historicamente como pós-guerra; anteriormente, escrevia sobre literatura, sendo considerado mesmo um ensaísta. Isto é importante lembrar: é a partir do fim da

Segunda Grande Guerra que sua critical attention, como denominou Rupert Wood (WOOD,

1996, p. 1), dirige-se para a pintura.

Quando iniciou sua trajetória como escritor, Beckett voltou-se para uma escrita gradativamente menos linear, algo que o afastou do estilo de obra literária já conhecida do grande público e que sugeria uma narrativa menos sistemática, que operasse por fragmentos ou que dispusesse de liberdade para não dar sentido previsível à criação de seus personagens, além de decidir narrar na primeira pessoa, optando por um texto cujo sentido não fosse uma imposição, uma coerência de sentido ajustada à expectativa do leitor. Era preciso, para esse olho, um procedimento que transgredisse a máxima de explicação, linearidade e prolixidade no que compunha um personagem, um ato literário. Note-se que esta é uma condição marcadamente histórica: muitos autores já anunciavam a questão da heterogeneidade como um processo que vinha pautando a arte em circuitos isolados, em que a modernidade e os que nela estavam inseridos já conduziam o pensamento para uma singularidade que desemboca no século XX. Encaminho o raciocínio à seguinte consideração: se as artes visuais, em algum momento da tradição modernista das vanguardas, esgotam o sentido da ordem formal e extrapolam o limite entre campos pelo ato de criação de quebra da tradição que as envolve, dando margem ao que se considerou conceitual, com o desborde do conceito de obra, o olhar

de Beckett antecipa em certo aspecto esse impedimento cuja representação, como se vinha

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composições desordenadas, porém muito cerradas na sua rebeldia pictórica. Talvez porque nestas há um silêncio, ausência de composição figurativa, uma vez que não são paisagens previstas, não narram a história pela congruência dos elementos postos na tela; por ser informe, ele as abarca escrevendo sobre elas, mesmo que depois, desprezando esses escritos, tenha seguido como ensaísta da literatura ao teatro e a outras categorias como cinema e rádio.

Seus escritos sustentam o fracasso como condição de sobrevivência. Ironicamente,

Beckett reconhece na arte uma estética do pouco, em alusão ao tratamento dado à pintura por

seu amigo, o pintor Henri Hayden (1883-1970), em seu texto Henri Hayden, homme-peintre,

19523.

Samuel Beckett refaz o percurso próximo ao que as vanguardas modernas já elaboravam. Assim, há um encontro de princípios oriundos da mesma insurgência, do mesmo desgaste, seja pelas circunstâncias políticas e econômicas da Europa naquele momento, seja pelo excesso de literalidade da pintura até então, ao que Marcel Duchamp descreve como pintura-olfativa ou retiniana, a qual refuta justamente por não mais satisfazer a ele, que era,

anteriormente aos ready-made, dedicado à pintura.

Ocorre que muitas manifestações artísticas imbricavam-se nesse início de século: teatro, artes plásticas, música, literatura. Era um dos momentos de grande efervescência cultural no Ocidente; desse modo, considera-se um grande caos de onde partem as grandes obras que problematizavam a condição humana em estado de tensão e conflito com o termo humanidade. Samuel Beckett, é preciso reiterar, traduziu esse sentimento em obras de forte caráter irônico, de uma desolação e desesperança, traduzidas como derrisão. Seus personagens espelhavam aspectos patéticos do sujeito em suas lutas internas e externas, que geram muitas

interrogações, muitas reticências e frases inacabadas. A história pessoal deles é um drama

povoado de uma condição indefinida quase sempre permeada de um sentimento de impotência diante da vida. Entre esse estado de espírito e a produção desse autor como ensaísta literário, surgiriam ensaios voltados para a pintura, e, ainda, a pintura de dois artistas diante dos quais, ao pensar seu trabalho, Samuel Beckett anteciparia questões que ao longo do século foram ganhando mais profundidade dentro do sistema das artes visuais.

É necessário, porém, remeter a Marcel Duchamp antes de discorrer mais detalhadamente sobre os ensaios de Samuel Beckett, sobre o que Duchamp chamou de

3 Faremos menção unicamente ao texto sobre a pintura dos irmãos van Velde, ainda que o texto Pintores do

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pintura retiniana, ou seja, por meio desse termo, Duchamp nega o status de sensação, de valor de beleza, de fatura à qual a sociedade e o sistema vinham tratando como objeto de valoração do gosto.

Ao criticar a ideia de fatura Duchamp não pretende dissociar forma e conteúdo. Na arte o único que conta é a forma. Ou mais exatamente: as formas são as emissoras de significados. A forma projeta sentido, é um aparelho de significar. Ora, as

significações da ‘pintura retiniana’ são insignificantes: impressões, sensações,

secreções e jaculações. (PAZ, p. 25, 2007).

A forma no sentido que se postulou como abstrata conduz o olhar a um realismo subjacente ao do plano material. Posto que se desconstrua a narrativa de gênero, a forma mesmo geométrica agrupada no plano remete a um estado de sensação, ao mesmo tempo de instabilidade, que atua muito mais visualmente do que visceralmente, ela atinge certa superfície da percepção que nem sempre conduz a uma apreensão crítica e reflexiva do assunto posto. Dado o fato de que a figuração expõe de modo a evidenciar a narrativa, a abstração não seria um oposto, mas uma possibilidade de apresentação desta sob certa síntese subjetiva. Dentro desse viés, é preciso mencionar “en ese otro yo de Duchamp llamado Georges Bataille” (ANTELO, 2006, p.13).

[...] Para Bataille, o informe era a categoria que permitiria desconstruir todas as demais categorias. No dicionário da revista Documents, ele o comparava ao cuspe, deletério em seu estado físico informe, apresentando assim uma metáfora que ilustraria as implicações conceituais nocivas do informe, pois esse termo permitiria fatalmente pensar a supressão de todas as fronteiras através das quais os conceitos organizam a realidade, a recortam em pacotinhos de sentido, a limitam dando-lhe o

que Bataille denomina ‘sobrecasacas matemáticas’, expressão que designa ao

mesmo tempo a abstração dos conceitos e seu decoro coercitivo. Bataille, alérgico à noção de definição, não fornece, portanto um sentido ao informe. Ele prefere atribuir-lhe uma tarefa, a de desfazer as categorias formais, negar o fato de que cada coisa possui uma forma que lhe é própria, imaginar o sentido que se tornou sem forma, como uma aranha ou um verme esmagado debaixo do pé. [...] Bataille não imagina que as fronteiras produzidas pelos termos possam ser transcendidas, mas simplesmente transgredidas ou quebradas, criando uma ausência de forma através da deliquescência, da putrefação e da podridão [...] (KRAUSS, 2002, p. 128, grifo do autor).

O pensamento de Georges Bataille considera o informe como um fenômeno que ocorre

no âmbito da obra; é uma captura importante para o cenário das artes visuais no século XXI, esse princípio de que não há uma única estrutura no campo das formas, porque não existem verdades e contornos definitivos, e a forma é o que o olho acredita ser. A própria resistência

em definir do autor é uma ação importante para pensar o informe. Importa aqui considerar

que o movimento abstracionista que acontece no início do século XX veio permeado de fortes conceitos, além da emancipação da forma em relação à narrativa figurativa, desestruturando a

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beleza e da harmonia como cânones que legitimaram a obra de arte séculos antes.

[...] A minha dificuldade: perda total de certeza, a diferença de um objeto esculpido e da neblina (em geral imaginamos que é horrível). Se eu exprimisse a alegria, trair-me-ia: a alegria que sinto difere das outras alegrias. Sou fiel falando de fiasco, de desfalecimento sem fim, de ausência de esperança. No entanto [...] fiasco, desfalecimento, desespero, ao meu ver, são luz, desnudamento, glória. Por outro lado: indiferença mortal _ ao que me concerne: sucessão de personagens sem consequências, dissonâncias, caos. Se falo ainda de equilíbrio, de euforia, de potência, só poderão me compreender quando se parecerem comigo [...]. A preocupação com a harmonia é uma grande servidão [...] a harmonia das belas-artes realiza o projeto num outro sentido. Nas belas-artes, o homem torna ‘real’ o modo

de existência harmoniosa inerente ao projeto. A arte cria um mundo à imagem do homem do projeto, refletindo esta imagem em todas as suas formas. A arte é, todavia menos a harmonia do que a passagem (ou a volta) da harmonia à dissonância (na sua história e em cada obra). (BATAILLE, 1992, p. 62).

Com isso, supõe-se que haja uma problematização quanto à legitimação da pintura e

da arte como um todo. Conceitualmente inclusive surge um contraponto ao inominável: o

significado do nome de quem assina a obra; esse nomear está posto em xeque no tabuleiro de Marcel Duchamp entre as coisas a que este cuidou de desconstruir com relação à obra de arte; ele passa a potencializar a relação sujeito/objeto, pois que ao fracasso da obra de arte, ele sobrepõe o poder do artista de “nomear” e afirmar que um urinol é um objeto de arte. A

significação do objeto pronto que é revertido para o lugar do objeto de arte postula um

movimento perpetrado por ele, compreendido historicamente como Antiarte, em que o artista

torna-se um proponente de ações e não um fazedor e que recusa o sistema imperante como algo que lhe é dado pronto. A questão obra/objeto é a origem de uma das principais rupturas dentro do campo da arte, essa quebra de significação que se opera em Marcel Duchamp, a troca da obra pictórica pelo objeto industrializado que potencializa, ressignifica e nomeia. “[...] O ready-made não postula um valor novo: é um dardo contra o que chamamos valioso. É crítica ativa: um pontapé contra a obra de arte sentada em seu pedestal de adjetivos [...]” (PAZ, p. 23, 2007). Para voltarmos a Samuel Beckett, porém, é preciso ainda outro aporte.

Segundo Rosalind Krauss, Pablo Picasso mantinha por Marcel Duchamp e seus Rotoreliefs

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Figura 3 - Adriana Maria dos Santos - Pintura - óleo s/ papel de out door, 1998   Fonte: Acervo da artista
Figura 4 - Adriana Maria dos Santos - Pintura - óleo s/ papel de out door, 1998   Fonte: Acervo da artista
Figura 6 - Adriana Maria dos Santos – Molduras do Corpo Mutilado na Pintura – Acrílica s/ papel de out door –  1,45 m x 2.00 m – 2000
Figura 7 - Adriana Maria dos Santos – Molduras do Corpo Mutilado na Pintura – Crayon s/ papel A3 – 2000  Fonte: Acervo da artista
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