proble'ma de 'i'magem corpórea
e outros problemas
ATHAYDE RIBEIRO DA SILVA
,
Paul Schilder, em seu "Imagem e aparência do corpo humano", trouxe uma contribuição muito importante ao problema do esquema corporal. Tão profunda é sua análise que o livro hoje constitui uma obra clássica sôbre o assunto.
Aquilo que Freud apenas aflorou, Schilder desenvolveu em dimensão vertical e horizontal. Hoje, o tema da imagem corpórea é hipervalorizado na Europa e, sobretudo, nos Estados Unidos.· A clí-nica do Dr. Kulper, em Amsterdã, e a do Dr. W. R. Johnson, em Maryland (U.S.A.), têm fornecido material apreciável aos estudio-sos, mormente aos que se dedicam à psicologia esportiva.
O presente caso nos fornece exemplo valioso de sentimento de inferioridade física decorrente de deturpação da imagem corpórea, embora outros eventos interfiram na problemática dessa adolêscente de 14 anos.
O pai da Orientanda, ao comparecer perante o psicólogo, disse que a filha não era boa estudante, tinha dificuldade de aprendiza-gem e preparava-se, pela segunda vez, para o exame de admissão. E apresentava um problema grave de postura corporal, acarretando muita preocupação aos pais: curvara a parte superior do tronco
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ra a fre!!te, a fim de esconder o busto, que a orientanda vivenda como excessivamente desenvolvido.
Também informou já ter sido feito um eletroencefalograma, de resultado normal.
Em nosso primeiro contacto com a Orientanda, esta disse igno-rar as razões de sua vinda ao ISOP; a impressão foi a de uma pré-adolescente com traços de beleza, muito tímida, inibida, reservada, de escassa capacidade verbal, sem mímica facial, verdadeiro rosto de inocência e pureza. Notamos a curvatura do tórax, muito pro-nunciada, pràticamente uma pessoa corcunda.
Fizemos o planejamento dos testes: além das entrevistas com os pais e com a Orientanda, aplicamos o Wechsler-Bellevue (forma de crianças e pré-adolescentes), PMK, TAT, Machover, três colunas de algarismos (Brosson), e Exame médico.
ENTREVISTA COM OS PAIS
Primeiramente fizemos a entrevista com o pai, por ser a
fi-gura realmente preocupada com o caso da filha e pela ansiedade que demonstrara em relatar o que vinha acontecendo.
Disse que a filha não demonstra interêsse em estudar, apren-de com dificuldaapren-de; é dócil, meiga, apren-de bom comportamento.
Come bem, dorme normalmente; não tem incentivo para fazer coisa alguma; fica deitada, ou então, passa o tempo a ler jornais e a ouvir música. Não sabe dançar, (contradizendo informação da fi-lha, como se verá adiante) .
A Orientanda tem professor particular de Português e Mate-mática, mas tal providência não acarretou qualquer progresso nos estudos. O pai disse não a ter levado à escola especializada; por falta de orientação; apenas procurou uma psicóloga, mas esta não condu-ziu os -exames até uma fase conclusiva.
Sôbre a espôsa informou ser pessoa que dava pouca atenção aos problemas dos filhos, deficiente no modo de conduzí-Ios, de estru-tura mental não muito forte, dada a crendices e, às vêzes, sujeita a crises nervosas;
A filha está-se desenvolvendo sem quem a domine, faz o que quer, o que torna o pai extremamente preocupado; êste teve que
A.B.P/4 PROBLEMA DE IMAGEM CORPÓREA 109 internar a orientanda, a fim de protegê-la e poder educá-la através de outrém, tudo devido a ausência materna, já referida. Acha a filha de pouca inteligência, embora não lhe pareça retardada.
Sôbre o problema da curvatura do tórax, o pai soube pelo médico que foi um recurso utilizado pela mocinha, a fim de evitar que o busto se tornasse muito saliente.
O informante relata que tem enormes despesas com a família, em conseqüência das dificuldades; não vive bem com a espôsa; há separação de corpos, apesar de residirem na mesma casa.
A Orientanda tem grande apêgo afetivo ao pai, e, quando em casa, (nas ausências do internato) dorme com êle, na mesma cama, situação que deverá ser modificada dentro de poucos dias.
A mãe, ao ser entrevistada, informou que a Orientanda é muito "desenxabida", não tem gôsto nem prazer para coisa alguma; não quer divertir-se; se as colegas chamam-na para passear, ela recusa. Não gosta de estudar nem de arrumar-se. A mãe não tem facilidade de comunicação com a filha, e, em conseqüência, ignora o que ela sente, pensa e deseja.
A informante critica o espôso por ter ligação com outra mulher. Todavia, elogia-o muito, vendo nêle grandes qualidades: muito bom, muito amigo dos filhos, faz tudo o que pode por êles; muito traba-lhador. Também muito nervoso e irritável.
Mãe confirma que o busto da filha é muito "avantajado" levando-a, envergonhada, a se manter curvada, para diminuir a apa-rência, tudo com visível defeito na espinha.
A informante aborda o problema da desarmonia no lar, achando que as tensões entre ela e o espôso afetam os filhos, e, particular-mente, à Orientanda. Chegou mesmo a dizer que a casa está dividida em dois partidos: de um lado a Orientanda aliada ao pai; de outro ela, informante, e o filho a constituírem o outro polo de fôrças de-gladiantes no lar.
DADOS SOBRE A ORIENTANDA
A entrevista com a Orientanda foi um tanto pobre, em vista de sua inibição e pouca capacidade de expressão oral.
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Sôbre a vida escolar relatou ter iniciado jardim de infância aos cinco anos. Aos sete começou o primário; tendo sido reprovada duas vêzes na 3.a série, veio a terminar o primário (5.a série) aos 13 anos. Está fazendo o curso de admissão. Sua grande dificuldade ocorre em Matemática. Gosta de Português, Geografia e História.
Sôbre a constelação familiar, informa dar-se melhor com o pai porque a mãe trata o irmão com mais atenção. As brigas dos pais a angustiam muito. Descreve o pai como n,ormalmente calmo, !:'las muito exaltado quando briga; já a mãe é permanentemente nervosa.
Gosta de praia, cinema, vôlei, sabe dançar e gosta de festa, Puberdade aos 11 anos; estava preparada pela mãe.
O teste de inteligência (WISC) acusou o seguinte resultado: escore verbal, 80; escore de execução, 67; QI total 71, colocando-se pois, na zona limítrofe.
O PMK demonstrou forte ansiedade, tendências esquizotímicas e emotividade; agressividade acentuada, mas com capacidade de, con-trôle. Nível ideomotor deficitário.
No TAT, um tanto pobre de elaboração, apresentou sentimento de opressão, dependência da figura materna, mêdo, temores sem cama; insegurança acentuada; o sentimento de desarmonia entre os pais provoca-lhe ansiedade e estados depressivos.
O teste das três colunRs de algarismo (Brosson) revelou ruptu-ra do sentimento vital, emotividade, descontrôle, ataruptu-rantação, inse-gurança- e ansiedade.
No teste de Machover, caracterizado por acentuada imaturida-de, demonstrou dificuldade de contato com o ambiente, dependência, insegurança e traços regressivos.
Constata-se assim uma pré-adolescente em plena crise exis.., tencial: afetada em sua imagem corporal, expressa em insatisfação com o busto, inteligência deficitária, (embora o ignore, mas sentindo a angústia de seu atraso escolar), e a vivência de um lar desarmônico. Ademais, pela entrevista com os pais, nossa impressão foi de que a mãe caracteriza-se como figura bastante negativa, displicente, pouco atenta aos problemas da filha, pode-se dizer mesmo, indiferen-te. Sua única preocupação é reconquistar o marido, e, se não puder,
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agredi-lo. Seu nível de estudos limita-se ao curso primário, não de-monstrando qualquer qualidade mental, compensatória da falta de instrução.
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Já o pai, de curso ginasial completo, dedica-se muito à Otien-tanda, dentro de suas disponibilidades de tempo, eis que, tendo emprêsa própria, a ela se dedica de 7 da manhã às 7 da noite. Aliás, demonstrou intenso interêsse e preocupação relativamente aos dois filhos, preenchendo, dentro do possível, a lacuna da mãe.
Todavia, como é óbvio, a uma mocinha de 14 anos, tão angus-tiada e desajustada, a assistência e empatia maternais são imprescin-díveis para sua socialização e amadurecimento.
Sôbre o sentimento de inferioridade física relacionado com o busto, convém registrar essa observação de Ada Abraham em "Le dessin d'une personne": "A personalidade não se desloca no vazio, mas pelo movimento, pela sensação e o pensamento de um corpo específico. O corpo, com suas tensões viscerais ou musculares, é o campo de trabalho onde se defrontam as necessidades e as pressões
(no conceito de Murray), a base do estudo da personalidade". Para nós, a crise existêncial de que falamos, no caso presente, prende-se muito mais ao problema do esquema corporal e ao da desarmonia no lar do que ao do retardo de inteligência, tanto mais que ignorado pelo adolescente.
O conselho foi: a) Psicoterapia;
b) Aumentar a socialização por todos os meios possíveis; c) Cooperação dos pais não só no sentido amplo de que a desarmonia entre êles não afete a Orientanda, como em campo mais restrito, que evitem, pelo menos, as discussões em frente da filha;
d) Orientação psico-pedagógica, devendo a Orientanda cursar uma escola especial.