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Intérpretes da “Cultura Popular” e a produção de memórias no Maranhão

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Academic year: 2021

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0. UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO. CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS. DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS. ELISENE CASTRO MATOS. . INTÉRPRETES DA “CULTURA POPULAR” E A PRODUÇÃO DE MEMÓRIAS NO MARANHÃO. SÃO LUÍS – MA 2019. 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO. CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS. DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS. ELISENE CASTRO MATOS. INTÉRPRETES DA “CULTURA POPULAR” E A PRODUÇÃO DE MEMÓRIAS NO MARANHÃO. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão como requisito parcial para obtenção do título de doutor em Ciências Sociais.. Orientador (a): Profª. Drª. Eliana Tavares dos Reis. SÃO LUÍS – MA 2019. 2. INTÉRPRETES DA “CULTURA POPULAR” E A PRODUÇÃO DE MEMÓRIAS NO MARANHÃO. ELISENE CASTRO MATOS. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão como requisito parcial para obtenção do título de doutor em Ciências Sociais.. Aprovada em ___/___/_____. BANCA EXAMINADORA. _______________________________________________. Profª. Drª. Eliana Tavares dos Reis. (PPGCSoc/UFMA-Orientadora). _______________________________________________. Profª Drª. Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti. (PPGSA/IFCS/UFRJ). ________________________________________________. Profª. Drª. Letícia Borges Nedel. (PPGH/UFSC). ______________________________________________. Prof. Dr. Rodrigo da Rosa Bordignon. (PPGSP/UFSC). ___________________________________________. Prof. Dr. Igor Gastal Grill. (PPGCSoc/UFMA). 3. Aos meus pais, meus alicerces: Limeira Matos (In memorian) e. Elineide Castro Matos. À Ariel, Miguel e Lucas, pelo amor que nos une.. 4. AGRADECIMENTOS. Esta tese nasce de um processo de confiança a mim depositada pela. orientadora e professora Eliana Tavares dos Reis. Meu agradecimento inicial e. principal dirijo a ela, pelo respeito, seriedade e competência com a orientação. deste trabalho, desde os anos iniciais desta pesquisa. Meu maior desafio, talvez. não superado, foi o nível de envolvimento com os agentes aqui analisados, fato. compreendido por ela e ajustado ao longo da escrita. Sua compreensão e. orientação abarcaram, não somente meus limites teóricos, mas minhas. ocupações enquanto mãe e tudo que essa função acumula. Agradeço, dessa. maneira, sua atenção, preocupação e disposição nesses quatro anos de. orientação.. Agradeço aos membros da banca de qualificação, Professores Doutores. Cidinalva Silva Neris (UFMA) e Igor Gastal Grill (UFMA), a este último agradeço. ainda pelo aceite da banca de defesa, juntamente com os Professores Doutores. Letícia Borges Nedel (UFSC), Rodrigo Bordignon (UFSC) e Maria Laura Viveiros. de Castro Cavalcanti (UFRJ), por quem tenho profundo respeito e admiração. . Agradeço aos amigos da Universidade, desde a graduação em Artes, ao. Mestrado e Doutorado no PPGCSoc/UFMA. Também agradeço aos professores. do PPGCSoc, por colaborarem com minha formação.. Agradeço aos membros da CMF, especialmente, Sérgio Ferretti (In. memórian), Mundicarmo Ferretti, Lenir Oliveira e Joila Moraes pelas. contribuições com informações e livros para esta pesquisa. . Muito obrigada aos amigos Adeilson Marques, José Raimundo Araújo e. Rafael Gaspar pela colaboração com a leitura da tese. Também a Bruno Serra. e Henrique Augusto, pelo résumé e abstract, respectivamente.. Agradeço minha família, especialmente minha mãe, pelo esforço em ficar. com meus filhos nos momentos que mais precisava de silêncio e concentração.. Agradeço ao meu esposo Ariel Tavares, pelas contribuições e compreensão com. a escrita da tese; por entender minha ausência, meu estresse, minhas angústias. e, principalmente, por ampliar sua presença juntos aos nossos filhos, Miguel e. Lucas, que também agradeço pelo amor, pelos barulhos e compreensão, mesmo. tão pequenos.. 5. Não se resgatam memórias, constroem-se memórias. Durval Albuquerque Júnior. 6. RESUMO. . A presente tese se insere na agenda de pesquisas do Laboratório de Estudos. sobre Elites Políticas e Culturais (LEEPOC/UFMA) sobre imbricações entre. domínios culturais e políticos no Estado do Maranhão. Partimos da análise de. uma coleção de livros intitulada Memória de Velhos – Uma contribuição à. memória oral da cultura popular maranhense para examinar, com base nesse. corpus discursivo, os processos e investimentos na consagração de porta-. vozes, intérpretes, produtores e expressões culturais, que resultam na. construção de um panteão da “cultura popular” no/do Maranhão. Do mesmo. modo, por este intermédio, podemos apreender os elementos de uma dinâmica. de fabricação de “memórias”, consubstanciada na produção de livros. Dedicamo-. nos, então, ao estudo dos perfis sociais, trânsitos, redes e modalidades de. inserções em domínios políticos e culturais de agentes que se inscrevem numa. “galeria de notáveis” e colaboram na construção da memória e identidade. regionais. . Palavras-chave: Porta-vozes; domínios culturais; cultura popular; memória; identidade regional.. 7. RÉSUMÉ. La présente thèse fait partie d'une séquence de recherche du Laboratoire. d'Études sur les Élites Politiques et Culturelles (LEEPOC / UFMA) sur les. imbrications entre les domaines culturelles et politiques dans le l’État du. Maranhão. Nous commençons à partir de l’analyse d'une collection de livres. appelée Memória de Velhos - Une contribution à la mémoire orale de la culture. populaire du Maranhão, pour examiner, à partir de ce corpus discursif, les. processus et les investissements dans la consécration des porte-paroles,. interprètes, producteurs et expressions culturelles qui deviennent la construction. d'un panthéon de la "culture populaire" du Maranhão. Ainsi, nous pouvons. comprendre les éléments d’une dynamique de fabrication de "mémoires",. consubstantiées dans la production de livres. Nous nous sommes dédiés,. ensuite, à l’étude des profils sociaux, des mouvements, des réseaux et modalités. d'insertion dans les domaines politique et culturel des agents qui sont inscrit dans. une "galerie des notables" et collaborent à la construction de la mémoire et. identité régionales.. Mots-clés: porte-paroles; champs culturels; culture populaire; mémoire; identité régional. 8. ABSTRACT. . This thesis is part of the research agenda of the Laboratory of Studies on Political. and Cultural Elites (LEEPOC / UFMA) on overlap between cultural and political. domains in the State of Maranhão. We start with the analysis of a collection of. books entitled Memória de Velhos - Uma contribuição à memória oral da cultura. popular maranhense to examine based on this discursive corpus, the processes. and investments in the consecration of spokesmen, interpreters, producers and. cultural expressions which result in the construction of a pantheon of "popular. culture" in Maranhão. In the same way, through this medium, we can apprehend. the elements of a dynamics of the manufacture of "memories", embodied in the. production of books. We are then dedicated to the study of social profiles, transits,. networks and modalities of insertion in political and cultural domains of agents. who are part of a "gallery of notables" and collaborate in the construction of. regional memory and identity.. Keywords: Spokespersons; cultural domains; popular culture; memory; regional. identity.. 9. LISTA DE ILUSTRAÇÕES. Fotos 1, 2 e 3: Reedições do Livro “Folclore do Maranhão” 83 Fotos 4, 5 e 6: Edição e reedições do livro “Breve história das ruas e praças de São Luís”. 88. Fotos 7, 8 e 9: Edição e reedições do livro “Querebentã de Zomadonu”. 91. Foto 10: Organograma do da composição do “Projeto Memória. de Velhos” (Volumes I a IV). 121. Fotos 11 e 12: Capa e Contracapa do Volume I 128. Fotos 13 e 14: Capa e Contracapa do Volume II 135. Fotos 15 e 16: Capa e Contracapa do Volume III 139. Fotos 17 e 18: Capa e Contracapa do Volume IV 142. Fotos 19 e 20: Capa e Contracapa do Volume V 144. Fotos 21 e 22: Capa e Contracapa do Volume VI 149. Fotos 23 e 24: Capa e Contracapa do Volume VII 152. Foto 25: Nunes Pereira 253. . . 10. LISTA DE SIGLAS. AML Academia Maranhense de Letras. CCPDVF Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho. CMF Comissão Maranhense de Folclore. CNF Comissão Nacional de Folclore. CNFCP Comissão Nacional de Folclore e Cultura Popular. CNPq Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e. Tecnológico. DAC Departamento de Assuntos Culturais. FAPEMA Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão. FUNARTE Fundação Nacional de Artes. FUNC Fundação Cultural do Maranhão. GPMINA Grupo de Pesquisa Religião e Cultura Popular. IHGM Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. SIOGE Serviços de Imprensa e Obras Gráficas do Estado do Maranhão. SECMA Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão. SCMFL Subcomissão Maranhense de Folclore. UEMA Universidade Estadual do Maranhão. UFMA Universidade Federal do Maranhão. 11. LISTA DE QUADROS. Quadro 01: Perfis biográficos, inserções sociais e publicações de livros dos. agentes. 63. Quadro 2 - Membros CMF (1948-1992) 71. Quadro 3 - Composição das diretorias da CMF 73. Quadro 4 - Cronograma de publicações dos livros (1948-2018) 80. Quadro 5 - Publicações no Boletim CMF - Mundicarmo Ferretti 105. Quadro 6 - Publicações no Boletim da CMF - Carlos de Lima 107. Quadro 7 – Publicações no Boletim da CMF – Sérgio Ferretti 108. Quadro 8 - Publicações no Boletim da CMF – Michol Carvalho 108. Quadro 9 - Publicações no Boletim da CMF – Zelinda Lima 109. Quadro 10: Publicações de Domingos Vieira Filho em jornais e revistas 109. Quadro 11. Cronografia dos livros da Coletânea Memória de Velhos 125. Quadro 12 – Descrição do conteúdo das páginas que antecedem os. elementos pré-textuais. 156. Quadro 13 – Produção da coletânea “Memória de Velhos”, ocupação de. cargos em instituições e contexto político dos lançamentos. 159. Quadro 14 – Homenageados do Volume VI 177. Quadro 15 – Homenageados da Coleção “Memória de Velhos” – grupo. 01. 227. Quadro 16 – Publicações de Nunes Pereira 245. Quadro 17 – Homenageados da coleção “Memória de Velhos” – grupo. 02. 254. Quadro 18 – Número de páginas dos depoimentos por homenageado 258. 12. SUMÁRIO. Lista de Ilustrações 10. Lista de Siglas 11. Lista de Quadros 12. Sumário 13. INTRODUÇÃO 15. Referencial teórico, problemática e universo de estudo 17. Metodologia 45. 49. CAPÍTULO I: Edificação da “cultura popular maranhense”: perfis biográficos, vínculos e investimentos em publicação de livros do. Maranhão. 52. 1.1 A afirmação de um intérprete 61. 1.1.1Perfis biográficos, inserções sociais e publicações de livros dos. agentes. 63. 1.2 Os Livros: o lugar e o uso das produções escritas 78. 1.2.1 Boletins da Comissão Maranhense de Folclore 105. 2. “Memórias de velhos” como um panteão da “cultura popular” maranhense: intelectuais e a fabricação de “identidades”. 115. 2.1 Contexto de produção da coleção “Memória de Velhos” 120. 2.2 Elementos pré-textuais da coletânea “Memória de Velhos”: a. produção escrita dos intérpretes e o trabalho de criação de panteões na. “cultura popular” do Maranhão. 123. 2.2.1 Livro “Memória de Velhos. Depoimentos” - Volume I 127. 2.2.2 Livro “Memória de Velhos. Depoimentos” - Volume II 135. 2.2.3 Livro “Memória de Velhos. Depoimentos” - Volume III 139. 2.2.4 Livro “Memória de Velhos. Depoimentos” - Volume IV 141. 2.2.5 Livro “Memória de Velhos. Depoimentos” - Volume V 143. 2.2.6 Livro “Memória de Velhos. Depoimentos” - Volume VI 149. 2.2.7 Livro “Memória de Velhos. Depoimentos” - Volume VII 151. 2.2.8 Ficha Catalográfica da Coleção 154. 2.2.9 Páginas que antecedem os elementos pré-textuais 155. 13. 2.3 Análise dos pré-textuais da Coleção “Memória de Velhos” 157. 2.4 Comentários à “obra”: resenhas dos livros “Memórias de Velhos” 167 Capítulo III – Consagração da “memória” dos porta- vozes/intérpretes . 175. 3.1 “Memórias” e “tradição”: a herança de Domingos Vieira Filho 201. 3.1.1 Concepções de “tradição” 202. 3.2 Concepções de “Política” 206. CAPÍTULO IV – Os Homenageados: “memórias” dos “mestres/produtores” da “cultura popular”. 218. 4.1 “Memórias” dos “produtores/mestres” 223. 4.2 Consagração do “bumba-boi”: os principais “grupos” e seus “donos” 263. Conclusão 281. Referências 392. Anexos 302. Anexo I 303. Anexo II 305. 14. INTRODUÇÃO. A proposta desta Tese é examinar os processos e investimentos na. consagração de porta-vozes, intérpretes, produtores e expressões culturais, que. resultam na construção de um panteão da “cultura popular” maranhense. Para. tanto, analisamos uma coleção de livros intitulada “Memória de velhos”, por meio. da qual podemos apreender, igualmente, a complexidade de operações que. interferem na dinâmica de fabricação de “memórias”, consubstanciada na. produção de livros, no Maranhão. . Inscrito na agenda de pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Estudos. sobre Elites Políticas e Culturais (LEEPOC/UFMA), este trabalho prioriza o. estudo dos perfis sociais, trânsitos, redes e modalidades de inserções em domínios políticos e culturais de agentes que se inscrevem numa “galeria de. notáveis” e colaboram na construção da memória e identidade regionais1. . Assim, o esforço em apreender o trabalho de memória (POLLAK, 1989). realizado por meio da sistematização dos fragmentos das memórias de agentes. envolvidos de diferentes formas na sua produção, passa, sobretudo, pelo. trabalho frequente de instituições e seus porta-vozes, que conduzem a tarefa de. identificar, inventariar, classificar e transmitir princípios que devem ser mantidos. e, por consequência, constituir a identidade2 regional. Pelos recursos detidos e. posições ocupadas, esses agentes conquistam a “linguagem autorizada” para. definir e disputar as delimitações sobre a “cultura popular” e a “região”. (BOURDIEU, 1996).. A coleção “Memória de Velhos” é formada por sete livros, publicados entre. 1997 e 2008, reunindo depoimentos que, selecionados, compõem as memórias. 1Um conjunto de pesquisas realizadas no âmbito do LEEPOC têm produzido estudos especificamente sobre como se constituem as práticas e representações estabelecidas por porta-vozes da “cultura” no Maranhão a partir dos repertórios de mobilização, dos espaços de inserção e dos perfis sociais de agentes que disputam a autoridade legítima para definir o que é a “cultura” no Estado. Ver MATOS, 2019; CARVALHO, 2018; REIS, 2016; 2014; 2010. 2 Para análise da categoria identidade, apoiamo-nos em Brubaker (2001) que questiona a aplicação dessa noção, no sentido se ela é realmente indispensável para as análises sociológicas e antropológicas, como veremos no referencial teórico.. 15. dos homenageados, vulgos “mestres da cultura popular”. O conteúdo dos livros. consiste de entrevistas autobiográficas, imagens e gravuras. Ao todo somam 35. depoimentos, distribuídos nos livros por temáticas, como “religião afro-. brasileira”, “artesanato”, “carnaval”, “religião católica”, “festa do divino”, além de. um volume dedicado aos chamados “especialistas em diversos aspectos da. cultura tradicional maranhense” (FERRETTI, Vol. VI, 2006). Uma das razões. justificadas para a publicação dos sete livros da coletânea seria a “repercussão. positiva alcançada com o lançamento dos quatro primeiros volumes” (Vol. V,. 1999)3.. São livros que consistem em homenagear, sobretudo os notáveis no. espaço da “cultura popular” através de suas “memórias”. Nossa proposta é,. então, examinar a coleção de livros, unificados sob a categoria de “Memórias de. Velhos”, mais precisamente por se constituir enquanto um corpus de caráter. multiposicional, quando pensamos na reunião de recursos articulados pelos. agentes envolvidos. Nossos eixos de análise, aqui pensados à luz das. discussões acerca do fenômeno da consagração e “heroicização” (CORADINI,. 1998) e a conseguinte criação de panteões e lugares de memória (NORA, 1993),. são: os intérpretes atuantes na produção dos livros, notadamente agentes que. trabalham em órgãos públicos vinculados à cultura, pesquisadores/professores. de instituições de ensino e membros da Comissão Maranhense de Folclore. (CMF); e os homenageados, escolhidos pelos primeiros para integrar a referida. coleção, chamados em geral de “produtores/mestres da cultura popular”, tendo. em vista que seus depoimentos constituem a matéria-prima ou acervo a partir. dos quais são formuladas representações sobre as memórias da chamada. “cultura popular” do Maranhão. Assim, a análise desta coletânea de livros. possibilitará lançar luz sobre o processo de constituição de memórias, instituído. e em constante disputa, tanto pelos intérpretes quanto pelos homenageados.. Como identificado anteriormente, esse processo é resultado de uma matriz, ou. seja, concepções de “folclore”, de “cultura popular”, de referências bibliográficas. e de referências intelectuais, que estão na base desses porta-vozes/intérpretes.. Por isso, a importância de retomar um conjunto de publicações que são ou foram. produzidas por esses agentes, desde final da década de 1940, para então situar. 3 No ano de 1997 houve o lançamento simultâneo dos quatro primeiros volumes.. 16. a coleção “Memória de Velhos”, com ênfase nos elementos de uma dinâmica de. fabricação de “memórias” consubstanciadas em uma produção editorial. específica, cuja formulação e realização resultaram em um processo de. consagração dos intérpretes responsáveis pela construção de um panteão da. “cultura popular”.. Nosso ponto de partida é, então, situar as “Memórias de Velhos” no. conjunto de investimentos e concepções que orientam as práticas de uma rede. de agentes, que ocupam posições e se posicionam como intérpretes da “cultura. popular” no e do estado. A análise das trajetórias individuais e coletivas permite. compreender as condições em que lançaram mão da produção/publicação de. livros que podem ser examinados como fonte-objeto de consagração de si e. daqueles que selecionam para “homenagear”. Portanto, nos interessa saber. sobre os critérios de identificação entre intérpretes e homenageados e os. mecanismos de consagração que envolve tanto aqueles que determinam o que. deve ser exaltado, quanto os escolhidos para integrarem o panteão de casos. exemplares de produtores do que é definido como “cultura popular”. Soma-se a. isso a possibilidade de compreender as condições e os processos sociais e. culturais que condicionam essas estratégias de consagração (GRILL & REIS,. 2017; CORADINI, 1998).. Referencial teórico, problemática e universo de estudo. Norbert Elias (2008) propôs a noção de configuração para delimitar as. cadeias de interdependências que vinculam as ações dos indivíduos em. relações instáveis de poder. O grau de complexidade nessas teias aumenta. proporcionalmente aos conflitos e tensões entre aqueles que nelas estão. envolvidos e submetidos a sua dinâmica. As orientações de Elias nos ajudam a. entender como indivíduos, inscritos em relações e funções sociais,. interdependentes dos meios e instituições, interagem e se mobilizam nas lutas. por afirmação e distinção. O que, tratado processualmente, permite observar as. reconfigurações das dinâmicas, lógicas e comportamentos sociais instituídos.. Tanto Elias quanto Bourdieu observam as influências recíprocas na. constituição de casos particulares e dos agrupamentos sociais, através da. “reconstituição dos fluxos de movimentos (...) das flutuações nas relações de. 17. poder, enfim, das cadeias e elos de interdependências” (GRILL & REIS, 2018, p.. 173).. O modelo analítico de Pierre Bourdieu possibilita pensar de modo. relacional nas condições sociais, interesses, lógicas, estratégias e circunstâncias. de atuação e concorrência entre agentes com certas características sociais. O. autor propõe romper com o objetivismo que ignora o espaço social como um. espaço de lutas simbólicas, resultando na afirmação da própria representação. do mundo social e a definição da hierarquia dentro e entre campos sociais.. Segundo Grill (2015), os trabalhos que partem desse esquema analítico. destacam a multidimensionalidade do espaço social, consequentemente, as. posições sociais dos agentes são observadas “com base na diferenciação e. distribuição de propriedades sociais em universos dotados de relativa autonomia. e pautados por princípios de legitimação próprios, os chamados campos” (Idem,. p. 2).. Assim, o trabalho sociológico, segundo Bourdieu (1996), deve ser de. “desvendar” as relações sociais que ocorrem em campos de luta de natureza. objetiva e simbólica. Nesse sentido, com base na epistemologia de Gaston. Bachelard, ele propõe a concepção do espaço social enquanto um conjunto de. relações entre os indivíduos, que existem e permanecem na e pela diferença, ou. seja, enquanto ocupam posições relativas em um campo de forças, que é. tomado como a realidade mais real. As lutas constantes que constituem o espaço. social (sendo este atravessado pela estrutura objetiva) ocorrem pela construção. de identidades e legitimação das representações sociais. . Segundo Bourdieu (2004a), a procura de critérios objetivos de identidade. “regional” ou “étnica” são objetos de representações mentais, ou seja, atos de. percepção e apreciação, de conhecimento e reconhecimento em que os agentes. investem seus interesses e seus pressupostos e, também, de representações. objetivas, em coisas ou atos, estratégias interessadas de manipulação simbólica.. Dessa maneira, só podemos compreender essa forma particular de luta pela. definição de identidades “regionais” ou “étnicas” quando entendermos que são. um caso particular das lutas pela definição de uma visão do mundo social.. Interessante, neste sentido, a recuperação da própria etimologia da palavra “região” (regio) que, segundo Bourdieu, já remete ao princípio de di-. visão, posto que se trata de um ato de autoridade. É como um “ato religioso,. 18. levado a cabo pelo personagem investido da mais alta autoridade”, um porta-voz. que impõe a definição do que sejam as coisas, que legitima com autoridade e. exerce o que Bourdieu (1989) chama de “poder simbólico”. A identidade não. seria então algo dado, mas uma construção, uma imposição. Ou, nas palavras. do autor, trata-se de:. [...] fazer ver a alguém o que ele é e, ao mesmo tempo, lhe fazer ver que tem de se comportar em função de tal identidade. Neste caso, o indicativo é um imperativo. (…) Instituir, dar uma definição social, uma identidade, é também impor limites, (…) fazer o que é de sua essência fazer e não qualquer outra coisa - (…) isso implica não sair da linha, manter sua posição. (BOURDIEU, 2008, p. 100).. Rogers Brubaker (2001) aponta que a categoria identidade, tal como. empregada em muitos casos, tende a apagar a dimensão construtivista do. processo histórico do qual ela é o resultado e, assim, acaba reificando as. dimensões ou fenômenos sociais que se propõe dar conta. A grande difusão do. termo por parte das análises feitas pelas ciências sociais e, consequentemente. seu uso rotineiro pelo senso comum, teriam acarretado um sobrepeso de. significados, frequentemente disponibilizados em situações diversas e muitas. vezes contraditórias. Brubaker ressalta que o termo “identidade” é usado tanto. para acentuar modos de ação não-instrumental, para focar na autocompreensão. em vez de interesse pessoal, para indicar ou negar a semelhança entre pessoas,. como também para enfatizar a qualidade fragmentada da experiência. contemporânea do “eu”, sendo este “eu” instável, remendado por meio de. fragmentos do discurso e ativado de maneira contingente em diferentes. contextos. Nesse sentido, “identidade” carrega uma carga multivalente,. ambígua, até mesmo paradoxal.. Pizzorno (1988) também ponderou sobre a “identidade” e preferiu a noção. de identificação, no sentido que o termo também tem a ver com círculos de. reconhecimento, que influenciam as pessoas nas escolhas dos seus “eus”, de. acordo com seus interesses. Nesse sentido, conforme ele observa, existe uma. multiplicidade desses “eus”, podendo ser assumidos pela mesma pessoa, sendo. que sua reconfiguração surge de novos valores, tanto de um “eu” individual,. 19. quanto coletivo. Sendo assim, essa tomada de posição será sempre relacional. ao outro, tendo em vista que esse novo “eu” requer reconhecimento.. Quando trata de “categorias da prática e categorias de análise”, Brubaker. (2001) elenca algumas palavras-chave que, na interpretação das Ciências. Sociais e da História, são de uma só vez categoria de prática social e política e. categoria de análise social e política, como por exemplo: “cidadania”, “raça”,. “democracia”, “classe”, “etnicidade” e “tradição”. Tais conceitos são marcados. por uma conexão recíproca e influência mútua entre o uso prático (categoria. prática / categoria nativa) e analítico (categoria analítica/“científica”). Nesse. sentido, segundo ele, “identidade” tem sido utilizada (e muito) tanto como. categoria da prática social, de uso cotidiano, como categoria de análise e,. segundo esse autor, aqui residiria o problema. Sua contribuição é no sentido de. desfazer o “nó inextricável de significados que se acumularam em torno do. termo” (p.75)4. . Martin (1992) complementa que “identidades” são construções cujas. bases são determinadas pelas relações de poder que são nutridas e os esforços. empreendidos para modificá-los. O discurso identitário, segundo ele, é tanto um. discurso sobre o “outro”, ou sobre “outros”, quanto uma proclamação de si. Em. resumo, é uma maneira de situar os outros em relação a si e reciprocamente. A. identidade não deve ser compreendida apenas numa dimensão individual, mas. como uma construção regulada no “outro”. Nesse sentido, tanto a “identidade”. 4 Daí porque indaga se o uso dessa noção é realmente imprescindível para as análises sociológicas e antropológicas, sugerindo o uso de outras noções, divididas em três grupos, para abarcar a variedade de situações e dimensões que o termo “identidade” supostamente daria conta: 1º) identificação e categorização; 2º) autocompreensão e localizaçãosocial; 3º) comunalidade, conectividade e grupalidade. Este último grupo é o que ele sugere para os estudos de “identidades” coletivas, que é uma forma específica de autocompreensão afetivamente carregada, mas que mereceria um tratamento particular, por isso ele coloca as três noções acima: comunalidade, conectividade e grupalidade, que traduzem um sentimento de pertencimento a um grupo específico e limitado. A identificação é um termo originado da Psicanálise que evita, segundo ele, a reificação das conotações de identidade, além de oferecer uma ideia de algo intrínseco à vida social. É um termo ativo, que sugere caminhos em que a ação individual ou coletiva pode ser governada por supostos interesses universais e estruturalistas. Transmite a noção de processo, não tendo necessariamente um compromisso com resultados políticos. O termo “autocompreensão” enfatiza a subjetividade situacional, o sentido de quem é quem na sociedade, de sua posição social e de como esse “quem” está preparado para agir. Sua observação não é a legitimação ou a importância das reivindicações particularistas, mas como melhor conceitualizá-las. Segundo o autor, pessoas de todo lugar tem ligações particulares, autocompreensões, trajetórias etc. Submeter tais particularidades universais, porém, sob a rubrica de “identidade” é quase tão violento para suas formas variadas, quanto submetê-lo às categorias “universalistas” como um “interesse” (BRUBAKER, 2001, p. 17).. 20. quanto a “memória” possuem caráter fluido, dinâmico e em constante. reinvenção. Com relação à vocação que muitos indivíduos possuem para. “proclamarem” a identidade, ocuparem as tribunas, estes elaboram e manipulam. os sistemas simbólicos, produzindo uma “narrativa” com objetivo mobilizador que. se desenvolve a partir de alguns núcleos identitários (MARTIN, 1992).. Desta forma, o processo de construção das representações sociais ocorre. por meio de disputas pelos princípios de visão e di-visão do mundo, através do. que Bourdieu (2004a) denomina de poder simbólico que, por ser invisível, é uma. forma transfigurada e legitimada de outras formas de poder que, ao serem. reconhecidas, produzem a existência daquilo que anunciam. Nesse contexto, a. definição das categorias de classificação do mundo social são fruto e objeto de. lutas entre os diversos agentes sociais empenhados na sua definição,. delimitação de fronteiras, características etc. Portanto, essas categorias não são. unidades compostas por uma diversidade, mas um produto de lutas, cujo. resultado é a operação de homogeneização.. O que está em jogo nessas batalhas é o monopólio do poder de “fazer ver. e fazer crer, de fazer conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição. legítima das divisões do mundo social e, por essa via, de fazer e de desfazer os. grupos”. Bourdieu (2008) destaca a importância da linguagem autorizada de um. sistema social constituído por agentes e instituições, permitindo o. reconhecimento do ritual de instituição. Para ele:. Instituir é consagrar, ou seja, sancionar e santificar um estado de coisas, uma ordem estabelecida (…). A investidura (...), consiste em sancionar e em santificar uma diferença (…) fazendo-a conhecer e reconhecer, fazendo-a existir enquanto diferença social, conhecida e reconhecida pelo agente investido e pelos demais. (…) a ciência social deve levar em conta o fato da eficácia simbólica dos ritos de instituição, ou seja, o poder que lhes é próprio de agir sobre o real ao agir sobre a representação do real. (idem, p. 99). Assim, as lutas sociais são travadas com o objetivo de impor princípios de. classificação legítimos e, portanto, visam a universalização de uma concepção. e modo de vida particular (BOURDIEU apud CORADINI, 1998, p. 212). O. discurso regionalista pode ser tomado como exemplo de um discurso. 21. performativo, pois tem como objetivo “impor como legítima uma nova definição. das fronteiras e dar a conhecer e fazer reconhecer a região assim delimitada”. (BOURDIEU, 1989, p. 116). É um ato de estabelecer categorias. E não é. qualquer um que produz esse tipo de discurso. É preciso que seja alguém. conhecido e reconhecido por sua habilidade (cujas bases são desconhecidas). de produzir um discurso potente sobre o regionalismo, por exemplo. Neste. aspecto, o que está em jogo é “a conservação ou a transformação das relações. de forças simbólicas e das vantagens correlativas da dominação simbólica e. lutas regionais” (idem, p. 124).. Essa ocorrência se dá através de argumentos de autoridade, baseados. em competências técnicas sobre o mundo social, onde se materializam as. estratégias de sociodicéia (BOURDIEU, 1994), como “uma forma de construir a. identidade como intérpretes, produzindo uma imagem do mundo social e, ao. mesmo tempo, um lugar para si mesmos nesse mundo” (NEIBURG, 1997, p. 45).. Segue-se, então, na compreensão da linguagem autorizada, que nos termos de. Bourdieu (2008) se refere a uma magia performativa, isto é, à alquimia da. representação através da qual o representante constitui o grupo que o constitui.. O porta-voz, segundo ele, é dotado de poder pleno de falar e de agir em nome. do grupo. (BOURDIEU, 2008, p. 83). Nesse sentido, o poder sobre o grupo está. relacionado ao poder fazer com que ele exista por meio da imposição de. princípios de visão e divisão comuns, e, portanto, uma visão única de sua. identidade e uma visão idêntica de sua unidade (BOURDIEU, 2008, p. 111). . Neste caso, a investidura exerce uma eficácia simbólica real pelo fato de. transformar efetivamente a pessoa consagrada, primeiro pela eficácia de. transformar a representação que os demais agentes possuem dela, modificando. seu comportamento em relação a ela e, segundo, pela representação que a. pessoa investida faz de si, assumindo comportamentos que ela pensa estar. obrigada a adotar para se ajustar a tal representação (BOURDIEU, 2008).. Existiria aí um verdadeiro ato de magia social, decorrente da força da. instituição, a qual cria a diferença de ratificar/explorar de alguma maneira as. diferenças preexistentes. Segundo Bourdieu (2008), as distinções mais eficazes. seriam aquelas que parecem se fundar em diferenças objetivas. Este processo. teria impactos ou consequências diretas sobre a constituição de identidades. sociais. A instituição delas ocorreria por vias de uma imposição, que não. 22. necessariamente é assim percebida por parte dos agentes. Como aponta. Bourdieu:. O ato de instituição é um ato de comunicação de uma espécie particular: ele notifica a alguém sua identidade, quer no sentido de que ele a exprime e a impõe perante todos (…), quer notificando-lhe assim com autoridade o que esse alguém é e o que deve ser. (…) O herdeiro designado – segundo um critério mais ou menos arbitrário é reconhecido e tratado como tal por todo o grupo, a começar pela sua família, e esse tratamento diferente e distintivo tende a encorajá-lo a realizar sua essência, a viver conforme sua natureza social. (BOURDIEU, 2008, p. 101). No entanto, o milagre produzido pelos atos de instituição está sem dúvida. no fato de que eles conseguem fazer crer aos indivíduos consagrados que eles. possuem uma justificação para existir, ou melhor, que sua existência serve para. tal coisa. É como uma ação mágica, conforme descreve Bourdieu (2008),. realizada por determinado agente, devendo ser alguém autorizado a realizá-lo. (interlocutor) que comanda o acesso ao que ele chama de “palavra legítima”.. Analisando as lutas de definições da identidade cultural nacional em Cabo. Verde, Anjos (2002) aponta que as identidades são fluídas, se desmancham e. se recompõem no tempo, além de mudarem, retornarem e desaparecerem. O. que mais se evidenciou, na configuração que ele estudou, foi o caráter ideológico. da identidade nacional, no sentido de construto mental que visa legitimar. construções e relações políticas. Mas, considerando-se que o estudo da. identidade nacional não pode ser reduzido ao seu aspecto ideológico, impõe-se. como enfoque privilegiado analisar o quanto essas identidades mascaram,. legitimam, justificam e servem de modelo para ações de poder (ANJOS, 1992,. p. 306). Quando esse autor se refere à história social da invenção da identidade,. destaca o que está em jogo, simultaneamente: a análise da correlação de. trajetórias individuais e de grupo dos intelectuais, das posições dos mesmos e. ainda das tomadas de posição no campo da produção cultural. Na análise, vem. à tona a problemática da mediação cultural e política, que está ligada à questão. da identidade na medida em que, com a consolidação da posição dos mais. importantes agentes locais no papel de intelectuais, o status de mediador passa. 23. a depender fundamentalmente da concorrência pela função de intérprete da. cultura, sendo também a institucionalização de um conjunto de representações. e práticas sociais consideradas fundamentais para definição da identidade cabo-. verdiana. . A função da mediação é, segundo Reis (2014, p. 188):. Também de interpretação e diz respeito ao processo de produção de conhecimento e de normas por agentes que concentram as características consideradas ‘necessárias’ para o exercício de papéis especializados, ou seja, são detentores de capitais e notabilidade ajustados ou ‘adequados’ à posição. (REIS, 2014, p. 188).. Ao analisar os princípios que os agentes acionam e determinam se devem. ou não ser considerados como exemplo ou modelo a ser “recuperado,. conservado, imitado ou louvado”, Reis (2014) observa que se trata de um. trabalho de dupla representação dos intérpretes, que, a partir de suas. identificações múltiplas e provisórias, constroem e visam impor, ao mesmo. tempo, identidades específicas e coletivas.. O peso do trabalho de mediação, as possibilidades de trânsito e as. fragilidades das fronteiras institucionais, nos levam a ter cautela sobre o uso. irrefletido do conceito de campo, conforme discussão que vem sendo feita no. sentido de contemplar universos empíricos diversos e contrastantes àqueles que. inspiraram Bourdieu (REIS e GRILL, 2016; CORADINI e REIS, 2012; SIGAL,. 2012, entre outros). As ideias de domínios e multinotabilidades aparecem como. recurso para analisar “configurações marcadas pela plasticidade e. indiferenciação de lógicas, princípios e papéis”. A ideia de domínio permite. examinar “circunstâncias nas quais não é possível pressupor elevados graus de. institucionalização ou de autonomização”, ou seja, configurações onde esses. agentes são portadores de características e trunfos diversos de autoridade que. os qualificam a transitar entre elas e a produzir e impor representações sobre a. vida social (REIS e GRILL, 2016, p. 35).. Além disso, essa ideia pode ser relacionada a segmentos diferentes de. elites, discutidos a partir dos perfis heterogêneos e da multiplicidade de recursos,. lógicas, práticas, posições e posicionamentos que condicionam o trânsito, a. 24. decadência ou a ascensão de agentes que, por esses elementos, fundamentam. suas bases de notabilização (idem, 2016). Isso porque existem relações. pautadas em lógicas diversas, acionadas por especialistas que exercem “papéis. polivalentes e desfrutam de multiposicionalidades”, mesmo quando situados em. domínios específicos. Daí a necessidade, no caso da nossa pesquisa, de. identificar os domínios variados e intercruzados de inscrição dos agentes,. exigindo a análise das lógicas ou mediações que preponderam em dinâmicas. marcadas por tais características.. Livros e panteões. A análise de livros, conforme pretendemos fazer, segue interligada por um. sistema de narrativas sobre o Maranhão e “trazem à tona lógicas de concorrência. pela afirmação de elementos próprios à ‘memória regional’, travada entre os. ‘construtores’ das ‘galerias de notáveis’”, permitindo tratar, numa mesma agenda. de pesquisa, os “elementos frigorificados na memória coletiva e lutas tramadas. nos posicionamentos sobre o passado” (GRILL e REIS, 2017, p. 365).. Dessa forma, entendemos que para tratarmos do processo de produção. de livros, constituídos sob a categoria “Memória de Velhos” por parte dos. intérpretes e homenageados da “cultura popular”, necessitamos de uma reflexão que leve em conta “uma tripla conversão do olhar”, seguindo as orientações de. Bourdieu, conforme destacaram Grill e Reis (2018):. Dos ‘indivíduos’ (como realidades substancializadas) para agentes dotados de propriedades sociais (...); dos ‘grupos’ (como entidades reificadas e essencializadas) para seus processos de constituição (porta-vozes, organizações, meios, (...) etc); e das interações visíveis para sistemas estruturados em posições e em tomadas de posição. (GRILL E REIS, 2018, p. 173).. Os livros que pretendemos analisar se constituem, portanto:. 25. Em instâncias de atribuição de transcendentalidade e de legitimidade a determinados agentes. Eles são assinados por produtores e intérpretes autorizados da “cultura” no e do Maranhão, e visam declaradamente aclamar “personalidades” igualmente reconhecidas, configurando-se, portanto, em galerias de notáveis. (GRILL E REIS, 2017, p. 364).. Cabe explicitar que a coleção de livros que pretendemos analisar, quando. referida a outros livros com a mesma temática, evidencia o trabalho (não. necessariamente planejado) de produção de uma identidade regional e a. consequente criação de um corpus literário da “cultura popular” maranhense,. formando, juntamente com outras publicações, verdadeiros sistemas. classificatórios, produzidos por intérpretes que passam a integrar um panteão da. “cultura popular”.. Assim, nosso interesse por uma investigação a respeito do processo de. consagração dos intérpretes e homenageados da “cultura popular maranhense”,. materializado na coleção “Memória de Velhos”, se encontra também na. identificação dos recursos e noções de legitimação que estruturam as práticas. desses agentes. Indagamos, pois, quais são os recursos mobilizados por esses. agentes (intérpretes e homenageados), quais os seus espaços de inserção para. a produção de uma coletânea destinada à construção de um panteão da cultura. popular maranhense?. É central na análise que propomos compreender a maneira como os. discursos dos intérpretes ganham sentido a partir do discurso dos. homenageados da “cultura popular maranhense”, por meio dos depoimentos. ilustrados na coleção “Memória de Velhos”. Não se trata de uma simples listagem. de depoimentos ou de uma coleção de livros, mas um “roteiro” do que seja. “conhecer a cultura popular”, ou seja, de sistematização de elementos que. informam a representação que define uma identidade regional para o Maranhão,. definindo, por conseguinte, “o que deve ser lido, como deve ser lido e para que. deve ser lido” (GARCIA JÚNIOR, 2014). Assim, cada intérprete faz. considerações, especialmente nos elementos pré-textuais, a respeito do que. seriam as “memórias” ou porque determinadas “memórias” são transformadas. em “representações” da identidade regional maranhense e outras não. A. 26. identidade regional, como já observamos, é uma construção mental, produzida. a partir de conceitos abstratos e diversos, capazes de criar uma realidade.. Garcia Júnior (2014) trata da lógica das relações entre produtores e. demais agentes envolvidos em uma produção classificada como “cultural”,. buscando apreender determinadas relações entre discursos materializados em. “livros” reunidos em um único “livro” que tem como proposta fornecer uma lista. de obras e um roteiro para “conhecer o Brasil”. Trata-se, segundo o autor, da. análise de um “momento” do “campo intelectual”, visto de uma perspectiva. histórica que rompe com o historicismo e permite perceber as relações e suas. dinâmicas. O autor mostra que as maneiras utilizadas para “conhecer o Brasil”. correspondem “a categorias e hábitos de pensamento que se tornaram. dominantes, de tal forma que relativizar as categorias do livro seria tentar. relativizar as categorias e padrões de legitimidade já presos em nossas próprias. cabeças hoje” (GARCIA, 2014, p. 31).. Neste caso, segundo Garcia Júnior, certos livros (como o de Nelson. Werneck Sodré por ele examinado) se afirmariam como um roteiro de leituras do. que deveria ser lido. São os “livros consagrados” e, consequente, ou. indiretamente, apontariam o que não deve ser lido ou o que não representa o. pensamento do autor na representação do Brasil. Conhecer o Brasil, na. perspectiva de Nelson Werneck Sodré, seria algo que se impõe, porque. identificaria o que é “genuinamente brasileiro”, e mais: identifica o que “é básico. para ‘nos’ conhecer, saber o que ‘nos identifica’ e, portanto, permite nos opor. àquilo que nos nega” (Idem, p. 34).. A “obra” analisada por Garcia Júnior (2014, p. 34) tem o intuito de. demarcar, portanto, o “que se deve conhecer e valorizar e o que se pode. desprezar ou se deve rejeitar”. A oposição feita por Sodré entre “Brasil” e. “estrutura colonial” funciona como síntese de categorias classificatórias, que. permitem reenquadrar as obras e os discursos nela formulados, fornecendo não. somente um esquema de apreensão dos discursos efetivamente emitidos e. passíveis de serem recebidos através de leitura, como também formas de. apropriação desses discursos para legitimar posições no campo intelectual e. político, bem como fornecer esquemas para emissão de uma infinidade de. discursos com os mesmos objetivos (Idem, 2014). Em seu livro “A ideologia da. decadência”, Almeida (2008) faz algo semelhante em relação à agricultura no. 27. Maranhão do século XIX, analisando os clássicos livros publicados que trazem. representações sobre a situação econômica e social da região. Contribui para. compreender a emergência de leituras pautadas numa ideia de “decadência” que. organizou e estruturou uma série de discursos sobre a economia (e a cultura) do. Maranhão desde aquele período.. Com a análise dos livros produzidos por Oliveira Viana, Castro Faria. (2002) afirma que uma das consequências da consagração de um autor é a sua. singularização. O autor é geralmente desprendido do contexto no qual produziu. e passa a fazer parte de um panteão de autores consagrados, que produziram. antes ou depois, criando-se, dessa maneira, uma galeria de grandes vultos, sem. vínculos com o tempo e o lugar. É necessário, segundo ele, situar o autor ao. contexto de produção, ou seja, ao recompor a trajetória situamos o autor e. contextualizamos a sua produção, reconstituindo assim “a trama das relações no. campo intelectual e no campo do poder” (idem, p. 26).. Nosso trabalho é sobre uma rede de agentes que atua na gestão da. “cultura popular” e da “memória”, interferindo decisivamente na constituição dos. limites que circunscrevem a “identidade regional”. Por meio da análise da. coleção “Memória de Velhos” como objeto e fonte de pesquisa, podemos. localizar os agentes e suas representações, bem como os trunfos de autoridade. para os posicionamentos apresentados.. Desta forma, é importante pensar as circunstâncias sociais e o processo. de reconhecimento de agentes na análise que pretendemos desenvolver sobre. os livros produzidos por intérpretes e homenageados da “cultura popular. maranhense”.. A coleção “Memórias...” pode ser considerada como um “lugar de. memória” (NORA, 1993), bem como estão intimamente ligadas “aos usos sociais. que os agentes mobilizam nas suas inserções sociais e lutas políticas” (REIS,. 2014). Os “lugares de memórias” são construções que declaram a inexistência. da “memória”. Nascem e sobrevivem da criação de celebrações, eventos,. arquivos, ou seja, são operações criadas (NORA, 1993, p. 13). . Esse “lugar de memória” pode ser também tratado enquanto um panteão.. Ao abordar a criação de “panteões” ou o processo de “heroicização”, Coradini. (1998) destaca que além de relacionado ou baseado numa hierarquização. social, ele também possui uma dimensão sagrada. A distinção, por exemplo,. 28. entre agentes sociais considerados como “heróis” e aqueles meramente. dominantes está no fato de que a posição de “herói” e aquilo que representa em. termos de valores culturais condensados pela “figura” ou imagem social são. consagrados e passam a fazer parte da ordem do sagrado, em oposição ao. profano (Idem, p. 212), sendo o reconhecimento uma condição necessária para. que a consagração ocorra. Este autor afirma que “o que está em pauta, [...] são. os princípios de aferição da excelência ‘humana’, e, portanto, de hierarquização. social”. Ocorre que, segundo ele, não existem princípios de classificação que. não sejam baseados em valores e, portanto, que sejam “universais” ou. “racionais” (Idem). Tal processo, segundo o mesmo autor, está presente sempre. que as relações sociais e os esquemas de classificação operados estejam. fundamentados no reconhecimento, na busca de sentido. Dessa maneira, não. só indivíduos, mas instituições ou categorias podem ser heroicizados devido a. um esquema de pensamento essencialista que os substancializa e os. personifica.. No caso do Maranhão, Reis e Grill (2017, p. 364) analisaram,. especificamente, o trabalho ativo de seleção e eternização de “ícones” através. de publicações promovidas por instâncias de consagração voltadas aos. domínios e porta-vozes da cultura. Eles propuseram o tratamento de algumas. “obras” como panteões como estratégias para apreender mecanismos e. processos de constituição de “vultos” que “sintetizariam atributos e valores. compatíveis com certas representações legítimas do mundo social” (idem, p.. 364)5. Eles levaram em conta a combinação das propriedades sociais dos. autores e das personalidades selecionadas a partir dos perfis publicados e as. representações captadas nas caracterizações disponibilizadas, para apreender. os princípios estruturantes no trabalho de consagração, os predicados sociais. considerados extraordinários e as categorizações e justificações levadas a cabo. por intérpretes autorizados da “memória regional” (Idem, 2017, p. 364). Os referidos notáveis são responsáveis pela imposição de percepções acerca das. origens, das aquisições apropriadas, dos “gostos” naturalizados, ritos. 5 Foram examinados, em especial, os “Perfis Acadêmicos”, de Jomar Moraes (cuja 1ª edição data de 1986), e “Perfis de Cultura Popular”, organizado por Mundicarmo Ferretti e Zelinda Lima [2015], os quais reúnem biografias de “intérpretes e notáveis” da “cultura erudita e popular”.. 29. necessários e tudo mais que se traduz naquilo que deve ser considerado como. signo “cultural” e “regional” (Idem, p. 372). . O que observamos na coleção de livros que analisamos aqui é que ela faz. parte de empreendimentos gestados desde o final da década de 1940, quando. podemos situar a gênese do processo de institucionalização do “folclore” no. Maranhão (BRAGA, 2000). Portanto, é necessário retomar ou recuar um pouco. no tempo para chegarmos a um agente chave na origem dessa rede de porta-. vozes/intérpretes, que é Domingos Vieira Filho, notadamente pela posição que. ocupou na administração pública, pelos trânsitos em instâncias consagradoras. e principalmente pelos livros que publicou. São nos seus escritos que este. agente vai assentar as bases de uma matriz para o “folclore” e para as. interpretações da “cultura popular” maranhense. . Tal problemática e dimensões de análise convergem com as pesquisas. feitas por Cavalcanti (1992, 2009) e Vilhena (1997) sobre a afirmação dos. estudos de folclore como uma das vertentes de pensamento que conformam a. Sociologia e a Antropologia praticada nas universidades. Vilhena (1997), no livro. “Projeto e Missão: movimento folclórico brasileiro (1947-1964)” apresenta a. trajetória dos estudos de folclore que integraram, de modo significativo, a. formação das Ciências Sociais no Brasil, delineando, em diferentes estados, as. redes de relações existentes entre intelectuais das elites locais e o registro das. chamadas manifestações folclóricas. Ele destaca que no estudo das trajetórias. não era apenas a identidade do próprio intelectual que escrevia sobre o folclore. que estava em jogo, mas que “ao criar-se um especialista, se estava também. identificando um campo de estudos” bem definido em termos de abrangência e. limites (Idem, p. 126). No caso do “folclore”, quando seus fenômenos específicos. foram, segundo ele, qualificados de “folclóricos” implicava a identificação de. propriedades próprias que os relacionavam de forma privilegiada à “identidade. nacional”.. No que se refere à institucionalização dos estudos de folclore, Vilhena. (2012) observa que ela seguiu rumos diversos da institucionalização universitária. das ciências sociais, notadamente na década de 1950. O chamado “Movimento. Folclórico” foi, segundo ele, bem sucedido na constituição das comissões,. museus, institutos, órgãos governamentais, porém não obteve sucesso em favor. da introdução de disciplinas específicas nas universidades pelos folcloristas. No. 30. caso do Maranhão, Cavalcanti (2012) observa que isso foi possível após o. encontro entre Domingos Vieira Filho e Sérgio Ferretti no interior das instituições. culturais do Estado, o que resultou na junção do Movimento Folclórico das. décadas de 1940 e 1960, com a institucionalização das ciências sociais no. ambiente universitário maranhense nos anos 1970 (Idem, p. 173).. O que pode ser comparado a outras realidades regionais. Nedel (2005),. ao analisar o regionalismo e os folcloristas no Rio Grande do Sul dos anos 1950,. observa que o cruzamento das tentativas de afirmação científica do folclore com. as disciplinas co-irmãs esteve ligado tanto às trajetórias institucionais e as. inovações teórico-metodológicas propostas para o conhecimento produzido em. meados do século XX, quanto às biografias e trocas intelectuais firmadas entre. os interessados em apresentá-las na ocasião. E mais, o assunto “folclore”. permaneceu relegado ao anonimato, tanto na História quanto nas Ciências. Sociais. Isso ocorreu pela presunção de um desenvolvimento contínuo e. cumulativo do conhecimento, “cuja consolidação nas universidades seria em si. mesma determinante para a falência de projetos publicamente comprometidos. com o debate identitário” (NEDEL, 2015, p. 18). Esse conflito entre o folclore e. as demais disciplinas naquele estado, talvez seja a razão de poucos. historiadores ousarem pensar em ter um passado comum com os. tradicionalistas. Ao analisar a conversão de estudantes “tradicionalistas” para. “estudiosos”, e de “estudiosos da história e da literatura em especialistas do. folclore”, Nedel avaliou “os lugares e posições que vieram a ocupar no circuito. cultural, a adoção de referenciais teóricos e os meios de consagração. disponíveis no estreito universo acadêmico da época” (idem, 2015, p. 23).. Ao identificar a produção e circulação dos intelectuais no Rio Grande do. Sul entre os anos de 1949 e 1965, Nedel (2005) explorou a figura do “intelectual. de província” que inserido num código de conduta e de linguagem delimitado e. reconhecido pelos pares, opera simultaneamente como produtor e consumidor. de classificações identitárias produzidas para serem amplamente divididas, e. que serão difundidos através de livros, instituições, rituais cívicos e pelos órgãos. governamentais encarregados da “memória” e da “cultura”. Segundo ela, mesmo. possuindo interesses comuns pelas “coisas do Rio Grande”, estarem envolvidos. na divulgação do que atribuíam ser a “autêntica cultura regional” e ainda. inseridos num mesmo movimento a favor da “preservação e levantamento. 31. localizado do patrimônio folclórico brasileiro”, os folcloristas não constituíam uma. parcela hegemônica da comunidade intelectual sul-rio-grandense (Idem, p. 7).. Albuquerque Júnior (2013) ao analisar as condições históricas de. emergência da ideia de “folclore nordestino” observa como este objeto deu. origem a práticas, instituições, formas de ver e dizer o regional que, em grande. medida, ainda está presente em discursos e práticas acadêmicas. Segundo ele,. é fundamental tentar entender por que o próprio conceito de folclore passa a ter. uma audiência expressiva no início do século passado, sendo o centro de. trabalhos produzidos por importantes eruditos e intelectuais do período. O autor. identifica que o uso crescente da noção de “cultura nordestina” parece ter. conexão com as transformações sociais que se processavam na sociedade. brasileira e, mais especificamente, nos até então chamados estados do Norte,. onde o número de autores e obras dedicados a esta temática excede de modo. significativo o de qualquer outro espaço geográfico do país. Ou seja, “de uma. atitude de desprezo, de distanciamento (...), as elites intelectuais e políticas. passam a olhar de outra maneira para as manifestações culturais populares”, no. começo do século XX. Ocorre, segundo Albuquerque Júnior, “um deslocamento. na visibilidade destas práticas, que passam a ser objetos de curiosidade, de. inventário, de registro, de interesse, de classificação, de controle e policiamento”.. Essa mudança de comportamento seria resultado, entre outros fatores, das. transformações experimentadas na passagem “de uma sociedade escravocrata. (...) para uma sociedade nitidamente de classes, onde os estilos de vida passam. a ser importantes marcadores de status social e onde a mobilidade social parece. ser mais frequente” (Idem, p. 40-42). . Nosso empreendimento analítico se situa nesta agenda de pesquisa para. compreender as inscrições sociais, culturais e políticas dos agentes que atuam. na produção da coletânea “Memória de Velhos”. O conjunto de agentes, que. podemos aqui identificar como intelectuais oriundos da classe média e que. passam a se posicionar, apropriar, disputar e interpretar a categoria “cultura. popular”, participam das lutas pela definição do que é a cultura e seus. representantes autorizados. A questão é discutir como essas produções escritas. sobre a cultura maranhense funcionam como lugares de memória, bem como. estão intimamente ligadas “aos usos sociais que os agentes mobilizam nas suas. inserções sociais e lutas políticas” (REIS, 2014).. 32. Propomos analisar a coleção como um “panteão” de intérpretes e notáveis. da “cultura popular”. Dessa maneira, nosso trabalho pretende, dentre outras. coisas: investigar as propriedades sociais (volume e estrutura de recursos) dos. intérpretes, responsáveis pela construção de um panteão da “cultura popular. maranhense” e dos homenageados (“mestres da cultura popular”); compreender. os mecanismos de consagração tanto por parte dos intérpretes quanto dos. consagrados; identificar a lógica de organização dos volumes e os critérios de. escolha dos homenageados e suas possíveis relações com os intérpretes;. compreender as estratégias de autoapresentação dos intérpretes através da. análise dos elementos pré-textuais da coletânea (orelha, prefácio, apresentação,. introdução, ficha técnica, ilustrações e outros itens); e examinar os processos de. produção e representação de memórias, as condições e processos sociais e. culturais em que foram produzidas, com destaque para seus imbricamentos. sociais e políticos.. Em todos os volumes examinaremos os elementos pré-textuais (capa,. contracapa, orelha, prefácio, apresentação e introdução), que segundo Reis e. Grill (2016, p. 3), fazem emergir identificações sociais, pessoais, ideológicas e. geracionais entre autores, apresentadores, comentadores e “ícones”. . Analisaremos também as “memórias” produzidas pelos homenageados dos. livros da coleção. . “Cultura popular”, “memórias” e “velhos” . A coleção “Memória de Velhos” se situa em um universo de publicações,. a partir das quais podemos perceber o uso e articulação de categorias como. “cultura popular”, “memória” e “velhice”. Nossa pesquisa tem a ambição de. integrar a discussão sobre essas temáticas, a partir da focalização dos perfis,. das inserções e das tomadas de posição de agentes que ocupam diferentes. posições nesse universo.. Nos volumes da coleção, os agentes classificam a “memória”, os “velhos”. e a “cultura popular” visando à valorização de certos aspectos e personagens e. garantindo, também, o seu próprio lugar como mediadores nas lutas em torno do. que elas significam.. No Maranhão, posicionar-se sobre a chamada “cultura popular” é tarefa. 33. de um conjunto de agentes que se afirmam (ou se afirmaram, alguns desde a. década de 1940), como porta-voz ou intérpretes legítimos. E, publicar sobre essa. temática, nas suas diferentes expressões, é um dos principais empreendimentos. nas estratégias de legitimação e consagração social. Junto com outros. investimentos, como em redes de relações e inserções em domínios políticos. (sobretudo em cargos administrativos) e domínios culturais (incluindo-se. religiosos e universitários), agentes e instituições conquistam posições. privilegiadas para dizer quais são as “manifestações populares” e seus. produtores.. Com efeito, tratamos a “cultura popular” como objeto em constante. disputa por seus agentes, especialmente pela sua legitimidade. Buscamos. compreender o posicionamento tanto dos intérpretes quanto dos. homenageados, uns em relação aos outros e de como suas tomadas de posição. deixam claro seus princípios de percepção e classificação do mundo social.. Mesmo aparentando, à primeira vista, certa estabilidade e unidade, esses. indivíduos estão situados em um espaço de tensões e lutas constantes.. Ao analisarmos a temática geral das publicações dos agentes que são. aqui investigados, que falam sobre e escrevem para a “cultura popular”, como. sugere Bourdieu (2004b), é preciso ter em mente que o “povo” ou o “popular” é. um objeto central em jogo na luta entre esses porta-vozes, que ocupam posições. de intelectuais em uma configuração histórica de fraca autonomia dos campos. sociais6:. O fato de estar ou de se sentir autorizado a falar do “povo” ou para o “povo” (no duplo sentido: para o “povo” e no lugar do “povo”) pode constituir, por si só, uma força nas lutas internas dos diferentes campos, político, religioso, artístico, etc. – força tanto maior quanto menor for a autonomia do campo considerado. (BOURDIEU, 2004, p. 181).. No que concerne “às tomadas de posição em relação ao ‘povo’ ou ao. ‘popular’”, Bourdieu (2004a) indica que elas se baseiam, “na sua forma e. conteúdo, nos interesses específicos ligados primeiro ao fato de se pertencer ao. campo de produção cultural e, em seguida, à posição ocupada no interior desse. 6 Ver discussão de Grill e Reis (2018).. 34. campo”. Assim, as diferentes representações do “povo” se apresentam como. expressões transformadas de uma relação crucial com o “povo”, que depende. tanto da disposição ocupada no campo dos especialistas, quanto da trajetória. que conduziu a essa posição. Citando a “eficácia simbólica do obreirismo”, ele. destaca:. Essa estratégia permite que aqueles que podem reivindicar uma forma de proximidade com os dominados apresentem-se como detentores de uma espécie de direito de preempção sobre o ‘povo’ e, desse modo, de uma missão exclusiva, e, ao mesmo tempo, que instaurem como norma universal os modos de pensamento e expressão que lhes foram impostos por condição de aquisição pouco favoráveis ao refinamento intelectual; mas ele é também o que lhes permite simultaneamente assumir e reivindicar tudo o que os separa de seus concorrentes e mascarar (...) o corte com o ‘povo’ que está inscrito no acesso ao papel de porta-voz. (BOURDIEU, 2004, p. 184).. Nesse caso, a relação com as origens é vivida de modo muito profundo. (e dramático), para que se possa descrever essa estratégia como resultado de. um cálculo cínico. Essas diferentes maneiras de se situar em relação ao “povo”,. reside ainda e sempre na lógica da luta do interior do “campo dos especialistas”. (BOURDIEU, 2004).. O reconhecimento das interpretações e/ou representações da “cultura. popular” produzida pelos porta-vozes, fundamenta-se em algum tipo de relação. com o povo, o que transformou o debate sobre a “cultura popular” num espaço. de luta entre eles, que fizeram de sua capacidade de interpretar o “popular” como. um aspecto de sua própria sociodicéia. . Portanto, para compreendermos os autores que falam em nome e. escrevem sobre a chamada “cultura popular” maranhense, é necessário, como. aponta Bourdieu (2014), “retomar todo o sistema de rela&ccedi

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