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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP WLADIMIR ALBERTI PASCOAL DE LIMA DAMASCENO

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PUC-SP

WLADIMIR ALBERTI PASCOAL DE LIMA DAMASCENO

Quando a Posição Fluente se Perde: Desarmonia Entre Fala e Língua

Mestrado em Fonoaudiologia

(2)

PUC-SP

Wladimir Alberti Pascoal de Lima Damasceno

Quando a posição fluente se perde: desarmonia entre fala e língua

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de MESTRE em

Fonoaudiologia, sob a orientação da Profa. Dra. Silvia Friedman.

(3)

Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia

Coordenadora do Curso de Pós-Graduação Profª. Drª. Léslie Piccolotto Ferreira

(4)

Quando a Posição Fluente se Perde: Desarmonia entre fala e língua

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de MESTRE em

Fonoaudiologia, sob a orientação da Profa. Dra. Silvia Friedman.

Aprovada em: ______ / _______ / _________

Banca Examinadora

_______________________________ Profª Drª Silvia Friedman – PUC-SP

_______________________________ Profª Drª. Maria Inês Tassinari – PUC-SP

(5)

À Profª Drª Silvia Friedman, pessoa de luz e sabedoria, pelos ensinamentos, compreensão e empenho direcionados à realização deste trabalho, bem como pelo carinho demonstrado a mim, à minha esposa e ao meu filho.

À minha esposa, Mônica, pelo amor, apoio, incentivo e compreensão doados durante essa jornada que modificou para sempre nossas vidas e nos resultou na chegada de Nícolas Lionel, nosso melhor ato.

Ao meu pai e minha mãe, João e Lêda, por terem me apoiado quando decidi vir fazer o mestrado em São Paulo e pela recepção calorosa nas idas à Natal.

Aos amigos Meline e Gerlando por terem me acolhido com muito carinho no início da minha mudança para São Paulo.

A Ossian, Edilza, Valentina, Bolívar, Liliane, Ubiratan, Yuri, Felipe e Marizete pelas visitas realizadas que tornaram melhores os dias em São Paulo.

À Profª Maria Inês Tassinari pelas contribuições pertinentes dadas a esse trabalho.

À Profª Regina Yu pelas sugestões que enriqueceram essa pesquisa.

À Virgínia, excelente secretária do PEPG em Fonoaudiologia, pela prontidão de suas respostas e pelas boas conversas.

Ao CNPq pelo apoio à pesquisa e à bolsa concedida.

Às boas amizades construídas ao longo deste curso: Denise, Lhaís, Tatiana Núbia, Tuísa, Andréa, Paloma, André, Treyce, Gisele, Cínthia, Verinha e Thaís.

(6)

Damasceno WAPL. Quando a posição fluente se perde: desarmonia entre fala e língua [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia; 2012. 94 f.

Introdução: Este trabalho parte da hipótese de que no funcionamento discursivo gaguejante há uma desarmonia entre fala (sentido do dizer) e língua (forma do dizer). Com base na linguística discursiva temos que, na posição fluente, o falante desliza pelo sentido do dizer esquecido da forma; na posição gaguejante, ocupado em evitar essa forma de falar, permanece submetido à forma e perde a posição discursiva que lhe garantiria a fluência. Objetivo:

Desenvolver a compreensão sobre a desarmonia entre fala e língua a partir do discurso de pessoas adultas com gagueira. Método: Pesquisa qualitativa prospectiva realizadas por meio de entrevistas semi-estruturadas com 6 adultos, a partir das perguntas-chave: ‘o que vem à sua cabeça quando eu digo’ - ‘falar’; ‘falar com fluência’; ‘falar em público’; ‘falar sozinho’; ‘o que o ajuda a fluir’; ‘o que faz para não gaguejar ou o que o ajuda a não gaguejar’; ‘se sabe que vai gaguejar’; e ‘o que o faz saber que vai gaguejar’. Após a

transcrição do discurso a noção de práticas discursivas e produção de sentidos (Spink e Medrado, 2004) permitiu que se definissem três categorias analíticas que organizaram os resultados e guiaram a discussão: Sentido da Fala

(7)

os tipos de interlocutores e de contextos discursivos que lhes favorecem a fluência ou a gagueira. Revelam marcas negativas na subjetividade, porque ao ocuparem a posição de falantes gagos imaginam o outro na posição daquele que fiscalizará seu dizer e poderá rejeitá-los ou reprová-los. Em Contexto de Fala – Efeito Sozinho relataram que na condição sozinhos podem fluir livremente, o que reitera a gagueira como uma manifestação fortemente atrelada à presença do outro. Em Antecipação da Gagueira os entrevistados revelam os modos como a gagueira é prevista subjetivamente antes de materializar-se na fala: pensamentos ou visualizações; emoções ou sentimentos; ações do corpo ou estratégias linguísticas. Conclusão: Os relatos dos entrevistados indicam que a desarmonia entre fala e língua, no discurso gaguejante, relaciona-se a um falante que, na subjetividade, se sente estigmatizado diante de certas condições de produção discursiva; indicam ainda os diferentes modos pelos quais essa desarmonia se materializa com a finalidade de evitar a gagueira prevista. Tais características assinalam alguns elementos que parecem importantes ao direcionamento de uma abordagem terapêutica fonoaudiológica da gagueira que pretenda superar o modo de funcionamento subjetivo/discursivo que a sustenta.

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Damasceno WAPL. When Fluent Position is Lost: disharmony between speech and language. [dissertation]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia; 2012. 94 f.

Introduction: This paper starts from the assumption that there is a disharmony between speech (meaning) and language (form) in the stuttered discursive functioning. Based on discursive linguistics we understand that in a fluent in position, the speaker slides along the meaning of speech without any attention to the form of language; yet in a stuttered position he reminds occupied in trying to avoid stuttering and by acting like that he remains subdued to the form of language and looses the discursive position that would guarantee his fluency.

Objective: To develop the understanding about disharmony between speech and language via the speech of adult stutterers. Method: Prospective qualitative research conducted through semi-structured interviews with six adults, following the key questions: what comes to mind when I say - ‘speech’; ‘to speak with fluency’; ‘public speaking’; ‘talking to myself’; ‘what helps fluency’; ‘what do you makes to not stutter or what helps you not to stutter’; ‘do you know

if you will stutter?, and ‘what makes you know that you will stutter’. After the

speech transcription, the notion of discursive practices and production of meaning (Spink and Medrado, 2004) allowed us to define three categories that organized the results and guided the discussion: Sense Speech composed by the sub-categories: Positive and Negative; Context of Speech, composed by the sub-categories The Effect of Others and The Effect of Being Alone; and

Anticipation of Stuttering. Results and Discussion: In Sense Speech-Positive

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subjective position of a stigmatized speaker, to build up therapeutic approaches to overcome this position. In Context of Speech-The Effect of Others, respondents discriminated types of speakers and of discursive contexts that favored fluency or stuttering. They showed negative marks on subjectivity, because when they feel like stutterers they imagine the others monitoring their speech and able to reject or disapprove them. In Context of Speech-The Effect Alone respondents reported that when they are alone they can flow freely, which reiterates the stuttering as a manifestation strongly linked to the presence of others. In Anticipation of Stuttering respondents reveal the ways in which stuttering is expected subjectively before it is materialized in their speech: thoughts or views; emotions or feelings; actions of the body or linguistic strategies. Conclusion: The reports of the respondents indicates that the disharmony between speech and language, in stuttered speech, is related to a speaker who feels stigmatized in his subjectivity in face of certain conditions of discursive production; also indicates the different ways in which this disharmony is materialized in order to avoid the provided stuttering. These characteristics indicate some elements that seem important to the targeting of a therapeutic approach of stutter speech wishing to overcome the subjective/discursive functioning that sustains it.

(10)

INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO 01 FLUÊNCIA, DISFLUÊNCIA, GAGUEIRA E CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DISCURSIVA ... 13

CAPÍTULO 02 MÉTODO ... 26

Critérios de Inclusão dos Participantes ... 27

Caracterização dos Participantes ... 27

Análise dos Dados ... 28

Descrição das Categorias ... 31

CAPÍTULO 03 – RESULTADOS E DISCUSSÃO ... 34

CONCLUSÃO ... 51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 53

ANEXOS ... 56

Anexo A – Aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa ... 57

Anexo B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ... 58

Anexo C – Mapa de Associação de Ideias – Entrevistado 1 ... 61

Anexo D – Mapa de Associação de Ideias – Entrevistado 2 ... 66

Anexo E – Mapa de Associação de Ideias – Entrevistado 3 ... 78

Anexo F – Mapa de Associação de Ideias – Entrevistado 4 ... 85

Anexo G – Mapa de Associação de Ideias – Entrevistado 5... 87

(11)

INTRODUÇÃO

Falar sobre gagueira é sempre algo delicado de se fazer. O tema é

abordado por diversas áreas nas ciências humanas, sob mais de um ponto de

vista, sendo alguns de seus aspectos controversos e polêmicos, como sua

gênese e abordagem terapêutica. Além desses, a própria definição de gagueira

no DSM-IV - Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais1

provoca discussões.

De acordo com esse manual, gagueira é: Distúrbio no padrão normal

de fluência e tempo de fala (inapropriado para a idade do indivíduo),

caracterizado pela ocorrência de um ou mais dos seguintes itens:

(1) repetição de sons ou sílabas (2) prolongamento de sons (3) interjeições

(4) pausas dentro das palavras (5) bloqueios silenciosos ou audíveis

(6) circunlóquios (substituições de palavras para evitar palavras problemáticas)

(7) palavras produzidas com excesso de tensão física (8) repetições de palavras monossílabas

A partir dessa definição algumas perguntas simples surgem: pode-se

falar em padrão normal de fluência? Quem definiu que em determinada idade

se deve fluir de determinado modo? A partir de que? Por que? A fluência de

fala é um aspecto complexo da linguagem humana, e a diversidade é a sua

regra.

O cotidiano nos mostra que as pessoas lidam de diferentes modos

com a linguagem oral. A capacidade de traduzir o pensamento em palavras, ou

seja, de fluir na fala não é homogênea entre os falantes. Alguns revelam ter

(12)

bastante facilidade em fazê-lo de modo claro e objetivo, outros nem tanto. No

caso de crianças, quando apresentam uma ou mais das características de fala

descritas no DSM-IV, observa-se que muito rapidamente são rotuladas como

gagas por familiares, professores e por profissionais da saúde, a partir de uma

visão de fala isolada de aspectos subjetivos e discursivos que possam

contextualizar esse modo produção discursiva.

Partindo da constatação de Saltuklaroglu e Kalinowski (2005), entre

outros autores, de que as taxas de recuperação espontânea da gagueira estão

em torno dos 60% a 80%, parece válido questionar se isso se refere

efetivamente a uma recuperação ou se, diante dessa alta porcentagem, não

seria mais razoável considerar que há uma tendência a ver a disfluência normal

de fala como gagueira, uma tendência que revela uma ideologia do bem falar

agindo não apenas no senso comum, mas também sobre os profissionais da

saúde e da educação.

Perseverar num modo de produção científico que, em nome de

preservar a objetividade, rejeita ou ignora a subjetividade, pode estar na raiz da

incapacidade de entender como normais a grande gama de padrões de fala

que se podem produzir dentro da polaridade entre fluir e disfluir, em função de

diferentes situações comunicativas. Pode também estar na raiz da

incapacidade de acolher como importantes para compreender a natureza da

gagueira e orientar seu tratamento, os relatos sobre o que pensam e sentem a

respeito da fala e da gagueira as pessoas que gaguejam. É na direção de

cooperar para superar tal condição na ciência que esta dissertação se

(13)

Sou fonoaudiólogo, atuo com a Dra. Silvia Friedman no Instituto

CEFAC - Ação Social em Saúde e Educação, onde atendo adultos,

adolescentes e crianças que gaguejam. Também gaguejo e, nesses

atendimentos, posso compartilhar minha experiência tanto como falante,

quanto como terapeuta. No trabalho são abordadas questões que visam ajudar

os falantes a saírem da posição subjetiva estigmatizada que ocupam e, como

decorrência, ajudá-los a mudar o seu modo de funcionamento discursivo. Tal

mudança aconteceu comigo após terapia fonoaudiológica e leituras sobre

gagueira e subjetividade e me inspirou nos caminhos que segui nesta

dissertação.

Nesse sentido, espero que este trabalho contribua com os estudos

sobre gagueira que levam em conta a perspectiva de quem gagueja, sob a luz

de conhecimentos linguísticos-discursivos.

No capítulo 01 apresentam-se as perspectivas positivista e

dialético-histórica sobre gagueira, bem como as características das abordagens

terapêuticas que delas emergem.

No capítulo 02 explicita-se o método usado para a realização do

trabalho, que é norteado pela noção de práticas discursivas e produção do

discurso de Spink (2004).

No capítulo 03, analisam-se e discutem-se os dados obtidos a luz de

uma literatura sobre gagueira, produzida por fonoaudiólogos, linguistas e

psicólogos.

(14)

Capítulo 01 Fluência, Disfluência, Gagueira e Condições de Produção Discursiva

A literatura científica fonoaudiológica acerca de fluência, disfluência e

gagueira apresenta, em sua maioria, trabalhos com base no paradigma

positivista (Damasceno e Friedman, 2011). A visão que se delineia a partir

dessa vertente, caracteriza-se por uma abordagem centrada no organismo, na

anátomo-fisiologia e entende as questões da fala do ponto de vista quantitativo.

Neste entendimento, Jakubovicz (1997) considera que fluência é a

progressão silábica no tempo com correta sincronização respiratória, iniciação

suave e harmônica, sustentação da coluna de ar e vibração da glote.

Para a autora, a fluência caracteriza-se por quatro parâmetros: ritmo da

fala, duração da articulação dos fonemas, organização dos fonemas em uma

realidade linguística e velocidade de articulação dos fonemas.

Andrade (2000) propõe que a fluência de fala é resultado de um

funcionamento neurológico sincrônico entre os sistemas linguísticos e

cognitivos e os sistemas prosódicos da fala e paralinguísticos. Aspectos

neurais motores e os envolvidos na linguagem em equilíbrio produzem fluência.

Merlo (2007) refletiu sobre o conceito de fluência e citou sete

componentes que fazem parte dela: baixa frequência (quantidade e tipologia)

de hesitações; baixa frequência de reformulações; baixa frequência, curta

duração e uso nativo de pausas silenciosas fluentes; taxa de elocução

(velocidade de fala) confortável; facilidade de emissão; habilidade gramatical e

(15)

se relacionam entre si, “formando uma complexa rede de interação” (op cit, p.

70).

Quando à disfluência, Andrade (2000), a fim de diferenciar as normais

das patológicas, as classifica em comuns e gagas, respectivamente. As

“comuns”, entendidas como presentes no discurso de todos os falantes, são as

interjeições, repetições de palavras, hesitações, palavras incompletas, revisões

e segmentos de palavras ou frases. As “gagas”, entendidas como

conseqüência de um comprometimento neurológico do ato motor fluente de

fala, são: 03 ou mais repetições de sons e/ou sílabas e/ou palavras,

prolongamentos, bloqueios e pausas longas e intrusões de sons.

Para Bohnen (2005), a disfluência com mais de um segundo de

duração é indicativa de gagueira. Além disso, diz a autora, a disfluência

manifesta-se geralmente entre dois e seis anos de idade, e deve durar entre 6

e 10 semanas.

Nesta fase, para Pereira (2002) é difícil saber se a criança que disflui

ficará gaga. Considera que fatores emocionais, sociais e predisposição

genética contribuem para isso, sendo que o meio ambiente “dispara o gatilho”

(op.cit. 43) e a criança vivencia emoções negativas em relação à sua fala. Por

isso, defende que para evitar a instalação da gagueira o diagnóstico deve ser

minucioso.

Dentro do paradigma positivista, portanto, a disfluência comum é

demarcada por limites quantitativos e cronológicos, que, quando extrapolados,

indicam “disfluência gaga”, marcada por contornos patológicos.

A gagueira, por sua vez, aparece descrita em oposição aos aspectos

(16)

transtorno que se manifesta por rupturas involuntárias no fluxo do discurso, que

afeta a fala nos subsistemas respiração, fonação e articulação.

Segundo Andrade (1999, 2000) e Arcuri et al. (2009), decorre de bases

orgânicas que envolvem hereditariedade, genética e alterações neurológicas. É

definida pelas autoras como uma dificuldade ou incapacidade na recuperação

do equilíbrio dos sistemas neurais responsáveis pela fala fluente.

Para Schiefer (2009) as rupturas da fala do indivíduo gago são

afetadas por fatores como a extensão vocabular. Cita como exemplo palavras

polissílabas começadas por consoante, além de construções mais complexas.

Para a autora, essa relação com aspectos linguísticos parece indicar que a

gagueira resulta de falhas “tanto no processo de planejamento quanto no de

execução motora da fala” (op.cit.:450).

Juste e Andrade (2011), por outro lado, a partir dos resultados

encontrados em um conjunto de sujeitos por elas estudado, encontraram que a

extensão vocabular não influenciou a ocorrência de rupturas. Com base nos

resultados que indicaram rupturas de fala em início de palavras e sílabas,

consideraram que a gagueira decorre de “uma dificuldade na temporalização

entre as velocidades de seleção e ativação fonológica” (p.23).

Para Andrade (2000), a gagueira materializa-se em sílabas e palavras

passíveis de serem gravadas e transcritas, para se transformarem em amostra

a ser analisada pelo fonoaudiólogo. A análise é feita em relação à tipologia das

disfluências, à velocidade de fala, à frequência de rupturas, e a outros traços

associados à fala como movimentos corporais e vocais, além da formulação

(17)

para ser comparada percentualmente a padrões previamente definidos,

indicativos de normalidade ou patogenia.

Nesse tipo de visão, percebe-se que a etiologia, a semiologia e a

diagnóstica ligadas à gagueira têm por base um corpo deficiente (Oliveira e

Friedman, 2006). É um entendimento em que se isola a gagueira tanto dos

aspectos pessoais que marcam o falante; sua história de vida, como das

condições de produção do discurso, ou seja, não se leva em conta questões de

ordem psicológica, cultural e social. Isso, do ponto de vista terapêutico,

sustenta um manejo da gagueira direcionado à modelagem da forma da falar.

Em outras palavras, como na abordagem terapêutica fonoaudiológica não é

possível intervir nos supostos fatores etiológicos, a abordagem volta-se à

treinar o paciente, por meio de técnicas e instrumentos, a monitorar sua fala, a

fim de modelá-la a um padrão considerado normal (Oliveira e Friedman, 2006).

Freire (2011), ao analisar a clinica fonoaudológica que se estrutura em

torno de uma etiologia, semiologia e diagnóstica coerentes com o discurso

médico, defende que a terapêutica reduz-se a técnicas prescritivas. Este modo

de se organizar, com elementos clínicos emprestados de outras ciências, diz a

autora, provocou incômodos e levou uma parte da Fonoaudiologia a se

distanciar deste entendimento, o que trouxe “um grande avanço no

conhecimento de seu objeto, a linguagem” (op.cit.:90). Esse distanciamento,

argumenta ainda a autora, permite pensar em uma clínica fonoaudológica

centrada no sujeito, que mantenha a esperada coesão e covariância entre seus

4 elementos2.

2

(18)

Na esteira da crítica ao positivismo como modo de construção do saber

nas ciências humanas, Morin (2010), em suas reflexões sobre as limitações do

modo convencional de fazer ciência, aponta para a necessidade de enfrentar o

desafio de construir novo paradigma. Segundo o autor, torna-se imperativo,

para o desenvolvimento humanizado da ciência, a construção da aptidão para

contextualizar e globalizar os saberes, de modo a situar todo o acontecimento

científico em relação de inseparabilidade com o meio ambiente – cultural,

social, econômico, político e natural.

Uma tendência a olhar a fluência de fala e os seus problemas por essa

ótica está presente na literatura fonoaudiológica e afins. São os trabalhos

apoiados no paradigma dialético-histórico (Damasceno e Friedman, 2011), com

base no qual se constrói uma a clínica da gagueira caracterizada por uma

abordagem centrada no sujeito falante e, mais especificamente, na

compreensão dos efeitos que as relações entre as pessoas, em contextos

sócio-culturais específicos, produzem na capacidade de falar, os quais

concorrem para moldar a subjetividade do falante.

Nessa direção, Friedman (2010:443) propõe encarar a fluência de fala

como um acontecimento complexo, cuja compreensão depende de

considerá-la, no mínimo, a partir de três dimensões: a orgânica (condições biológicas do

indivíduo), a psíquica (condições subjetivas) e a social (condições culturais,

costumes, mitos e ideologias).

Pensá-la nessa perspectiva implica, para a autora (op.cit.:445), levar

em conta a dialética entre o interno (condições biológicas e subjetivas) e o

externo (condições sócio culturais) da pessoa que fala. Isso, concordamos com

(19)

e abre espaço para pensar os lapsos, os esquecimentos, as hesitações, as

quebras e as descontinuidades como parte integrante e ativa da fluência de

fala.

Scarpa (2006) em seu estudo sobre a fluência de crianças entre 22

meses e 3 anos de idade, identificou que os trechos fluentes da fala infantil são

os já conhecidos e vêm em bloco, enquanto os trechos em construção são

instáveis e disfluentes, entendidos como momentos de descoberta da língua e

suas regras. As disfluências, segundo a autora, “ao invés de serem problemas

de formulação, são, na verdade, constitutivas da fala. São estratégias de que o

falante lança mão para a construção do texto oral” (op.cit.:176). Compreender a

fluência como absoluta e como uma produção circunscrita apenas ao falante,

faz parte de uma ideologia de senso comum, é uma abstração inexistente, diz a

autora.

Nessa direção, Azevedo e Freire (2001), apoiadas nas ideias de De

Lemos (1999), destacam que quando a criança é capaz de interpretar seu

próprio discurso e o do outro, está em posição de reconhecer seus erros e,

então, surgem pausas, reformulações, hesitações e auto-correções.

Também Orlandi (2001) colabora para uma compreensão de que a

fluência não pode ser tomada como homogênea e previsível. Ao analisar o

modo como o momento de produção de fala é afetado pelas relações entre o

sujeito, o outro e a língua, refere três condições de produção do discurso,

presentes para todo falante: a) a relação de forças - em uma sociedade

hierarquizada, o dizer, dependendo da posição social do falante, pode ter mais

ou menos valor e implicar no modo como ele fala; b) a relação de sentido - tudo

(20)

um dizer único e inédito, o sentido do dizer é sempre aberto e não é evidente,

já que está sujeito à interpretação do ouvinte; e c) a antecipação - de seu lugar,

o falante experimenta o lugar de seu interlocutor e imagina o que este vai

pensar a seu respeito e a respeito do que está dizendo.

As condições de produção do discurso, assim, são formações

imaginárias, que estão implicadas na forma como o sujeito falará, corroborando

com o entendimento da disfluência como algo natural da/na fala humana.

A disfluência, para Azevedo e Freire (2001)

“é o lugar de subjetivação, o lugar onde a língua, enquanto outro faz efeito no sujeito e ele joga com ela, descobre regras e é levado a assemelhar-se à fala do adulto. Essa disfluência é constituinte do sujeito e permanece até a idade adulta, uma vez que o conceito de fluência é ideal. Poderia, entretanto, deslocar-se para gagueira? Os discursos dos sujeitos gagos e de seus pais a que temos acesso na clínica fonoaudiológica nos diz que sim” (2001: 151)

O deslocamento de disfluência para gagueira, segundo as autoras,

está relacionado à posição discursiva em que a criança, capaz de reconhecer

seus erros, produz pausas, reformulações, hesitações e autocorreções. Essa

posição, para as autoras, parece ser um lugar interessante para pensar a

origem da gagueira, porque nela a criança, submetida às condições de

produção do discurso, está sujeita a disfluir e, face a ideologia de senso

comum, a ter seu discurso interpretado como gaguejante pelo outro,

geralmente um adulto. Nessa condição, explicam ainda as autoras, pode haver,

por parte do adulto, uma tentativa de ajudar a criança a fluir. Nessa tentativa,

entretanto muitas vezes “prevalece um discurso autoritário, que coloca a

criança em uma relação de ordem de cima para baixo: Fale direito! Respire

(21)

Esse tipo de discurso é dominado pela ausência de reversibilidade, a

criança se distancia do reconhecimento e identificação do erro. Nessa posição,

a criança não se desloca na língua, já que seu discurso não é reconhecido nem

interpretado como linguagem. Tal interpretação do adulto recusa sentido à fala

disfluente da criança e ressalta a forma. A partir dessa interpretação, “a criança

depara-se com a diferença, a recusa de assemelhamento, sendo silenciada por

este outro e deslocada para a posição de sujeito gago” (op.cit.:152).

O discurso do outro, afirmam as autoras, leva a criança a deslocar o

erro para fora da fala. O efeito da interpretação pode levar ao silenciamento da

criança ou a movimentos corporais associados, como de pés, mãos, de

cabeça, contrair ou tensionar os órgãos fonoarticulatórios ou à substituição de

palavras por outras tidas como mais fáceis, por exemplo.

Nessa direção, Lier-De Vitto, Fonseca e Landi (2007) afirmam que na

fala vista como sintomática “um efeito ‘social’ de

marginalização/estigmatização/isolamento se produz na escuta do outro e um

efeito de ‘destituição subjetiva’ na escuta do próprio falante” (op. cit.: 20). Neste

sentido, as autoras propõem que a diferença subjetiva entre uma fala normal e

uma fala sintomática, é que na primeira, a manifestação de “tropeços e

embaraços” não retira do falante “a ilusão de controle e autonomia em relação

à linguagem” (op. cit.: 20). Já na fala sintomática o falante perde essa ilusão.

Na mesma direção, também Friedman (2004) explicou a constituição

da gagueira a partir de uma ideologia de bem falar que rejeita e estigmatiza a

fala disfluente da criança. Nessa condição, explica, a fala fica numa situação

paradoxal, na qual a criança nem pode falar como falava, nem sabe como falar

(22)

encontro da visão de uma relação autoritária que não permite reversibilidade no

discurso. Segundo a autora ainda, isso leva à constituição, na subjetividade, de

uma imagem estigmatizada de falante, o que, por sua vez, é coerente com

noção de recusa de assemelhamento. O efeito disso na subjetividade, segundo

Friedman (2004), é a antecipação, na fala, dos lugares em que a gagueira

ocorrerá, na tentativa de contê-la. Desse modo, a autora indica que na

gagueira, o falante prioriza a forma de sua fala em detrimento do sentido.

Ainda sobre o surgimento da gagueira, Gomes (2011), apoiada em

textos psicanalíticos, fundamentou a hipótese de que a gagueira pode surgir

quando a criança, após vivenciar alguma experiência relacionada à morte,

fantasia que as palavras podem provocar o seu desaparecimento e o

desaparecimento da mãe e do pai. Assim, a criança passa a reter a palavra,

como forma de impedir tais desaparecimentos. Observa a autora, que “é

possível pensar que a gagueira dá corpo à retenção da palavra mágica

destrutiva, ao mesmo tempo em que permite que a criança fale” (op.cit.:66).

Observa-se que também nessa visão, a língua, ou seja, a forma é priorizada no

discurso.

A esse respeito, Azevedo e Freire (2001:154) explicam que “na ordem

discursiva há uma tensão natural entre língua (forma) e fala (sentido). Essa

tensão é estruturante e determina todo o dizer, de tal modo que a linguagem é

a articulação de língua e fala”. Na posição fluente, dizem as autoras, há um

privilégio do sentido (da fala) em detrimento da forma (da língua), já na posição

gaguejante a tensão natural dá lugar a uma desarmonia, porque o privilégio

passa a estar na forma, o que se expressa pela certeza que o falante gago

(23)

com certas pessoas, etc. O privilégio da forma em detrimento do sentido,

completam as autoras, leva o falante à perda da posição fluente. O privilégio da

forma em detrimento do sentido, ainda, é coerente com a noção de antecipar,

na fala, os lugares em que a gagueira ocorrerá, proposta por Friedman (2004).

Nesse tipo de visão em que a gagueira é entendida como problema de

linguagem, percebe-se que a semiologia, a etiologia, e a diagnóstica,

referem-se a um sujeito da/na linguagem, socialmente implicado. Assim, para o

diagnóstico, a semiologia mostra um falante que, na subjetividade, ocupa uma

posição estigmatizada devido à sua forma de falar e, no funcionamento

discursivo, perde a espontaneidade e mostra tensões. A etiologia refere-se a

uma subjetividade marcada pelo desejo de controlar a fluência para ocultar a

gagueira e um funcionamento discursivo marcado pelo privilégio da forma em

detrimento do sentido.

Em tal contexto, como afirmam Oliveira e Friedman (2006), o sintoma

gagueira não se mostra de modo linear e transparente. Mostra-se a partir de

uma série de sobredeterminações; de uma série de significados e sentidos que

aderem a ele, ou seja, mostra-se como “um acontecimento complexo, cuja

origem não é determinada isoladamente pelo orgânico, pelo psíquico, ou pelo

sócio cultural” (op.cit.:226). Sua origem é, antes, interpretada a partir das

tramas narrativas, que revelam componentes sociais, psíquicos e orgânicos.

Essas tramas, além de relacionar a materialidade do sintoma (hesitações,

bloqueios, prolongamentos, repetições...) aos aspectos subjetivos do falante,

também possibilitam ao terapeuta avaliar “as condições de produção discursiva

(24)

condições socioculturais, pelas relações familiares e pela inscrição do sintoma

na linguagem e no corpo.” (op. cit.:226).

Nesse tipo de proposta terapêutica, em que para tratar a gagueira se

lida com a subjetividade, Oliveira e Friedman (2006) tomam apoio nas ideias de

Mezan (1997). Este propõe que a subjetividade pode ser compreendida em

dois sentidos. Um, considerado como seu aspecto mais imediato, é

compreendê-la como experiência de si, que diz respeito ao fato de que cada

indivíduo tem de si uma experiência singular para a qual cabe “a descrição

fenomenológica das variedades e dimensões dessa experiência tomando como

alvo o sujeito enquanto foco e origem dela” (op.cit.:13). Sobre isso Mezan

(1997) esclarece que nem a origem, nem o foco são absolutos, pois o sujeito

tem também “uma dimensão inconsciente que inevitavelmente virá co

-determinar a natureza, a qualidade e a amplitude da experiência que ele tem

de si” (op.cit.:13).

O outro refere-se a compreender a subjetividade como condensação

de uma série de determinações, como condensação de fatores que,

combinados, engendram modalidades especificas de organização subjetiva,

fatores que servem de moldes para as experiências individuais. Isso, diz o

autor, quer dizer que “a subjetividade é o resultado de processos que começam

antes dela e vão além dela, processos que podem ser biológicos, psíquicos,

sociais, culturais, etc.” (op.cit.:13).

Nessas condições, Mezan distingue na subjetividade três planos: o

singular, o universal e o particular. O singular refere-se à história de vida, às

vivências, às escolhas de cada um que se somam e fazem com que cada um

(25)

compartilhamos com todos os humanos: a linguagem, as necessidades

básicas, o fato de sermos sexuados, enfim aquilo que é próprio da espécie”

(op.cit.:14). Entre os dois está o particular, aquilo que é próprio a alguns mas

não a todos, “supondo que os elementos universais se materializam de modos

diversos em virtude de aspectos ou condições distintos” (op.cit.:14). São

modalidades de subjetivação que comportam elementos comuns como, por

exemplo, a subjugação num sistema de escravidão. Assim os valores, as

crenças e os costumes sócio-culturais não somente de uma época, mas

também de um grupo, moldam as subjetividades de modos particulares, de tal

forma que o lugar social que o indivíduo ocupa é preponderante na moldagem

de sua subjetividade.

Dentro dessa perspectiva, Oliveira e Friedman (2006) argumentam que

é na dimensão do particular, a partir de uma ideologia do bem falar agindo

sobre as vivências do falante com certos grupos, que se constitui uma imagem

estigmatizada de falante, à medida que o falante é colocado pelo outro no lugar

de gago. Essa modalidade de subjetivação é entendida pelas autoras como

característica das pessoas com gagueira, em decorrência da qual, como já foi

dito, engendra-se um funcionamento discursivo problemático, porque a forma é

priorizada em detrimento do sentido, de tal modo que o falante perde a posição

fluente. Nessa visão, para as autoras, a relação terapêutica constitui-se como

um espaço para a ressignificação da experiência de fala da pessoa com

gagueira, no sentido de construir novos moldes para a subjetividade que

permitam ao falante sentir-se competente para falar e deslizar pelo eixo do

(26)

Esse tipo de visão permite uma abordagem terapêutica que mantém

homogeneidade e covariância com os outros elementos da clínica, visto que, a

partir das histórias e relatos do paciente, é possível conhecer os significados

cristalizados sobre si, sobre a própria fala e sobre o outro e, a partir de diálogos

e vivências de sensibilização da fala (Friedman, 2010, 1994), Oliveira e

Friedman, 2006), promover a desestabilização de tais significados, bem como a

abertura a de novos sentidos, de modo a proporcionar ao paciente a vivência

de experiências novas e singulares que lhe permitam sair da posição de falante

estigmatizado, para ocupar uma posição em que confia em sua capacidade de

falar.

Por considerar a desarmonia entre língua e fala aqui delineada como

uma proposição fértil para compreender e tratar de gagueira, interessa-nos

aprofundá-la na presente pesquisa a partir do discurso de pessoas com

(27)

CAPÍTULO 02 – MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa prospectiva que visa desenvolver

a compreensão sobre a desarmonia entre língua e fala no funcionamento

discursivo gaguejante, por intermédio de entrevistas com 6 pessoas adultas

que se consideram gagas.

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, sob o número 333/2010 (Anexo A). Os

participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo

B) antes da coleta de dados, após terem sido informados sobre os objetivos da

pesquisa.

As entrevistas, entendidas como práticas discursivas de acordo com

Spink (2004), foram semi-estruturadas e se organizaram em torno daquilo que

veio à mente do entrevistado quando o entrevistador/pesquisador disse: falar;

falar com fluência; falar em público; falar sozinho; o que o ajuda a fluir; o que

faz para não gaguejar ou o que o ajuda a não gaguejar; se sabe que vai

gaguejar; e o que o faz saber que vai gaguejar. Esses aspectos auxiliaram a

pensar na relação entre fala e língua.

Para exemplificar o modo de desenvolvimento da entrevista, temos que

o entrevistador/pesquisador perguntava ao entrevistado: “O que vem à tua

mente quando eu digo ‘falar’”? a seguir aguardava até que o entrevistado

dissesse tudo o que desejava. Na sequencia dizia: “O que vem à tua mente

quando eu digo ‘falar com fluência’ ”? e novamente aguardava o tempo

necessário para o participante se expressar e assim por diante. Durante o

tempo em que o entrevistado discorria sobre o que lhe vinha à mente, o

(28)

mais?”, “Explique melhor”, “Dê-me um exemplo disso”. Os fundamentos

teóricos do método proposto por Spink estão descritos no item Análise dos

Dados (p.28).

CRITÉRIOS DE INCLUSÃO DOS PARTICIPANTES

Participaram da pesquisa adultos que se consideravam gagos. A partir

das relações do pesquisador, bem como de sua orientadora de pesquisa,

pessoas nessa condição foram contatadas por e-mail ou por telefone. Nesse

primeiro contato expôs brevemente o projeto de pesquisa e fez-se o convite

para participar de uma entrevista individual. A participação foi voluntária e

todas as entrevista ocorreram em data, lugar e horário previamente definido

pelo entrevistado. Estas duraram em média 45 minutos e foram áudio

gravadas. Definiu-se que o número de participantes seria 6, após verificar que

os conteúdos das entrevistas começavam a se repetir.

CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES

O Entrevistado 1 tem 31 anos, é do sexo masculino, pós-graduado em

Gestão Universitária e trabalha como assistente administrativo. Considera-se

gago desde os oito anos de idade. Frequentou terapia fonoaudiológica durante

04 meses quando adulto. No período da entrevista não frequentava terapia.

O Entrevistado 2 tem 30 anos, é do sexo masculino, estuda de Direito e

é Técnico de Manutenção Elétrica. Considera-se gago desde os seis anos de

idade e já frequentou na vida adulta, durante dois anos, terapia

(29)

O Entrevistado 3 tem 34 anos, é do sexo masculino, estudante de

Farmácia, trabalha como policial militar. Considera-se gago desde criança e

frequentou na idade adulta seis sessões de terapia fonoaudiológica. No período

da entrevista não estava em terapia.

O Entrevistado 4 tem 34 anos, é do sexo feminino e é Assistente

Social. Considera-se gaga a partir dos 20 anos. Frequentou, na idade adulta

terapia com psicólogo, neurologista e 03 fonoaudiólogos. No período da

entrevista não estava em terapia.

O Entrevistado 5 tem 36 anos, é do sexo masculino e é Engenheiro

Consultor. Considera-se gago desde sempre. Frequentou duas fonoaudiólogas

na idade adulta. No dia da entrevista estava há 10 meses em terapia

fonoaudiológica.

O Entrevistado 6 tem 33 anos, é do sexo feminino e é formada em

Direito. Ainda não fez o exame da ordem por medo de falar. Considera-se gaga

desde os sete anos. No dia da entrevista estava há dois meses em tratamento

fonoaudiológico, seu primeiro na vida.

Para os efeitos da apresentação dos resultados, os entrevistados serão

tratados como E1, E2, E3, E4, E5 e E6.

ANÁLISE DOS DADOS

As entrevistas foram transcritas em ortografia regular e analisadas na

íntegra, após leitura e releitura atenta e sistemática. Isso permitiu chegar a

categorias que, coerentes com o objetivo da pesquisa, abarcaram o conjunto

(30)

Os conceitos relativos à noção de práticas discursivas e produção de

sentidos, referencial proposto por Spink e Medrado (2004), foram utilizados

para analisar o sentido do discurso dos entrevistados distribuído dentro das

categorias.

Segundo os autores, “o conceito de prática discursiva remete aos

momentos de ressignificações, de rupturas, de produção de sentidos, ou seja,

corresponde aos momentos ativos do uso da linguagem”, é a maneira a partir

da qual as pessoas se posicionam em relações sociais cotidianas (op cit:45).

As práticas discursivas, segundo os autores, são constituídas por: dinâmica

(enunciados e vozes), formas (gêneros de fala) e conteúdos (repertórios

interpretativos).

Os enunciados (palavras e sentenças) são expressões articuladas em

determinadas situações, que associados às vozes adquirem caráter social. As

vozes, como as do pai, da mãe, da professora, por exemplo, antecedem os

enunciados e fazem-se presentes neles no momento de sua produção. As

vozes permeiam a prática discursiva e estão presentes nela, com maior ou

menor ênfase, dependendo do assunto, do local, de quem pergunta, ou seja,

do contexto em que são produzidas. A compreensão dos sentidos dos

enunciados é sempre marcada por inúmeras vozes.

Os gêneros de fala são formas mais ou menos estáveis de enunciados

típicos a determinados contextos, como desejar pêsames em um enterro e a

determinados grupos, como a linguagem dos feirantes.

Os repertórios interpretativos “são, em linhas gerais, as unidades de

(31)

lugares-comuns e figuras de linguagem – que demarcam o rol de

possibilidades de construções discursivas” (op. cit.:47).

De acordo com os referidos autores, ainda, trabalhar com produção de

sentidos implica retomar a linha da história, para entender a construção social

dos conceitos que no cotidiano dão sentido ao mundo. Sentidos sempre

passíveis de renovação.

Para compreender o modo como os sentidos circulam na sociedade,

explicam os autores, é necessário considerar as interfaces de três tempos:

longo, vivido e curto.

O tempo longo refere-se aos conhecimentos que fazem parte da

sociedade e da cultura, antecedem a vivência da pessoa e produzem marcas

nela por meio de normas e convenções de reprodução social.

O tempo vivido comporta as experiências da pessoa ao longo de sua

história, nele ocorre a aprendizagem das linguagens sociais e, também nele se

pode ressignificar os conteúdos históricos do tempo longo.

O tempo curto “se refere às interações sociais face-a-face em que os

interlocutores se comunicam diretamente” (op. cit.:53), é, portanto, aquele que

possibilita entender a dinâmica da produção de sentidos. É nele que os

interlocutores revelam seus repertórios que dão sentido às experiências. É nele

também que as vozes do tempo longo e vivido se fazem presentes.

A entrevista é um instrumento que nos coloca numa relação

face-a-face com o entrevistado e, portanto, se refere ao tempo curto. Por intermédio

dos repertórios que dão sentido às experiências relatadas, podem-se encontrar

(32)

Como propõem Spink e Lima (1999:107), para favorecer a visibilidade

da análise e da interpretação que será feita dos discursos obtidos e garantir,

desse modo, seu rigor, as entrevistas transcritas foram organizadas em “Mapas

de Associação de Ideias” (Anexos C, D, E, F, G e H). Esses mapas são

quadros que na linha horizontal apresentam as categorias temáticas definidas

de acordo com o objetivo da pesquisa, e na linha vertical, apresentam os

discursos dos entrevistados que corresponderam a cada categoria. Os

discursos foram transpostos, em sua totalidade, para as colunas formadas

pelas categorias que a eles consideramos correspondentes, resguardando a

ordem original em que foram ditos, por meio do uso de números. Desse modo,

a leitura vertical permite a apreensão dos repertórios e a leitura horizontal

(seguindo a ordem numérica) a dos processos de produção de sentidos

criando, assim, as condições para que se pudesse alcançar o objetivo da

pesquisa.

Os mapas visam, portanto, “sistematizar o processo de análise das

práticas discursivas em busca dos aspectos formais da construção linguística,

dos repertórios utilizados nessa construção e da dialogia implícita na produção

de sentidos” (op. cit.:107). Além de darem subsídio ao processo de

interpretação, os mapas facilitam a comunicação dos passos subjacentes ao

processo interpretativo.

DESCRIÇÃO DAS CATEGORIAS

Após a transcrição das entrevistas de cada um dos participantes foi

(33)

sub-categorias. Todos os participantes produziram discursos correspondentes

às três categorias.

As categorias que emergiram foram: Sentido da Fala com as sub-categorias Positivo e Negativo. Contexto de Fala com as sub-categorias:

Efeito Outro e Efeito Sozinho e Antecipação da Gagueira.

A categoria Sentido da Fala reúne discursos sobre os modos como o entrevistado se sente em relação a si, a sua fala e/ou à gagueira.

A categoria Contexto de Fala reúne discursos sobre as vivências de fala dos entrevistados nas situações sociais do cotidiano, com foco tanto nas

experiências de falar para um ou mais ouvinte, como na de falar sozinho.

A categoria Antecipação da Gagueira reúne discursos que indicam que o entrevistado previu a gagueira na fala que ainda não havia sido

pronunciada e mostra as estratégias discursivas usadas na tentativa de não

gaguejar.

Após a definição das categorias analíticas foram elaborados Mapas de

Associação de Ideias (p.31) conforme exemplo abaixo.

Sentido da Fala Contexto de Fala Antecipação da

Gagueira Positivo Negativo Efeito Outro Efeito Sozinho

1 - Eu acho que falar é uma coisa bem natural.

2 - As pessoas que não gaguejam têm como uma coisa bem natural. Para os gagos é algo bem difícil.

3 - Assim, o falar eu posso dividir em dois segmentos: o falar com pessoas íntimas, com amigos e o falar com pessoas com quem não tenho um certo contato. Falar com pessoas íntimas é mais fácil, transcorre mais naturalmente. Já falar com pessoas que você não tem intimidade ou até mesmo no trabalho, com o chefe é mais difícil para o sujeito gago.

14 - Poucas vezes eu tentei falar sozinho, mas eu percebo que a gagueira some.

(34)

aquela palavra não tem o mesmo significado. Aí fica algo sem sentido. Tem hora que até pode dar certo, porque tem o mesmo significado, mas tem horas que não.

Figura 1 – Mapa de Associação de Ideias

Os resultados serão apresentados e discutidos a seguir, a partir de

(35)

CAPÍTULO 03 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os repertórios dos seis participantes, dentro de cada uma das

categorias delineadas, são a seguir apresentados e discutidos.

Na categoria Sentido da Fala Positivo observa-se que a noção

sobre “falar com fluência” dos entrevistados 01 e 04 (E1 e E4) é aque circula

no senso comum e que corresponde a uma visão que idealiza a fluência como

absoluta: é você falar em um certo e determinado tempo o que você quer falar,

o que você tem que falar sem ser interrompido (E1); É não repetir palavras, sílabas. É você não prolongar. É quando seu pensamento está igual ao que

você quer falar. Quando o pensamento está equilibrado com o físico (E4).

No sentido positivo da fala, também, os entrevistados associam a

fluência a certos estados emocionais como: de aceitação de si no qual, não se

intimida com a gagueira e enfrenta as situações (E1); estar mais tranquilo, estar relaxado (E3); Penso que seja a tranquilidade, a paz de espírito. É não ter

muita cobrança (E4).

O Sentido da Fala - Positivo ainda, aparece em relação à gagueira nas falas de E2 e E6. E2 afirma que de uns tempos para cá percebo melhoras

e não deixo de fazer algo relacionado à fala por causa da dificuldade; hoje encaro isso [a gagueira] com muita tranquilidade. (...), até por entender (...) que as pessoas ao meu redor não estão muito preocupadas com isso. (...) Então,

hoje eu tenho maior tranquilidade para falar, para ser fluente, para não ser. Não é o foco da minha vida, não é (...) falar bem, falar fluente, no sentido de ter

(36)

para si mesma: para de tentar esconder uma coisa que não dá para esconder,

que todo mundo já sabe’, (...) isso me ajudou a melhorar.

Os repertórios: entender (...) que as pessoas ao meu redor não

estão muito preocupadas com isso e parar de tentar esconder uma coisa que todo mundo já sabe, trazidos no contexto de melhoras na fala, mostram,

conforme defendido por Friedman (1994, 2004, 2007, 2010); Azevedo e Freire

(2001); Rodríguez (2005), que a gagueira é uma manifestação fortemente

implicada com a presença do outro, visto que, como referem os entrevistados,

mudanças no modo de encarar esse outro, levaram a mudanças na

manifestação da gagueira. Além disso, estes e os outros repertórios

apresentados como condições que promovem bem-estar e aumento de fluência

tais como: aceitação de si no qual, não se intimida com a gagueira e enfrenta

as situações; ter maior tranquilidade para falar, para ser fluente, para não ser;

não ter a gagueira como foco da vida; não ter muita cobrança ou ter tirado a cobrança; encarar com tranquilidade; vão ao encontro da proposta terapêutica

desenvolvida por Friedman (1994, 2004, 2007, 2010) a respeito do modo de

superar a gagueira.

E1 diz ainda que no estado mental tranquilo: você se aceita, você começa a ter uma melhor ideia de como ter controle da sua gagueira e mesmo que você gagueje naquele momento, (...) você vai saber: Não! Estou

gaguejando agora, mas eu posso melhorar em outra oportunidade.

Os repertórios: você se aceita; ter uma melhor ideia de como ter

(37)

situações sociais pode conviver com o desejo de controlar a fala, o que indica

uma posição de falante estigmatizado e, portanto, de sofrimento ao falar

(Friedman 1994, 2004, 2007). Isso sugere que a capacidade de enfrentar a

gagueira em público não é o ingrediente decisivo para a superação da gagueira

como um sofrimento, o que pode ser uma questão relevante para o tratamento

da gagueira.

Tentar controlar a gagueira, ainda, de acordo com Azevedo e Freire

(2001) está relacionado a uma busca saudável de assemelhar-se aos demais

falantes. Para fazê-lo, entretanto, conforme argumentam as autoras, e também

o demonstram nossos sujeitos nos repertórios contidos na categoria

Antecipação, o falante dirige sua atenção à materialidade da língua; à forma da fala, a fim de localizar e substituir a palavra na qual acredita gaguejará. Isso,

como vimos no capítulo 01, constitui-se em um funcionamento discursivo que

tira o falante da posição fluente, perpetuando a produção de uma fala com

gagueira.

A esse respeito, na esteira das reflexões sobre tratamento, é

interessante considerar que o trabalho terapêutico direcionado à modelagem

da fala com gagueira proposto na clínica positivista, caracteriza-se por manter

um funcionamento discursivo voltado para a forma, uma vez que se direciona a

treinar a pessoa gaga para o uso de técnicas como relaxar a musculatura,

lentificar a fala e manter a coordenação pneumofonoarticulatória, a fim de

controlar a gagueira. Tratamentos dessa natureza, como comentam os 28

participantes que vivenciaram experiências terapêuticas para tratar da gagueira

(38)

conselhos de familiares e amigos (fale devagar, pense no que você está

querendo dizer) para se alcançar a fluência.

Plexico et al. (2010) concluem que métodos de tratamento que

priorizam o uso de técnicas e protocolos, em detrimento do envolvimento com

as necessidades dos pacientes e com o impacto da gagueira em suas vidas,

são ineficientes para promover mudanças na fala da pessoa que gagueja.

Rodríguez C. (2001:116) argumenta que a terapêutica que tem como

objetivo eliminar os sintomas visíveis da gagueira restringe a noção da

gagueira à falta de fluência. Assim, o gago é considerado como um doente da

fala e visto separado dos fatores psicossociais que influem na sua forma de

falar.

Rodríguez C. (2005), ainda, para avançar com a construção de

conhecimento sobre gagueira, fundou um grupo de discussão virtual

direcionado para pessoas que gaguejam. Após 2 anos de existência do grupo

colheu, analisou e sistematizou os depoimentos dos participantes, por acreditar

que conhecer o que os gagos têm a dizer sobre sua fala torna possível pensar

que mudanças de crenças e atitudes são necessárias frente à gagueira, o que

favorece alcançar melhores resultados terapêuticos.

Tassinari (2001) destaca que as técnicas que visam melhorar o

padrão articulatório, respiratório e postural do falante com gagueira “serão

potencialmente favorecedoras do estabelecimento de mudanças na relação

estabelecida pelo sujeito entre seu corpo e sua linguagem”, e poderão

(39)

recurso terapêutico que se articula a uma compreensão do sofrimento do

falante (op.cit.:84).

Friedman (1994, 2004, 2007, 2010) destaca que técnicas de trabalho

que envolvem a respiração, a voz e os gestos articulatórios, mostram-se

eficazes quando utilizadas para levar o falante a sentir e reconhecer sua efetiva

capacidade de falar e sua semelhança com os demais falantes, de tal forma

que gaguejar deixa de ser um sofrimento, deixa de ser um alvo a ser

controlado.

Em Sentido de Fala Negativo, cinco dos seis entrevistados mostram que se sentem dessemelhantes e marginalizados em relação aos

outros por seu modo de falar. E1 afirma: você quer falar como todo mundo; quer sempre estar no padrão de normalidade; de uma certa forma a gagueira

deixa (...) um pouco à margem da sociedade. E2 diz: É o que eu sempre quis [falar com fluência]; Caso tivesse a fluência que a maioria tem, isso (...) teria me poupado de alguns constrangimentos. E3 diz: É uma coisa que eu odeio,

me faz muito mal. (...) Eu tento conviver com ela, mas é difícil. É difícil você ser um sujeito gago no meio de pessoas que são fluentes. E5 acredita que se

gaguejar, pode quebrar a imagem de uma pessoa bem sucedida, bem resolvida, equilibrada. Para E6 é uma angústia porque eu tento sempre

esconder a minha fala.

Estes repertórios, ao indicarem que os entrevistados consideram a

gagueira um atributo que os desqualifica perante os outros; que denota uma

(40)

gagueira e a posição subjetiva de falante estigmatizado, para construir os

caminhos terapêuticos de sua superação (Friedman 1994, 2004, 2007, 2010).

Nessa direção, na condição de se sentirem diferentes, E1, E2, E3,

E5 e E6 falam sobre emoções e sentimentos3, que, em determinadas situações

comunicativas, podem tensionar a forma de suas falas ou levá-los ao

silenciamento. Para E1: A ansiedade acaba provocando interrupções em tua fala e você acaba (...) não conseguindo passar o que (...) pretendia; Provoca

uma certa tensão nos músculos do (...) corpo, que acaba provocando (...) essa interrupções na fala: bloqueios, repetição de sons. Para E2: É também a questão emocional que a gente fica, dependendo de como está em casa, (...)

com a esposa, com os pais, (...) nesse sentido isso finda abalando. Para E3:

Você é capaz daquilo, mas você, por ter que usar a fala para transformar suas

ideias em projetos concretos, aí você desiste. Para E5: quando há ausência de emoções, quando não existe cobrança (...) ... é como se o mecanismo da fala não fosse afetado por nenhuma neurose. Para E6: Falar é uma angústia muito

grande; Eu sempre me preocupo muito com aquilo que as pessoas pensam de mim. Isso sempre me afeta; Isso me causa nervosismo, mais angústia e aí eu

não consigo falar.

Também os participantes do grupo de discussão virtual de

Rodrigues C. (2005) expressaram suas emoções e sentimentos negativos em

relação à gagueira: - Nunca disse a ninguém que era gago (Por Deus, que vergonha!); -Então aprendi a ter outros medos, outros sentimentos, então com

3

(41)

o tempo, creio que eu mesmo, por me esconder, pensava que não poderia estudar certas profissões, que não poderia ascender a certos postos de

trabalho, que não... que não... que não...e no fim acreditei; - Quero que me aconselhe sobre o que eu posso fazer, pois me é muito preocupante essa situação que não aguento mais. 4

Coerentemente com esse modo de sentir-se, Zamora (2007), ao

analisar a gagueira sob uma perspectiva antropológica, afirma que “o padrão

de fala gaguejante é uma conduta socialmente desviada porque rompe a

norma social e, de modo concreto, as regras sociais da comunicação”5. Dessa

forma, as relações interpessoais são marcadas por uma interpretação do

ouvinte que marginaliza e estigmatiza o falante gago. São reações de

incompreensão e rejeição à fala disfluente, de imitações caricaturadas, de

escárnio, entre outras que provocam sofrimento ao falante (p.90).

A respeito desse modo de se sentir, destacam-se os trabalhos de

Friedman (1994, 2004, 2007, 2010) nos quais se considera uma imagem

estigmatizada de falante como núcleo estruturante da gagueira; como marca

subjetiva que particulariza os falantes gagos.

Na categoria Contexto de Fala – Efeito Outro E1 afirma que o

medo é que (...) você busca a aceitação do outro; Você não sabe se eles vão perceber que você é gago; Você, geralmente, quer esconder essa situação;

4 Tradução livre de: - Nunca comenté a nadie que era tartamudo (Por Dios, que verguenza!); -

Así aprendí a tener otros miedos, otros sentimentos, así con el tiempo, creo que yo mismo por el hecho de esconderme pensaba que no podia estudiar ciertas carreras, que no podia acceder a ciertos puestos de trabajo, que no...que no...que no...y al final me lo creí; - Quiero que me aconseje qué puedo hacer ya que me es muy preocupante esta situación que no aguanto más.

5 Tradução livre de:

(42)

Isso não acontece quando fala com criança, já que ela não vai ter uma reação como uma pessoa mais adulta teria, de reprovação, de você se achar diferente

do outro.

Também os participantes do grupo virtual de Rodríguez C. (2005)

referiram que a presença do outro gera medo: - Me dá pânico atender ao

telefone quando falo com uma pessoa desconhecida; - É um medo do ridículo, um temor de que os outros falem do nosso defeito; - Adoraria ser sociável, não

sei como vencer todos esses medos.6

A esse respeito, Cavalcanti, Azevedo e Silva (2011) afirmam que o

medo existente na situação de fala com gagueira representa a antecipação da

reação do ouvinte e a previsão do próprio erro. Ou seja, em determinadas

situações comunicativas, ao antever que gaguejará, o sujeito também antecipa

que o interlocutor o interpretará como gago, atributo que considera negativo,

que deseja esconder. Quando a antecipação e a previsão do erro não

acontecem, dizem as autoras, nota-se mais fluência na fala de quem gagueja.

É possível observar essa relação entre características da situação

comunicativa ou características atribuídas ao interlocutor e grau de temor da

gagueira no discurso dos entrevistados. Para E1: Falar em público é difícil. Você tá buscando a aceitação e você tá se preocupando em não gaguejar para várias pessoas. Para ele, públicos diferentes produzem efeitos diferentes:

grupo de amigos, (...) um grupo menor, que, mesmo que você gagueje você, não se preocupa tanto quanto se fosse para um grupo de pessoas maior, que

6 Tradução livre de: - Me da pánico tomar el teléfono cuando yo le hablo a outra persona

(43)

você não conhece todo mundo. Você não sabe se elas vão perceber que você é gago. Você geralmente quer esconder essa situação. E ainda, conversar com pessoas desconhecidas e com alto grau de escolaridade, pode deixá-lo sem

jeito na hora de falar. Para E2: quanto maior o [grau de censura que imagina vir do ouvinte] maior a quantidade de disfluência; Eu sou membro da igreja

evangélica e às vezes faço até pregações. (...) tem dias que dão mais e tem dias que dão menos [pessoas], mesmo assim eu faço; Se alguém me colocar

para ler um texto (...) é mais difícil, mas se for para expor um ponto de vista é bem mais fácil; Consigo falar em público, defendo minhas ideias, mas (...) para pedir um negócio a um frentista, em uma padaria não flui como deveria, como

flui nas outras situações. Para E3: Falar com pessoas íntimas é mais fácil. (...) Já falar com pessoas que você não tem intimidade ou até no trabalho, com o

chefe é mais difícil. De modo semelhante E4 diz: eu tenho medo que elas me reprovem. (...) aí penso que elas vão rir. Com as pessoas que eu tenho mais intimidade, eu até gaguejo... não tenho muito medo porque elas sabem do meu

problema. Para E5: quando eu incorporo o professor... o professor tem mais flexibilidade no tempo que ele vai utilizar para cada frase, para cada caminho,

(...) para transmitir o conteúdo. Quando você tá em algumas situações mais rígidas, mais estreitas [é mais difícil], um exemplo muito claro é: diga seu nome, sua profissão. Já para E6 não há distinção entre conhecidos e

desconhecidos: Seminário, trabalhos, eu pedia para outra pessoa falar por mim. Eu não falava. Eu sentia vergonha de ficar em público, para uma pessoa

(...) [numa condição] que eu não consiga falar; Às vezes eu vou falar com uma amiga (...) ou contar alguma coisa para meu pai, para minha mãe... e aí...eu

(44)

Os repertórios acima confirmam Azevedo e Freire (2001), pois, como

se vê, os entrevistados, ao ocuparem a posição de falantes gagos, imaginam o

seu ouvinte na posição daquele que não dará sentido à sua fala, mas

fiscalizará o dizer, daquele que poderá rejeitá-los ou reprová-los. Esta é uma

posição antecipada ao outro “enquanto formação ideológica, mas que pode ou

não estar no outro enquanto formação discursiva” (op.cit.153).

Isso também nos remete a Friedman (2001), quando comenta que a

ilusão de ser interpretado de modo desfavorável nas relações face a face,

revela marcas negativas na subjetividade construídas a partir de uma ideologia

de bem falar e constitutivas de um falante que se sente estigmatizado.

Consequentemente, determinadas situações comunicativas tornaram-se

lugares de preocupação com o interlocutor e geram previsão de gagueira,

sofrimento com o modo de produção de fala e tensões musculares.

A respeito disso vale comentar que embora E1, E2, E3, E4 e E5

tenham sido consensuais quanto a sentirem maior dificuldade para falar com

estranhos do que com pessoas íntimas, E6 revelou sentir dificuldade em

ambas as situações. Isto remete às considerações de Friedman (1994) sobre

as singularidades do funcionamento subjetivo da imagem estigmatizada de

falante. A autora explica que há pessoas com gagueira que se sentem melhor

ao falar com conhecidos, por já compartilhar com eles sua gagueira e assim

não sentir necessidade de escondê-la, e outras que se sentem melhor ao falar

com estranhos, por saber que estes não sabem de sua gagueira. Sob essa

perspectiva pode-se considerar que para E6 o sofrimento com a gagueira é

Imagem

Figura 1  –  Mapa de Associação de Ideias

Referências

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