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Batismo e Compadrio de Escravos: As estratégias dos cativos na Freguesia Madre de Deus de Porto Alegre no período de 1795 a 1799

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Batismo e Compadrio de Escravos: As estratégias dos cativos na Freguesia Madre de Deus de Porto Alegre no período de 1795 a 1799

Autor: Juliano Roques Coautor: Edmilson Pereira Cruz Resumo: Buscamos neste artigo analisar a ocorrência de padrões nos batismos de crianças nascidas de mães escravas, para compreendermos como se davam as relações sociais estabelecidas entre estes e outros grupos que compunham a sociedade, dentro do recorte de tempo estudado, que cobre o período entre 1795 e 1799. Esta comunicação faz parte integrante do Projeto “Família e Sociedade no Brasil Meridional (1772-1835)”

(financiado pelo CNPq) coordenado pela Professora Doutora Ana Silvia Volpi Scott e vinculado ao Grupo de Pesquisa CNPq “Demografia & História”. A pesquisa está voltada para a apreciação dos registros paroquiais de batismo, casamento e óbito correspondente a Freguesia Madre de Deus de Porto Alegre entre os anos de 1772 (fundação da mesma) e 1835 (Revolução Farroupilha). Nossos métodos de análise empregados são os da Demografia Histórica. No período estudado temos cerca de 835 registros de batismo, desses 15% são batismos de crianças de ventre de cativas. A partir desses dados iremos buscar pistas das estratégias utilizadas pelos cativos através do compadrio, para de estabelecer relações sociais para além do cativeiro.

Palavra-chave: Batismo;Compadrio; Cativo;

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1. Introdução

O trabalho que seguimos na pesquisa orientada pela Professora e Doutora Ana Silvia Volp Scott segue os métodos originalmente criados, nos trabalhos de Pierre Goubert e Luis Henry, que em 1950, de acordo com Antero Ferreira (2004), usaram esse método para a reconstituição de famílias, que possibilitou a análise demográfica de períodos anteriores aos recenseamentos modernos.

No Brasil a demografia histórica se inicia na década de 70, com Maria Luiza Marcilio, juntamente com a análise da economia doméstica e os debates interdisciplinares das ciências sociais, sobre a construção histórica da “família”.

Assim, se prolifera os trabalhos sobre a Demografia Histórica como método.

Contudo, a Demografia Histórica não pode ser usada somente como fonte quantitativa, como mostra José d’Assunção Barros (2004), ela deve ser problematizada para não ser apenas uma mera listagem descritiva de informações numéricas.

O batismo, é um dos sagrados sacramentos da igreja Católica, e também tem sua própria história, e o significado que este adquire, é o de purificação através da água, onde o pecado original, é purgado quando a água faz o papel de limpar a alma. Porém, segundo GUDEMAN:

“Eu acredito que um dos sistemas de compadrazgo, incluindo a versão da Igreja, podem ser visto como um conjunto de variações que ocorrem através do tempo e espaço[...] (GUDEMAN, Stephen. “The Compadrazgo as a Refletion...”, p.50)

No ato do batismo, a criança segundo o disposto nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, um padrinho e uma madrinha, não sendo admitidos dois padrinhos ou duas madrinhas. Eram escolhidos pelos pais ou responsáveis da criança, e não podiam, salvo licença especial, ter menos de doze (madrinhas) ou quatorze anos (padrinhos), nem ser membros de ordens religiosas. Algumas dessas normas, nem sempre eram cumpridas onde por exemplo, podemos perceber em alguns registros o pároco apadrinhando acriança.

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Contudo, a relação de compadrio, entre a família dos pais e dos padrinhos, cria uma forma de parentesco espiritual, tendo valia perante a instituição da Igreja Católica, não permitindo assim, que houvessem relações matrimoniais futuras entre padrinhos, afilhados e compadres.

O compadrio foi utilizado além da sua questão espiritual pela sociedade colonial, de maneira que ultrapassava a função religiosa, tendo muitas vezes sendo utilizado como formas de estabelecer de alianças “[...] criando e reforçando laços que integravam uma determinada comunidade, sendo esta função complementar à espiritual” (RAMOS, 2004).

2. Relações de sociabilidade existentes no Compadrio.

As relações de compadrio, podiam a grosso modo se dar de duas diferentes formas, com os iguais, ou seja, sujeitos de mesma condição social, ou ainda uma relação vertical, sendo um dos sujeitos pertencente a outra condição, tanto jurídica, social, por exemplo.

A relação entre os que acima chamamos de iguais, se dava como uma forma de reforçar as relações, principalmente no compadrio escravo. O compadrio poderia ser utilizado, “como meio de socialização de modo a formar uma comunidade de escravos e livres pobres” (MACHADO, 2006,p.323), ou ainda uma tentativa, ou pretensão de minimizar ou evitar futuros conflitos dentro da senzala.

Quanto ás relações verticais, ou seja, entre sujeitos de diferentes estratos sociais, esta se dava na possibilidade de obtenção de algum privilégio á seu rebento, e do lado do padrinho, no interesse de aumentar e/ou manter de seus laços de influência, podemos dizer que havia sim, uma tendência de optar por padrinhos e madrinhas com melhores condições.

Os afilhados proporcionam apoio político aos padrinhos, bem como deferência, expressa em várias formas simbólicas (gestos de submissão, linguagem respeitosa, presentes, entre outras manifestações). Já os

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padrinhos oferecem hospitalidade, empregos e proteção aos afilhados (BURKE, 2002, p. 104).

Essas problematizações evidenciam, que as relações estabelecidas através do compadrio, foram de grande importância para compor as lógicas sociais, que se desencadeavam a partir, e em torno deste.

Alguns estudos, apontavam escravos vivendo em um contexto, onde eram submetidos a ambientes com condições opressivas, onde sequer existiam possibilidades de “reação”, em meio a este contexto supracitado, como afirmara Jacob Gorender: “[...]

o primeiro ato humano do escravo é o crime, desde o atentado contra seu senhor á fuga do cativeiro”, porém esta constatação, sofreu algumas revisões por parte da historiografia que seguiu esta linha.

Faremos uma breve análise, através do uso de registros de batismo, para averiguar as brechas encontradas, para a obtenção ou não, de alianças através do compadrio e apadrinhamentos, levando em consideração é claro, as restrições que permeiam esta prática.

“visto algumas normas restritivas ao convite de padrinhos, pode ser perguntado se estas eram seguidas á risca, já que também é de uso corrente admitir o pároco como parte do jogo social que se dava nas localidades”(HAMEISTER, 2012, p.107).

Os registros de batismo, assim como os de casamento e óbito, são de suma importância, para os estudos das dinâmicas sociais das populações de tradição cristã no período moderno onde:

“[...] não existia o registro civil – em que não havia separação entre Estado e Igreja – ou seja, o Brasil do início da colonizaçãoportuguesa á Proclamação da República. Nesse período, o Registro Paroquial possuía caráter religioso com força de um ato civil para cada indivíduo servido, inclusive de base legal para operações seculares, como, por exemplo, os processos de herança” (Bassanezi).

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Esta comunicação usa como fonte os registros paroquiais, pois,fontes com significativa riqueza “[...] para a reconstituição da história social e cultural das populações católicas e a potencialidade de explorações, para desvendar o passado em várias direções” ( MARCÍLIO, 2004, p.15).

Foram realizados levantamentos e digitalizados os supracitados registros batismais, arquivados no Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana, de Porto Alegre, que estão em processo de transcrição e inserção pelo grupo de pesquisa de iniciação científica em uma base de dados chamada NACAOB.

A seguir, transferimos as informações contidas no banco de dados para um arquivo em Excel, e a exploração dos dados contidos neste banco de dados já previamente selecionados com o uso do aporte teórico-metodológico da demografia Histórica.

Selecionamos um recorte temporal que vai de 1795 á 1799, pois neste período, ocorre uma incidência significante de batismos de crianças de ventre cativo, para assim obter uma maior compreensão de como se dava a “formação e manutenção de hierarquias sociais” (HAMEISTER, 2012, p.97), através do compadrio de crianças nascidas de mães escravas.

Tabela 1 Padrinho

Condição Jurídica Quantidade Porcentagem

Vazio (livre) 99 79%

Escravos 20 16%

Forros 5 4%

N/D 1 1%

Através da obtenção destes dados, podemos constatar como se davam neste recorte as práticas de escolha de padrinhos e madrinhas no ato do batismo. Como podemos ver na Tabela 1, 79% dos padrinhos tinham como semelhança principal a condição jurídica de livres e os 21% restante dos sujeitos eram composto por escravos e

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forros. Em um dos casos não teve padrinho, ou seja, nada constava no registro como condição jurídica. Isso aconteceu pelo fato da criança ter sido batizada em casa por necessidade, provavelmente a criança estava correndo um grande risco de morte e com isso não deu tempo da mãe escolher um padrinho para essa criança, não sabemos se a criança morreu. Uma de nossas propostas para qualificar os trabalhos futuros é comparar os registros de batismo com os registros de óbito.

Tabela 2 Madrinha

Condição Jurídica Quantidade Porcentagem

Livre (vazio) 70 56%

N/D 30 24%

Escravos 19 15%

Forros 6 5%

Na tabela 2 as madrinhas aparecem com a mesma condição dos padrinhos, havia uma preferência das mães em ter padrinhos e madrinhas livres, como podemos ver cerca de 56% das madrinhas eram livres, 24% não consta nos dados, este resultado provém da cultura social da época do Antigo Regime, onde a mulher era vista socialmente com uma inferioridade perante o homem. O restante era composto por escravos e forros.

3. Considerações Finais.

Através dos dados encontrados no recorte analisado, podemos concluir que ocorreu uma maior incidência na escolha de padrinhos e madrinhas livres, porém algo que nos chamou a atenção foi que nenhum desses padrinhos e madrinhas livres eram o senhor da mãe escrava. A uma grande discussão sobre isso na historiografia atual, se o senhor dos escravos apadrinha os seus cativos com a intenção de reforçar os vínculos da família patriarcal. Segundo Sérgio Matosso os laços de compadrio.

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(...) se harmonizam perfeitamente com as regras dessa sociedade brasileira baseada na família extensa, ampliada, patriarcal. E os laços não prendem apenas padrinho e afilhado, ligam o padrinho, sua família e os pais da criança batizada, cujo grupo, em seu conjunto, ganha uma promoção excepcional.(MATTOSO, 1982, p. 132)

Em suma vimos que na Freguesia Madre de Deus no período analisado não era comum os senhores apadrinharem suas crianças. E sim outras padrinhos livres, não sabemos que vínculo esses padrinhos tinham com as crianças, esta questão fica pra uma análise futura dos dados.

Outra questão que concluímos foi em questão a mobilidade dos escravos os 16%

dos padrinhos era escravos e 15% das madrinhas eram escravas. Vemos que não tem uma grande diferença entre madrinha e padrinho escravos, na maioria das vezes eles optavam por padrinhos da mesma condição jurídica, se o padrinho é livre a madrinha também é preferível ser, se o padrinho é escravos a madrinha também deve ser. Esta questão nos chama atenção que os padrinhos e madrinhas faziam parte da mesma senzala do que dos pais da criança e não optavam por uma mobilidade, em todos os casos os padrinhos e madrinhas escravos são do mesmo senhor do que dos pais. Isso pode ser pelo fato dos pais estarem chegando e foram recém comprados, ou já estão a tempo e veem como melhor opção um padrinho do mesmo grupo, que saiba alguma profissão e possa passar para o seu afilhado.

Ainda é prematuro indicar se a opção de escolha por indivíduos livres se dava por relações de algum tipo de troca entre as partes, porém esses dados nos fornece pistas para uma maior compreensão sobre esses indicativos.

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4. Referencias Bibliográficas

ARQUIVO HISTÓRICO DA CÚRIA METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE.

Livros de batismo da população livre da Paróquia da Madre de Deus de Porto Alegre, 1772-1810.

AZEVEDO, Marta. Os registros de batismos e casamentos como fontes de informações para os estudos indígenas. In: BASSANEZI, Maria Silvia C. Beozzo; BOTELHO,

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Tarcísio R. (orgs.). Linhas e entrelinhas: as diferentes leituras das atas paroquiais dos setecentos e oitocentos. Belo Horizonte: Veredas & Cenários, 2009. p. 77-84.

BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: UNESP, 2002. 263 p.

______. Compadrio. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p. 126-127.

______. História da Família e Demografia Histórica. In: CARDOSO, Ciro Flamarion;

VAINFAS, Ronaldo (org.). Domínios da História: Ensaios de teoria e metodologia.

Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 241-258.

FRANCO, Renato; CAMPOS, Adalgisa Arantes. Notas sobre os significados religiosos do batismo. Varia Historia, Belo Horizonte, n. 31, p. 21-40, jan. 2004.

GUDEMAN, Stephen; SCHWARTZ, Stuart B. “Purgando o pecado original:

compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII”. In: REIS, João José.

Escravidão e invenção da liberdade:estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo:

Brasiliense, 1988.

HAMEISTER, Martha Daisson. Na pia batismal: estratégias de interação, inserção e exclusão social entre os migrantes açorianos e a população estabelecida na vila de Rio Grande, através do estudo das relações de compadrio e parentescos fictícios (1738- 1763). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA ECONÔMICA, 5, 2003, Caxambu. Anais eletrônicos... Campinas, ABPHE, 2003. Disponível em:

http://www.abphe.org.br/congresso2003/Textos/Abphe_2003_91.pdf. Acesso em: 15 maio 2010.

KÜHN, Fábio. Breve história do Rio Grande do Sul. 2. ed. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004. 160 p.

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MACHADO, Cacilda. A trama das vontades: negros, pardos e brancos na produção da hierarquia social (São José dos Pinhais – PR, passagem do XVIII para o XIX). 360 f.

Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

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NADALIN, Sérgio Odilon. História e demografia: elementos para um diálogo.

Campinas: ABEP, 2004. 241

SCOTT, Ana Silvia Volpi. Do Porto de Casais à Freguesia de Nossa Senhora da Mãe de Deus de Porto Alegre: ensaio sobre os espaços de sociabilidades a partir do cruzamento nominativo de fontes eclesiásticas. In: DORÉ, Andréa; SANTOS, Antonio Cesar de Almeida (orgs.). Temas setecentistas: governos e populações no império português.

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Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil meridional(5.: 2011: Porto Alegre, RS) ESCRAVIDÃO E LIBERADADE: TEMAS PROBLEMAS E PERSPECTIVA DE ANÁLISE

Regina Célia Lima Xavier (org.) São Paulo: Alameda, 2012.

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