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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS- CCSA DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL- DESSO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS- CCSA

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL- DESSO

RAFAELA VYVIANE DOS SANTOS

ROLEZINHO DOS PINTAS: A EXCLUSÃO E A INCLUSÃO MARGINAL DOS JOVENS DE BAIRROS POPULARES DE NATAL (RN).

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Rafaela Vyviane dos Santos

Rolezinho dos pintas: a exclusão e a inclusão marginal dos jovens de bairros populares de Natal (RN)

Monografia submetida à coordenação do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Marinho Alves da Silva.

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Santos, Rafaela Vyviane dos.

Rolezinho dos pintas: a exclusão e a inclusão marginal dos jovens de bairros populares de Natal (RN)/ Rafaela Vyviane dos Santos. - Natal, RN, 2017.

69 f.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Marinho Alves da Silva.

Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço Social.

1. Juventude - Monografia. 2. Pintas - Monografia. 3. Consumo - Monografia. 4. Rolezinhos - Monografia. 5. Inclusão. - Monografia. 6. Exclusão - Monografia. I. Silva, Roberto Marinho Alves da. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, por ser o meu maior exemplo de resistência e de amor, sendo a maior responsável por me sustentar até aqui.

Ao meu pai, as minhas irmãs e ao meu irmão, que compreenderam minhas ausências e me apoiaram.

Às amizades que me acolheram nas minhas inseguranças, medos e angústias e permaneceram. Em especial, a companheira de graduação, Silvia Emanuelly, por compartilhar o peso das aflições desse processo e à Jéssica Tavares, pelo cuidado dispensado no cotidiano, pois ao dividir a mesma casa temos aprendido a compartilhar também nossas vidas.

Aos professores, em sua maioria professoras, que durante a graduação foram desvendadores e desvendadoras ao me auxiliarem no processo de leitura da sociedade a partir de um olhar questionador e inconformado.

Aos profissionais dos estágios pelos quais passei, especialmente à Cristiane Silva, (assistente social do CEDECA-Casa Renascer) por me servir de inspiração para a profissional que quero ser.

Ao Motyrum, projeto de extensão de educação popular em direitos humanos da UFRN, por me possibilitar o aprofundamento e a vivência nas questões da juventude em contexto de direitos violados.

À militância política, sobretudo ao coletivo de mulheres Núcleo Amélias, por me mostrar que as injustiças sociais são combatidas e resistidas coletivamente e do lado dos trabalhadores.

Ao meu orientador, Roberto Marinho Alves da Silva, pela sensibilidade em compreender meus limites, pela dedicação nas orientações e pela tranquilidade com que conduziu todo o processo de elaboração dessa monografia. Acredito que sem esse apoio, dificilmente, teria finalizado o trabalho a tempo.

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A fase atual, em que a vida social está totalmente tomada pelos resultados acumulados da economia, leva a um deslizamento generalizado do ter para o parecer, do qual todo “ter” efetivo deve extrair seu prestígio imediato e sua função útilma.

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RESUMO

O presente trabalho buscou analisar a questão dos "rolezinhos” na perspectiva de exclusão e inclusão socioeconômica e cultural de jovens de bairros populares de Natal (RN), conhecidos pela alcunha de pintas, caracterizando o perfil da juventude rolezeira e investigando a repercussão midiática que influenciou a opinião pública no período de estopim dos encontros em São Paulo (SP) e em Natal (RN). Para tanto, realizou-se pesquisa exploratória de natureza qualitativa, utilizando-se dos seguintes métodos: revisão de literatura; pesquisas documentais em matérias jornalísticas (online) e blogs através da ferramenta eletrônica de busca: Google, restringindo a busca para três veículos de notícias: o Portal G1, o Jornal Tribuna do Norte e o Blog do BG. A partir do estudo, observou-se as contradições vivenciadas por grupos juvenis, em sua maioria negros e pertencentes a bairros periféricos, a partir da sua inclusão no "mundo do consumo", sobretudo após a consolidação do neoliberalismo, não só no Brasil, mas a nível mundial. Sendo a principal contradição identificada: a inclusão marginal desses jovens através do consumo, pois ao mesmo tempo que existe forte apelo social para que eles façam parte da massa de consumidores, os mesmos não são desejados nos templos do consumo: os shoppings centers, o que é percebido pela repressão policial sofrida pelos participantes dos rolezinhos e o apoio da opinião pública. Desse modo, os rolezinhos se configuram como uma forma de resistência dos jovens das periferias urbanas contra os muros invisíveis da segregação social e espacial no país.

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ABSTRACT

This study aimed to analyze the issue of "rolezinhos" in the perspective of exclusion and socioeconomic and cultural inclusion of young people from popular neighborhoods of Natal (RN), known by the nickname pintas, characterizing the youth profile and investigating media repercussion which influenced public opinion during the period of discussions in São Paulo (SP) and Natal (RN). For that reason, an exploratory research of qualitative nature was carried out, employing the following methods: literature review; Documentary research in journalism (online) and blogs through the electronic search tool: Google, restricting the search for three news vehicles: the G1 Portal, the Tribuna do Norte Journal and the BG Blog. Through this study, was observed the contradictions experienced by youth groups, mostly black and belonging to peripheral neighborhoods, from their inclusion in the "consumption world", especially after the consolidation of neoliberalism, not only in Brazil, but worldwide. Being the main contradiction identified: the declass inclusion of these young people through consumption, because at the same time there is a strong social appeal for them to be part of the mass of consumers, they are not desired in the temples of consumption: the malls, which is perceived by the police repression suffered by the participants of Rolezinhos and the support of public opinion. Thus, the rolezinhos are a form of resistance of the young people of the urban peripheries against the invisible walls of social and spatial segregation in the country.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Cronologia dos Rolezinhos em São Paulo ... 34

Figura 2: Seis mil jovens vão ao Shopping Itaquera (SP) ...35

Figura 3: Repercussão dos Rolezinhos em São Paulo ...50

Figura 4: Suposta briga entre gangues no Shopping Midway Mall ...53

Figura 5: Policiamento para Protesto dos Pintas ...56

Figura 6: Protesto dos Pintas no Shopping Midway Mall (Tribuna do Norte) ...57

Figura 7: Protesto dos Pintas no Shopping Midway Mall (Blog do BG) ...57

Figura 8: Comentários sobre Protesto dos Pintas (Tribuna do Norte) ...60

Figura 9: Comentários sobre Protesto dos Pintas (Tribuna do Norte) ...60

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...10

CAPÍTULO I - JUVENTUDE POPULAR URBANA: OPRESSÃO E RESISTÊNCIAS...15

1.1. Juventude popular urbana: uma caracterização no Brasil do século XXI. ...16

1.2. A questão social em tempos de hegemonia do ideário neoliberal e a naturalização da exclusão socioeconômica e cultural da juventude popular urbana. ...22

1.3. Abordagens conservadoras de inclusão e formas juvenis de resistência e contestação. .28 CAPÍTULO II – JOVENS PINTAS E OS ROLEZINHOS EM NATAL/RN: uma análise das repercussões da mídia que influenciam a formação da opinião pública. ...33

2.1. Rolezinhos no Brasil: expressões e significados ...36

2.2. Rolezinhos em Natal/RN: os jovens pintas nos templos do consumo. ...40

2.3. Repercussões dos rolezinhos: contestação juvenil e repressão social ...46

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INTRODUÇÃO

Ao olhar minha trajetória durante a graduação em Serviço Social, vejo o quanto, entre tantas outras temáticas dos direitos humanos, as temáticas relacionadas a juventude em situação de opressão e violência me inquietaram. Foi assim no ensino, na extensão, na pesquisa e no estágio supervisionado. A partir da aproximação com essas temáticas, veio a motivação para pesquisar sobre os jovens de bairros populares de Natal (RN), conhecidos pelo imaginário popular potiguar como pintas, partindo da análise dos rolezinhos ocorridos em Natal e São Paulo entre dezembro de 2013 a janeiro de 2014.

Assim, ao buscar tratar sobre esse grupo social, fez-se necessário considerar que a juventude brasileira é demasiadamente heterogênea, muito devido a extensão territorial do país e a diversidade cultural presente nas suas cinco regiões, por isso, melhor aplica-se neste estudo, o uso do termo “juventudes” ao invés do singular “juventude” para referir-se a ela, afim de não cair na padronização e resguardar as singularidades dos grupos juvenis espalhados pelo Brasil. Como também, ao abordar sobre as problemáticas que envolvem esse grupo juvenil específico fez-se necessário caracterizá-lo em suas especificidades e naquilo que se assemelha aos demais, sem desconsiderar o contexto sócio-histórico a partir do qual esse grupo foi forjado, partindo do entendimento que a experiência de ser jovem foi e tem sido construída socialmente e que portanto, nesse sentido juventude é uma categoria sociológica (WAISELFISZ, 2014, p.14) que precisa ser analisada considerando os condicionantes externos aos indivíduos jovens e as influências que perpassam suas vidas.

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partir da sua inclusão no "mundo do consumo", sobretudo após a consolidação do neoliberalismo, não só no Brasil, mas também no restante da América Latina, em países da Europa e nos Estados Unidos. No entanto, ao mesmo tempo que existe forte apelo social e midiático para que eles façam parte da massa de consumidores, os mesmos não são desejados nos templos do consumo: os shoppings centers. E, de forma macro, sofrem ainda com os rebatimentos de uma tendência global de criminalização e penalização da pobreza, como tem defendido o sociólogo francês, Loïc Wacquant em seus estudos e mais especificamente em seu livro “As duas faces do gueto”, edição brasileira publicada pela Boitempo em 2008. Para além dessa tendência global de perseguição aos pobres, existem também as particularidades do Brasil, um país de herança colonialista e escravocrata, em que, apesar de avanços nas legislações e políticas sociais, as medidas repressivas e higienistas são cotidianamente atualizadas e aplicadas pelo Estado e pelas elites, o que intensifica os problemas sociais dos considerados excluídos, através de uma acentuada segregação socioespacial e racial.

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famosas, como também em videoclipes para o site de compartilhamento de vídeos, Youtube.

Diante dessa problemática e com a intenção de fazer um recorte sobre os jovens participantes dos rolezinhos na cidade do Natal, esse trabalho tem como objetivo geral analisar a questão dos rolezinhos na perspectiva de exclusão e inclusão socioeconômica e cultural de jovens de bairros populares de Natal (RN). E, como objetivos específicos:

• Caracterizar a juventude rolezeira das cidades de São Paulo (SP) e de Natal (RN), traçando um esboço sobre quem são os pintas natalenses; e

• Analisar a repercussão midiática que influenciou a opinião pública no período de estopim dos encontros, dezembro de 2013 a janeiro a 2014.

Para alcançar os objetivos propostos, optou-se pela realização de uma pesquisa do tipo exploratória que, conforme Gil (2007, p. 27): “têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores”. A escolha por um estudo exploratório se deu pelas condições objetivas relacionadas ao curto período de tempo para realização da pesquisa, bem como a escassez de material bibliográfico a respeito dos jovens pintas e suas particularidades, o que impossibilitou um aprofundamento na sua caracterização enquanto grupo social.

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potiguar. Já a escolha pelo Blog do BG foi em decorrência do mesmo ter dado visibilidade aos fatos, embora com caráter informal e amadorístico do conteúdo do site, com o intuito de ter um contraponto com as notícias veiculadas pelo Tribuna do Norte.

A respeito da abordagem metodológica, esclarece-se que ao compreender que a realidade não se explica por si mesma, faz-se fundamental um olhar crítico diante dos fatos postos, considerando os fatores sócio-históricos, econômicos, étnicos e culturais presentes na sociedade sobre a qual debruçou-se para analisar as problemáticas desse estudo. Desse modo, houve uma aproximação com o método histórico-dialético, ressalvadas as limitações acadêmicas dessa aproximação, como ficará nítido no decorrer da leitura.

Assim, na perspectiva de abarcar os objetivos mencionados, organizou-se o presente trabalho em dois capítulos, em que cada capítulo possui três subtópicos. No primeiro capítulo, intitulado “Juventude popular urbana: opressão e resistências”, buscou-se realizar a caracterização da juventude popular urbana no Brasil do século XXI, discorrendo sobre a realidade de jovens empobrecidos que residem em áreas populares urbanas, bem como refletir sobre as novas expressões da questão social com o advento do ideário neoliberal e suas implicações para a exclusão social da juventude pauperizada e por último abordar as formas conservadoras de inclusão pelo consumo e as formas juvenis de resistência e contestação.

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CAPÍTULO I - JUVENTUDE POPULAR URBANA: OPRESSÃO E RESISTÊNCIAS

Antes de qualquer coisa, cabe discorrer brevemente, sobre o que é ser jovem e qual a compreensão adotada aqui. Os conceitos sobre juventude vão variar de acordo com a abordagem de onde se parte a análise. Coimbra e Nascimento (2005, p.338-339) no artigo “Ser jovem, ser pobre é ser perigoso?”, colocam que vertentes ligadas ao viés biológico defendem a presença de mudanças hormonais e físicas que justificariam características “psicológico-existenciais” dessa fase da vida:

Descrevem, assim, suas atitudes, comportamentos e formas de estar no mundo como manifestações dessas características, percebidas como uma essência e, portanto, como imutáveis. Dessa maneira, “qualidades” e “defeitos” considerados típicos do jovem como entusiasmo, vigor, impulsividade, rebeldia, agressividade, alegria, introspecção, timidez, dentre outros, passam a ser sinônimos daquilo que é próprio de sua natureza.

No entanto, as autoras ressaltam que essa vertente não tem sido empregada para todos os “segmentos sociais”, já que os jovens pobres são colocados a margem desse parâmetro de julgamento comportamental, que possibilita certa tolerância por parte da sociedade às atitudes de rebeldia desde que a depender da origem desse ou dessa jovem, seria o conhecido popularmente como “dois pesos, duas medidas”.

Por outro lado, tem-se o viés defendido pelas ciências sociais que compreende a juventude como uma “categoria essencialmente sociológica”, como apontado por Júlio Jacobo Waiselfisz (2014, p.14) no “Mapa da Violência: Os Jovens do Brasil, 2014”:

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E, é a partir da vertente sociológica que esse estudo partirá, não desconsiderando a classificação etária desses indivíduos, atualmente estipulada no Brasil entre 15 a 29 anos de idade, mas compreendendo que a categoria juventude precisa ser analisada e interpretada para além de um espaço de tempo pré-determinado, levando em conta os determinantes sociais, econômicos e culturais que norteiam a concepção de uma identidade juvenil ou de identidades juvenis.

1.1. Juventude popular urbana: uma caracterização no Brasil do século XXI.

Joane Araújo (2016) em sua dissertação “Juventude, participação e projeto popular: a experiência político-organizativa do movimento ‘Levante Popular da Juventude’”, partindo do pressuposto analítico da juventude como categoria sociológica, afirma que o jovem é uma “construção social” moldada pela realidade e recorte sociocultural. Para a pesquisadora, partindo dos estudos de Luís Antônio Groppo sobre juventude e suas contradições na modernidade, a juventude teria sido experienciada, primeiramente, pela burguesia e pela aristocracia e só posteriormente pelos trabalhadores. Segundo Araújo, a classe trabalhadora precisou “conquistar” o direito de vivenciar a juventude, e acrescenta:

Outras construções de juventude – não ocidentais, negras, mestiças, rurais e femininas, não legitimadas pelas práticas e discursos das instituições oficiais, liberal-burguesas e capitalistas – surgem em contraponto ao ideal de juventude da modernidade burguesa, juventudes que forjaram para si mesmas representações, construíram relações sociais concretas e distintas do padrão típico ou ideal do “ser jovem” na época. O direito à juventude chega mais tardiamente para as juventudes das classes operárias e segmentos sociais marginalizados, fato que levou essas juventudes a criar, no decorrer do século XIX e principalmente século XX, identidades juvenis a partir do reconhecimento e explicitação de suas diferenças e singularidades (GROPPO, 2000, p.17-18). (ARAÚJO, 2016, p. 23)

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sociedade, de fato experienciam essa juventude de forma idealizada e padronizada, o que pode ser observado com relação aos grupos juvenis de segmentos populares.

Desse modo, busca-se delinear alguns aspectos como índice populacional, cor, território e camadas sociais da juventude brasileira do século XXI, imprescindíveis à discussão que se propõe neste trabalho, a qual busca analisar a questão dos rolezinhos ocorridos entre 2013 e 2014, na perspectiva de exclusão e inclusão socioeconômica e cultural de jovens de bairros populares de Natal-RN.

No que se refere ao índice populacional, o Mapa da Violência 2014 aponta que no ano de 2012, segundo estimativas do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), a juventude (15 a 29 anos de idade) representava o percentual de 26,09% da população brasileira. O mesmo documento informa que esse percentual já foi maior se comparado, por exemplo, a década de 1980, em que os jovens totalizavam 29% dos habitantes e relaciona essa diminuição a variados fatores relacionados “fundamentalmente à urbanização e à modernização da sociedade brasileira” (WAISELFIESZ, 2014, p.23).

Destaca-se como um desses fatores, ainda segundo Waiselfisz (2014) através da análise de dados do Subsistema de Informação sobre Mortalidade – SIM (Ministério da Saúde), os índices crescentes de homicídios da juventude brasileira que passaram de “19,6 em 1980 para 57,6 em 2012 por 100 mil jovens, o que representa um aumento de 194,2%...” (WAISELFIESZ, 2014, p.177). Quando feito o recorte desses quantitativos por cor, o estudo mostra que em 2002, foram vítimas de homicídios 79,9% mais jovens negros que brancos, tendo essa porcentagem aumentado para 168,6% em 2012 ((WAISELFIESZ, 2014, p.184), o que evidencia a situação de vulnerabilidade social e violência a qual está submetida a juventude negra e pobre do país.

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que a porcentagem de jovens que se autodeclararam negros nesse estudo foi proporcionanalmente maior do que aquela apresentada pelo Censo 2010 e aponta como umas das possíveis justificativas:

Uma explicação possível para essa diferença é a de que, no Censo, a informação de cor de todos os que compõem a família é dada por apenas um dos membros – comumente a mãe ou o pai – enquanto nesta pesquisa coletou-se, exclusivamente, a autodeclaração dos próprios jovens. Essa constatação corrobora a hipótese – já apontada em pesquisas anteriores – de que há uma tendência, nessa geração, de maior identidade racial entre os jovens negros, acompanhando o aumento da visibilidade da questão racial no país e nas políticas de afirmação racial. (BRASIL, 2014, p.18)

Em consonância com os dados acima, o Censo 2010 (IBGE, 2011, p. s/n) mostrou que 51% da população brasileira autodeclara-se negra, parda ou indígena. Contudo, o fato da nossa sociedade ser composta, majoritariamente, por pessoas não brancas não é motivo suficiente para romper com o racismo tão arraigado, tanto institucionalmente quanto nas relações sociais. E, quando se trata da negritude que pertence a segmentos sociais pauperizados o preconceito racial ganha proporções peculiares, onde se associa sua cor e condição socioeconômica à uma tendência natural à criminalidade o que implica na criminalização desse segmento da população.

Voltando a pesquisa da Secretaria Nacional de Juventude, no que se refere às camadas socioeconômicas as quais esses jovens pertecem, a pesquisa elenca os seguintes quantitativos:

Considerando a renda domiciliar per capita, 28% estão nos estratos baixos (até R$ 290,00/mês), 50% nos médios e 11% nos estratos altos (acima de R$ 1.018,00/mês). O recorte de renda segue o aplicado no estudo sobre estratos econômicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE1.

Ressalta-se que mesmo com uma possível ascensão de segmentos sociais

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pauperizados aos setores médios ou da redução da pobreza nas últimas décadas devido a medidas de valorização do salário mínimo, políticas de transferência de renda e aumento da linha de crédito, entre outras, o que gera discordância entre alguns estudiosos, o país ainda apresenta uma agravante desigualdade social e econômica, intensificada pela alta concentração de riqueza nas mãos de um grupo pequeno de pessoas e a má gestão dos recursos orçamentários pelo Estado.

E, mais recentemente, com o advento de uma crise política e econômica que se iniciou no país em 2013 e tem apresentado desdobramentos assustadores para os trabalhadores como o anúncio de reformas nas leis trabalhistas e na seguridade social, que intensificam o desemprego estrutural, o sucateamento dos serviços sociais públicos e dos programas de transferência de renda, apresentando rebatimentos para essa juventude.

Já com relação ao território, observa-se que a maioria da juventude vive nas cidades (84,8%), estando apenas o percentual de 15% no campo. Como esse trabalho trata, justamente, dos grupos juvenis das cidades, a questão urbana mostra-se intrínseca a esta discussão. David Harvey (2008) ao discorrer sobre urbanização e direito à cidade, defende que:

A qualidade de vida urbana tornou-se uma mercadoria, assim como a própria cidade, num mundo onde o consumismo, o turismo e a indústria da cultura e do conhecimento se tornaram os principais aspectos da economia política urbana. A tendência pós-moderna de encorajar a formação de nichos de mercado – tanto hábitos de consumo quanto formas culturais – envolve a experiência urbana contemporânea com uma aura de liberdade de escolha, desde que se tenha dinheiro (...). Este é um mundo no qual a ética neoliberal de intenso individualismo possessivo e a correlata renúncia política a formas de ação coletiva tornaram-se padrão para a socialização humana (Nafstad et al. 2007). (HARVEY, 2008, p.81) .

E acrescenta:

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privatizados e mantidos sob constante vigilância. (HARVEY, 2008, p.81) .

Para Harvey (2008, p.82), todas essas alterações nas relações sociais das cidades e que sustenta esses “sonhos urbanos” individualistas, reflete uma ética neoliberal que “Sob estas condições, ideais de identidade urbana, cidadania e pertencimento – já ameaçados pela propagação do mal-estar da ética neoliberal – tornam-se mais difíceis de se sustentar”.

Cabe aqui ressaltar que a juventude popular tem sido uma das mais atingidas pelos rebatimentos socioculturais e econômicos de uma socialização imersa na superficialidade, que o filósofo francês, Guy Debord (1997) vai nomear de “a sociedade do espetáculo”, em livro de mesmo nome.

Todavia, se pudesse estabelecer um aspecto que aproxima os mais variados segmentos sociais, econômicos e étnicos dos grupos juvenis urbanos brasileiros do século XXI, seria o da aspiração consumista, onde o ato de consumir tornou-se um fim em si mesmo, não só para população juvenil, mas para os demais indivíduos. No entanto, os adolescentes e jovens têm sido o público preferencial do mercado, como enfatiza o estudioso do tema, Adriano Machado Oliveira (2007 p.5), no texto “A juventude perante a sociedade de consumo: paradoxos e novas configurações identitárias”. Segundo ele, com a globalização do capitalismo:

(...) uma cultura consumidora começa a nascer sob a influência dos meios de comunicação de massa, com o claro intuito de conquistar as diversas fatias de mercado presentes nos países em desenvolvimento. Dentre estas, os adolescentes recebem especial atenção dos publicitários.

Oliveira (2007, p.5), ressalta que:

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sessenta, um novo perfil de jovem, o qual adquiria sua autonomia através do ato de consumo.

Assim, têm-se uma juventude diversa e ao mesmo tempo “unida” pelo apelo midiático e ideológico de realização através da apropriação da mercadoria. Essa lógica foi absorvida não só pelos jovens de famílias de classes médias e altas, mas também por aqueles pertencentes aos estratos sociais pauperizados, como reflete o pesquisador nessa temática, Jurandir Freire Costa (2004, p.84):

Acho, no entanto, que a atitude consumista não depende do nível de renda. É uma atitude diante da vida, e, por conseguinte, diante dos objetos que se pode possuir. No Brasil, a maioria tem uma renda pessoal ou familiar desprezível, mas, mesmo assim, se comporta como se tivesse uma renda alta, quando se trata de usar objetos como coisas descartáveis.

Em conformidade com o exposto por Costa (2004), as reflexões realizadas por Oliveira (2007, p.6) apontam que:

A cultura jovem brasileira insere-se, pois, dentro dessa nova dinâmica social, onde poucos atendem às superexigências de sempre novas aquisições de mercadorias e quinquilharias do mundo publicitário e, ao mesmo tempo, em que milhares de novos fracassados se aglomeram insatisfeitos - convidados, de fato, a assumirem desejos que se veem interditados precocemente pela falta do que lhes permita substituir em ritmo frenético a avalanche de produtos oferecidos.

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1.2. A questão social em tempos de hegemonia do ideário neoliberal e a naturalização da exclusão socioeconômica e cultural da juventude popular urbana.

Para adentrar nas expressões da questão social com o advento da ideologia neoliberal e seus rebatimentos na vida da população juvenil é importante apreender que as transformações, em âmbito mundial, se deram após a crise estrutural do capitalismo, iniciada em 1970, que Ana Elizabete Mota (2009, p.58) vai chamar de uma “crise orgânica” que ocasionou o exaurimento do Estado de Bem-Estar e do pacto “fordista-keynesiano” nos países de capitalismo maduro e maior dependência dos países em desenvolvimento, que é o caso do Brasil.

Segundo Mota (idem) e Sérgio Lessa (2013), as crises são inerentes ao modo de produção capitalista. Essas crises orgânicas ou cíclicas “expressam um desequilíbrio entre produção e o consumo” (MOTA, 2009, p. 53) que trazem prejuízos ao capital que deixa de arrecadar seus lucros e assim deixa de acumular riqueza, afeta também a classe trabalhadora através do aumento do desemprego e da intensificação da pobreza.

Ainda de acordo com a autora, as crises orgânicas expressam a desigualdade estruturalizada que se baseia na riqueza socialmente produzida e privadamente apropriada. No entanto, elas vão ser funcionais ao capitalismo, porque são em meio as crises que o capital se reinventa em condições mais complexas e mantêm dessa forma seu poder de dominação econômica, política e cultural. A autora vai chamar esse processo de “crise/restauração” (MOTA, 2009, p.55).

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econômicas (de investimentos), resultando na intensificação da pobreza com o aumento do desemprego; a focalização e a precarização das políticas sociais; as privatizações de empresas públicas e de serviços sociais básicos, sendo esta a fase mais cruel do capitalismo de acordo com os autores.

Para Iamamoto (2007, p.112-113), é em meio a essas mudanças econômicas e sociais que irão surgir:

“(...) novas mediações históricas na gênese e expressões da questão social, assim como nas formas, até então vigentes, de seu enfrentamento, seja por parte da sociedade civil organizada ou do Estado, por meio das políticas sociais públicas e empresariais, dos movimentos sociais e sindicais e demais iniciativas da sociedade civil (...).

A questão social é aqui compreendida, a partir da perspectiva defendida pela autora, como uma “expressão da produção e reprodução da vida social na sociedade burguesa, da totalidade histórica concreta” (IAMAMOTO, 2007, p.114). E ainda de acordo com ela:

(...) a gênese da questão social encontra-se enraizada na contradição fundamental que demarca esta sociedade, assumindo roupagens distintas em cada época: a produção, cada vez mais social, que se contrapõe à apropriação privada do trabalho, de suas condições e seus frutos. Uma sociedade em que a igualdade jurídica dos cidadãos convive, contraditoriamente, com a realização da desigualdade. Assim, dar conta da questão social hoje, é decifrar as desigualdades sociais – de classes – em seus recortes de gênero, raça, etnia, religião, nacionalidade, meio ambiente etc. Mas decifrar, também, as formas de resistência e rebeldia com que são vivenciadas pelos sujeitos sociais.

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ou menos prestigiosas e das remunerações que recebem, dessa parte da população faz parte também os desempregados. Os excluídos do mercado de trabalho, já que não há espaço para todos, encontram formas de sobrevivência diversas, seja através do trabalho informal, da mendicância ou mesmo de atos ilícitos.

O neoliberalismo provocou transformações político-ideológicas em escala global por meio da consolidação de um mercado mundial, prevalecendo um Estado máximo para o mercado e mínimo para o social, o que tem ao longo das últimas décadas, mais precisamente a partir da década de 1990 aqui no Brasil, fortalecido o sucateamento do serviço público e consequentemente a insistente mercantilização de serviços como: saúde, educação e lazer, entre outros.

Com a mercantilização dos serviços têm-se o surgimento da imagem de um cidadão-consumidor em detrimento do cidadão sujeito de direitos, numa sociabilidade onde os seus direitos estão à venda e o prestígio social está justamente relacionado ao que você pode consumir e ostentar. Já, para aqueles que não podem pagar pelos serviços e bens mais indispensáveis à vida, como habitação, alimentação, saúde e etc, resta a filantropia e/ou as políticas sociais públicas seletivas que usam o critério do mais miserável entre os miseráveis para selecionar os que terão direito aos “benefícios”.

Nessa nova lógica, ganha espaço um novo binômio de exclusão/inclusão que expressa um pressuposto de que a sociedade não necessita transformar-se para atender as demandas dos cidadãos em sua totalidade, mas que a solução para os problemas sociais é a integração social dos indivíduos através do consumo de bens e serviços para aqueles que podem pagar e da filantropia para os que não detêm meios de acessá-los, onde o Estado se isenta delegando a sociedade civil a responsabilidade sobre os indivíduos ditos excluídos.

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invade a vida íntima dos indivíduos, seja sob a forma acentuada de mercantilização e burocratização de necessidades, seja sob a forma de controle dos comportamentos” (idem, p.10).

A situação de exclusão socioeconômica e cultural e ao mesmo tempo inclusão por meio do consumo, como também, a marginalização da juventude popular dá-se dentro dessa conjuntura global de mercantilização das relações sociais e da vida, onde assiste-se a transição, segundo Loïc Wacquant (2008, p. 93-100), de um Estado Social para um Estado Penal que tem atuado numa perspectiva de criminalização da pobreza por meio do encarceramento em massa e políticas de repressão, uma tendência iniciada pelos EUA e copiada por países subdesenvolvidos como o Brasil.

O autor caracteriza a regência desse novo modus operandi do capitalismo de “liberal-paternalismo” e explicita:

Ele é liberal no topo, para com o capital e as classes privilegiadas, produzindo o aumento da desigualdade social e da marginalidade; e paternalista e punitivo na base, para com aqueles já desestabilizados seja pela conjunção da reestruturação do emprego com o enfraquecimento da proteção do Estado de bem-estar social, seja pela reconversão de ambos em instrumentos para vigiar os pobres. (WACQUANT, 2008, p.94)

Wacquant (2008, p.100) enfatiza que,

(…) nas sociedades que vivenciaram experiências autoritárias recentemente, como as do Brasil e da Argentina, a aplicação das penalidades neoliberais significa, na verdade, o restabelecimento da ditadura sobre os pobres.

Esta ditadura sobre os pobres é nitidamente percebida na forma como os grupos juvenis de bairros pobres dos centros urbanos são tratados pelo Estado, através das mãos da polícia de forma autoritária, racista e violenta. Para Marisa Feffermann (2013, p.58):

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autoritário, racista, excludente e de massacres sistemáticos. Hoje, o “Estado Providência” sucumbe ante o “Estado Punitivo”, cuja a assistência social dá lugar à atuação policial e carcerária.

Diante desse contexto, a autora vai defender que se instaurou no país um “medo social” que tem sido “uma forma de legitimar a violência contra qualquer manifestação que desestabilize o status quo” (FEFFERMANN, 2013, p.58). Considerando a análise realizada por Marilena Chauí (2010), a autora enfatiza que:

Na sociedade brasileira, de cunho extremamente autoritário, as diferenças e assimetrias sociais e pessoais são imediatamente transformadas em desigualdades. Relações que têm como fins a dominação, exploração e opressão. As relações sociais caracterizam-se por dependência, tutela, concessão, autoridade e favor, sendo norteadas pelo paternalismo e clientelismo. Uma sociedade que apresenta imensas desigualdades econômico-sociais e culturais, e exclusões econômico-políticas e econômico-sociais é o autoritarismo que regula todas as relações sociais, a corrupção como forma de funcionamento das instituições, o racismo, o sexismo, as intolerâncias religiosa, sexual e política (CHAUÍ, 2010 apud FEFFERMANN, 2013, p. p.59).

Feffermann (2013) citando Chauí (2010) fala sobre uma “divisão social do medo” em que as classes dominantes têm medo do seu poder e privilégios serem perdidos, já os setores médios receiam a pobreza, o subemprego e a desordem social. E, as classes populares temem “a morte cotidiana, a violência patronal e policial, a queda vertiginosa na marginalidade, na miséria absoluta, a arbitrariedade dos poderes constituídos.” (CHAUÍ, 2010 apud FEFFERMANN, 2013, p.60)

Portanto, devido a todos esses fatores, não é possível falar sobre a população juvenil das cidades sem discutir a sua associação com a problemática urbana, principalmente no quesito violência e exclusão. Sobre isso Feffermann (2013, p. 62) ressalta,

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cidadania se esvai, o discurso do medo e da insegurança invade todos os espaços, impedindo a visualização da realidade. Esses discursos materializam-se, tomam corpo, são vistos como realidades inquestionáveis. Constrói-se a figura do inimigo, protege-se de todas as formas contra ele, não existindo possibilidade de questionar essa verdade, instrumentaliza-se com todos um arsenal para proteção. A indústria do medo fortifica-se com os seguranças particulares e as exigências de um maior reforço da Segurança Pública (...) A indústria cultural encarrega-se de garantir que esse discurso ideológico reverbere em todos os cantos.

Sobre esse aspecto o sociólogo Pierre Bourdieu (2007, p.163) relaciona a segregação espacial a uma “violência simbólica”:

Como o espaço social encontra-se inscrito ao mesmo tempo nas estruturas espaciais e nas estruturas mentais que são, por um lado, o produto da incorporação dessas estruturas, o espaço é um dos lugares onde o poder se afirma e se exerce, e, sem dúvida, sob a forma mais sutil, a da violência simbólica como violência desapercebida: os espaços arquitetônicos, cujas injunções mudas dirigem-se diretamente ao corpo, obtendo dele, com a mesma segurança que a etiqueta das sociedades de corte, a reverência, o respeito que nasce do distanciamento ou, melhor, do estar longe, à distância respeitosa, são, sem dúvida, os componentes mais importantes, em razão de sua invisibilidade (para os próprios analistas, muitas vezes ligados, como os historiadores depois de Schramm, aos sinais mais visíveis do poder simbólico, cetros e coroas), da simbólica do poder e dos efeitos completamente reais do poder simbólico.

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1.3. Abordagens conservadoras de inclusão e formas juvenis de resistência e contestação.

A juventude, ao mesmo tempo que é um reflexo da sociabilidade a qual está inserida, apresenta também posturas de resistência e contestação ao sistema vigente. Todavia, os tipos de resistência e contestação encontrados tende a não serem uniformes, como explica Miriam Abramovay (2012, p. 22):

Considera-se que existe uma cultura juvenil característica desses tempos, que tem como propriedade a valorização do espetáculo, usando como cenário uma espécie de presente eterno. Essa cultura se constrói mais que por simples diferenças geracionais, busca caraterísticas identitárias próprias, elabora críticas difusas aos parâmetros da sociedade quanto ao normal e o interdito, tentando afirmar singularidade em ritmo acelerado. Esses jovens usam expressões artísticas sempre com o norte da crítica, da diferença, mesmo reproduzindo muitos dos parâmetros do mercado da cultura política, insistem, tentam, buscam. Valoriza-se o imagético, a linguagem gráfica, trata-se de letras-corpos que lidam de suas formas com inseguranças várias e faltas de poder na macro-estrutura, territorializando no corpo ou no muro formas de ser e estar no mundo.

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Para adentrar nas especificidades da relação entre os rolezinhos e a cultura do funk ostentação observemos a análise das cientistas sociais Rosa Pinheiro-Machado e Lúcia Mury Scalco em artigo intitulado “Rolezinhos: marcas, consumo e segregação no Brasil”, publicado na revista de estudos culturais da Universidade de SP, a respeito do Funk ostentação descrevem:

Trata-se de uma versão - que se manifesta mais fortemente em São Paulo, mas não apenas lá - que cultua carros, dinheiro e grifes em níveis propositalmente exacerbados, representando a negação do papel previamente definido socialmente que versa sobre a pobreza como destituição, ausência e carência. (...) O funk é um discurso político que ocorre por meio da estética criativa e positivada (ver MIZRAHI, 2011, 2012), forjando, assim, uma contradição profunda: os grupos mais baixos da sociedade apropriando os símbolos maiores de status e de riqueza. Conforme declarou na televisão o rapper Emicida “é um direito nosso cantar a felicidade. A sociedade ostenta, via propaganda, novela; mas quando a favela faz, acha que a favela é que criou o consumismo”.

No entanto, enquanto esses grupos juvenis são seduzidos principalmente através do apelo midiático a consumirem essas mercadorias, pede-se que o façam dentro dos seus territórios, nas comunidades em que residem e que assim não ultrapassem as fronteiras sociais e culturais estabelecidas entre os bairros populares e os bairros elitizados das cidades urbanas. Para o sociólogo Alyson Freire (2014) em matéria para a revista “Carta Potiguar”:

A sedução do consumo que transforma o ato de comprar em condição indispensável para a felicidade e, sobretudo, para a dignidade social produz o desejo irrefreável e cada vez mais generalizado entre as classes sociais de fazer parte desse universo de fantasia e realização. De modo que, os antes economicamente excluídos do consumo de lazer começam a reivindicar o seu quinhão nesse mundo da ostentação e da fruição consumista, pois enxergam nele, tal como as classes estabelecidas, um meio indispensável para alcançar um lugar no mundo, quer dizer, dar sentido a vida. O mercado convoca todos, inclusive os classificados como “indesejáveis”.

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consumidor marginal. O que faz refletir sobre as premissas de exclusão/inclusão colocadas até aqui. Sobre isso, Machado e Scalco (2014) ao referenciarem Foster (2005) vão fazer uso do termo “marketing do amor” para explicarem essas contradições da própria sociabilidade neoliberal:

Esse fenômeno estrutural das periferias globais, nuançado por contextos locais e nacionais, provoca angústia das elites e desespero do setor de marketing das grandes corporações, que hoje precisam responder a um problema que eles mesmos criaram: a produção do sonho e do amor às marcas. Como disse publicamente um CEO da marca Adidas: encontramos o nosso inimigo, somos nós mesmos[2]. Ou como anunciou um dos maiores produtores de pirataria, então preso nos Estados Unidos: Vocês (as marcas) criaram um sonho, agora aguentem[3]. Fica evidente aqui o papel subversivo desses jovens ao desafiarem a racionalidade do marketing e atuarem em um campo não previsto pelos gestores das grandes marcas. O marketing do amor, assim, revela algumas contradições da modernidade: ele é dirigido às elites, mas acaba atingindo as populações mais desprovidas de capitais, as quais, ao se apropriarem do símbolo dos outros, reinventam a sua própria condição de pobreza, ressignificando a carência em abundância. (FOSTER, 2005, apud MACHADO e SCALCO, 2014, p.5).

A este respeito, observa-se a pertinência de se discutir sobre as implicações da categoria exclusão dentro da sociedade capitalista. José de Souza Martins (2008), no livro “A sociedade vista do abismo”, faz uma análise crítica sobre a temática “exclusão” e suas derivações. O autor vai dizer que exclusão é uma das “categorizações imprecisas”, criadas atualmente, com o objetivo de “definir os aspectos mais problemáticos da sociedade contemporânea no Terceiro Mundo”. Ele acrescenta que a partir do termo exclusão passou-se a utilizar o substantivo excluído para identificar determinadas pessoas e relações sociais. Todavia, acredita que essa concepção faz mais sentido para os estudiosos e filantropos que para os ditos excluídos e reflete:

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partidárias oscilam, ao longo do tempo, nessa busca, imprecisa de uma palavra que diga o que os pobres são ao invés de uma busca precisa que diga o que os pobres querem? (MARTINS, 2008, p. 27)

Portanto, Martins (idem) defende que “o discurso sobre exclusão é o discurso dos integrados”, ou seja, daqueles que se mantêm no status quo da lógica capitalista. E que não há um interesse real para entender como as pessoas ditas excluídas se percebem nessas relações sociais e o que desejam.

Além disso, o autor ainda pontua que as categorias: excluído e exclusão apresentam um viés conservador, uma vez que “não tocam nas contradições. Apenas as lamentam.” E, aprofunda:

Os pobres, do mesmo modo que as elites e a classe média, descobriram que na sociedade contemporânea o consumo ostensivo é um meio de afirmação social e de definição de identidade. A identidade na Modernidade é um meio manipulável de realização da pessoa. Cada um é o que parece ser e não o que é “de fato”. Justamente por isso é que falar em “exclusão” social, do ponto de vista analítico, não tem propriamente um significado profundo nem denuncia algo significativo. Parece antes a expressão de uma mentalidade conservadora, ainda mergulhada em valores de um passado não muito distante (...). Uma expressão de conservadorismo porque orientada pela valorização da inclusão no existente, no que permanece, e não no que muda e, sobretudo, no que pode mudar. (idem, p.37)

De fato, ao referisse aos grupos populares como excluídos parte-se do pressuposto que a solução para os seus problemas seja incluí-los no sistema e mais ainda através do mercado. Entretanto, esse raciocínio é conservador na medida que trabalha para a manutenção do status quo, onde os mecanismos de dominação e privilégios permanecem inalterados. Assim, considerando a perspectiva do autor, defender a inclusão social dos grupos juvenis de baixa condição socioeconômica através do consumo, seria aceitar a impossibilidade de construir e forjar eles mesmos novas formas de viver e se relacionar, dando por imutável as estruturas postas na atualidade.

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delinquentes ou degradadas e precárias de participação social. Em relação à primeira, destaca que a “forma do protesto é reveladora dessa ânsia conservadora de inclusão e não de um afã de transformação social e de superação das contradições responsáveis pela marginalização” (MARTINS, 2002, 38). Quanto à segunda forma, envolve aqueles que “(...) recorrem à crescente delinquência, pequena e grande, para integrar-se no mundo do ter e do parecer, também afirmam os valores próprios dessa sociedade e de modo algum se sentem excluídos” (MARTINS, 2002, 39). Nos dois casos, são formas "crescentemente perversas de inclusão" que resultam na degradação das pessoas.

Retomando a discussão sobre resistência e contestação, vejamos o que diz Machado e Scalco (2014, p.06):

Observando o consumo dos jovens da periferia brasileira que se apropriam de símbolos que não foram projetados para eles, nós tendemos a concordar com a posição sintética de Newell (2012) que procura uma posição intermediária entre a subversão de Bhabha e o apelo de ser igual de Ferguson. Há resistência simplesmente pelo fato de que esses jovens negam o papel da pobreza e confundem as fronteiras de classe, ou ao menos, fazem com que essas tenham que ser reinventadas muito rapidamente. Mas há concomitantemente um apelo, bastante conservador, de reprodução das estruturas de poder por meio do desejo de se aliar aos símbolos de poder.

A partir dessa análise, indaga-se se é possível existir contestação das estruturas dominantes nas atitudes desses grupos juvenis, uma vez que os esforços deles têm sido na perspectiva de inserção e não de ruptura, como assinala Feffermann (2013, p.70) ao referir-se à formação das gangues e do tráfico de drogas, mas que pode perfeitamente dizer respeito aos demais grupos juvenis marginalizados,

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refúgios e esconderijos, mas que nele só se pode realizar por meio de ações espetaculares.

Numa sociedade em que a imagem e o aparente sobressaem em detrimento da essência das pessoas, pois a todo momento as relações sociais são atravessadas pelos rituais do consumo, onde os sujeitos são valorizados pelo que possuem, os jovens, ao agruparem-se, vão em busca de identidade, destaque e autonomia (FEFFERMANN, 2013) reivindicando seu espaço, sendo estas algumas das motivações para a existência das gangues juvenis, por exemplo. E porque não, do surgimento de movimentos como os rolezinhos ocorridos entre o final de 2013 e início de 2014 no Brasil.

CAPÍTULO II – JOVENS PINTAS E OS ROLEZINHOS EM NATAL/RN: uma análise das repercussões da mídia que influenciam a formação da opinião pública.

Os rolezinhos surgiram como encontros organizados pela juventude e para a juventude, principalmente, através das redes sociais, com o intuito de diversão, socialização e consumo. Os eventos iniciaram-se na capital paulista e na grande São Paulo, entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014, ocorrendo, principalmente, no interior dos shoppings centers, e posteriormente em parques e praças, concomitantemente.

Os rolezinhos ganharam notoriedade em todo o Brasil após o primeiro evento ocorrido no Shopping Metrô Itaquera (São Paulo), em 07 de dezembro de 2013, com cerca de seis mil jovens participantes. Ressalta-se que nacionalmente a cobertura midiática deu visibilidade aos rolezinhos que ocorriam em São Paulo, porém, simultaneamente estavam ocorrendo em outras capitais brasileiras, entre elas a capital potiguar, conforme abordaremos no próximo subitem.

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Figura 1 - Cronologia dos Rolezinhos em São Paulo

Fonte:

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/conheca-historia-dos-rolezinhos-em-sao-paulo.html.

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Figura 2: Seis mil jovens vão ao Shopping Itaquera (SP)

Fonte:

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/12/seis-mil-jovens-vao-shopping-e-lojas-sao-obrigadas-fechar-mais-cedo.html

A concentração de seis mil jovens nas instalações do Shopping Metrô Itaquera, obviamente alterou a rotina comum do estabelecimento, ainda mais se tratando de um evento que não foi organizado pelo próprio shopping. O que, aparentemente, justifica a medida de acionar a força policial para conter os agitadores e possíveis furtos às lojas. Compreende-se que dificilmente os criadores do evento na rede social facebook possuiriam controle da quantidade de participantes e das atitudes que cada um poderia adotar. Porém a essência do evento era “dar o rolê”, a socialização e ocupar um espaço que lhes atraem.

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2.1. Rolezinhos no Brasil: expressões e significados

Os rolezinhos não surgiram do nada, mas estavam relacionados a uma conjuntura nacional de mobilizações sociais de insatisfação popular, ocorridas em junho de 2013, conhecidas como “Jornadas de junho”, “Movimentos de junho” e/ou “Manifestações dos vinte centavos”. As mobilizações foram impulsionadas pelos protestos nacionais do Movimento Passe Livre - MPL, composto basicamente pela juventude, que reivindicava através do mote do não aumento da tarifa do transporte público, o direito à cidade. De fato, a juventude do MPL não é a mesma que vai ocupar massivamente os shoppings em dezembro, pois o perfil geral da primeira é de jovens universitários organizados em movimentos sociais e partidos políticos, sendo o da segunda de adolescentes, provavelmente secundaristas, considerando a faixa etária, em busca de diversão, consumo e socialização. Mas ambas tinham uma reivindicação em comum: o direito de viver a cidade.

A juventude participante dos rolezinhos em São Paulo e, adianta-se, em Natal (RN), possui características comuns: são jovens em sua maioria negros, provenientes de camadas populares e moradores de comunidades periféricas. A respeito disso, vejamos a análise de Machado e Scalco (2014, p. 02), ainda no artigo “Rolezinhos: marcas, consumo e segregação no Brasil”:

Recentemente, o fenômeno conhecido como rolezinho ganhou ampla visibilidade nacional e internacional. Trata-se de adolescentes das periferias urbanas que se reúnem em grande número para passear, namorar e cantar funk nos shopping centers de suas cidades. O evento causou apreensão nos frequentadores e, consequentemente, fez com que alguns proprietários dos estabelecimentos conseguissem o direito na justiça de proibir a realização dos rolezinhos, barrando o acesso dos jovens. Deste então, emergiu um amplo debate sobre a ferida aberta da segregação racial e social na sociedade brasileira, uma vez que a maioria desses jovens é composta por negros e pobres.

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nos temas de violência social, cidadania e segregação espacial, Teresa Caldeira (2014, p.13) em artigo intitulado “Qual a novidade dos rolezinhos?”, ressalta:

Desde os primórdios das cidades modernas, circular por circular, andar em grupos (sobretudo de homens jovens), dar uma volta, ou dar um rolê, são atividades que acabam sendo escrutinadas e, no limite, criminalizadas, a não ser que os protagonistas (em geral homens) pertençam a grupos privilegiados. O maior esforço das polícias nas cidades industriais nascentes era controlar as “desordens”, os crimes sem vítimas, principalmente a vadiagem [2]. Desde então, circular por circular, simplesmente desfrutar o espaço público das cidades em grupos, são práticas que geram apreensão e atraem a presença da polícia. Causam desordem. Não é de estranhar, portanto, que rolezinhos, esses encontros de grande número de jovens em shopping centers simplesmente para curtir e se divertir, venham gerando tanta ansiedade e repressão em São Paulo e pelo Brasil afora.

O incômodo tanto das elites como dos setores médios na circulação dos moradores das periferias pelo espaço público também é apontado por Machado e Scalco (2014, p.11):

A marginalidade tem assumido múltiplas faces na história do Brasil, mas há algo de estrutural: ela é vista como algo fora do lugar, uma massa de vagabundos. Nos anos 1970, Durham (1987) e Oliveira (2003), já mostravam que, na história do país, criou-se a imagem de um Brasil moderno e desenvolvido, e de um outro, arcaico e subdesenvolvido. É possível ainda acrescentar: um, branco e de elite, outro, negro nas periferias. Esses "dois Brasis" não se tocam, mas, quando isso acontece, o primeiro lado usa de suas armas mais poderosas: a força policial.

Tanto Machado e Scalco quanto Caldeira enfatizam a postura repressiva e higienista adotada pelas elites e pelo Estado no trato com as classes populares no que se consolidou, ao longo da história do Brasil, numa tentativa de restringir a circulação desses sujeitos ao espaço onde habitam, com a criação de muros invisíveis que cristalizam a segregação social e racial, criando um legado de marginalização para a população negra e oriunda dos bairros populares.

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Fazer uma genealogia dos rolezinhos significa retraçar as conexões entre um desejo crescente de jovens das periferias de circular pela cidade, a proliferação de várias formas de produção cultural — como o rap, o grafite, a pixação, o break e, mais recentemente, o funk — e modos alternativos de mobilidade, como o parkour, o skate e o motociclismo, todos com raízes fortes nas periferias urbanas [4]. Enquanto o resto da cidade se fechava atrás de muros a partir dos anos 1980 e sobretudo nos anos 1990, os jovens das periferias não apenas fizeram da circulação uma forma de lazer associada a diversas produções culturais como, sobretudo, transformaram sua experiência de viver nas periferias em diversas formas de produção cultural e de intervenção no espaço urbano. (CALDEIRA, 2014, p.14)

As expressões culturais destacadas pela autora, principalmente o rap, o grafite e a pixação têm como característica comum a contestação social:

Os artistas envolvidos nesses gêneros culturais situam‑se nas periferias urbanas e expõem suas precariedades, a violência cotidiana, a constante repressão policial, o racismo do dia a dia. Eles articulam uma voz poderosa e complexa que simultaneamente afirma seu pertencimento a esse universo sempre descrito em termos distópicos como um espaço de precariedade e desespero e tenta transformar o que é pejorativo e ofensivo em fonte de dignidade (...). Não é de se estranhar que agressividade e um claro antagonismo de classe e de raça sejam marcas dessa produção. (CALDEIRA, 2014; p.14-15)

A partir dessa análise a autora defende que o ato de circular e ocupar os espaços públicos e semipúblicos (ex.: shopping center) é também para esses jovens “experimentação, transgressão, prazer e risco” (CALDEIRA, 2014; p. 15). No entanto, a provável novidade dos rolezinhos que os diferencia dessas outras formas de expressões culturais têm sido sua proximidade com o funk ostentação, estilo musical que, diferentemente do rap, tem reproduzido um ideal de consumo como um fim em si mesmo, o que tem relacionado intrinsicamente os rolezinhos ao consumo. Caldeira (2014, p.17) vai ser bastante certeira ao pontuar que:

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gerado pela ameaça de rolezinhos nos shoppings de elite, é significativo que a maioria tenha ocorrido nos shoppings das periferias. Há vinte anos, esses shoppings não existiam. Agora, estão por toda parte e talvez sejam a melhor prova da expansão do consumo de massas que ocorreu nas últimas duas décadas. Muitas de suas lojas são as mesmas que se encontram em shoppings em áreas mais ricas da cidade. Seus frequentadores são moradores das periferias, famílias, crianças, adultos e, e claro, jovens, para os quais os shoppings são um espaço fundamental de lazer. São também de todas as raças. Embora não haja dúvidas de que o racismo continue enraizado na sociedade brasileira, também não há dúvidas de que a situação social dos afrodescendentes tem mudado e que eles igualmente fazem parte da circulação e do consumo ampliado que vem transformando o cotidiano dos moradores das periferias.

Entretanto, a expansão do consumo de massas não significa democratização dos espaços, inclusive dos próprios estabelecimentos de consumo. Como bem trata Machado e Scalco (2014, p.10-11):

Um dos pontos altos da midiatização dos rolezinhos foi a sua capacidade de trazer à tona o debate da segregação social e espacial e da desigualdade, especialmente a partir do momento em que o critério para barrar a entrada de jovens nos shoppings centers passou a ser completamente aleatório, calcando-se na classe e na cor. A força policial foi usada para que se cumprisse a ordem judicial de proibição dos rolezinhos e isso foi amplamente legitimado pela população (...). Em suma, os negros da periferia estavam sendo uma vez mais vítimas de um apartheid velado a la brasileira (nesse caso, nem tão velado assim).

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mobilização desses jovens, principalmente pelas redes sociais, gera-se incômodo por parte daqueles preocupados em manter a ordem e com isso manter também os muros imaginários que separam os detentores de prestigio social, os tão mencionados midiaticamente de cidadãos de bem, daqueles ditos como diferentes, inferiores cultural e socialmente.

2.2. Rolezinhos em Natal/RN: os jovens pintas nos templos do consumo.

Em São Paulo os participantes dos rolezinhos são jovens ligados à cultura do funk ostentação. Já na cidade do Natal, Rio Grande do Norte, a juventude rolezeira, apesar de não está ligada diretamente ao funk, também comunga dos símbolos de ostentação e é identificada, pela população natalense, pela alcunha de pintas.

Ao tratar nesse tópico sobre os jovens pintas não se tem a pretensão de apresentar um estudo sociológico de profundidade sobre esse grupo social, devido as limitações da literatura existente e da própria pesquisa. As fontes encontradas até o momento da conclusão desse trabalho se limitam a matérias de jornais e revistas da mídia eletrônica local, bem como artigos acadêmicos com conceitos introdutórios. No artigo “#Rolezinhos: análise de redes sociais e construção de sentidos no discurso dos tuiteiros acerca do #ProtestodosPintas em Natal (RN)”, Coelho e Lemos (2015, p.163,no rodapé) conceituam:

São conhecidos como “pintas” em Natal os jovens negros de periferia, normalmente reconhecidos por um ethos que inclui uma vestimenta característica, gosto musical, adereços e modos de andar e dançar, correspondendo ao que, em outras cidades brasileiras, como maloqueiros (em São Paulo), ou pirangueiros (em fortaleza), entre outros. O termo surgiu na cena natalense como caracterização do jovem descolado nos anos de 1970.

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identificável – bermuda de praia, camiseta folgada, boné – é perfeitamente adaptada ao clima de uma cidade quente e praieira” E mais à frente pontua:

O Pinta é essencialmente um antiplayboy. Arrisco-me a dizer que o Pinta é uma invenção playboyniana para caracterizar tudo aquilo que ele renega e exclui. Não era raro encontrar, no final da década de 90 e início do nosso século, playboys que iam para o Vila Folia, ou qualquer outro local da moda, apenas para “quebrar os pinta”. Ainda sobre o conceito dessa expressão, no artigo “Imaginários de uma outra diáspora: consumo, urbanidade e acontecimentos pós-periféricos”, Rocha et al (2014, p. 7) infere que:

Para os natalenses, o termo ‘pinta’ é familiar; designa jovens que fogem ao modo de vestir usual daqueles com padrão de consumo médio alto. Em geral, quem se veste assim mora em bairros periféricos, na zona norte da cidade, estudou em escolas públicas ou comunitárias ou ainda é universitário com postura política afirmativa em favor da justiça social.

Dessa forma, o termo pinta faz parte do imaginário social potiguar e principalmente dos natalenses e apresenta uma conotação pejorativa, utilizada para designar grupos de adolescentes e/ou jovens, em sua maioria do sexo masculino, negros e moradores de áreas periféricas, que costumam ostentar através de roupas e acessórios de marcas caras e o domínio de gírias próprias, destoando dos demais pelo jeito peculiar de vestir-se e comportar-se. Sendo comum a palavra pinta ser usada como sinônimo para maconheiro, pivete, trombadinha, malandro, vagabundo, entre outras denominações de cunho discriminatório.

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A atitude do Midway é mais um dos mecanismos para assegurar a exclusão urbana dos mais pobres, privando-os da sociabilidade, do interagir e do fruir que os shoppings centers proporcionam. Ora, e a maneira de garantir tal objetivo é apelar aos estereótipos generalizadores que criminalizam os jovens de periferia, suas roupas, seu andar, seu vocabulário, seu corpo, sua estética e ethos. E, assim, garantir que eles continuem a estar onde devem estar, quer dizer, longe das “boas famílias” e dos jovens asseados que deslizam candidamente sobre o piso reluzente dos largos corredores das catedrais do consumo moderno, os shoppings. Que continuem como párias do consumo, mesmo que para isso se tenha que lesar e impedir sua cidadania. Aliás, situações como a que estamos a assistir no Midway Mall mostram como a cidadania, o direito a ter direitos e exercê-los sem impedimentos não é uma condição adquirida ou garantida de uma vez por todas e para todos, mas um “processo instituído” tenso e desigual, que precisa ser continuamente conquistado e reassegurado. Nesse sentido, é imprescindível os protestos e a crítica social2.

Ressalta-se que apesar dos rolezinhos não serem mais temática nos meios midiáticos desde 2014, eles continuam ocorrendo, em menor proporção nos shoppings de Natal, não somente no Shopping Midway Mall, localizado na zonal leste, como no Norte Shopping, situado na zona norte da cidade. Os encontros acontecem, via de regra, nos finais de semana e nesses dias a segurança costuma ser reforçada nas entradas desses estabelecimentos comerciais. Onde, a juventude rolezeira é barrada sob a alegação de serem menores de idade, sendo necessário estarem acompanhados de um adulto responsável, por exemplo.

No entanto, o argumento da necessidade de um adulto responsável é infundado, visto que adolescentes que estejam dentro do padrão de comportamento e vestimenta adequados ao pré-estabelecido como socialmente aceito, têm livre acesso aos estabelecimentos. Porém, quando pintas são autorizados a entrarem nos shoppings, estes têm os seus passos vigiados pela equipe de segurança desses locais.

Os pintas natalenses são consumidores não só dos produtos, mas da lógica de ostentação e representação social agregadas a esses bens, assim como a

2 Midway Mall, os pintas e a criminalização da periferia. Publicado em 17 de dezembro de 2013

na Revista eletrônica Carta Potiguar. Disponível em:

<

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juventude funkeira do sudeste. Contudo, esses jovens são os consumidores marginais, que não são bem-vindos aos templos do consumo. Lugares em que até se tolera as famílias de camadas populares, desde que saibam “comportar-se”, tendo consciência de quais ambientes lhes são reservados, quais lojas podem adentrar, quais pisos do shopping lhes são destinados. Enfim, desde que saibam qual é o seu lugar. Sobre isso, Caldeira (2014, p. 18) afirma que:

A expansão do consumo desestabiliza um dos modos mais arraigados de construir hierarquias sociais: o julgamento fácil pelas aparências. O consumo cria certa homogeneidade que mina possibilidades de distinção. Os shoppings que chamam a polícia para correr atrás de jovens são os mesmos que precisam atraí‑los como consumidores. Como distinguir a classe de um cidadão da de outro quando vestem produtos semelhantes? O solapamento dos meios fáceis e corriqueiros de estabelecer hierarquias e separações está na base da irritação que muitos exibem em relação a presença dos jovens das periferias nos espaços públicos (ou semipúblicos, como os shoppings) das cidades.

Nessa relação contraditória, se convoca as camadas populares para consumir e ao mesmo tempo cria-se mecanismos para manutenção da segregação socioespacial e racial através dos aparatos de poder do Estado e das classes hegemônicas, sendo os principais: a polícia, detentora do uso legitimo da força para repressão e criminalização e os meios convencionais de comunicação (televisão, rádio, jornal, etc) responsáveis por disseminar a ideologia dominante para toda a população. Sobre isso, Miriam Abromavay (2010, p. 46) pontua:

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misérias sociais presentes no mundo. No que se refere às distinções espaciais, o autor reflete:

O bairro chique, como um clube baseado na exclusão ativa de pessoas indesejáveis, consagra simbolicamente cada um de seus habitantes, permitindo-lhe participar do capital acumulado pelo conjunto dos residentes: ao contrário, o bairro estigmatizado degrada simbolicamente os que o habitam, e que, em troca, o degradam simbolicamente, porquanto, estando privados de todos os trunfos necessários para participar dos diferentes jogos sociais, eles não têm em comum senão sua comum excomunhão.

A distinção espacial mantida por uma sociedade baseada num sistema que se sustenta das desigualdades sociais é uma barreira complexa de ser ultrapassada, assim a circulação desses jovens nos espaços em que historicamente suas famílias têm sido impedidas de experienciarem livremente é sem dúvida uma forma de resistência e de contestação desses aparelhos ideológicos e repressivos de poder. Entretanto, compreende-se a impossibilidade de superação dessa distinção por meio, meramente, do consumo, visto que as estruturas ainda se mantêm desiguais e hierarquizadas. Para Bourdieu (2007, p. 160):

Não há espaço, em uma sociedade hierarquizada, que não seja hierarquizado e que não exprima as hierarquias e as distâncias sociais, sob uma forma (mais ou menos) deformada e, sobretudo, dissimulada pelo efeito de naturalização que a inscrição durável das realidades sociais no mundo natural acarreta: diferenças produzidas pela lógica histórica podem, assim, parecer surgidas da natureza das coisas (basta pensar na idéia de "fronteira natural"). É o caso, por exemplo, de todas as projeções espaciais da diferença social entre os sexos (na igreja, na escola, nos lugares públicos e até em casa).

Referências

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