OCRATOXINA A NOS VINHOS: ESTADO DOS CONHECIMENTOS Jacques Rousseau – Responsável pelo Departamento de Viticultura do ICV Institute Cooperatif du Vin - La Jasse Maurin – 34970 Lattes – France
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AS MICOTOXINAS E O VINHO
As toxinas produzidas pelos fungos
Certos fungos podem estar na origem de toxinas. Estas micotoxinas são metabolitos secundários, produzidos muitas vezes em pequenas quantidades, tóxicas para o homem e susceptíveis de contaminar numerosos bens alimentares.
Os fungos encontram-se quer no solo, quer nos vegetais, quer nos locais de armazenamento.
Muitos fungos podem desenvolver-se na uva. Além da Botrytis cinerea, responsável pela podridão cinzenta, encontram-se igualmente espécies dos géneros Alternaria, Clasdosporium, Fusarium, Aspergillus, e Penicillium.
Em meados dos anos 90 foi evidenciada a presença de uma micotoxina, a Ocratoxina A, nos vinhos, nos sumos de uva e nas uvas secas. Análises realizadas na Dinamarca e na Finlândia em 1997 e 1998 revelaram que o vinho poderia conter teores significativos desta micotoxina.
A Ocratoxina A contamina igualmente os cereais, a cerveja, o café e o cacau.
Desde então numerosos trabalhos, entre os quais os do ICV, permitiram melhor compreender a sua importância, os factores do seu desenvolvimento e as possibilidades da sua prevenção.
Ocratoxina A: uma micotoxina presente nos vinhos O Aspergillus carbonarius na origem da Ocratoxina A
A Ocratoxina A é sintetizada por espécies dos géneros Aspergillus e Penicillium
As primeiras observações haviam mostrado que os Aspergillus estavam mais espalhados nas vinhas meridionais e os Penicillium nas vinhas setentrionais.
Trabalhos recentes permitiram identificar os principais fungos produtores de Ocratoxina A nas uvas: trata-se de Aspergillus carbonarius, que é, claramente, a espécie cujo poder de síntese desta toxina é o mais elevado, e de Aspergillus niger, cuja actividade é mais fraca.
Na uva seca, encontra-se o Aspergillus ochraceus e Aspergillus foetidus.
Em 2001, foram colhidas amostras na altura do fecho, do pintor e da colheita, num total de 373 cachos, das castas Carignan, Syrah, Sauvignon e Muscat. A frequência do aparecimento de fungos aumenta com o desenvolvimento da uva. Entre estes fungos, cerca de 10% produzem Ocratoxina A na altura do pintor e 47% na altura da maturação.
Os fungos identificados como produtores de Ocratoxina A eram, em 96% dos casos, do género Aspergillus (sendo que 95% de A. carbonarius e 1% de A. niger) e 4% do género Penicellium.
Figura 1: Evolução das populações de fungos ao longo do desenvolvimento da uva (CNRS- INPT-UPS).
0 50 100 150 200 250 300
Fermeture grappe Véraison Maturité
Nombre de souches identifiées
Champignons producteurs d'OTA
Fonte: Unidade de investigação sobre Metabolitos Bioactivos
UMR 5503 CNRS - INPT - Universidade Paul Sabatier - TOULOUSE
Os Aspergillus colonizam a uva muito cedo, muitas vezes antes do pintor (véraison). Estes fungos são incapazes de perfurar a película e não podem penetrar o interior do bago, a não ser através de roturas peliculares neles existentes (rebentamento do bago, choques, perfurações pelos insectos). Uma vez em contacto com a polpa ou o sumo da uva, eles podem produzir Ocratoxina A.
O desenvolvimento destes fungos é possível com níveis de humidade do ar compreendidos entre 72 e 90% e temperaturas de 12 a 39º C (sendo a temperatura óptima de 28ºC).
Figura 2: 2 fotografias de Brihi
Desenvolvimento de Aspergillus carbonarius em caixa de Pétri (fotografias INPT-
Ascosporos de Aspergillus carbonarius (fotografias INPT-ENSAT)
Uma molécula estável
A Ocratoxina A (OTA) é uma molécula que associa, na sua estrutura, um aminoácido (a fenil-alanina) à cumarina . Ela é suficientemente estável no tempo e ao calor. Ela pode degradar-se em OTB (derivado não clórico), em OTC (éster etílico da OTA), ou em OTα.
Figura 3: Fórmula química da Ocratoxina A
Tóxica para o homem
A Ocratoxina A é uma substância nefrotóxica que provoca alterações irreversíveis nos rins. Esta substância é tida como cancerígena (classe 2B) pelo Centro Internacional de Investigação contra o Cancro e tem, provavelmente, efeitos imunodepressivos e neurotóxicos.
A Dose Diária Tolerável é muito fraca. Segundo peritos, esta varia entre 0,3 e 0,89 µg por dia para uma pessoa de 60 Kg.
à toxicidade aguda varia em função dos indivíduos ou dos sexos entre 12 a 3.000 mg para uma pessoa de 60 Kg.
Os cereais representam a principal fonte de contaminação em Ocratoxina A para o homem (contribuindo para 45 a 50% do consumo habitual). O vinho é o segundo contribuidor mais importante, com 12 a 20% do total ingerido.
A bacia mediterrânica, particularmente atingida Repartição do risco nos vinhos
A ONIVins realizou dois inquéritos para avaliar a importância da Ocratoxina A nos vinhos franceses. Um em 1998, envolvendo 265 vinhos, e outro em 2001, envolvendo 982 vinhos.
Destes estudos ressalta que:
- 75% dos vinhos não apresenta Ocratoxina A e 17% um teor inferior a 0,5 µg/l - A Ocratoxina A está presente em todos os tipos de vinhos: DOC, vinhos
regionais, vinhos de mesa, vinhos tintos, vinhos brancos, vinhos rosés e vinhos adamados.
- Há geralmente mais Ocratoxina A nos vinhos tintos que nos vinhos brancos e rosés.
- É em região mediterrânica que são encontrados a maioria dos vinhos com teores elevados em Ocratoxina A.
As análises realizadas na Europa desde 1996, permitiram encontrar até 10 µg/l de Ocratoxina A em certos vinhos, sumo de uva ou vinhos adamados.
Todas as campanhas de medição realizadas desde 1999 demonstram que os vinhos mediterrânicos estão mais expostos à Ocratoxina A que aqueles de outras regiões.
No entanto, as regiões vitivinícolas são atingidas diferenciadamente, como o demonstram as análises realizadas com mostos destinados á produção de sumo de uva pela Société Foulon-Sopagly: o risco é médio na Provence, em Veneto ou em La Mancha (figura 4). A Ocratoxina A é igualmente assinalada em outros países produtores (Austrália, África do Sul, ...).
Figura 4 – As vinhas mediterrânicas estão mais expostas à Ocratoxina A, apesar de uma certa variabilidade (dados Sopagly-Foulon)
As limitações comerciais e, em breve, os limites regulamentares.
A regulamentação europeia não fixa, por enquanto, limites máximos de teor em Ocratoxina A nos vinhos e nas uvas. Em 2001, uma directiva europeia fixou normas para os cereais (5 µg/l), os produtos derivados de cereais (3 µg/l) e as uvas secas (10 µg/l). O limite máximo autorizado para o vinho deveria ter sido fixado até 31 de Dezembro de 2003. O OIV propôs, em Junho de 2002, elaborar, em 2005, um relatório sobre a fixação deste limite e evoca o valor de 2 µg/l. Os representantes do sector da comercialização de vinho e da produção propuseram uma norma de valor de 3 µg/l na União Europeia.
Apesar da ausência provisória de regulamentação, um número crescente de países ou de compradores efectuam controlos ao teor dos vinhos em Ocratoxina A e impõem os seus próprios limites (por vezes 0,5 µg/l).