O espectro de corpo
negro e a cat´ astrofe do ultra-violeta
Marcelo Pires, Universidade Federal do ABC
Ot´ermica ´que ´e a radia¸e a emiss˜ao de ondas eletromagn´c˜ao t´ermica? A radia¸eticasc˜ao por um corpo como resultado da agita¸c˜ao t´ermica dos ´atomos que comp˜oe o corpo a uma tem- perature finita. Para uma temperature diferente de zero, todos os corpos emitem tal radia¸c˜ao ao seu re- dor e tamb´em absorve a radia¸c˜ao que esteja em volta dele. N˜ao vemos os objetos irradiarem pois, em geral, muitas das radia¸c˜oes s˜ao emitidas com frequˆencias fora do intervalo de frequˆencias do vis´ıvel. Como exemplo, a radia¸c˜ao das paredes da sala est˜ao na faixa do infra-vermelho.
Todos os corpos emitem um espectro cont´ınuo de radia¸c˜ao praticamente independente da composi¸c˜ao do corpo e fortemente dependente da temperatura do corpo.
Quando uma radia¸c˜ao atinge um corpo qualquer, parte dessa radia¸c˜ao ´e absorvida pelo corpo e parte
´e refletida por ele. Um corpo que absorve toda a radia¸c˜ao que seja incidida nele chamamos decorpo negro. Independente de sua composi¸c˜ao, todo o
corpo negro a uma determinada temperatura, emite um mesmo espectro de radia¸c˜ao t´ermica. Como exemplos de corpos negros podemos citar: um objeto pequeno pintado de cor preta ou uma cavidade com uma abertura umito pequena de tal forma que a radia¸c˜ao que adentra a cavidade n˜ao sai.
Para obter o espectro de radia¸c˜ao de um corpo negro, definimos a radiˆancia espectral, R(ν, T).
O significado f´ısico da radiˆancia ´e dado pelo valor R(ν, T)dν. Essa fun¸c˜ao ´e a energia por unidade de tempo (a potˆencia irradiada) emitida pelo corpo num intervalo de frequˆencia, [ν, ν+dν], por unidade de
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area da superf´ıcie do corpo na temperatura T. Na figura abaixo, mostra a primeira medida da radia¸c˜ao espectral feita por Lummer e Pringsheim em 1899.
Assim, a energia total emitida por unidade de tempo e por unidade de ´area ´e definida como radiˆancia total,RT(T),
RT(T) = Z ∞
0
R(ν, T)dν.
Um corpo real n˜ao tem essa propriedade, parte da radia¸c˜ao absorvida pelo corpo se perde mesmo ele estando em equil´ıbrio t´ermico. Chamamos de emissividade, , a raz˜ao entre a radiˆancia emitida pela radiˆancia incidida no corpo. Em geral a emis- sividade depende da frequˆencia. No corpo negro esse parˆametro ´e igual `a 1.
Em 1879, Stefan mostrou, empiricamente que a radiˆancia total de um corpo negro dependia da tem- peratura a quarta potˆencia,
RT(T) =σT4.
onde σ = 5,67×10−8W/s.m2K4, ´e uma constante universal chamada de constante de Stefan-Boltzman.
Na Austria, Wien observou, empiricamente, a lei de deslocamento do ponto m´aximo da radiancia es- pectral em fun¸c˜ao da temperatura,
νmax ∝T.
Assim, n˜ao ´e somente a quantidade de radia¸c˜ao t´ermica que ir´a crescer com a temperatura, mas tamb´em a cor de um corpo incandescente mudar´a do vermelho para o branco azulado. Hoje sabemos da constante de proporcionalidade de lei de Wien, portanto podemos escrevˆe-la como:
λmaxT = 2,898×10−3mK, ondeλ´e o comprimento da radia¸c˜ao.
Com o uso da lei de Wien, podemos estimar a temperatura das estrelas.
Wien propˆos, tamb´em, uma f´ormula que ajus- tasse os dados de Lummer and Pringsheim. Em sua f´ormula emp´ırica,
RT(λ) = b·λ−5 ea/λT −1,
ondeaebs˜ao parˆametros fenomenol´ogicos n˜ao tendo conex˜ao alguma com a teoria microsc´opica.
Teoria cl ´assica da radiac¸ ˜ao de cavidade
Para obter uma descri¸c˜ao microsc´opica da radia¸c˜ao de corpo negro, faremos um programa que envolve o conhecimento de trˆes ´areas do conhecimento:
1. Teoria eletromagn´etica: faremos o uso das on- das eletromagn´eticas obtidas te´oricamente por Maxwell e experimentalmente por Hertz.
2. C´alculo diferencial: o conhecimento de coor- denadas esf´ericas e parˆametros correlacionados como o elemento de volume ou o elemento de superf´ıcie j´a era conhecido na ´epoca.
3. Teorema da equiparti¸c˜ao de energia: na ´epoca onde essa demonstra¸c˜ao foi desenvolvida, os cientistas estavam encantados com o valor da contribui¸c˜ao da termodinˆamica e mecˆanica es- tat´ıstica proposta por Boltzmann, Gibbs e Maxwell.
Assim, para iniciar uma tentativa de descrever a radia¸c˜ao de corpo negro por fenˆomenos microsc´opicos, supomos a cavidade como sendo um exemplo de corpo negro e calculamos, usando a f´ısica cl´assica, a densidade de energiaρT(ν) dentro da cavidade. Essa quantidade ´e definida como a energia contida numa unidade de volume da cavidade a uma tempratera T num intervalo de frequˆencia [ν, ν+dν], e tem uma rela¸c˜ao com a radiˆancia espectral dada por:
RT(ν) = c 4ρT(ν),
onde c= 3×108m/s ´e a velocidade de propaga¸c˜ao da luz no v´acuo.
Lembrando que a luz ´e, classicamente, uma onda eletromagn´etica propagando no v´acuo de acordo com a equa¸c˜ao de onda para os seus campos el´etricos e magn´eticos:
(∂2E~
∂t2 =c∇2E~
∂2B~
∂t2 =c∇2B~ , (1)
onde E~ ´e o campo el´etrico eB~ ´e o campo magn´etico.
A forma mais simples para essas ondas ´e a forma harmˆonica. Para a propaga¸c˜ao na dire¸c˜aoz, a solu¸c˜ao da equa¸c˜ao de onda ´e dada por:
(E(~~ r, t) =E0cos(2πx/λ±2πνt)ˆx
B~(~r, t) =B0cos(2πx/λ±2πνt)ˆy . (2)
Na cavidade, as paredes s˜ao consideradas reflec- tores perfeitos, ou seja, s˜ao constituidos de metal onde os el´etrons livres se movimentam na presen¸ca de qualquer campo de maneira tal a produzir um campo contr´ario anulando quaisquer campos na superf´ıcie.
Com o objetivo de facilitar o entendimento e sem perder a generalidade do assunto, vamos considerar uma cavidade c´ubica de lado a.
Na dire¸c˜ao x, dentro da cavidade podemos ter uma onda eletromagn´etica especial. Como essa onda tem que satisfazer as condi¸c˜oes de contorno,E(x~ = 0, t) = E(x~ = a, t = 0), temos como solu¸c˜ao uma onda estacion´aria,
E(x, t) =~ E0sin(2πx/λ) sin(2πνt)ˆz, (3) onde λ = 2a/n e ν = nc/2a com n = 1,2, . . . o
´ındice dos modos poss´ıveis da onda eletromagn´etica dentro da cavidade.
Dado um intervalo de frequˆencia, [ν, ν+dν], ´e f´acil verificar que a densidade de modos, ´e dada por:
N(ν)dν= 2adν c ,
onde consideramos que h´a duas polariza¸c˜oes poss´ıveis para uma mesma dire¸c˜ao. Analisando a quest˜ao em trˆes dimens˜oes, podemos determinar a densidade de estados contido numa casca esf´erica do espa¸co de frequˆencia que representa um intervalo de raio, [ν, ν+dν].
Nesse espa¸co, vemos que a densidade de modos ´e:
N(ν)dν = 4ν2dν c3 a3.
Para proceder com o programa proposto de de- scri¸c˜ao microsc´opica da radia¸c˜ao emitida pelo corpo negro, ´e necess´ario contabilizar a energia de cada modo de vibra¸c˜ao dentro da cavidade. Esse modo de vibra¸c˜ao ´e gerado pela movimenta¸c˜ao t´ermica das part´ıculas que comp˜oes a cavidade. Uma deter- mina¸c˜ao cl´assica dessa energia e sua rela¸c˜ao com a temperatura pode ser fornecida pela teoria cin´etica dos gases aplicado a essas part´ıculas.
Sabemos da f´ısica estat´ıstica que o movimento ca´otico das part´ıculas constituintes de um g´as a temperatura T, tem como distribui¸c˜ao de energia a rela¸c˜ao de Maxwell-Boltzmann,
p(E) =const.e−E/kBT,
onde E ´e a energia da part´ıcula, kB = 1,38× 10−23m2kg/s2K ´e a constante de Boltzmann.
Um color´ario importante da lei de Mazwell- Boltzmann diz respeito aos graus de liberdade do sis- tema. Conhecido como teorema da equiparti¸c˜ao da energia, temos que: Em um sistema em equil´ıbrio termodinˆamico, a m´edia da energia corre- pondendo a cada grau de liberdade ´ekBT /2. Como as part´ıculas que produzem a radia¸c˜ao est˜ao confi- nadas de tal modo que tem seu movimento limitado a um movimento harmˆonico, e sabendo que esse movimento harmˆonico ´e conduzido por 2 graus de liberdade (1 referente `a dire¸c˜ao espacial e 1 referente
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a velocidade), temos que a energia m´edia necess´aria para produzir uma radia¸c˜ao de frequˆenciaν dentro da cavidade ´e,
E=kBT.
Conhecido a densidade de estados no intervalo de frequˆencia [ν, ν+dν], e a rela¸c˜ao da temperatura do corpo negro e energia m´edia, temos que a radiˆancia
´
e dada por:
RT(ν)dν = 4ν
c kBT dν,
ou seja,
RT(λ)dλ= 8π
λ4kBT dν.
Essa express˜ao ´e conhecida como f´ormula de Rayleigh- Jeans. Ela, de fato, n˜ao descreve a radiˆancia espectral obtida no laborat´orio pois essa f´ormula apresenta um comportamento divergente para quando o com- primento de onda for pequeno. Esse fato ´e conhecido como a cat´astrofe do ultra-violeta da teoria cl´assica.
Al´em do mais, n˜ao ´e poss´ıvel determinar a radiˆancia total do corpo negro, muito menos obter uma rela¸c˜ao entre essa radiˆancia total e a temperatura do corpo.
Havia, na ´epoca, uma suspeita de que a teoria de Maxwell n˜a ofuncionava para comprimentos de onda curtos. Mas os defensores dessa descri¸c˜ao estavam equivocados.
Teoria qu ˆantica da radiac¸ ˜ao de corpo negro
Em 1900, Max Planck assumiu que os modos de radia¸c˜ao dentro da cavidade consistiam de pacotes discretos com energia sendo,
E=nhν=n~ω, ~= h 2π,
onde h = 6,62 ×10−34m2kg/s ´e a constante de Planck.
Dessa forma, n˜ao haveria, dentro da cavidade uma radia¸c˜ao cuja energia fosse 0,25hν. A radia¸c˜ao teria valores discretos de energia. A probabilidade de encontrar a radia¸c˜ao com energia quantizadaE para um corpo negro na temperaturaT obedece a lei de Maxwell-Boltzmann e ´e dado por:
p(E) =const.e−nhν/kBT.
Como esperamos que a soma de todas a poss´ıveis situa¸c˜oes seja igual `a 1,P∞
n=1p(E) = 1, temos,
p(E) = e−nhν/kBT P∞
n=1e−nhν/kBT,
e com isso o valor m´edio da energia ´e dado por:
E¯ = P∞
n=1nhνe−nhν/kBT P∞
n=1e−nhν/kBT .
A express˜ao para a m´edia da energia pode ser reescrita como,
E¯ = hν e−hν/kBT −1,
e, dessa forma, temos a radiˆancia espectral como, RT(ν) = 4ν2
c3
hν e−hν/kBT −1, correspondendo a f´ormula de Wien.
Um dos resultados mais precisos da f´ısica, essa dis- tribui¸c˜ao pode ser confrontada com os dados experi- mentais do COBE. (Cosmic Background Explorer).1. Esse experimento capta, via sat´elite, a radia¸c˜ao c´osmica de fundo. Segundo a teoria do BigBang, houve uma ´epoca em que havia um plasma que con- stituia todo o Universo. A medida que o Universo se expandiu, esse plasma foi esfriando. Em nossa ´epoca
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e poss´ıvel captar esses f´otons observando a radia¸c˜ao de micro-ondas do espa¸co vazio. Essa radia¸c˜ao es- pectral apresenta uma caracter´ıstica de ser um corpo negro cuja temperatura seja de 2,7K. Os dados ex- perimentais obtidos pelo COBE ajusta perfeitamente a distribui¸c˜ao proposta por Planck.
Integrando a radiˆancia espectral em todas as frequˆencias, vemos um comportamento de T4 da radiˆancia total,
RT = kB4π2 15~3c3T4,
Exerc´ıcios
1. Obtenha os parˆametros a e b da f´ormula de Wien em termos da constante de Planck e de Boltzmann e a velocidade da luz.
1O Cosmic Background Explorer (COBE ou Explorador do Fundo C´osmico), tamb´em chamado de Explorer 66, foi o primeiro sat´elite constru´ıdo dedicado `a cosmologia. Seu objetivo era investigar a radia¸c˜ao c´osmica de fundo do universo e fornecer medidas que pudessem ajudar na com- preens˜ao do cosmos. Foi lan¸cado em 1989.
A radia¸c˜ao c´osmica de fundo ´e um ru´ıdo cosmol´ogico que pode ser compreendido como um ”f´ossil” de uma
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epoca em que o universo era muito novo. Ele ´e prove- niente da separa¸c˜ao da intera¸c˜ao entre a radia¸c˜ao e mat´eria (´epoca chamada de recombina¸c˜ao). Nenhum dado cosm´ologico registra informa¸c˜oes de um estado t˜ao novo do universo, sendo assim, fica claro a importˆancia dos dados obtidos pelo COBE. Transcrito do wikipedia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/COBE
2. A superf´ıcie do Sol pode ser aproximada como a de um corpo negro na temperatura TS, e o Sol a uma esfera de raio RS. Em um lugar da superf´ıcie da Terra, cuja a vertical forma um ˆanguloθ com a dire¸c˜ao em que se observa a esfera sol´ıstica, ´e considerada uma pequena
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areaσ. Seja da distˆancia Terra-Sol. Obtenha express˜oes aproximadas para:
a) as quantidadades de energia de radia¸c˜ao solardE e E que chegam, por unidade de tempo, emσ em um pequeno intervalo de frequˆencia dν em torno deν e com quais- quer frequˆencia, respectivamente;
b) os n´umeros de f´otons, N e dN que, proce- dentes do Sol, chegam a σ por unidade de tempo com quaisquer frequˆencias e em um pequeno intervalo de comprimentos de ondadλem torno de λ;
c) determine o valor m´aximo do compimento de ondaλparadN/dλ e interprete o resul- tado.
3. Um sat´elite artificial pequeno e de forma esf´erica de raior, descreve uma ´orbita circular ao redor da Terra. A distˆancia do sat´elite at´e a superf´ıcie da Terra ´e muito menor que o raio da Terra.
Obtenha uma f´ormula aproximada para a ener- gia total,Erec, que o sat´elite recebe do Sol por unidade de tempo (desprezando a quantidade de energia que o sat´elite deveria receber se a Terra estivesse entre o sat´elite e o Sol). O sat´elite, cuja temperature absolutaT vai aumentando a medida que recebe energia do Sol, se converte, a sua meneira, em um emissor de radia¸c˜ao no espa¸co. Assumindo o sat´elite como um corpo negro a temperaturaT. Suponha que a radia¸c˜ao recebida por ele ´e reemitida por sua superf´ıcie, encontre sua temperatura.