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Violência doméstica contra crianças e formação de professores: um estudo no ensino fundamental I da rede municipal de educação de São José dos Campos -SP

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC- SP

Daniela Araújo Ando

Violência doméstica contra crianças e formação de professores: um estudo no ensino fundamental I da rede municipal de educação de São José dos Campos - SP

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC- SP

Daniela Araújo Ando

Violência doméstica contra crianças e formação de professores: um estudo no ensino fundamental I da rede municipal de educação de São José dos Campos -SP

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Educação: Currículo, sob a orientação da Profa. Dra. Marina Graziela Feldmann.

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Banca examinadora

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Dedicatória

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus, por mais uma vitória conquistada nessa difícil caminhada.

Agradeço a minha família pelo carinho, cuidado e paciência. Em especial, para Binha, irmã e companheira nos momentos mais difíceis dessa batalha.

Aos amigos e amigas pelo estímulo, colaboração e apoio.

Agradeço a minha orientadora, Profa. Dra. Marina Graziela Feldmann, por ser companheira, grande incentivadora e generosa em compartilhar seu conhecimento.

Às professoras que compuseram a Banca Examinadora de Qualificação e Defesa.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela troca de conhecimentos e por acreditar nas possibilidades do ser humano.

À secretária do programa Cida, pela gentileza, disponibilidade e paciência na cooperação dessa pesquisa.

Ao CNPq, pela oportunidade de realização desse trabalho.

Aos profissionais de educação de São José dos Campos que participaram da pesquisa.

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RESUMO

ANDO, Daniela Araújo. Violência doméstica contra crianças e formação de professores:

um estudo no ensino fundamental I da rede municipal de educação de São José dos Campos (SP).2015. Tese (Doutorado em Educação: Currículo) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015.

A escola tem sido considerada como um ambiente propicio para detecção e notificação da violência doméstica contra criança. Acredita-se que o profissional da educação, principalmente o professor, por meio de uma formação específica voltada para o problema da violência doméstica contra criança possa utilizar os recursos dessa formação para o desenvolvimento de habilidades no enfrentamento da violência doméstica, sobretudo no que diz respeito à identificação e notificação, nas primeiras séries do ensino fundamental, período em que as crianças permanecem com os professores cerca de quatro horas diárias. Essa pesquisa tem como objetivo identificar e estudar os obstáculos e indicar possibilidades da formação continuada de professores em relação à notificação da violência doméstica contra crianças. O cenário da pesquisa é a rede municipal de ensino de São José dos Campos/SP e para a coleta de dados foram utilizados grupos focais, entrevistas e análise documental. O resultado apresenta a formação continuada como um espaço que pode contribuir não só para instrumentalizar os professores no que diz respeito à prevenção, condução do caso e sua notificação, mas que possibilitará maior segurança para o profissional, ao tomar decisões diante de um caso de violência doméstica contra uma criança, apoiando-se numa consciência coletiva formada sobre esse fenômeno. Dessa forma, o problema da violência doméstica só poderá deixar de ser tratado com receio pela escola, quando os educadores tiverem acesso a discussões abertas sobre esse fenômeno e estabelecerem parcerias com os órgãos de proteção. A conclusão indica que os profissionais da educação precisam desenvolver e construir conhecimentos sobre a temática, partindo da realidade do contexto escolar bem como a participação na elaboração de materiais voltados para o enfrentamento da violência doméstica contra criança.

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ABSTRACT

ANDO, Daniela Araújo. Domestic violence against children and teacher training: A study in public elementary schools in the São José dos Campos district (SP). SP. 2015. Thesis (Doctorate in Education: Curriculum) – Pontifical Catholic University of São Paulo, São Paulo, 2015.

According to scientific research, the school is considered an enabling environment for the detection and the reporting of incidents of domestic violence against children. It is believed that professionals in Education, especially teachers, through specific training geared towards the problem of domestic violence against children, can use the resources of such training to develop skills to cope with domestic violence, especially with regard to the identification and the reporting of incidents in the early grades of elementary school, period during which children stay with teachers for about four hours a day. This research aims at identifying and studying obstacles and indicating possibilities of continuing teacher education in relation to the reporting of domestic violence against children. The research setting was the public school system in the São José dos Campos district, in São Paulo, and focus groups, interviews, and document analyses were used for data collection. The result shows continuing training as a space that can contribute not only to equip teachers in regard to prevention, case management the and its reporting but also to provide greater safety for professionals when making decisions on a case of domestic violence against a child, through the support of a formed collective consciousness on this phenomenon. Thus, the problem of domestic violence can only cease to be treated warily by the school when educators have access to open discussions about this phenomenon and can partner with protection agencies. The conclusion indicates that professionals in Education have to develop and build knowledge on the topic, starting from the reality of the school environment to the participation in the production of materials aimed at coping with domestic violence against children.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 PERCURSO METODOLÓGICO ... 20

2 HISTÓRIA DA INFÂNCIA E A VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 29 2.1 Compreensão da infância... 29

2.2 A História da Infância ... 31

2.2.1 A história da infância nas sociedades caçadoras – coletoras e agrícolas... 31

2.2.2 A infância e as civilizações clássicas ... 34

2.2.3 A infância na Idade Média e o surgimento da escola ... 39

2.2.4 Diversas infâncias na modernidade ... 44

2.2.5 Infância Brasileira ... 47

2.2.6 Infância Contemporânea ... 56

2.3 O contexto do problema da violência doméstica contra crianças ... 59

2.3.1 O termo violência ... 59

2.3.2 Violência doméstica contra crianças ... 63

2.3.3 Dados sobre a violência contra crianças e adolescentes ... 66

2.3.4 Os problemas ocasionados pela violência doméstica contra criança ... 68

2.3.5 A emergência da violência doméstica contra crianças na ciência ... 70

2.3.6 Escola e violência doméstica contra criança na contemporaneidade ... 74

3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS ... 79

3.1 Formação Inicial e violência doméstica contra criança ... 83

3.2 Formação continuada e violência doméstica contra criança ... 90

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ... 96

4.1 Formação dos educadores e notificação da violência doméstica contra criança no contexto escolar ... 97

4.2 Ações formadoras no enfrentamento da violência doméstica contra criança (VDC) ... 107

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 115

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 119

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 PERCURSO METODOLÓGICO ... 20

2 HISTÓRIA DA INFÂNCIA E A VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES 29 2.1 Compreensão da infância... 29

2.2 A História da Infância ... 31

2.2.1 A história da infância nas sociedades caçadoras – coletoras e agrícolas... 31

2.2.2 A infância e as civilizações clássicas ... 34

2.2.3 A infância na Idade Média e o surgimento da escola ... 39

2.2.4 Diversas infâncias na modernidade ... 44

2.2.5 Infância Brasileira ... 47

2.2.6 Infância Contemporânea ... 56

2.3 O contexto do problema da violência doméstica contra crianças ... 59

2.3.1 O termo violência ... 59

2.3.2 Violência doméstica contra crianças ... 63

2.3.3 Dados sobre a violência contra crianças e adolescentes ... 66

2.3.4 Os problemas ocasionados pela violência doméstica contra criança ... 68

2.3.5 A emergência da violência doméstica contra crianças na ciência ... 70

2.3.6 Escola e violência doméstica contra criança na contemporaneidade ... 74

3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS ... 79

3.1 Formação Inicial e violência doméstica contra criança ... 83

3.2 Formação continuada e violência doméstica contra criança ... 90

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ... 96

4.1 Formação dos educadores e notificação da violência doméstica contra criança no contexto escolar ... 97

4.2 Ações formadoras no enfrentamento da violência doméstica contra criança (VDC) ... 107

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 115

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 119

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INTRODUÇÃO

Em 1992, iniciei o curso de Magistério, inquieta por ingressar sem experiência na área da educação. Os três anos desse curso foram estimulantes e decisivos na escolha de minha carreira como docente. O período do estágio para mim foi muito importante, porque tive a oportunidade de estar em sala de aula, em contato com os alunos e com a prática pedagógica. Entusiasmada com a experiência, comecei a traçar planos para prosseguir na carreira de professora. Não queria cursar somente o Magistério e iniciar a carreira de professora, pretendia fazer o curso de Pedagogia com o intuito de investir mais em minha carreira docente.

Concomitante ao Curso de Pedagogia, a docência na Educação Infantil foi minha primeira experiência como professora; período esse com inúmeras vivências ligadas às famílias e comunidades, à universidade e à escola. Incontáveis ações aperfeiçoaram minha formação e possibilitaram o meu aperfeiçoamento profissional por meio de diversas e significativas experiências.

No ano de 2000, concluí o curso de Pedagogia, na Universidade Federal do Amazonas e, logo em seguida, cursei a Pós-graduação em Psicopedagogia. Nesse período contemplei na pesquisa os processos de aprendizagem de crianças e adolescentes, levando em consideração a influência dos contextos familiar, escolar e social.

Logo após o curso, retornei à docência, trabalhando como Orientadora Pedagógica em Manaus. Foi nesse momento que me deparei mais diretamente com o problema da violência doméstica contra crianças, situações tão novas para mim, gerando inúmeras dúvidas. Não tinha formação suficiente para notificar e tratar os casos suspeitos. A orientação da escola particular em que trabalhava era realizar o encaminhamento da criança vítima de violência para o setor de psicologia. A devolutiva sobre esses casos era mínima, o que terminava desestimulando professores e coordenadores a realizarem a notificação.

No ano de 2005, a partir de uma Pós-graduação em Violência Doméstica contra Crianças e concomitantemente a um trabalho voluntário desenvolvido no Programa Sentinela1com crianças e adolescentes vitimas de abuso sexual e exploração sexual, tive a oportunidade de aprofundar os estudos sobre a temática.

1 O programa Sentinela, do governo federal, foi criado em 2001, com o objetivo de prevenir e combater a

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Prossegui investigando a temática da violência doméstica contra crianças por meio de pesquisas acadêmicas e cursos relacionados com o tema. Em 2009, cursei o Mestrado em Educação: Currículo, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, que resultou na dissertação intitulada Currículo escolar: possibilidade de apoio ao enfrentamento da violência doméstica - estudo de uma prática em São José dos Campos/SP.” Nela empenhei-me adiscutir a construção de um currículo com possibilidades de enfrentamento da violência doméstica contra a criança, a partir da realidade e dos desafios da escola. Por meio de diálogos com professores, orientadores educacionais e diretor de escola da rede pública, tinha-se como objetivo construir ações educativas a serem desenvolvidas no espaço de uma escola pública e que pudessem oferecer subsídios para a construção de um currículo escolar como possibilidade de enfrentamento da violência doméstica. Alguns dados revelaram que de todos os entrevistados,

[...] somente dois realizaram curso voltado para a temática de violência doméstica contra criança e adolescente. Esse resultado demonstra que, mesmo existindo o problema da violência doméstica no ambiente da escolar, ainda assim os investimentos em formação sobre a temática são incipientes (ANDO, 2011, p.36).

Apesar de a escola em que a pesquisa foi realizada apresentar no Conselho Tutelar número expressivo de notificações, vários professores não tiveram formação sobre o tema.

[...] isso mostra um aspecto emergente para a formação docente. Nesse quadro sobressai a insuficiência de proteção da escola, pois, apesar de ser um tema emergente no contexto escolar, pouco é citado, durante as reuniões e debates (ANDO, 2011, p.69).

No desenvolvimento da Dissertação de Mestrado, durante a pesquisa bibliográfica, senti a falta de discussão mais elaborada sobre a formação de professores em relação à temática da violência doméstica contra crianças, como manifesto:

[...] não apenas olhar para a realidade dos alunos, mas trazer para a formação de professores questões relacionadas ao problema da violência doméstica e encorajar os discentes a analisarem criticamente os eventos e os problemas que encontram em seu contexto (ANDO, 2011, p.69).

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[...] medidas baseadas em sua experiência profissional, nem sempre com uma articulação com medidas de promoção social. Assim, alguns casos de violência doméstica são banalizados, sem que sejam repassados para coordenação ou Conselho Tutelar, negando a oportunidade de a vítima exercer seus direitos (ANDO, 2011, p.69).

Prossegui os estudos, em 2011, no Doutorado, com a investigação sobre o tema da violência doméstica contra crianças na formação continuada de professores. A experiência com a pesquisa do Mestrado foi decisiva para a escolha da linha de pesquisa “Formação de professores”, no Doutorado, questionando sobre as possibilidades e os limites da formação de professores frente à situação de violência doméstica contra crianças.

Ante as inquietações surgidas a partir de minhas práticas e da discussão sobre a violência doméstica contra crianças e formação de professores, observamos o quão é necessário e fundamental considerar nos dias atuais o espaço escolar. Antes, a escola se encontrava mergulhada em um cenário momentaneamente conhecido. Agora, nos dias atuais, diante das inúmeras mudanças sociais, encontra-se impelida, de forma repentina, a mobilizar conhecimentos, valores e atitudes com vistas a interpretar e reinterpretar novas situações, dentre as quais a violência doméstica. O contexto escolar que, antes da década de 90, tinha como modelo formas excludentes e discriminatórias, passou a vivenciar a entrada de diferentes personagens na educação pública brasileira. Grandes desafios, incertezas, inquietações e multiplicidades caracterizam a atualidade e tornam-se mais acentuadas para o professor, ao receber infâncias “diversificadas.” Muitas vezes, os alunos, chegam ao contexto escolar violentados, calados, explorados, dóceis, drogados, arrogantes e até desafiadores. Alguns carregam traços da violência doméstica, de exploração sexual e de trabalhos indignos, domésticos ou de rua. Para Arroyo (2011), podemos denominar esses alunos como “ecos de sobrevivência”, de outros contextos que chegam às salas de aulas. São imagens reais, impressionantes, multifacetadas de fracassos e sombras.

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Feldmann (2009) aponta que formar professores, na realidade atual, é deparar-se com incertezas e inseguranças: “o professor se vê muitas vezes inseguro, com muitas incertezas diante de seu papel e da própria função social da escola e do trabalho docente a ser realizado”. (FELDMANN, 2009, p.77). Por isso, é indispensável que a formação de professores incorpore em seus debates questões sociais, culturais e econômicas, como despertamento à conscientização, sobretudo, das condições sociais emergentes que necessitam ser enfrentadas. Daí a importância por instigar debates e ações, com o objetivo de envolver os docentes no seu próprio processo de formação e prepará-los efetivamente para o exercício de um trabalho preventivo e de combate à violência doméstica contra crianças e adolescentes.

Nesse sentido, ao situar os conflitos e tensões vividos pelos professores queremos enfatizar que qualquer ação pedagógica projetada para enfrentamento e/ou superação da violência contra crianças e jovens mostra-se carente de debates e de produção de teorias sobre as necessárias articulações entre as demandas da sociedade contemporânea e as mudanças de ordem social.

O professor desenvolve a dimensão de formador e, ao formar, tem como fazer desse momento a possibilidade para refletir sobre a troca de experiências a partir da socialização de saberes junto aos sujeitos envolvidos. O processo de formação de professores caminha com a produção da escola, em construção, por meio de ações coletivas, desde a gestão, as práticas curriculares e as condições concretas de trabalho vivenciadas.

Nesse horizonte de possibilidades e em colaboração mútua, os professores podem criar e recriar os conhecimentos necessários a uma prática inclusiva, a partir das situações-problema relativas à questão da violência doméstica, considerando as “diversidades e multiculturalidades presentes nos cotidianos escolares” (FELDMANN, 2009, p.78).

Na visão de Ristum (2010), os alvos da formação de profissionais em relação ao enfrentamento e à prevenção da violência doméstica contra a criança têm sido localizados na área de saúde em detrimento da área educacional. Os profissionais da área de educação, além de obterem escassa informação sobre a violência doméstica, desconhecem também a legislação de proteção à criança, como o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.

O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA menciona a importância de os profissionais da educação estarem habilitados para assumirem atribuições de prevenção e combate à violência, como está regulamentado no artigo 245:

[…] deixar o médico, professor ou responsável pelo estabelecimento de

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autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente terá como pena o pagamento de uma multa de três a vinte salários mínimos de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência (ECA, Cap. II, Artigo 245).

É interessante observar que, apesar do ECA completar, nesse ano de 2015, seu 25º aniversário e ser considerado como uma das leis mais avançadas no que diz respeito a direitos da criança, Ristum (2010) aponta que, de forma escassa, instituições, dentre elas, a escola, não estão preparadas para desenvolver estratégias eficazes de enfrentamento da violência contra criança, seja de forma remediativa, seja preventiva. Existe uma separação a ser superada entre o princípio legal do Estatuto da Criança e do Adolescente e a ação dos diferentes profissionais que se defrontam com a realidade da violência contra a criança. Esses profissionais “nem sempre estão preparados para assumir tais atribuições”, segundo Ristum (2010, p.237).

Embora o tema da violência doméstica não seja abordado no contexto de formação docente, com frequência o problema acarreta inúmeras dificuldades para o ambiente escolar. É certo que a escola não está isenta dos reflexos e consequências da violência, entretanto, não pode deixar de intervir para que crianças não sejam vítimas de desigualdades e formas indevidas de tratamento.

Enquanto participante de várias formações em relação ao tema da violência doméstica contra a criança, foi possível detectar que, em sua maioria, a programação era voltada para profissionais da área da saúde. Além de um número reduzido de participação de profissionais da educação, as discussões do tema da violência doméstica contra criança, de forma geral, aconteciam em torno das particularidades de ambientes como hospitais, postos de saúde e programas de assistência social.

Observa-se a ausência e/ou a escassez de formação direcionada ao tema da violência doméstica contra criança, sobretudo, para os profissionais da educação. É o professor quem, via de regra, tem mais contato com os alunos, se comparado a outros profissionais que atuam em ambientes referentes à área da saúde. O professor não sabe, por vezes, como administrar e direcionar problemas que seus alunos trazem para sala de aula, como violência, drogas, indisciplinas, exploração sexual, dentre outros, porque não teve uma formação direcionada para essas questões. O foco da formação docente tem sido, em geral, como transmitir conteúdos e fórmulas, em detrimento de temas sobre a resolução de conflitos.

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formação, recebem, por vezes, um tratamento “marginal” por parte da escola, dos centros de formação e da universidade.

Quando as infâncias-adolescências com que trabalhamos põem de manifesto sua condição humana tão precarizada não dá mais para preparar a aula, ou passar a matéria sem nos indagar acerca de suas vivências, traumas, medos, incertezas que levam como gente, não só como escolares (ARROYO, 2011, p.28).

Os cursos de formação inicial e continuada ainda ignoram as tensões, dinâmicas e dúvidas trazidas e vividas em sala de aula. Muitos currículos de formação docente estão fechados para a dinâmica social, para os processos de desumanização que permeiam o dia a dia de muitas infâncias. Entendemos que, a partir do momento que esses currículos se “abrirem” para as diferentes e desumanizadas realidades de crianças e adolescentes, se enriquecerão e ganharão novos sentidos.

Aprendemos disciplinas sobre que conhecimentos da natureza e da sociedade ensinar e com que metodologias, porém não entra nos currículos de formação como ensinar-aprender a sermos humanos. Falta-nos a matriz pedagógica fundante (ARROYO, 2000, p.55).

Em estudo sobre a temática Formação de professores no Brasil realizado por André et al. (1999), ficou evidente que dos 115 artigos publicados em dez periódicos nacionais, 284 dissertações e teses elaboradas nos programas de pós-graduação em educação e 70 trabalhos apresentados no GT Formação de professores da ANPED, no período dos anos 90, houve baixa representatividade de produção nesta área, o que indica por decorrência, reduzida preocupação com tema dessa ordem.

[...] silêncio quase total em relação à formação do professor para o Ensino Superior, para a educação de jovens e adultos, para o ensino técnico e rural, para atuar nos movimentos sociais e com crianças em situação de risco. Ademais, permitiu verificar que são raros os trabalhos que focalizam o papel das tecnologias de comunicação, dos multimeios ou da informática no processo de formação. Mais raros ainda são os que investigam o papel da escola no atendimento às diferenças e à diversidade cultural (ANDRÉ et al., 1999, p. 309).

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profissionalização docente - 41%; formação inicial - 22%; formação continuada - 21%; política de formação - 4%; formação inicial e continuada - com 3%; outros - 9%.

André (Ibidem), ao analisar os trabalhos datados de 1999 a 2003, mostrou o crescimento significativo de pesquisas sobre a formação continuada. Para a autora, isso indica o surgimento de estudos sobre os processos de aprendizagem do adulto professor, ao longo da carreira.

O que André (Ibidem) nos chama atenção é o quase esquecimento de algumas temáticas como: a dimensão política na formação do professor, condições de trabalho, plano de carreira e sindicalização, temas sobre gênero e etnia e a formação do professor para atuar na educação de jovens e adultos, na educação indígena e em movimentos sociais. A autora destaca que temas como questões de gênero, etnia e das competências na formação do professor foram praticamente silenciados nos anos mais recentes, pois os estudos que se debruçam sobre o tema são em número reduzido.

Na análise, em relação às pesquisas de André (1999; 2009) nota-se a total ausência da discussão sobre a formação continuada de professores com foco na “violência doméstica contra criança”, o que contribui ainda mais para a importância do estudo ora proposto.

A análise realizada com base nos resumos das teses e dissertações do Banco de Dados da CAPES, das produções no período de 2010 a 2014, veio reforçar o nosso olhar sobre o foco da discussão do presente trabalho. Por meio dos indicadores de busca foram consideradas as seguintes temáticas: “violência doméstica contra criança”, “formação de professores e violência doméstica”, “formação de professores e violência”, “violência doméstica”, “formação pedagógica e violência”, “trabalho docente e violência”. Verificamos a relevância e pertinência da temática, consideradas a ausência e escassez da discussão desse tema no que foi produzido e apresentado no banco de teses da CAPES.

O resultado dessa investigação apontou que pesquisas que tratam da temática ora em pauta são poucas. Encontramos apenas duas, de um total de 160 trabalhos analisados, que apresentam no corpo do resumo a necessidade da formação de professores em relação ao problema da violência doméstica. Esse resultado reitera, mais uma vez, a necessidade de aprofundamento dessa investigação.

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Autores como Almeida et al.(2006), Ristum (2010) e Vagostello (2003) apontam a ausência de discussão crítica e qualificada sobre a violência doméstica na formação inicial e continuada de professores, o que consequentemente tem levado muitos docentes a procederem de forma equivocada ou simplesmente não tomarem uma atitude, quando se deparam com um caso de violência doméstica contra criança.

Entretanto, para Lisboa (2002), apesar de a escola e professores apresentarem grande potencial e serem considerados atores importantes no que se refere à proteção de crianças, mostram-se despreparados em relação ao desenvolvimento infantil, violência doméstica, conhecimentos sobre serviços de proteção e encaminhamento dos casos.

Bastos (1995/1996), ao tratar da formação de professores em relação à temática da violência doméstica, destaca alguns programas nos EUA nos quais os educadores são habilitados a identificar e desenvolver ações específicas para lidar com o fenômeno em três frentes: com os alunos, com as famílias envolvidas em situação de violência doméstica e com os outros professores. Esses programas, de acordo com Bastos (1995/1996), investem na formação docente, reconhecendo, dessa forma, o importante papel desse profissional e distinguem a escola como um ambiente propício para a constituição de estratégias de enfrentamento da violência doméstica.

Vagostello (2003), em um estudo realizado sobre a capacidade de a escola pública identificar situações de maus-tratos domésticos, utilizando uma amostra com 90 profissionais professores e diretores, constatou que os profissionais conseguem identificar casos e características de maus-tratos domésticos, entretanto, não são capazes de resolvê-los adequadamente. Para a autora, esse procedimento pode colocar ainda mais em risco a integridade das vítimas.

A questão da violência doméstica é tratada com temor na escola e os profissionais da educação ainda não demonstram preparo para tratar desse problema.

O tema da violência doméstica tem recebido um tratamento informal, por parte dos professores, segundo Almeida et al. (2006). Ao tratar sobre a dimensão de informação, as autoras apontam que os docentes demonstram dar um tratamento informal ao tema, quando discutem com outros professores. Quanto a atitudes, tanto os professores de escola pública, quanto os professores de escolas particulares ainda resolvem esse problema entre os muros da escola, mesmo conhecendo as orientações do ECA.

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profissionais, em 17 instituições, constatou-se que os profissionais da educação, participantes da pesquisa, conseguem identificar os casos de maus-tratos que envolvem seus alunos, mas não conduzem esses casos às autoridades competentes.

Outro ponto importante indicado pelos estudos realizados é que o programa de ações voltadas ao enfrentamento de maus-tratos contra crianças precisa ser definido pela equipe docente no ambiente escolar. Dessa forma, é importante que aconteça a formação dos professores e de outros profissionais do contexto escolar para enfrentar os maus-tratos contra esse público.

Identifica-se a não existência de um padrão a ser adotado em todas as ocasiões de violência; as atitudes e sequências a serem adotadas mudam de acordo com as características da mesma, a faixa etária da criança, as peculiaridades da família, as condições existentes na escola, o alcance da rede de proteção local e os riscos da comunidade da qual a instituição escolar faz parte.

Por se tratar de um fenômeno que acarreta inúmeros problemas físicos e psicológicos para crianças e adolescentes, a violência doméstica deve ser considerada como prioridade pela escola na formação de professores, possibilitando que os docentes estejam habilitados a identificar e encaminhar casos suspeitos ou evidências de violência. Nesse contexto entendemos que a escola, na figura do professor, não tem a obrigação e a capacidade para resolver o problema da violência doméstica contra criança, mas o docente, munido de formação adequada sobre essa temática, terá ferramentas em suas mãos que o habilitem a identificar e encaminhar casos suspeitos ou evidências de violência. Não se trata de mais um projeto ou problema que a escola precisa “dar conta”; a proposta aqui é que o professor, munido dessas ferramentas, possa ser mais um agente social no enfrentamento contra a violência doméstica.

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Mesmo compreendendo que o contexto escolar não pode resolver todos os casos de violência doméstica, a escola tem possibilidades, por meio do esforço coletivo dos profissionais ali presentes, de criar e reconstruir paradigmas, concepções e conceitos, bem como construir práticas que podem levá-la a modificar o cenário da violência que atinge inúmeras crianças e adolescentes. Por outro lado, existe grande necessidade de investimento na formação continuada de professores em relação à temática, de modo que tenham consciência de que sempre serão capazes de contribuir com casos de suspeita ou confirmação de violência contra crianças e/ou adolescentes.

Por fim, acreditamos que a formação de professores trará grandes contribuições ao enfrentamento da violência doméstica contra crianças, desde que se concretize, de acordo com Feldmann (2009), essa prática de partir do “chão da escola”, de suas interações e conflitos, e não do simples exercício de emitir respostas prontas aos problemas e inquietações vividas pelos alunos, familiares e profissionais da educação. Ainda segundo Feldmann (2009), a efetivação de mudanças no contexto escolar só acontece em decorrência da construção de um projeto político pedagógico coletivo. Esse projeto deve estar visceralmente articulado com os projetos existenciais das pessoas que vivem e convivem em determinados espaços, reveladores de valores, concepções e angústias, em última instância, dando sentido e contorno ao fazer educativo e contribuindo para o aprofundamento da formação a partir da formação do outro.

Nessa história repleta de inquietações surge a originalidade dessa pesquisa, pois seu objetivo é analisar as ações dos professores ante a violência doméstica contra criança e quais implicações desse fenômeno para a formação continuada. Reforça-se assim, o problema da investigação: a formação continuada de professores do Ensino Fundamental I tem contribuído para a notificação de casos de violência doméstica contra crianças? Têm-se ainda, como objetivos: analisar a formação continuada de professores na rede municipal de ensino de São José dos Campos – SP em relação ao enfrentamento da violência doméstica contra criança. E como objetivo específico: como são encaminhadas as questões de notificação de casos de violência doméstica contra a criança nas ações de formação continuada?

A partir dessas questões busca-se construir a pesquisa, tendo como pressupostos: a) existe uma resistência em trabalhar esse tema, por parte dos profissionais da escola, devido ao medo de se tornarem alvos de violência; b) o professor evita realizar a notificação por conhecer a ineficiência da rede de proteção; c) as formações sobre o tema da violência doméstica são amplas e gerais, o que dificulta a distinção desse fenômeno por parte do professor.

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No Capítulo I, expõe-se o percurso metodológico de uma pesquisa sobre a formação continuada de professores e o problema da violência doméstica com base em uma abordagem qualitativa. Enfoca a trajetória profissional da pesquisadora e como o tema da tese foi sendo delineado, o cenário, os sujeitos da pesquisa e as estratégias de coleta de dados, como análise documental, entrevistas e grupos focais.

O Capítulo 2 tem como objetivo apresentar a história da infância, compreendendo que o significado de infância nessa pesquisa é resultado de uma elaboração social que surge no interior da cultura e da história de diferentes sociedades e grupos sociais pelos quais a infância é concebida. Apresenta-se, posteriormente, um panorama histórico sobre as concepções fundamentais que circunscrevem a ideia de infância no mundo e no Brasil. Realiza-se por meio de uma revisão da literatura discussão sobre a infância vitimizada durante os distintos momentos da existência humana. Ainda nesse capitulo, destaca-se a reflexão sobre o tema da violência, entendendo a dificuldade em abarcar a grandeza e integralidade desse fenômeno existente no nosso país. Dessa maneira, a disposição do tema com as suas diferentes categorias e as respectivas discussões fornecem uma estrutura que nos permite compreender o painel teórico conceitual e a emergência da violência doméstica contra criança na ciência. Em continuidade, são apresentados conceito, categorias e dados sobre a violência doméstica contra crianças no Brasil e no município de São José dos Campos – SP, com destaque para o papel da escola diante desse fenômeno.

No Capítulo 3 é apresentada a formação de professores e o enfrentamento da violência doméstica contra crianças. Ressalta-se a articulação entre o discurso dos entrevistados e o referencial teórico sobre o tema da formação continuada e o enfrentamento da violência domestica.

No Capítulo 4, são expostos e discutidos os dados, buscando responder as questões da pesquisa.

Nas Considerações Finais indicam-se possíveis contribuições emergidas da pesquisa realizada.

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1 PERCURSO METODOLÓGICO

O projeto da presente pesquisa encontra-se registrado no Comitê de Ética em Pesquisa (Plataforma Brasil), do Ministério da Saúde, em concordância com o Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e com o Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo dessa Universidade. Faz-se necessário destacar que os dados obtidos dos participantes dessa pesquisa estão em consonância com as normas éticas relativas a pesquisas, envolvendo seres humanos, em concordância com o que indica a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.

Referencial teórico metodológico da pesquisa

De alguma maneira, o ato de pesquisar é revisitar um velho caminho, mas com um novo olhar. Olhar aceso e expectante permeado de novas experiências e aprofundamentos alcançados por intermédio do conhecimento.

Esses velhos caminhos que percorri permitiram dar um formato à trajetória a ser seguida durante essa pesquisa e inquietar-me em relação à violência doméstica como degradação de crianças e adolescentes.

Ao longo da minha trajetória profissional, durante todos os anos em que trabalhei no magistério, presenciei vários casos de crianças vitimas de violência doméstica, tanto na escola particular quanto na pública, a identificação do problema por profissionais de educação, os encaminhamentos realizados pelas escolas e instituições aos órgãos responsáveis pela garantia dos direitos e, sobretudo, a apatia em abordar essa temática na formação de professores.

Dessa forma, na atividade como docente, minha atenção foi direcionada para a ausência de discussão crítica e qualificada em relação ao problema da violência doméstica contra criança na formação de professores. É frente a essa realidade que minhas indagações passaram de uma questão do meu cotidiano a um problema a ser investigado.

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Abreviando minhas inquietações, o problema dessa pesquisa, que acredito ser útil para compreender o fenômeno da violência doméstica contra criança, é definido assim: a formação continuada de professores do Ensino Fundamental I tem contribuído para a notificação de casos de violência doméstica contra crianças?

Ressalto que o objetivo geral desse estudo é analisar a formação continuada de professores na rede municipal de ensino de São José dos Campos – SP em relação ao enfrentamento da violência domestica contra criança. Tendo ainda como objetivo específico analisar como são encaminhadas as questões de notificação de casos de violência doméstica contra criança nas ações de formação continuada. Em relação ao percurso metodológico, desenvolvi a pesquisa com base na abordagem qualitativa, sem desconsiderar as contribuições quantitativas sobre dados estatísticos da violência doméstica contra criança no Brasil e na região de São José dos Campos – SP, que são importantes para termos uma visão mais ampla sobre o contexto desse fenômeno.

Pesquisa qualitativa

Adotei para a realização do presente estudo o desenvolvimento da pesquisa qualitativa, porque tal enfoque possibilita, de acordo com Chizzotti (2010), trilhar um caminho que busca não somente encontrar o significado do fenômeno pesquisado, mas decifrar o significado que os indivíduos atribuem à questão investigada. E na busca em descobrir o significado que os indivíduos têm desse fenômeno, fica evidente, nas palavras de Minayo (2008), a importância do estudo do relato dos acontecimentos, da convivência, das relações, representações, crenças, percepções e opiniões.

Na perspectiva do paradigma qualitativo, procurei conhecer não só o agir das pessoas diante do fenômeno, mas o pensamento e a interpretação sobre suas ações, tendo como ponto de partida a realidade vivida e compartilhada do indivíduo com seus semelhantes.

Nesse sentido, Lüdke e André (1986) apud Bogman e Biklen (1982) apontam cinco características básicas do estudo qualitativo:

1. O ambiente natural é fonte direta de dados e o pesquisador é considerado como o principal instrumento;

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compreensão do problema que está sendo analisado; questões consideradas simples pelo pesquisador devem ser analisadas com cuidado, pois nelas podem ser encontrados elementos importantes na construção da pesquisa;

3. Ao estudar determinado problema, a atenção do pesquisador deve estar voltada para a sua manifestação durante as atividades, procedimentos e interações do cotidiano;

4. A preocupação do estudo qualitativo deve estar voltada em capturar como os participantes veem as questões que estão sendo direcionadas. Aqui o pesquisador deve está atento e ter cuidado ao revelar o “ponto de vista dos participantes”, devendo assim discuti-los, elucidá-los, confrontá-los, checá-los, com o objetivo de serem ou não confirmados;

5. De acordo com o desenvolvimento do estudo, com o “estreitamento” - no qual inicialmente são questões amplas e depois se tornam mais específicas e diretas - o pesquisador necessitará melhorar o seu foco de acordo com o desenvolvimento do estudo.

Assim, a abordagem qualitativa tem como preocupação maior como as pessoas veem o fenômeno numa perspectiva de sujeito/ protagonista, a partir da realidade na qual convivem. Essa realidade é moldada por princípios coletivos, éticos, políticos, sociais e culturais que estão atrelados ao tempo e ao ambiente dos indivíduos.

A pesquisa qualitativa apresenta uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, sendo o objeto um dado possuído de significados e relações que os sujeitos concretos criam em suas ações (CHIZZOTTI, 2009). Dessa forma, elegi a pesquisa qualitativa como ferramenta de trabalho por entender que a mesma possibilita interpretar o significado da violência doméstica contra criança na formação de professores, a partir da fala e da ação dos professores e orientadores educacionais.

Características do Cenário

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O critério de inclusão das instituições de ensino do Ensino Fundamental I está relacionado ao foco da pesquisa, tendo como premissa as escolas que notificaram casos de violência doméstica contra criança entre 2013 e 2014 para a rede de proteção.

Sujeitos da pesquisa – Participantes

No sentido de concretizar os objetivos propostos, busquei na Secretaria de Educação contato com os profissionais responsáveis pela formação de professores no Ensino Fundamental I do Município. Dessa forma, aconteceu o encaminhamento ao departamento do Serviço de Orientação Educacional - SOE que é responsável pela formação dos Orientadores Educacionais. Estes têm como função acompanhar e promover a formação dos professores da Rede do Ensino Fundamental I por meio de debates, estudos e reflexões coletivas nos momentos de formação do Horário de Trabalho Coletivo – HTC. São participantes dessa pesquisa Coordenadores Educacionais da rede de ensino do Município de São Jose dos Campos que atuam na Secretaria de Educação, Orientadores Educacionais que atuam nas escolas da rede de ensino e professores de Ensino Fundamental I de escolas municipais. As Coordenadoras Educacionais desenvolvem na Secretaria de Educação da rede municipal um trabalho de acompanhamento e formação pedagógica das Orientadoras Educacionais. As Orientadoras Educacionais atuam no acompanhamento escolar dos estudantes, na formação de professores, e com os familiares, no que diz respeito ao acompanhamento acadêmico dos alunos.

É importante destacar que o sigilo e a privacidade dos relatos dos participantes da pesquisa durante as entrevistas e o desenvolvimento dos grupos focais estão assegurados pelo Termode Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, documento que cada participante leu e nele registrou sua assinatura, como maneira de demonstração de seu aceite, enquanto participante da pesquisa. Antes do inicio da entrevista e do desenvolvimento do grupo focal foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para ciência e posterior assinatura. Nele fica registrado: garantia de receber respostas e explicações a dúvidas acerca dos processos e benefícios e relacionados à pesquisa; garantia de que não terá riscos, de qualquer natureza, danos e, sobretudo, gasto financeiro por parte do pesquisado; garantia de que uma via deste TCLE ficará com o pesquisador e outra com o participante da pesquisa.

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Análise documental

Para Lüdke e André (1986), a análise documental é uma importante técnica de abordagem de dados qualitativos, seja complementando os dados obtidos de outras técnicas, seja descobrindo novos aspectos de um problema ou contribuindo para fundamentar afirmações ou declarações do pesquisador.

Gil (2009) destaca que a consulta a fontes documentais é importante técnica que contribui: a) na coleta de informação que auxiliará na preparação para observação e entrevista; b) na complementação de informações colhidas mediante outras técnicas de coleta de dados; c) na geração de novas ideias e na contribuição para a construção de inferências e hipóteses; d) na possibilidade de colher informações relacionadas à estrutura, organização, definição de cargos e funções, formação de funcionários.

Os documentos selecionados pelo pesquisador necessitam ser “cuidadosamente” analisados, não podendo ser aceitos como registros rigorosos dos eventos que ocorreram. Deve existir um objetivo para guiar a seleção desse material. O objetivo da utilização dessa técnica consiste em entender criticamente o sentido das comunicações, seu teor manifesto ou latente, as significações nítidas ou encobertas (YIN, 2007; CHIZZOTTI, 2009).

Dessa forma, alguns documentos significativos para essa pesquisa foram fornecidos, como o projeto “Valores”, Cultura de Paz” , o projeto “Experiência de Apoio Matricial para a atenção a famílias em situação de vulnerabilidade para a violência” e a “ficha de notificação de violência Interpessoal / Autoprotetiva”.

Entrevistas

De acordo com Minayo (2007), os objetivos principais da entrevista consistem em organizar informações importantes e tratar temas concernentes para o objeto da pesquisa. As entrevistas são conversas que possuem uma finalidade e que se apoiam em roteiros, que podem associar perguntas fechadas e abertas, tendo o entrevistador a possibilidade de dialogar sobre o tema em questão, sem se prender ao questionamento formulado.

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entrevistados conhecem, acreditam, almejam, vivenciam ou esperam (ANDRÉ e LÜDKE, 1989; GIL, 2009).

No que diz respeito ao processo inicial de entrevista, a pergunta introdutória “convite ao diálogo”, foi elaborada de forma que o participante pudesse sentir-se mais â vontade para participar, criando assim uma atmosfera favorável à entrevista. Essa questão se alinhou a um roteiro cuidadoso previamente elaborado e dentro dos propósitos da pesquisa.

As entrevistas com as Coordenadoras Educacionais foram agendadas, autorizadas por parte da Secretaria de Educação e gravadas eletronicamente com a devida autorização dos participantes. Para Gil, a gravação eletrônica “é o melhor modo de preservar o conteúdo das entrevistas” (GIL, 2012, p.119).

As entrevistas com as Coordenadoras ocorreram na Secretaria de Educação, em uma sala reservada com uma mesa e cadeiras em volta com o conforto necessário para a realização da atividade. A decisão em realizar as entrevistas na própria Secretaria de Educação, local de trabalho das Coordenadoras, foi por considerar a possibilidade maior de captar a dinâmica de trabalho dessas profissionais e por facilitar a realização dessa atividade no local onde suas atividades são desenvolvidas.

Foram entrevistadas duas Coordenadoras Educacionais que receberam nesta pesquisa a nomenclatura: CE1 e CE2 (a letra indica o termo Coordenadora Educacional e o número designado a cada letra representa cada Coordenadora entrevistada). Dessa forma, resguarda-se a identidade de cada participante.

A escolha pelos sujeitos da pesquisa e, especificamente, por essas duas entrevistas, nasce do fato de esses profissionais serem responsáveis pela formação de todo o quadro de Orientadoras Educacionais, que conta com 45 profissionais.

Grupo Focal

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O trabalho com o grupo focal pode trazer bons esclarecimentos em relação a situações complexas, polêmicas, contraditórias, ou a questões difíceis de serem abordadas em função de autoritarismo, preconceito, rejeição ou de sentimentos de angústia ou medo de retaliações; ajuda a ir além das respostas simplistas ou simplificadas, além das racionalizações tipificantes dos esquemas explicativos superficiais. O grupo tem uma sinergia própria, que faz emergir ideias diferentes das opiniões particulares. Há uma reelaboração das questões que é própria do trabalho particular do grupo mediante as trocas, os reasseguramentos mútuos, os consensos, os dissensos, e que trazem luz sobre os aspectos não detectáveis ou não reveláveis em outras condições (GATTI, 2012, p.14).

Gatti (2012) destaca, apoiada em Morgan e Krueger, que o objetivo da pesquisa que utiliza a técnica de grupos focais é “captar a partir das trocas realizadas no grupo, conceitos, sentimentos, atitudes, crenças, experiências e reações, de modo que não seria possível com outros métodos, como, por exemplo, a observação, a entrevista ou questionários” (GATTI, 2012, p.9).

A partir da opção por essa técnica, passei para a escolha dos sujeitos para participação no grupo focal. Para essas delimitações foi importante retomar o objetivo da utilização da técnica: descobrir quais as opiniões e atitudes, na interação entre indivíduos, sobre a violência doméstica contra criança.

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Após a escolha dos participantes, as sessões foram planejadas detalhadamente, seguindo as orientações propostas por Gatti (2012), pois se trata de uma técnica quepropicia a interação entre pessoas e que permite compreender os procedimentos de construção da realidade por um grupo social escolhido, exigindo seu emprego alguns cuidados metodológicos.

O primeiro aspecto para o funcionamento do grupo focal foi o planejamento. Dessa maneira, o primeiro passo era a clareza quanto ao objetivo da pesquisa para, a partir daí, escolher os participantes da pesquisa e também para que o pesquisador e participantes tivessem a visão do todo. O passo seguinte foi a organização do cronograma com as fases do trabalho: planejamento, definição do tamanho grupo, ambiente da realização da sessão, registro das interações, atuação do moderador e o desenvolvimento do processo do grupo focal.

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algumas questões, ouvir, procurar garantir que os participantes não de afastem do tema e que todos tenham oportunidade de se expressar, de participar; os participantes devem falar um de cada vez, com o gravador/ microfone na mão, para permitir uma boa gravação. Informou-se aos participantes a duração do encontro e, em seguida, foi combinado que, quando o trabalho estivesse acabando, os participantes poderiam completar suas participações. De início, foi apresentado o problema dessa pesquisa: buscar compreender a relação entre a escola e a violência doméstica contra criança. A duração dos grupos focais se desenvolveu em torno de 1 hora.

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2 HISTÓRIA DA INFÂNCIA E A VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Com esse capítulo tem-se o objetivo de apresentar a história da infância, concebendo o significado de infância como uma elaboração social que surge no interior da cultura e da história de diferentes sociedades e grupos sociais, pelos quais a infância é concebida. Com essa finalidade apresenta-se um panorama histórico sobre as concepções fundamentais que contemplam a ideia de infância no mundo e no Brasil. Dessa forma, inicialmente, realiza-se uma revisão da literatura, buscando discutir a infância vitimizada, durante os distintos momentos da existência humana. Em seguida, desenvolve-se uma reflexão sobre o tema da violência, buscando compreender-se a sua conceituação e a emergência da violência doméstica contra a criança e o adolescente no país. Em continuidade, são apresentados conceito, categorias e dados sobre a violência doméstica contra crianças no Brasil e no município de São José dos Campos – SP, com destaque para o papel da escola diante desse fenômeno.

2.1 Compreensão da infância

A condição de infância é compreendida como uma das etapas do desenvolvimento humano, que, de acordo com a descrição jurídica brasileira, abrange a população de crianças de zero aos doze anos incompletos. Essa idade cronológica é designada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, pelo Código Civil, bem como, por regulamentos, manuais científicos provenientes de diferentes áreas de conhecimento como psicologia, educação e medicina.

Para Javeau (2005), os conceitos de criança e crianças são termos que devem ser trabalhados concomitantemente com infância. Para o autor, o campo semântico da palavra criança está relacionado à ordem psicológica, à conquista de competências em contínuas etapas na formação da personalidade dos indivíduos. Em relação ao termo crianças, nomeado no plural, carrega-se uma conotação antropológica, uma vez que este conceito pressupõe um território com estruturas delimitadas por um ambiente físico, com base no período a que elas estão circunscritas, nos modelos de comportamentos reconhecidos e nos estilos de vida.

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os indivíduos se relacionam influenciam o conceito de infância. Nesse sentido, Castro (1998) considera que:

[...] significados atribuídos à infância, articulando-os ao leque de representações que, no imaginário social, se relacionam com os diferentes momentos da existência humana na sua trajetória de vida, desde a concepção até a morte. Deste modo, as representações sociais sobre a infância têm a ver com o conjunto de representações sobre os outros momentos da existência, assim como, com aquelas imagens e representações que, de um modo mais amplo, dizem respeito ao sentido da Vida, da Morte, da passagem do Tempo, das relações com os outros (CASTRO, 1998, p.23).

Nos dias atuais, em diferentes situações cotidianas, presencia-se uma espécie de “carimbo” sobre as crianças que são consideradas incompetentes, imprudentes e sem capacidade de escolhas ou mesmo de dar sua opinião. Esse estigma, de acordo com Dornelles (2011), fica mais evidente, quando um adulto é comparado a uma criança devido à sua fragilidade, imaturidade, irresponsabilidade ou até mesmo sua dependência de outra pessoa. No dia-a-dia, existem diferentes visões atribuídas às crianças, pois em determinado momento são consideradas delicadas, primorosas, belas, puras e, por outro lado, cruéis, rebeldes, irracionais, dentre outros atributos.

Nos debates mais recentes sobre a infância encontram-se quatro eixos: a criminalidade – a criança em perigo e a criança perigosa; a sexualidade – o abuso de crianças e a erotização dos corpos infantis; o trabalho – entre a exploração do trabalho infantil e o direito e a necessidade de trabalho de algumas crianças; e a educação – entre os direitos e deveres educativos. (MARÍN-DÍAZ, 2010). Essas tensões nos levam a pensar e transpor a infância de um jardim de delícias para uma esfera de disputas de interesses políticos e econômicos, em que as ações violentas e direitos desapropriados são uma constância.

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2.2 A História da Infância

2.2.1 A história da infância nas sociedades caçadoras – coletoras e agrícolas

Stearns (2006) destaca que as primeiras ideias e ações relacionadas à infância se formaram no contexto das sociedades caçadoras - coletoras. As evidências desses grupos provêm de alguns resquícios de materiais observados de sociedades caçadoras - coletoras que sobreviveram nos tempos modernos. As evidências diretas sobre as sociedades caçadoras- coletoras apresentam a infância como uma fase incômoda devido às frequentes restrições de recursos e à necessidade de andar com as crianças à procura de alimentos. Nesse contexto era difícil para o grupo locomover-se com mais de uma criança pequena por família, o que consequentemente influenciava a taxa de natalidade. Apesar de as crianças auxiliarem as mulheres no trabalho de coleta de alimentos, suas necessidades eram maiores que essa contribuição. Dessa forma, até a fase de adolescência, sua colaboração na economia do grupo era reduzida, o que justifica as restritas representações de crianças na arte primitiva.

Apesar dessas restrições e do fato de as crianças serem vistas como uma carga, Stearns (2006) afirma que nas sociedades caçadoras – coletoras a infância era um período para brincar e auxiliar esporadicamente no trabalho do grupo. Em alguns grupos, as crianças brincavam constantemente com adultos, apresentando uma interação mais intensa. Ao contrário de infâncias como na sociedade agrícola e industrial, as crianças nas sociedades caçadoras – coletoras usufruíam de período prolongado entre a infância e a maturidade.

A sucessão da caça e da coleta pelo sistema econômico da agricultura aconteceu aproximadamente, há dez mil anos atrás, acarretando assim várias mudanças para infância.

Stearns (2006) destaca que a transformação mais notória que a agricultura ocasionou para infância foi uma redefinição da utilidade das crianças no trabalho. Não se sabe ao certo quando as famílias do período agrícola perceberam que as crianças poderiam ser uma mão de obra valiosa. O que o autor destaca é que as taxas de natalidade aumentaram no período agrícola, resultado decorrente da expansão do suprimento alimentar. Também as crianças eram consideradas aptas e deveriam auxiliar de maneira contínua e não somente esporadicamente na produção de alimentos.

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os pais, com o objetivo de que esses ensinamentos se estendessem até a fase adulta e, assim, a família garantiria força de trabalho para a economia familiar.

Assim, a família no período agrícola é considerada como o primeiro agrupamento de socialização de indivíduos e que é responsável em oportunizar valores éticos, vínculos de solidariedade e bem-estar das pessoas.

A família, como agrupamento humano, ora é influenciada por fatores históricos, sociais e econômicos, ora é a própria família que contribui para a mudança social, como se pode observar adiante. A compreensão de família para Ferrari (2002) é entendida como um grupo de indivíduos que compartilham circunstâncias históricas, culturais, sociais, econômicas e afetivas. Para essa autora, a família, que possui diálogo próprio e determinada dinâmica, não pode ser considerada somente como receptora, mas emissora de influências culturais e de acontecimentos históricos.

No entendimento de Deslandes, Assis e Silva (2004), além de sofrer influência dos meios sociais, culturais e econômicos, a família é considerada como um dos atores que colaboram para a mudança social. Ela não pode ser considerada como um grupo passivo diante da mudança social que somente absorve as variações sociais, mas como uma intérprete que colabora, segundo circunstâncias e vários graus de liberdade, para demarcar as formas e os sentidos da própria mudança social. Nesse contexto, é interessante observar a quebra do paradigma em que a família é vista somente como uma “esponja” que “absorve” as influências do contexto externo ou como uma ilha isolada dos contextos históricos, culturais, sociais e econômicos. É dentro desse subsistema chamado família que está presente a tensão de poderes constituídos e constituintes da sociedade. Apesar da maioria das famílias no Brasil serem consideradas protetoras, ao custo de grandes sacrifícios (FALEIROS & FALEIROS, 2008), são nessas mesmas famílias que se encontram formas de relacionamentos adultocêntricos, machistas, autoritários e preconceituosos.

É nesse contexto de relações desiguais, em que o dominador utiliza-se de coação e agressão e transforma o dominado em objeto para seus proveitos, que reside a violência doméstica contra criança.

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significado e à experiência na infância. Dentre elas, Stearns (2006) destaca o status na infância, cujas marcas corporais e adornos indicavam as crianças que faziam parte dos grupos mais abastados e emergentes. Exemplo dessa realidade é retratado nas crianças da antiga civilização Maia, na América Central, que tinham a cabeça enfaixada, quando ainda eram bebês, e, assim, permaneciam, durante toda a infância, com a finalidade de alongar a cabeça, produzindo, dessa maneira, uma prova visível e contínua de sua condição social.

Outro caso de demonstração de status refere-se às meninas chinesas que tinham seus pés amarrados a ponto de causar deformações, prejudicando sua locomoção. Entretanto, o andar arrastado que essas meninas apresentavam por toda a vida era visto como algo elegante e charmoso. Por consequência, esse grupo de crianças tinha a condição de exercer trabalho reduzido.

Além dessas práticas ainda havia a questão da alimentação diferenciada para as crianças da classe alta, que tinham acesso à comida apropriada, principalmente em relação à proteína, como a carne. Stearns (2006) destaca que era uma diferença significativa em relação ao tamanho entre uma criança de classe alta e a maioria das crianças da sociedade em geral.

A questão de gênero2 entre as crianças era marcada pela diferença em termos de tarefas, funções e grau de importância entre meninos e meninas. Na maior parte das sociedades, a menina era considerada inferior; as que apresentavam alguma deficiência eram mais susceptíveis ao infanticídio. Para as meninas havia rigorosas práticas de castigos como cárcere domiciliar, acorrentamento e, para os meninos, a punição incluía marcas na testa.

Outro fator que influenciou a delimitação de gênero foi o advento da escrita e da leitura nessas sociedades. Somente os meninos e os de classe alta tinham acesso à leitura; para as meninas restavam os afazeres domésticos.

Apesar da visão da criança na sociedade agrícola como uma trabalhadora produtiva, a cultura e a lei concediam aos pais o poder de punir seus filhos, diante de uma desobediência, com a morte ou a expulsão do convívio familiar. A punição para alguns pais que, frequentemente, espancavam seus filhos se resumia em punições modestas. Em tempos econômicos difíceis, os pais podiam vender seus filhos para, assim, colaborar com as despesas familiares e reduzir os seus encargos. Em contrapartida, as leis que protegiam crianças apresentavam reduzido aprimoramento e pouca efetividade para os casos de agressões contra crianças.

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O relato histórico das primeiras civilizações nos mostra um preâmbulo da diversidade de circunstâncias a que estava submetida a criança. Nesse contexto, a mudança mais notória que a sociedade agrícola ocasionou foi uma nova concepção quanto à inserção das crianças no trabalho. O trabalho produtivo caracterizou-se, nesse período, como a essencial descrição da infância. Destaque-se que a infância exibia mais questões em comum nos diferentes grupos sociais do que disparidades, principalmente, tratando-se do utilitarismo da criança. Outra questão comum entre os grupos sociais que merece consideração é a reduzida importância dada à infância e à violência que as crianças sofriam, como castigos, punições e até mesmo o que se denomina atualmente de tráfico infantil3, em tempos de dificuldades econômicas.

2.2.2 A infância e as civilizações clássicas

Como considerado anteriormente, o maior impacto que a infância sofreu no período agrícola consistiu em torná-la útil para a economia e a obediência era a garantia dessa força de trabalho.

Assim, essa infância já influenciada pela agricultura passou a sofrer novas influências das civilizações clássicas por meio de princípios advindos de crenças, estilos artísticos, padrões políticos, organizações sociais e comércio. Aqui, o foco está direcionado às sociedades chinesa, mediterrânea e indiana, que, segundo Stearns, (2006) apresentam características que ressoam até os nossos dias.

A infância na sociedade chinesa

A China é considerada por Stearns (2006) como a civilização clássica que primeiro obteve uma forma razoavelmente nítida sobre as características da infância. O período

3 O tráfico de seres humanos não visa somente a fins comerciais (prostituição, turismo sexual, pornografia etc.),

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clássico na China recebeu grande influência do confucionismo, atribuindo significativo número de características à infância com regras tão aperfeiçoadas, que até determinava como uma criança deveria chorar seus pais falecidos. “[...] o próprio Confúcio recomendava três anos para pai e mãe, o mesmo lapso de tempo em que uma criança havia sido amamentada” (STEARNS, 2006, p.41).

É interessante esclarecer que os registros em relação à infância, em sua maioria, praticamente em todas as civilizações clássicas, são percepções da classe mais alta – a única comumente instruída, se comparada à população, em geral.

Na sociedade chinesa clássica, o filho poderia ser punido por criticar pais e sentenciado à morte por decapitação, se ofendesse os mesmos. Entretanto, os pais que agrediam ou matassem seus filhos recebiam penas modestas. Comportamentos como preguiça, envolvimento em jogo ou até bebida incidiam em expulsão da família por parte dos pais, contando com o apoio das Cortes de Justiça. Nesse contexto, era comum que os pais decidissem o casamento do filho, assim que a criança nascia, com o objetivo de aumentar os arranjos de propriedade para a família.

Existiam leis que resguardavam as crianças, entretanto eram menos elaboradas e a punição branda. As severas práticas de punição e o infanticídio eram deliberados em lei; a matança de meninas e de crianças defeituosas estava relacionada a questões econômicas: as meninas eram assassinadas em períodos de dificuldades econômicas e as crianças defeituosas, porque acarretavam cuidados onerosos.

O confucionismo orientava os pais a não exprimir sentimento excessivo pela morte de um filho. As crianças que viessem a falecer mereciam rara manifestação pública de emoção. Com efeito, a cultura chinesa demonstrava escassa afeição pelas qualidades infantis.

Em relação à educação, aos pais cabia a responsabilidade de garantir que as crianças obtivessem sucesso nos estudos, entretanto a educação na China clássica fazia distinção de gênero e era hierárquica. Somente os meninos e de classe alta eram incentivados pelo confucionismo a estudar. Às meninas estava reservada uma educação peculiar, na qual se destacava o desenvolvimento de aptidões para administrar uma casa e de obediência.

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De acordo com Stearns (2006), há vários escritos no período clássico que registram a visão confuciana sobre educação, com destaque para as questões ligadas à moral e à instrução acadêmica. No currículo era incentivado o estudo em história e literatura clássica, com ênfase na memorização. Uma das características incentivadas pela civilização chinesa está relacionada à disciplina e à obediência, enfatizando a autoridade paterna.

A infância na sociedade mediterrânea

Os registros históricos sobre a civilização grega não demonstram uma visão objetiva da concepção de crianças. Existem ambiguidades que dificultam a compreensão dessa sociedade a respeito da ‘noção de criança’. Os registros da cultura grega e romana são a porta de entrada para se considerar a ideia de infância e o pensamento na história sobre a infância. Aos romanos é atribuída uma visão moderna de infância por meio dos escritos de Quintiliano, ao declarar a necessidade de proteger as crianças de alguns segredos, dentre eles, os sexuais (POSTMAN, 2012; STEARNS, 2006).

Os gregos são considerados os fundadores da civilização ocidental. A partir da sociedade grega, inúmeras concepções, consideradas patrimônio da humanidade, foram desenvolvidas, como a geometria, a lógica, a gramática, a filosofia, a física, a biologia, a matemática teórica, a retórica, a astronomia científica, o teatro, a democracia, a arte da guerra e, até mesmo, os jogos olímpicos.

Nos registros sobre as civilizações mediterrâneas clássicas fica evidente o escasso vínculo em relação às crianças e seus pais, até porque esse tipo de relacionamento não era regra. Em muitas famílias, de acordo com os registros, a criança, principalmente da classe alta, convivia com diferentes adultos, além dos seus pais em suas residências.

Fica evidente, segundo Stearns (2006) e Koan (2003), na discussão sobre a infância nas culturas grega e romana, o destaque atribuído à juventude. Essas culturas tinham admiração pela juventude. Esses autores afirmam que, ao mesmo tempo em que o físico e a estética eram exaltados, a juventude também era considerada como um período de excitação, desordem e fase explosiva que deveria se passar o mais rápido possível para fase adulta.

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