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Mutação constitucional dos direitos fundamentais versus insegurança jurídica

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(1)

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA CÍNTIA CLEUSA COSTA

MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS VERSUS INSEGURANÇA JURÍDICA

Tubarão 2011

(2)

CÍNTIA CLEUSA COSTA

MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS VERSUS INSEGURANÇA JURÍDICA

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de Pesquisa: Justiça e Sociedade

Orientador: Prof. Narbal Antônio de Mendonça Fileti, MSc.

Tubarão 2011

(3)

CÍNTIA CLEUSA COSTA

MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS VERSUS INSEGURANÇA JURÍDICA

Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovada em sua forma final pelo Curso de Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubarão, 20 de junho de 2011.

______________________________________________________ Prof. e orientador Narbal Antônio de Mendonça Fileti, MSc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Fábio Abul-Hiss, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Erivelton Alexandre de Mendonça Fileti, Esp.

(4)

Aos meus pais, Jovino Costa e Maria Cleusa Costa.

(5)

AGRADECIMENTOS

A gratidão se manifesta em um olhar, em um sorriso, em um aperto de mão, mais ainda em um forte abraço. Contudo, não poderia deixar de registrar, ainda que singelamente, a imensidão do sentimento por aqueles que contribuíram, das mais variadas formas, à realização deste trabalho e, por conseguinte, à conclusão do curso de Direito.

Assim, sem esquecer tantos aos quais sou muito grata, agradeço sinceramente: ao professor Narbal Antônio de Mendonça Fileti, pela orientação, considerações e sua prestimosa atenção, durante toda a confecção do trabalho;

ao amigo Felippi Ambrósio, pela gentil compreensão a mim dispensada, pelo incansável incentivo aos estudos e pelo convívio desvelador que muito amadurecimento me traz;

ao amigo João Luiz de Carvalho Botega, sempre disposto a ajudar, pelas ricas críticas e sugestões às colocações que lhe exponho, pelos instigantes diálogos e pelo inestimável apoio e incitamento não só a este trabalho, mas também ao estudo de outras matérias jurídicas;

às amigas Bárbara Mendes Orlandi, Marisa Mayer Wensing e Vera Lúcia de Carvalho Barjona, pela tolerância, preocupação, confiança, pelas angústias e alegrias compartilhadas, pela companhia nas madrugadas e finais de semana de estudo e por tanto carinho;

ao meu irmão, Wagner Jovino Costa, por ter me ensinado a atravessar a rua e chegar à escola, por ter despertado a curiosidade pelos livros quando deixava os seus espalhados no quarto, mas, essencialmente, por ser exemplo sempre;

e aos meus pais, Jovino Costa e Maria Cleusa Costa, por terem me ensinado com muita sapiência que sempre há felicidade onde há respeito, honestidade, humildade, pelo incessante estímulo, e, sobretudo, pela dedicação e pelo amor incondicional. Sem eles nada seria possível.

(6)

“Se a Constituição deve possibilitar o vencimento da multiplicidade de situações problemáticas que se transformam historicamente, então seu conteúdo deve ficar necessariamente „aberto para dentro do tempo‟”. (KONRAD HESSE)

(7)

RESUMO

A presente monografia refere-se à pesquisa do fenômeno da mutação constitucional dos direitos fundamentais e a insegurança jurídica. Os direitos fundamentais presentes na Constituição brasileira de 1988, em uma ordem constitucional aberta, possuem, dada sua estrutura, capacidade para captar as mudanças da realidade. Dessarte, a pesquisa objetiva o estudo da flexibilidade e do conteúdo relativo dos direitos fundamentais e, a partir disso, a ocorrência da mutação constitucional desses direitos. Além disso, pretende-se verificar com a pesquisa se, quando da mutabilidade das normas indispensáveis para o homem e para a sociedade, há insegurança no ordenamento jurídico. Para tanto, utiliza-se o método de investigação dedutivo e a técnica de pesquisa, quanto ao nível, exploratória e, quanto ao procedimento, bibliográfica. Assim, faz-se a análise do conceito, inclusive materialmente aberto, e histórico dos direitos fundamentais. Explicitam-se, ainda, as principais classificações em dimensões e os elementos característicos para a compreensão do tema, bem como o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e sua multifuncionalidade. Em seguida, discorre-se sobre a Constituição como um sistema aberto de regras e princípios, averiguando, inicialmente, o seu conceito e sua estrutura normativa. Após, passa-se a investigar o princípio da segurança jurídica, como expressão inarredável do Estado de Direito, nas suas dimensões objetiva e subjetiva até a formação da sua delimitação conceitual. Por derradeiro, aprecia-se a mutação constitucional e suas modalidades de incidência. Nesse sentido, a mutação constitucional dos direitos fundamentais pode ocasionar incertezas não compatíveis co m a segurança preterida pelo ordenamento jurídico. Contudo, não passa de uma sensação de que isso possa vir a ocorrer, dado que o fenômeno se propõe a assegurar a estabilidade dos direitos fundamentais consoante a realidade social. Assim, conclui-se que não há insegurança jurídica com a mutação constitucional dos direitos fundamentais.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Constituição. Princípio da segurança jurídica. Certeza do direito. Mutação constitucional. Interpretação constitucional.

(8)

ABSTRACT

The present monograph mentions the research on the phenomenon of mutation constitutional fundamental rights and legal uncertainty. The fundamental rights present in the Brazilian Constitution of 1988 in an open constitutional order, have given their structure, ability to grasp the changing reality.Thus faces, the research aims to study the flexibility and the relative content of fundamental rights, and from this the occurrence of constitutional mutation of these rights. In addition, we intend to check with the research, when the changeability of the standards necessary for man and society, there is uncertainty in the legal system. For this, we use the deductive method of investigation and research technique, the level, exploratory and, as the procedure of the literature. Thus, it is the concept analysis, including physically open, and history of fundamental rights. Explicit is also the main classifications in dimensions and the characteristic elements for understanding the topic as well as the essential content of fundamental rights and their multifunctionality. Then talks about the Constitution itself as an open system of rules and principles by examining, first, its concept and its normative structure. After, we go to investigate the principle of legal certainty, as an expression of inexorable rule of law in its objective and subjective dimensions until the formation of its conceptual delimitation. For last, you may appreciate the changing constitutional arrangements and their implications. In this sense, constitutional mutation of fundamental rights may not lead to uncertainties compatible with safety neglected by the legal system. However, there is a feeling that this might occur, since the phenomenon is proposed to ensure the stability of fundamental rights as a social reality. Thus, we conclude that there is legal uncertainty with a constitutional mutation of fundamental rights.

Keywords: Fundamental Rights. Constitution. Principle of legal certainty. Certainty. Constitutional mutation. Constitutional interpretation.

(9)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... 10

1.2 JUSTIFICATIVA... 10 1.3 OBJETIVOS ... 11 1.3.1 Objetivo geral ... 11 1.3.2 Objetivos específicos ... 11 1.4 CONCEITOS OPERACIONAIS ... 12 1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 12

1.6 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS ... 13

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 14

2.1 DELIMITAÇÃO TERMINOLÓGICA ... 14

2.2 CONCEITO MATERIALMENTE ABERTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 16

2.3 HISTÓRICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS... 18

2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS DIMENSÕES ... 23

2.5 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 26

2.6 CONTEÚDO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 27

2.7 FUNÇÕES OBJETIVA E SUBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 29

2.7.1 Função objetiva dos direitos fundamentais ... 30

2.7.2 Função subjetiva dos direitos fundamentais ... 31

2.8 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 32

2.8.1 Direitos fundamentais como direitos de defesa ... 33

2.8.2 Direitos fundamentais como direitos a prestações ... 34

3 CONSTITUIÇÃO E PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA ... 36

3.1 CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO ... 36

3.2 A ESTRUTURA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO: PRINCÍPIOS E REGRAS ... 40

3.3 A CONSTITUIÇÃO COMO UM SISTEMA ABERTO DE REGRAS E PRINCÍPIOS .. 43

3.4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EXPLÍCITOS E IMPLÍCITOS ... 45

3.5 PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA ... 47

4 MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL ... 52

4.1 DELIMITAÇÃO TERMINOLÓGICA ... 52

(10)

4.3 FENÔMENO DA MUTABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E SUAS

CARACTERÍSTICAS ... 58

4.4 MODALIDADES DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL ... 63

4.4.1 Mutação constitucional por interpretação constitucional ... 64

4.4.2 Mutação constitucional por costume constitucional ... 69

4.5 OCORRÊNCIA DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS VERSUS INSEGURANÇA JURÍDICA ... 72

5 CONCLUSÃO ... 81

REFERÊNCIAS ... 84

ANEXO ... 88

ANEXO A – Ementa dos acórdãos ilustrados como exemplo de mutação constitucional dos direitos fundamentais ... 89

(11)

1 INTRODUÇÃO

O tema do presente trabalho refere-se à mutação constitucional dos direitos fundamentais e a insegurança jurídica. Para tanto, passa-se a expor os elementos norteadores da pesquisa.

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

As normas constitucionais, especialmente as que se referem aos direitos fundamentais, apresentam disponibilidade e capacidade de aprendizagem para captar as mudanças da realidade, estando abertas às concepções cambiantes de “verdade” e “justiça”1.

Por conta disso, a evolução do meio social e o momento histórico permitem que sejam atribuídas interpretações, sem, necessariamente, modificação do texto dos dispositivos constitucionais. Isso, contudo, pode ocasionar incertezas que distanciem o eixo principal em torno do qual deve o Estado gravitar: segurança jurídica.

Desse modo, considerando o conflito permanente dos valores sociais e em virtude do caráter altamente principiológico e estrutural da Constituição de 1988, a pesquisa questiona: há insegurança jurídica com a mutação constitucional dos direitos fundamentais?

1.2 JUSTIFICATIVA

A Constituição Federal de 1988 é a lei máxima do Brasil, formada por princípios e regras, em busca da consolidação do Estado Democrático de Direito. Isso, por si só, já revela a importância de qualquer estudo que envolva a referida norma.

Entretanto, a Carta Magna tem sofrido constante processo de releitura e complementação dos seus dispositivos por meio do fenômeno da mutação constitucional, principalmente pela via da interpretação judicial.

1

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 1159.

(12)

O tema ganha destaque nas decisões envolvendo os direitos fundamentais, partindo-se da premissa de que esses são variáveis no „espaço‟ e no „tempo‟ e não seria possível exaurir seu rol de proteções, pois assim como inexiste elenco exaustivo de possibilidades de tutela, também não existe rol fechado dos riscos para a pessoa humana e os direitos que lhe são inerentes2.

A par disso, constatou-se a necessidade de averiguar a mutação constitucional dos direitos fundamentais e a possibilidade de insegurança jurídica.

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo geral

Investigar os elementos da estrutura normativa da Constituição Federal de 1988 e, com isso, definir o fenômeno da mutação constitucional, nas situações que envolvam os direitos fundamentais, com vista a saber se há insegurança jurídica com a mutação constitucional dos direitos fundamentais.

1.3.2 Objetivos específicos

Compreender o que são os direitos fundamentais, suas dimensões, características, conteúdo essencial e funções.

Identificar o conceito jurídico de Constituição e examinar sua estrutura normativa. Explicar no que consiste o princípio da segurança jurídica.

Definir mutação constitucional e analisar seus pressupostos, limites e seus elementos característicos, bem como suas modalidades.

Averiguar como ocorre a mutação constitucional dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro e se o fenômeno traz insegurança jurídica à sociedade.

2

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 98-99.

(13)

1.4 CONCEITOS OPERACIONAIS

Direitos Fundamentais: direitos do ser humano que foram reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado3.

Constituição: algo que tem, como forma, um complexo de normas; como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais; como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, poder que emana4.

Mutação constitucional: fenômeno por meio do qual, sem emendas ou revisões, são introduzidas, no processo de concretização/aplicação, por meio da interpretação constitucional e/ou integração pelos costumes, alterações no sentido, significado ou alcance de determinadas normas constitucionais (que tenham conteúdo minimamente aberto/elástico), desde que estas alterações sejam comportadas pelo programa normativo5.

Insegurança Jurídica: é a impossibilidade de a sociedade antever como atuarão os poderes constituídos e instabilidade dos atos por esses emanados.

1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Neste trabalho, o método de investigação a ser empregado será o método dedutivo, porque o estudo parte de uma análise de proposições universais para atingir conclusões específicas.

O tipo de pesquisa, em todo o conteúdo do trabalho monográfico, será, quanto ao nível, exploratória, pois se busca investigar a natureza da mutação constitucional dos direitos fundamentais e os fatores que podem ou não levar a insegurança jurídica. Já quanto ao procedimento para a coleta de informações, a pesquisa será bibliográfica, mediante a leitura exaustiva e aprofundada da Constituição Federal, de doutrinas, artigos e decisões judiciais.

3

FILETI, Narbal Antônio Mendonça. A fundamentalidade dos direitos sociais e o princípio da proibição de

retrocesso social. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009. p. 31

4

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 39.

5

KUBLISCKAS, Márcio Wellington. Emendas e mutações constitucionais: análise dos mecanismos de alteração formal e informal da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Atlas, 2009. p.78.

(14)

1.6 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS

O desenvolvimento da monografia foi estruturado em três capítulos.

No primeiro capítulo, será abordada a questão dos direitos fundamentais, sua delimitação conceitual, inclusive materialmente aberta, como também histórico social desses direitos em uma digressão conjunta com o histórico dos direitos humanos, haja vista as origens atreladas umas as outras. Na sequência, passa-se a fazer referência doutrinária sobre os direitos fundamentais, discorrendo acerca de sua classificação em dimensões e os seus elementos característicos. No mesmo norte, analisa-se o conteúdo essencial dos direitos fundamentais, a partir das teorias absoluta e relativa, e as funções dos direitos fundamentais como direitos com funções objetivas e subjetivas. Ao final, aborda-se a multifuncionalidade dos direitos fundamentais, ao passo que a depender do caso concreto alguns direitos fundamentais assumem mais de uma função.

Em seguida, no segundo capítulo será analisado no que consiste a Constituição Federal, para, posteriormente, aferir-se a sua estrutura normativa. Com isso, trata-se-á da Constituição como um sistema aberto de regras e princípios, com o intuito de comprovar que os direitos fundamentais estão inseridos em uma ordem constitucional aberta. Além disso, será abordado o princípio da segurança jurídica.

Por fim, no terceiro capítulo examinar-se-á a mutação constitucional, identificando-se, a par das considerações na doutrina brasileira contemporânea, seu conceito, seus pressupostos, seus limites e seus elementos característicos, bem como suas modalidades de incidência. Para encerrar, dedicar-se-á ao estudo do fenômeno da mutabilidade das normas de direitos fundamentais dentro da ordem constitucional aberta e a questão da insegurança jurídica.

(15)

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

No Preâmbulo da atual Constituição da República Federativa do Brasil já se proclama o propósito de “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar [...]”.1

Por conta disso, o estudo das normas constitucionais não pode se desvencilhar da pretensão primordial do constituinte originário de promoção dos direitos fundamentais.

Assim, imprescindível é, antes do estudo acerca do fenômeno da mutação constitucional dos direitos fundamentais, examinar a delimitação conceitual do termo “direitos fundamentais”. Adotar-se-á a mencionada terminologia, já que se considera como a adequada para as finalidades do trabalho monográfico, como se verá a seguir.

2.1 DELIMITAÇÃO TERMINOLÓGICA

O termo “direitos fundamentais” não é uníssono, nem na doutrina nem no direito positivo (constitucional ou internacional). Isso porque coexistem diferentes locuções junto à expressão “direitos fundamentais”, tais como “direitos naturais”, “direitos humanos”, “direitos do homem”, “direitos subjetivos públicos”, “liberdades públicas”, “direitos individuais”, “liberdades fundamentais” entre outras.2

Não difere a Constituição Brasileira de 1988 referindo-se aos direitos fundamentais, ao passo que traz em seu corpo as seguintes expressões: direitos humanos (art. 4º, inc. II), direitos e garantias fundamentais (epígrafe do Título II e art. 5º, § 1º), direitos e liberdades constitucionais (art. 5º, inc. LXXI) e direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, inc. IV).3

Nessa senda, aviva-se maior confusão entre as expressões direitos naturais, direitos humanos e direitos fundamentais. Nota-se que a expressão direitos humanos é a mais utilizada na cultura jurídica e na política atual por aqueles que se ocupam do homem, do

1

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 22 mar. 2011.

2

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 175.

3

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 34.

(16)

Estado e do Direito, como também é esse o termo comumente usado como sinônimo de direitos fundamentais.4 Entretanto, em que pesem as estreitas diferenças entre os gêneros, a cada um são reservados traços dentro da ordem estatal.

Os direitos naturais (no sentido de direitos do homem) advêm de uma concepção jusnaturalista5 e remetem-se aos direitos intrínsecos à natureza do homem, só pelo fato de ser homem.6 Os direitos naturais figuram como uma fase anterior ao reconhecimento dos direitos fundamentais e humanos. Na visão de Sarlet, essa fase “pode ser denominada de uma „pré-história‟ dos direitos fundamentais”.7

Já a expressão direitos humanos possui vocação universalista e revela um evidente caráter supranacional (internacional), pois se relaciona com aquelas posições jurídicas reconhecedoras do ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, inseridas em tratados e outros documentos internacionais, para todos os povos e tempos.8

Os direitos vinculados a uma ordem constitucional, que foram reconhecidos e positivados, a seu turno, são tidos como “direitos fundamentais”.9 São direitos que vigem numa ordem jurídica concreta, sendo, por isso, garantidos e limitados no espaço e no tempo – pois assegurados na medida em que cada Estado os consagra.10

Assim, os direitos humanos teriam vigência e validade universal, não necessitando de validação nas constituições nacionais e nem se confundindo com os direitos naturais. Enquanto os direitos fundamentais, segundo Sarlet, constituem:

O conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação, se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito.11

4

FILETI, Narbal Antônio Mendonça. A fundamentalidade dos direitos sociais e o princípio da proibição de

retrocesso social. Florianópolis: Conceito Editoral, 2009. p. 31.

5

Jusnaturalismo: “Teoria do direito natural configurada nos sécs. XVII e XVIII [...], cujos defensores formam um grande contingente de autores dedicados às ciências políticas, serviu de fundamento à reinvindicação das duas conquistas fundamentais no mundo moderno no campo político: o princípio da tolerância religiosa e o da limitação dos poderes do Estado [...]. O J. distingue-se da teoria tradicional do direito natural por não

considerar que o direito natural represente a participação humana numa ordem universal perfeita [...], mas que ele é a regulamentação necessária das relações humanas, a que se chega através da razão, sendo, pois,

independente da vontade de Deus”. Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução Alfredo Bosi. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 593.

6 SILVA, 2007, p. 176. 7 SARLET, 2006, p. 37. 8 Ibid., p. 36. 9 Ibid., p. 35-36. 10

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 393.

11

(17)

No mesmo sentido, é o entendimento de Fileti, para quem os direitos fundamentais são “os direitos do ser humano que foram reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado”.12

Ainda é o mesmo pensar de Bonavides, citando Hesse, quando afirma que “os direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais”.13

Alexy, contudo, ressalva que “uma definição geral sustenta que normas de direitos fundamentais são todas as normas para as quais existe a possibilidade de uma correta fundamentação referida a direitos fundamentais”.14

Nessa senda, é esclarecedora a lição de Miranda:

[...] admitir que direitos fundamentais fossem em cada ordenamento aqueles direitos que a sua Constituição, expressão de certo e determinado regime político, como tais definisse seria o mesmo que admitir a não consagração insuficiente ou a violação reiterada de direitos como o direito à vida, a liberdade de crenças ou a participação na vida pública só porque de menor importância ou desprezíveis para um qualquer regime político [...].15

Assim, os direitos fundamentais não podem ser considerados tão somente como aqueles direitos e liberdades garantidos em um rol fechado nas constituições, mas sim como aqueles direitos da natureza da pessoa humana, de modo a protegê-la em sua dignidade.

Registra-se que os termos não são reciprocamente excludentes ou incompatíveis entre si. Há uma interação recíproca entre eles, uma vez que não raro são acolhidos no catálogo de direitos fundamentais de um Estado direitos humanos e muitas outras vezes são os direitos fundamentais que servem de matriz aos direitos humanos.16

Assim, dado que o propósito desta pesquisa é analisar as variações dos direitos do ser humano no tempo e no espaço, no âmbito da Constituição Brasileira, conclui-se que a expressão “direitos fundamentais” é a mais adequada ao trabalho.

2.2 CONCEITO MATERIALMENTE ABERTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

12

FILETI, 2009, p. 31.

13

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 560.

14

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva, da 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 76.

15

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: direitos fundamentais. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. t. 4. p. 9.

16

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires;MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica

(18)

Os direitos fundamentais, por si só, pressupõem a fundamentalidade de direitos, portanto, “apontam para a especial dignidade e proteção dos direitos num sentido formal e num sentido material”.17

A fundamentalidade formal associa-se à positivação dos direitos fundamentais no direito constitucional e resulta, segundo Canotilho:

(1) normas consagradoras de direitos fundamentais, enquanto normas fundamentais, são normas colocadas no grau superior da ordem jurídica; (2) como normas constitucionais encontram-se submetidas aos procedimentos agravados de revisão; (3) como normas incorporadoras de direitos fundamentais passam, muitas vezes, a constituir limites matérias da própria revisão; (4) como normas dotadas de vinculatividade imediata dos poderes públicos constituem parâmetros materiais de escolhas, decisões, acções e controle, dos órgãos legislativos, administrativos e jurisdicionais.18

A fundamentalidade material decorre do fato de os direitos fundamentais estarem ligados às estruturas básicas do Estado e da sociedade, consagra-se por intermédio do direito constitucional, mas não está associada à ideia de fundamentalidade formal19, pode oferecer suporte, segundo Canotilho para:

(1) abertura da constituição a outros direitos, também fundamentais, mas não constitucionalizados, isto é, direitos materialmente mas não formalmente fundamentais; (2) a aplicação a estes direitos só materialmente constitucionais de alguns aspectos do regime jurídico inerente à fundamentalidade formal; (3) a abertura a novos direitos fundamentais.20

Desse modo, a abertura da Constituição a outros direitos fundamentais não constantes no seu texto e ao reconhecimento de outros direitos fundamentais situados fora do catálogo, mas integrantes da Constituição formal, se dá em razão da fundamentalidade material atribuída a esses direitos.21

A par disso, como já constatado alhures na doutrina de Alexy e Miranda, os direitos fundamentais não se resumem apenas ao rol fechado constante nas Constituições. De salutar completude ao conceito primordialmente elencado, Sarlet os define:

Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto 17 CANOTILHO, 2000, p. 378. 18 Ibid., p. 379. 19 Ibid., p. 379. 20 Ibid., p. 379. 21 SARLET, 2006, p. 89.

(19)

da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhe ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo).22

No direito pátrio essa construção de direitos fundamentais materialmente abertos é verificada no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 198823, que apresenta a existência de direitos não constantes no catálogo, mas pertencentes ao corpo fundamental da Constituição por seu conteúdo e substância.24

Do dispositivo mencionado, extrai-se que a abertura concedida aos direitos fundamentais acolhe outros direitos fundamentais não relacionados no Capítulo I, Título II, da Lei Suprema. Contudo, eles estão positivados esparsamente no texto constitucional, tais como os direitos sociais básicos (art. 6º da Constituição Federal de 1988), direitos fundamentais dos trabalhadores (art. 7º da Constituição Federal de 1988). Além disso, recepciona direitos fundamentais reconhecidos e ratificados em documentos internacionais e outros direitos fundamentais construídos a partir de caso concreto, não expressamente positivados.

Nesta quadra, Mendes admite que “direitos não rotulados expressamente como fundamentais no título próprio da Constituição podem ser como tal considerados, a depender da análise do objeto e dos princípios adotados pela Constituição.”25

A abertura concedida na Constituição Federal aos direitos fundamentais os tornam passíveis de identificação e construção jurisprudencial de direitos materialmente fundamentais não escritos.26

Assim, os direitos fundamentais como direitos positivados constitucionalmente devem ser contemplados amplamente, para que não se exclua os direitos integrantes da categoria em virtude do conteúdo e significado, dado conceito materialmente aberto a eles atribuído, no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988.

2.3 HISTÓRICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

22

SARLET, 2006, p. 91.

23

“Art. 5º [...]. § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, loc. cit.

24

SARLET, op. cit., p. 93.

25

BRANCO; COELHO; MENDES, 2000, p. 160-161.

26

(20)

A progressão histórica dos direitos fundamentais é tema vasto, passível de inúmeras discussões. Portanto, serão abordados, neste subitem, tão somente os aspectos mais relevantes desta temática.

Canotilho afirma que no processo de desenvolvimento dos direitos fundamentais é feito um corte histórico, ocorrendo a separação absoluta entre duas épocas: uma anterior ao

Virginia Bill Of Rights (12 de junho de 1776) e à Declaratión des Droits de I’Homme et du Citoyen (26 de agosto de 1789), caracterizada pela cegueira associada aos direitos do homem;

outra, depois desses documentos, definida pela chamada constitucionalização ou positivação dos direitos do homem nos documentos constitucionais.27

Na Antiguidade não existia ideia de que o homem possuía direitos e a escravidão, inclusive era considerada como algo natural por Platão e Aristóteles. Os primeiros indícios de reconhecimento de direitos fundamentais são percebidos na antiguidade clássica com o pensamento sofístico28, a partir da concepção de que os homens são de origem comum, aproximando-se da tese de igualdade e da ideia de humanidade. Seguidamente, no pensamento estóico29 o princípio da igualdade se eleva com o reconhecimento de que os homens se encontram sob um nomos unitário, o que os torna cidadãos do grande Estado universal. Nos dizeres de Canotilho, “aqui já se visualiza a ideia de universalização ou

planetarização dos direitos do homem”.30

Igualmente, o Cristianismo31 influenciou no processo de consagração dos direitos do homem, necessários à dignidade da pessoa humana, com teses de igualdade de todos os homens (igualdade perante Deus).32

27

CANOTILHO, 2000, p. 380.

28

Sofística: denominação genérica do conjunto de doutrinas de filósofos contemporâneos de Sócrates e Platão, conhecidos como sofistas. A sofística caracteriza-se pela preocupação com questões práticas e concretas da vida da cidade, pelo relativismo em relação à moral e ao conhecimento, pelo antropocentrismo, pela

valorização da retórica e da oratória como instrumentos de persuasão. Cf. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 252.

29

Estoicismo: uma das grandes escolas filosóficas do período helenista, fundada por volta de 300 a.C. por Zenão de Cício. Esta escola afirmava o primado da questão moral sobre as teorias e o conceito de filosofia como vida contemplativa acima das ocupações, das preocupações e das emoções da vida comum e, ao lado do

aristotelismo, foi a doutrina que maior influência exerceu na história do pensamento ocidental. Cf. ABBAGNANO, 2000, p. 375-376.

30

CANOTILHO, op. cit., p. 381.

31

“O cristianismo [...] continha uma mensagem de libertação do homem, na sua afirmação da dignidade eminente da pessoa humana, porque o homem é uma criatura formada à imagem de Deus, e esta dignidade pertence a todos os homens sem distinção, o que indica uma igualdade fundamental de natureza entre eles”. Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 173-174.

32

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 7.

(21)

Outrossim, no pensamento tomista33 assume relevo a dignidade humana34, abrindo caminho para a positivação de normas fundadas na própria natureza do homem.35

A doutrina jusnaturalista contribuiu para o desenvolvimento deste processo de reconhecimento dos direitos fundamentais, de modo especial por meio das teorias do contratualismo36, principalmente nos séculos XVII e XVIII, ao tempo que ocorre um processo de laicização do direito natural de inspiração jusracionalista, com apogeu no Iluminismo37.38 Nesse período, afirmou-se a concepção de direitos humanos universais,39 independentemente de crenças religiosas.40

Merece destaque a ideia do contratualista John Locke, que, contrariando Hobbes41, reage ao processo de absolutização42, reconhecendo que os direitos naturais e inalienáveis do homem (vida, liberdade, propriedade, resistência) são oponíveis aos detentores de poder, com fundamento no contrato social.43 A partir disso, inicia-se o processo de constitucionalização e reconhecimento de direitos de liberdades dos indivíduos considerados como limites do poder estatal.44

Não menos importantes foram as ideias defendidas por Thomas Paine, na América, que propagou a expressão “direitos do homem”45

; Jean-Jacques Rousseau, na França, que concebia a liberdade, como liberdade no Estado-sociedade46; e, Emannuel Kant, na Alemanha, inspirado em Rousseau, afirma que todos os direitos estão abrangidos no direito de liberdade, definindo a liberdade como a faculdade de se obedecer às leis, cujas quais foram dadas o seu livre consentimento.47

33

Tomismo: Fundamentos da filosofia de S. Tomás, conservados e defendidos pelas correntes medievais e modernas que nele se inspiram. “Podem ser assim resumidos: 1º A relação entre razão e fé [...]; 2º Analogicidade do ser [...]; 3º Caráter abstrativo do conhecimento; 4º A individuação depende da matéria assinalada; e, 5º A clássica explicação dos dois dogmas cristãos da Trindade e da Encarnação”. Cf. ABBAGNANO, 2000, p. 962-963. 34 SARLET, 2006, p. 46. 35 CANOTILHO, 2000, p. 382. 36

Contratualismo: “Doutrina que reconhece como origem ou fundamento do Estado (ou geral, da comunidade civil) uma convenção ou estipulação (contrato) entre seus membros. Essa doutrina é bastante antiga, e, muito provavelmente, os seus primeiros defensores foram os sofistas”. Cf. ABBAGNANO, op. cit., p. 205.

37

Iluminismo: “Linha filosófica caracterizada pelo empenho em estender a razão como crítica e guia de todos os campos da experiência humana”. Cf. ABBAGNANO, 2000, p. 534.

38

SARLET, op. cit., p. 46.

39

CANOTILHO, op. cit., p. 382.

40

SARLET, op. cit., p. 47.

41

Hobbes parte da ideia de que os indivíduos, ao celebrarem o pacto social, abandonam seus direitos e liberdades ao soberano absoluto que deve proteger os cidadãos. Cf. CANOTILHO, op. cit., p. 384.

42

CANOTILHO, 2000, p. 384.

43

SARLET, op. cit., p. 48.

44

Ibid., p. 48.

45

Ibid., p. 48.

46

CANOTILHO, op. cit., p. 384.

47

(22)

Ultrapassada essa primeira época em que reinava os ideais das teorias contratualistas jusracionalista, os direitos fundamentais passaram gradativamente a serem reconhecidos e positivados por meio de declarações.

Durante o período medieval já se tem registro de cartas de franquias, pactos e forais outorgados pelos reis portugueses e espanhóis. Na Inglaterra, no ano de 1215, o rei João-Sem-Terra firmou a Magna Charta Libertatum com os bispos e barões ingleses, com feição estamental, mas lançando alguns direitos e liberdade civis, como o habeas corpus, o devido processo legal e a garantia da propriedade.48

Não bastasse, também os ingleses emitiram outros documentos escritos, de grande contribuição para a afirmação dos direitos fundamentais, com a Petition of Rights, de 1628,

Habeas Corpus Act, de 1679, e o Bill of Rights, todos também garantidos de direitos e

liberdades apenas a determinadas castas, de tal sorte que não são hábeis a caracterizar uma constitucionalização desses direitos, nem mesmo a ser servir como marco inicial do nascimento dos direitos fundamentais.49

Segundo Sarlet, o primeiro documento dando conta do efetivo reconhecimento dos direitos fundamentais é a Declaração de Direitos do povo da Virgínia, de 1776, pois afirmava a universalidade e supremacia dos direitos naturais e vinculava todos os poderes públicos.50

Anos depois, na França, de indubitável importância foi outorgada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1779), fruto da transição do antigo regime e a instauração da ordem burguesa, proclamando os princípios da liberdade, da igualdade, da propriedade e da legalidade51.

Em contrapartida às Declarações americanas, a Declaração francesa não vinculava os poderes públicos, carecendo de um sistema de controle de constitucionalidade. Entretanto, foi fundamental para a progressão da positivação dos direitos e liberdades fundamentais, especialmente nas Constituições do século XIX.52

Pontifica Luño:

[...] não se deve perder de vista a circunstância de que a positivação dos direitos fundamentais é o produto de uma dialética constante entre o desenvolvimento das

48 SARLET, 2006, p. 49. 49 Ibid., p. 51. 50 Ibid., p. 52. 51 SILVA, 2007, p. 58. 52

(23)

técnicas de seu reconhecimento na esfera do direito positivo e a gradativa afirmação, no âmbito ideológico, das ideias de liberdade da dignidade humana.53 (traduziu-se)

Recentes documentos também colaboraram para a evolução dos direitos fundamentais, tais como a Constituição Mexicana de 1917, a Constituição de Weimar de 1919, na Alemanha, que demonstravam forte preocupação social em seus textos54, a Espanhola de 1931, a Francesa de 1946, a Italiana de 1947 e Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949.55

Os regimes totalitários vivenciados nessa época, somados à necessidade cada vez maior de proteção dos direitos fundamentais acabaram por eclodir na Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em Paris, em 10 de dezembro 1948, máxima conquista dos direitos fundamentais em nível internacional, inclusive sendo o Brasil signatário.56

Cumpre salientar, dentre outras declarações, pactos e tratados internacionais no continente americano, com o propósito de consolidar um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos essenciais, assume relevância ímpar a Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto San José da Costa Rica, de 1969.57

Certamente foi a partir desse cenário que o Brasil, desde a primeira Constituição em 1824 até a atual Constituição de 1988, elencou no seu texto, conforme o momento, rol de direitos e garantias fundamentais, conferindo a esses a essência dos regramentos ratificados em tratados internacionais. Ressalta-se que nos termos do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 198858, os tratados internacionais adotados pelo Brasil são equiparados aos direitos fundamentais constitucionalmente previstos.

Discorre Sarlet:

Os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos (daí seu conteúdo axiológico), integram, ao lado dos princípios estruturais e organizacionais (a assim denominada parte orgânica ou organizatória da Constituição), a substância propriamente dita, o núcleo substancial, formado pelas decisões fundamentais, de ordem normativa, revelando que mesmo num Estado constitucional democrático se tornam necessárias (necessidade que se fez sentir da forma mais contundente no período que sucedeu à Segunda Grande Guerra) certas vinculações de cunho material para fazer frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo.59

53

LUÑO, Antonio Henrique Perez. Los derechos fundamentales. 8. ed. Madrid: Tecnos, 2005. p. 31.

54

MORAES, 2005, p. 9.

55

LUÑO, op. cit., p. 39-40.

56

MORAES, op. cit., p. 18.

57

Ibid., p. 21.

58

“Art. 5º [...]. § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, loc. cit.

59

(24)

Em face deste breve histórico acerca do surgimento e da positivação dos direitos fundamentais, constata-se que eles são fruto de reinvindicações humanas e, por conseguinte, do aprimoramento da sociedade às necessidades de seus indivíduos, que, por oportuno, nascem a cada instante e não cessam por aqui.

2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS DIMENSÕES

No item anteriormente abordado constatou-se que os direitos fundamentais passaram por diversas transformações ao longo da história, desde a concepção cega dos direitos naturais até o seu reconhecimento, primeiramente, nos forais, cartas e declarações e depois nas Constituições. Entretanto, essas mudanças não foram substitutivas, mas sim um processo progressivo de expansão, aperfeiçoamento e surgimento de outros direitos fundamentais.

Essa consideração justifica a opção pelo termo “dimensões dos direitos fundamentais”, ao passo que remete a ideia de que os direitos foram gradativamente acumulados com o tempo, diferentemente do termo “gerações dos direitos fundamentais”, que conduz a de que uma geração foi substituída pela outra, havendo, inclusive, inúmeras críticas na doutrina sobre isso.

Acerca da temática, esclarece Sarlet:

A teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para, além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno „Direito Internacional dos Direitos Humanos‟. 60

Registra-se que a discussão é apenas terminológica, não havendo divergência quanto ao conteúdo das respectivas “dimensões de direito” ou “gerações de direito”.61

Nesse cenário há doutrinas que analisam já a existência de até uma quinta e uma sexta dimensões de direitos fundamentais. Contudo, ater-se-á as considerações feitas por Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Bonavides.

60

SARLET, 2006, p. 55.

61

(25)

Os direitos de primeira dimensão possuem origem no pensamento liberal-burguês do século XVIII, notadamente pelo desejo de não intervenção do Estado, portanto, são considerados direitos de defesa. Desse modo, constituem-se como direitos de cunho “negativo”, porquanto não exigem uma ação por parte do Poder Público, mas sim uma abstenção.62

Como já dito alhures, pela condição na época, são fortemente influenciados pelo jusnaturalismo, recebendo relevo os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei, ao que com o decurso do tempo são consagrados direitos de liberdade de expressão coletiva, como as liberdades de expressão, de imprensa, de manifestação, de reunião, de associação e pelos direitos de participação política, tais como o direito de voto e a capacidade eleitoral passiva, além de algumas garantias processuais como o devido processo legal, habeas corpus e o direito de petição.63

Em síntese, são os direitos da liberdade, consubstanciados em direitos civis e políticos, de titularidade do indivíduo e de resistência ao Poder do Estado.64

Os direitos de segunda dimensão nascem da necessidade de realização de justiça social pelo próprio Estado no decorrer do século XIX65 e são consagrados na maior parte das Constituições no século XX, com vista a garantir a todos o bem estar social. Portanto, são considerados direitos de prestação. Desse modo, contrariamente aos direitos da primeira dimensão são direitos de cunho “positivo”.66

Referem-se aos direitos sociais, culturais e econômicos também de caráter individual, de baixa normatividade e que dependem de um instrumento para não ter sua eficácia recusada. Nas Constituições estão havendo previsões para observância e execução desses direitos, inclusive no Brasil, a partir da formulação do preceito de aplicabilidade imediata, conforme previsto no art. 5º, § 1º, da Constituição Federal de 198867.68

Apresentam-se como direitos de prestações sociais: a assistência social, saúde, educação, trabalho, como também englobam as liberdades sociais, como a liberdade de sindicalização, do direito de greve, reconhecimento dos direitos dos trabalhadores (férias,

62 SARLET, 2006, p. 56. 63 Ibid., p. 56. 64 BONAVIDES, 2006, p. 563-564. 65

SARLET, op. cit., p. 56.

66

Ibid., p. 57.

67 “Art. 5º [...]. § 1º - As normas definidoras de direitos fundamentais têm aplicação imediata”. Cf. BRASIL.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, loc. cit.

68

(26)

repouso semanal remunerado, garantia de um salário mínimo, limitação da jornada de trabalho). 69

Para Bonavides,

os direitos sociais fizeram nascer a consciência de que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo, conforme ocorreria na concepção clássica dos direitos da liberdade, era proteger a instituição, uma realidade social muito mais rica e aberta à participação criativa e à valoração da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista, onde se formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densidade dos valores existenciais, aquele que unicamente o social proporciona em toda a plenitude.70

Assim, exsurge a concepção de que os direitos fundamentais possuem garantias institucionais de proteção, vinculados a uma liberdade “objetivada”. Nessa esteira, os direitos fundamentais passaram a compreender, além das garantias reconhecidas na primeira dimensão, os critérios objetivos de valores, bem como os princípios básicos que animam a lei maior, projetando-lhe unidade e fazendo a congruência fundamental com suas regras, ultrapassando a universalidade abstrata daqueles primeiros. 71

Os direitos fundamentais da terceira dimensão resultam do processo de descolonização do pós-guerra do século XX, a partir de novas reinvindicações, notadas, inclusive, pelo impacto tecnológico na época. Na visão de Sarlet, são definidos como direitos de solidariedade e de fraternidade. Diferentemente dos direitos das outras duas dimensões apresentadas até agora, são direitos de titularidade difusa, ou seja, coletiva, razão pela qual são ao mesmo tempo transindividuais e às vezes, para sua efetivação, dependem de empenho mundial.72

Bonavides vai além e afirma que os direitos da terceira dimensão “têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”.73

Contemplam dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação. A par desses direitos, por oportuno, diga-se de cunho “negativo”, pois de caráter preponderantemente defensivo, vislumbra-se a dificuldade para sua eficácia,

69 SARLET, 2006, p. 57. 70 BONAVIDES, 2006, p. 565. 71 Ibid., p. 568. 72

SARLET, op. cit., p. 58-59.

73

(27)

que depende de cooperação de toda a sociedade. Inegável, contudo, o avanço dos direitos fundamentais que além dos direitos naturais, das liberdades públicas protegem outros bens fundamentais, contra atos do poder do Estado e de particulares.74

Impede frisar que os direitos de terceira dimensão não são encontrados positivados nas Constituições democráticas, fazendo parte, de modo geral, de documentos internacionais.75 Por outro lado, a Constituição do Brasil de 1988 no art. 22576, já reconhece a necessidade de proteção ao meio ambiente para a garantia de uma vida digna.

Por fim, há uma tendência de se reconhecer a existência de uma quarta dimensão de direitos fundamentais, pautada nos direitos à democracia, à informação e ao pluralismo.

Nesse sentido, Bonavides posiciona-se favoravelmente ao reconhecimento da existência de uma quarta dimensão, sustentando que:

A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado Social. São direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de conveniência.77

De modo diferente das posições que elevam direitos contra a mudança de sexo, manipulação genética e outros, Bonavides oferece uma proposta nova em que os direitos das dimensões anteriores servem de pilares ao ápice que é o direito à democracia, a partir do qual se consagra a liberdade de todos os povos.78

Entretanto, consoante entendimento de Sarlet, os direitos de quarta dimensão ainda não foram consagrados nem no direito interno nem no externo, não passando a pretensão de justa esperança para um futuro melhor para a humanidade.79

2.5 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

74 SARLET, 2006, p. 59-60. 75 Ibid., p. 59. 76

“Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, loc. cit.

77

BONAVIDES, 2006, p. 571.

78

Ibid., p. 572.

79

(28)

O adjetivo fundamental do termo “direitos fundamentais” guarda relação com o que se entende por essencial, vital, indispensável, para o homem e para a sociedade.80 Por esse motivo, os direitos fundamentais são históricos, inalienáveis, imprescritíveis e irrenunciáveis, porquanto são variáveis no espaço e no tempo, inegociáveis, nunca deixam de ser exigíveis e podem não ser exercidos, mas não podem ser abdicados, respectivamente. 81

Com efeito, são direitos que exigem uma proteção maior, portanto são dotados de cláusula pétrea82, com o que se lhes proporciona um relevo singular no ordenamento jurídico.

Nessa senda, afirma Passos Neto que

os direitos subjetivos protegidos na Constituição por uma cláusula pétrea são portadores de uma qualidade específica que imediatamente lhes confere um status

especial. E, por essas duas características acrescidas, eles se revelam, distintos de

todos os demais e mais importantes que estes, figurando como direitos sem paralelos, em traço e valor, no ordenamento jurídico positivo. Agora sim, o adjetivo fundamental parece que depara uma base sólida para ganhar significação expressiva. É que, incorporado ao substantivo direito, ele realmente não pode pretender senão designar algo que particularize certos direitos em contraste com outros aos quais não se encontra anexado, e esse algo, até onde podemos ver, paira sobretudo nessa garantia contra o poder reformador, que alguns possuem com exclusividade e da qual outros são carecedores. Portanto, fundamental leve a pétreo e fundamentalidade conduz à intangibilidade.83 (grifo do autor)

Na Constituição brasileira esses traços são perceptíveis com a garantia e segurança, previstas art. 60, § 4º, inc. IV.84

Não menos importante, cumpre por fim dizer que os direitos fundamentais são universais, já que não pertencem a uma determinada classe ou categoria de pessoas, sendo todos na condição de homem seu titular.85

2.6 CONTEÚDO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

80

MARTINS NETO, João dos Passos. Direitos fundamentais: conceito, funções, tipos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 87.

81

SILVA, 2007, p. 181.

82

“No campo constitucional, cláusula pétrea é aquela imodificável, irreformável, insuscetível de mudança formal”. Cf. BULOS, Uadi Lammêgo. Cláusulas pétreas. Consulex, Brasília, DF, ano 3, n. 26, p. 46, fev. 1999.

83

MARTINS NETO, op. cit., p. 86.

84

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV - os direitos e garantias individuais”. Cf. BRASIL. Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988, loc. cit.

85

(29)

No tópico anterior foi constatado que os direitos fundamentais são dotados de cláusula de rigidez absoluta que os conduz à intangibilidade, traços que pressupõe a existência de limites para o conteúdo essencial dos direitos fundamentais.

Entretanto, a definição do que pertence a esse conteúdo é um desafio, especialmente na Constituição Brasileira de 1988 por ter aberto o alcance dos direitos fundamentais no § 2º do art. 5º, como constatado no subitem 2.2 deste estudo.

Virgílio apresenta duas teorias acerca do conteúdo essencial dos direitos fundamentais: conteúdo essencial absoluto (conteúdo essencial dinâmico e absoluto-estático) e conteúdo essencial relativo.

Sem a pretensão de exaurir o alcance e as críticas de cada teoria, cumpre tecer algumas considerações, com o fito de demonstrar a teoria adotada nesta pesquisa.

Na teoria do conteúdo essencial absoluto-dinâmico, o conteúdo dos direitos fundamentais não sofre relativizações com urgências e contingências, mas somente com o decurso do tempo.86

Já em relação à teoria do conteúdo essencial absoluto-estático, são absolutos em sentido material-temporal, ou seja, independente da realidade vigente a concepção de direitos fundamentais não se altera.87

Acerca da teoria absoluta, Mendes discorre que:

Os adeptos da chamada teoria absoluta entendem o núcleo essencial dos direitos fundamentais como unidade substancial autônoma que, independentemente de qualquer situação concreta, estaria a salvo de eventual decisão legislativa. Essa concepção adota uma interpretação material segundo a qualquer intervenção estatal. Em outras palavras, haveria um espaço que seria suscetível de limitação por parte do legislador; outro seria insuscetível de limitação. Neste caso, além da exigência de justificação, imprescindível em qualquer hipótese, ter-se-ia um „limite do limite‟ para a própria ação legislativa, consistente na identificação de um espaço insuscetível de regulação.88

Por sua vez, a teoria do conteúdo essencial relativo dos direitos fundamentais a serem protegidos “dependem das condições fáticas e das colisões entre diversos direitos e interesse no caso concreto”.89

Isso significa dizer que, para a proteção de determinado direito fundamental, dadas às circunstâncias do momento, em nada será afetado o conteúdo essencial de outro direito fundamental que fora restringido.

86

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 188.

87

Ibid., p. 189.

88

BRANCO; COELHO; MENDES, 2000, p. 43.

89

(30)

Mendes esclarece que “os sectários da chamada teoria relativa entendem que o núcleo essencial há de ser definido para cada caso, tendo em vista o objetivo perseguido pela norma de caráter restritivo”.90

Assim, extrai-se que o conteúdo essencial dos direitos fundamentais é vinculado diretamente à regra da proporcionalidade, ao passo que restrições a direitos fundamentais que passam no teste da proporcionalidade não afetam o conteúdo essencial dos direitos restringidos91.

Nesse sentido foi o voto do Ministro Celso de Mello no caso Elwanger:

[...] a superação dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais há de resultar da utilização, pelo STF, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, hic

et nunc, em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica

concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do método da ponderação e bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como adverte o magistério da doutrina.92

As teorias absoluta e relativa do conteúdo essencial dos direitos fundamentais possuem como fim a proteção máxima desses direitos contra uma ação legislativa desarrazoada93. Todavia, pelo exposto, conclui-se que a teoria que assegura efetivamente a proteção dos direitos essenciais, vitais, indispensáveis é a teoria da qual trata o conteúdo dos direitos fundamentais como relativo, por conferir maior flexibilidade à proteção do núcleo essencial, conforme cada caso concreto.

2.7 FUNÇÕES OBJETIVA E SUBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais inseridos em um Estado de Direito naturalmente são revestidos por determinações condicionadas ao tipo de Estado, sendo a Constituição decisiva no comando das funções por eles exercidas. As funções dos direitos fundamentais são objeto de inúmeras discussões na doutrina, especialmente no que tange às suas características e até à

90

BRANCO; COELHO; MENDES, 2000, p. 44.

91

SILVA, 2010, p. 197.

92

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 82424/RS. Relator: Min. Moreira Alves. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Brasília, DF, 17 de setembro de 2003. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2882424%2ENUME%2E+OU+824 24%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos>. Acesso em: 11 maio 2011.

93

(31)

sua terminologia. Assim, far-se-á, sem a pretensão de esgotar o tema, uma breve consideração das características das funções objetivas e subjetivas dos direitos fundamentais.

2.7.1 Função objetiva dos direitos fundamentais

A perspectiva objetiva dos direitos fundamentais, como já dito alhures, remanesce da transição do Estado Liberal para o Estado Social e Democrático de Direito, com as reinvindicações por direitos que garantissem o bem estar social. A função objetiva dos direitos fundamentais, portanto, abrange as normas valorativas situadas no corpo constitucional que direcionam os atos dos poderes legislativo, executivo e judiciário.

Nos dizeres de Luño, os direitos fundamentais passaram a apresentar-se dentro da ordem constitucional como um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da ação positiva dos poderes públicos, e não apenas garantias negativas dos interesses individuais. 94

Desse modo, a função objetiva dos direitos fundamentais é reflexo do direito fundamental subjetivo. Isso porque a função subjetiva autônoma vai além da perspectiva subjetiva para reconhecer conteúdos normativos e, portanto, de funções distintas aos direitos fundamentais.95

Sarlet apresenta dois desdobramentos que a função objetiva dos direitos fundamentais assume: o primeiro, de que os direitos fundamentais não devem ter sua eficácia valorada apenas sob um ângulo individualista, mas também sob o ponto de vista de toda a comunidade na qual se encontra inserido; e o segundo, ligado à perspectiva objetiva-valorativa dos direitos fundamentais, nomeada de eficácia dirigente que estes desencadeiam em relação aos órgãos estatais.96

Assim, segundo Mendes:

A dimensão objetiva resulta do significado dos direitos fundamentais como princípios básicos da ordem constitucional. Os direitos fundamentais são da essência do Estado de Direito democrático, operando como limite do poder e como diretriz para a sua ação. As constituições democráticas assumem um sistema de valores que os direitos fundamentais revelam e positivam. Esse fenômeno faz com que os direitos fundamentais influam sobre todo o ordenamento jurídico, servindo de norte para ação de todos os poderes constituídos. 97

94 LUÑO, 2005, p. 21. 95 SARLET, 2006, p. 168. 96 Ibid., p. 170-171. 97

(32)

Além disso, não somente o poder estatal fica vinculado aos direitos fundamentais, mas também seus efeitos atingem as relações privadas. 98

Considerando sua estrita significação axiológica, a função objetiva dos direitos fundamentais assume prestígio para o desenvolvimento de novas funções. Como dito por Sarlet, “permitem o desenvolvimento de novos conteúdos, que, independentemente de uma eventual possibilidade de subjetivação, assumem papel de alta relevância na construção de um sistema eficaz e racional para sua (dos direitos fundamentais) efetivação”.99

2.7.2 Função subjetiva dos direitos fundamentais

Inicialmente cumpre registrar que não será adotada a expressão “direito subjetivo público”, largamente utilizada na doutrina, em face da justificativa apresentada por Sarlet de que

esta designação, além de anacrônica e superada, não se revela afinada com a realidade constitucional pátria, uma vez que atrela uma concepção positivista e essencialmente estatista dos direitos fundamentais na qualidade de direitos de defesa do indivíduo contra o Estado, típica do liberalismo.100

Ao tratar da função subjetiva dos direitos fundamentais, tem-se a ideia de que o sujeito titular de um direito pode exigir judicialmente seu interesse juridicamente tutelado.

Nessa senda é que Sarlet refere-se à perspectiva subjetiva:

[...] à possibilidade que tem o seu titular (considerado como tal a pessoa individual ou ente coletivo a quem é atribuído) de fazer judicialmente os podes, as liberdades ou mesmo o direito à ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental em questão.101

A par do sistema de posições jurídicas fundamentais em sua perspectiva subjetiva

98 SARLET, 2006, p. 73. 99 Ibid., p. 176. 100 Ibid., p. 177. 101 Ibid., p. 179.

(33)

proposta pelo doutrinador alemão Alexy102, Sarlet revela a dificuldade encontrada para a eficácia e efetividade dos direitos fundamentais como direitos subjetivos.103

Por fim, sustenta o referido autor que os direitos fundamentais sob a ótica subjetiva prevalecem aos direitos fundamentais que possuem função objetiva, de modo que o primeiro protege o indivíduo e o segundo os direitos individuais. 104

Encerra Luño:

No horizonte do constitucionalismo atual os direitos fundamentais desempenham, portanto, uma dupla função: no plano subjetivo seguem atuando como garantias da liberdade individual, embora a este papel clássico se inclua agora a defesa dos aspectos sociais e coletivos da subjetividade, enquanto que no objetivo assumiram uma dimensão institucional a partir da qual seu conteúdo deve funcionalizar-se para a consecução dos fins e valores constitucionalmente proclamados. 105 (traduziu-se)

Assim, conclui-se que os direitos fundamentais, tanto os individuais como os coletivos quando reconhecidos constitucionalmente assumem a função objetiva enquanto essa garantia e proteção dar-se-á sob a ótica da função subjetiva, também deles inerente.

2.8 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais, como visto, assumem precipuamente duas funções – objetiva e subjetiva –, a partir da quais emanam tantas outras na ordem jurídica. Essa multifuncionalidade dos direitos fundamentais, segundo Sarlet, pode ser reconduzida diretamente à doutrina dos status de George Jellineck, publicista alemão, cuja obra é intitulada “Sistema dos Direitos Subjetivos Públicos” (System der subjektiv öffentlichen

Rechte), que é pilar da construção do sistema classificatório desses direitos na Constituição

pátria.106

102

“Pode integrar um direito fundamental subjetivo: a) direito a qualquer coisa (que englobariam os direitos a ações negativas e positivas do Estado e/ou particulares e, portanto, os clássicos direitos de defesa e os direitos a prestações); b) liberdades (no sentido de negação de exigências e proibições) e c) os poderes (competências ou autorizações)”. Cf. ALEXY, 2008, p. 185 ss. 103 SARLET, 2006, p. 179. 104 Ibid., p. 180. 105 LUÑO, 2005, p. 25. 106

(34)

O termo status indica uma relação estabelecida entre o indivíduo e o Estado, é compreendida por Alexy como uma qualificação do primeiro, pois o status tem como conteúdo o “ser” não o “ter” jurídico da pessoa.107

A teoria de Jellinek, na formulação que lhe deu Alexy, diferenciava quatro status: o status passivo ou status subiectionis, o status negativo ou status libertatis, o status positivo ou status civitatis e o status ativo ou status da cidadania ativa.108

O status passivo ou status suiectionis refere-se à subordinação do indivíduo em relação ao Estado, isto é, ao indivíduo cabe o cumprimento de deveres ou proibições instituídas pelo Estado; o status negativo ou status libertatis refere-se a uma esfera individual de liberdade do indivíduo em relação ao Estado; o status positivo ou status civitatis refere-se à capacidade protegida juridicamente do indivíduo de exigir prestações do Estado; e, o status ativo ou status da cidadania ativa refere-se à capacidade outorgada ao indivíduo de participação ativa como cidadão da vontade estatal, relaciona-se às posições dos demais

status.109

Com efeito, a teoria dos status, concebida no final do século XIX em um cenário marcado pela prevalência da concepção liberal da Constituição, não escapa de críticas,110 as quais não serão investigadas neste trabalho, dado que o propósito é apenas registrar o parâmetro seguido pela Constituição Federal de 1988, quando da classificação dos direitos fundamentais.

Nessa esteira, a teoria de Jellineck influenciou Alexy, que, por sua vez, impulsionou Sarlet111, a classificar os direitos fundamentais da atual Carta em dois grandes grupos: direitos fundamentais na condição de direitos de defesa e os direitos fundamentais como direitos a prestações112.

2.8.1 Direitos fundamentais como direitos de defesa

107 ALEXY, 2008, p. 255. 108 Ibid., p. 255. 109 Ibid., p. 268-269. 110 SARLET, 2006, p. 184. 111 Ibid., p. 189. 112 Ibid., p. 194.

Referências

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