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Academic year: 2021

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NIKOLAS CORRENT

IRMANDADE DOS COSSACOS DE PRUDENTÓPOLIS/PR: IMIGRAÇÃO, IDENTIDADE E RELIGIOSIDADE

Irati 2019

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NIKOLAS CORRENT

IRMANDADE DOS COSSACOS DE PRUDENTÓPOLIS/PR: IMIGRAÇÃO, IDENTIDADE E RELIGIOSIDADE

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em História, Curso de Pós-Graduação em História, Área de Concentração ―História e Regiões‖, da Universidade Estadual do Centro Oeste - UNICENTRO-PR.

Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria Rufino Gillies. Linha de Pesquisa: Espaço de Práticas e Relações de Poder.

Irati 2019

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À memória de Maria Izaura e de Gustavo Onesko, que, apesar de não se fazerem presentes no plano físico, permanecem presentes nas lembranças e saudades.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ser essencial em minha vida e conceder-me toda força e coragem necessária durante esta longa caminhada para que pudesse enfrentar todas as dificuldades.

Aos meus pais, Olnez e Márcia, e ao meu irmão, Luan, que são meu ponto de apoio, e que, com muito amor e acalanto, não mediram esforços para que eu concluísse esta etapa de minha vida.

Aos demais familiares e amigos/as, pelos momentos de aflição e de alegria divididos e pelas palavras de força e de ânimo nos momentos em que muito precisei – a todos o meu eterno carinho, respeito e admiração.

À minha orientadora, professora Dra. Ana Maria Rufino Gillies, pelas várias leituras do trabalho e pelas sugestões dadas, e por ser uma profissional extremamente qualificada, inspirando sabedoria e conhecimento.

Às professoras, Dra. Roseli Terezinha Boschilia e Dra. Nádia Maria Guariza, que muito colaboraram ao fazerem parte da banca de qualificação e de defesa deste trabalho. Ambas, com muita competência, realizaram uma apreciação crítica do texto, apontando sugestões e outras informações relevantes, que promoveram o enriquecimento intelectual do texto e foram essenciais para se chegar até aqui.

Aos/às professores/as Dra. Beatriz Anselmo Olinto, Dr. Fábio André Hahn, Dr. Geyso Dongley Germinari e Dr. Oseias de Oliveira, pelas disciplinas ministradas – essas aulas, sem dúvida, foram importantes para a reflexão sobre o projeto da dissertação e a continuidade da pesquisa.

À Cibele Zwar, secretária do Programa de Pós-Graduação em História − PPGH, pois ela nunca mediu esforços em ajudar os/as mestrandos/as, sanando as milhares de dúvidas quanto ao regulamento e prazos.

Agradeço a todos os/as meus/minhas amigos/as e colegas de mestrado, por compartilharmos conhecimentos, inquietações e frustrações − além de almoços e de outros lanches na cozinha do PPGH.

Agradeço em especial à Claudete e à Eliane, que me foram próximas do começo ao fim desta jornada. Obrigado pelas discussões teóricas, risadas e contribuições. Além de trocas de experiências, vocês foram companheiras em todas as horas, inclusive nas de desespero. À Ma. Silvéria, minha eterna gratidão pela ajuda, pelos conselhos e pelos maravilhosos bolos – esses bolos certamente foram essenciais para deixar as aulas e as conversas mais agradáveis.

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Ao Museu do Milênio, representado por Meroslawa Krevei, por ela ser essa pessoa magnífica, sempre disposta a ajudar e pelas conversas que contribuíram ainda mais com o trabalho.

À Irmandade dos Cossacos de Prudentópolis, por inspirar este trabalho, por todo auxílio prestado e que continuem ainda mais intensos e presentes na Páscoa dos descendentes de ucranianos na cidade.

Por fim, a todas as pessoas que contribuíram, direta ou indiretamente, para a realização desta dissertação – o meu sincero agradecimento.

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―Há coisas que melhor se dizem calando‖. (Machado de Assis)

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RESUMO

A presente dissertação, intitulada ―Irmandade dos Cossacos de Prudentópolis/PR: imigração, identidade e religiosidade‖, refere-se a um estudo histórico e sociocultural realizado para entender a criação da Irmandade dos Cossacos localizada no município de Prudentópolis/PR e suas relações com as práticas, os costumes e as tradições apontadas como elementos constitutivos da identidade dos descendentes dos imigrantes ucranianos em território brasileiro. Propensos a responder a determinados questionamentos acerca da constituição, atuação e importância da Irmandade em Prudentópolis, o autor se dispôs a analisar o processo imigratório dos ucranianos, a constituição e a preservação de uma identidade cultural e os rituais religiosos desempenhados pelos descendentes e adeptos da cultura ucraniana, percebido como o principal traço cultural do grupo étnico estudado. O recorte cronológico estabelecido inicia-se em 1955, quando da criação do grupo de guardas no município, passando por 2008 com a idealização da Irmandade, e em 2012, ano do Estatuto da Irmandade, e perdura até o ano de 2018. O trabalho desenvolveu-se pela perspectiva da História Oral como fonte e a entrevista como ferramenta, buscando a constituição de uma narrativa acerca do objeto de estudo. Como referenciais teóricos e conceituais foram consultados autores como Stuart Hall (2002) para elucidar sobre a identidade, Fredrik Barth (1998) para explanar sobre as fronteiras étnicas e Eric Hobsbawm e Terence Ranger (1984) para definir a invenção das tradições. Quanto à historiografia, a consulta incidiu em autores/as que abordam o processo imigratório que conduziu os ucranianos para o Brasil, bem como elucidam as ocorrências da instalação na nova pátria. Dentre esses/as autores/as e suas obras estão Andreazza (1996), Boruszenko (1969), Burko (1963), Ivanchichen (2002) e Skavronski e Seniuk (2014). Para elucidar a identidade e a religiosidade dos descendentes de ucranianos, foram estudados autores como Guérios (2012), Ramos (2006) e Tenchena (2010). Os resultados encontrados apontam para o fato de que a Irmandade emanou do empreendimento de um imigrante ucraniano, com o intuito de realizar a Vigília do Santo Sudário na Paróquia de São Josafat. Ademais, as suas práticas derivam da religiosidade, do nacionalismo e do sentimento de pertença dos cossacos no município. Em síntese, o trabalho apresenta informações pertinentes à imigração ucraniana em Prudentópolis/PR e, também, à memória, à lembrança, à cultura, à tradição, bem como à religiosidade dos descendentes e, sobretudo, intenta contribuir como uma fonte de pesquisa acerca da Irmandade dos Cossacos.

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ABSTRACT

This dissertation, entitled ―Brotherhood of the Cossacks from Prudentópolis/PR: immigration, identity and religiosity‖, refers to a historical and sociocultural study carried out for understanding the creation of the Brotherhood of the Cossacks, located in the municipality of Prudentópolis/PR, and their relations with the practices, customs and traditions pointed out as constitutive elements of the descendants of Ukrainian immigrants identity in Brazilian territory. Prone to respond to certain questionings about the establishment, acting and importance of the Brotherhood in Prudentópolis, the author sets out to analyse the Ukrainians immigratory process, the setting up and the preservation of a cultural identity and the religious rituals performed by the descendants and adherents of the Ukrainian culture, noticed as the main cultural trait of the ethnic group studied. The chronological cut established, begins in 1955, when the group of guards in the municipality was created, going through 2008 with the idealization of the Brotherhood, and in 2012, the year of the Statute of the Brotherhood, and lasts until 2018. To carry out these objectives, the research took hold of theoretical, conceptual and documentary sources, congregated to the oral history methodology, through which data collection, interviews and photographs in the municipality itself were possible. As theoretical and conceptual references, the works of some authors were used, such as Stuart Hall (2002), to elucidate on the Identity, Fredrik Barth (1998) to explain ethnical boundaries and Eric Hobsbawm and Terence Ranger (1984) to define the invention of traditions. Relevant to historiography, the consultation focused in authors who approach the immigration process which led the Ukrainians to Brazil, as well as elucidate the occurrences of the installation in the new homeland. Among these authors and their works are Andreazza (1996), Boruszenko (1969), Burko (1963), Ivanchichen (2002) and Skavronski and Seniuk (2014). In order to elucidate the identity and religiosity of the Ukrainian descendants, authors such as Guérios (2012), Ramos (2006) and Tenchena (2010) were studied. The results found indicate the fact that the Brotherhood emanated of the enterprise of a Ukrainian immigrant, with the intention of carrying out the Vigil of the Holy Shroud in the Parish of Saint Josaphat. In addition, their practices derived from the religiosity, nationalism and sense of belonging of the Cossacks in the municipality. In summary, the work presents information relevant to the Ukranian immigration in Prudentópolis/PR, and also to the memory, the remembrance, the culture, the tradition, as well as the religiosity of the descendants and, above all, it tries to contribute as a source of research on the Brotherhood of the Cossacks.

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Fases da Imigração Ucraniana no Paraná ... 36

Mapa 2 - Prudentópolis e suas divisas. ... 52

LISTA DE FIGURAS Ilustração 1 - Navio transportando os imigrantes. ... 40

Ilustração 2 - Refeitório de Ilha das Flores – RJ. ... 42

Ilustração 3 - Moradia dos Primeiros Imigrantes. ... 45

Ilustração 4 - Imigrantes Ucranianos em serviço. ... 50

Ilustração 5 - Igreja Ucraniana Matriz de São Josafat em Prudentópolis/PR. ... 61

Ilustração 6 - Interior do Museu do Milênio em Prudentópolis. ... 64

Ilustração 7- Cavalaria Cossaca. ... 79

Ilustração 8 - Espadas e Sabres dos Cossacos. ... 80

Ilustração 9 - Soldados Cossacos no Século XX. ... 83

Ilustração 10 - Sitch dos Cossacos. ... 87

Ilustração 11 - Reunião para eleição. ... 89

Ilustração 12 - Bohdan em Kiev. ... 91

Ilustração 13 - Monumento Bohdan Khmelnytsky. ... 92

Ilustração 14 - Cavalaria Cossaca. ... 93

Ilustração 15 - Retorno do Grand Armée. ... 96

Ilustração 16 - Kuzma Kryuchkov em Ataque aos Alemães. ... 97

Ilustração 17 - Bandeira (esq.) e Brasão (dir.) da República do Don. ... 99

Ilustração 18 - Tradição Religiosa. ... 104

Ilustração 19 - Plastianetchia ou Santo Sudário. ... 109

Ilustração 20 - Irmandade dos Cossacos de Prudentópolis. ... 114

Ilustração 21- Igreja de São Josafat de Prudentópolis/PR. ... 116

Ilustração 22 - Cossacos comemorando a Lei Estadual nº 19.006/2017. ... 118

Ilustração 23 - Filhos de Cossacos na Sitch. ... 125

Ilustração 24 - Espadas da Irmandade Cossaca de Prudentópolis/PR. ... 129

Ilustração 25 - Trajes dos Cossacos nas apresentações. ... 130

Ilustração 26 - Trajes dos Cossacos na Vigília do Santo Sudário. ... 131

Ilustração 27 - Cossaco ensinando seu filho e rodeado por familiares. ... 136

Ilustração 28 - Vigília do Santo Sudário. ... 140

Ilustração 29 - Acampamento dos Cossacos de Prudentópolis. ... 141

Ilustração 30 - Acampamento dos Cossacos Ucranianos... 141

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil FENAFEP – Festa Nacional do Feijão Preto

IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ONU - Organização das Nações Unidas

UNFPA - United Nations Population Fund WMR - World Migration Report

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SUMÁRIO

LISTA DE MAPAS ... 21

LISTA DE FIGURAS ... 21

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ... 22

INTRODUÇÃO ... 13

1 DA UCRÂNIA AO BRASIL: O IMIGRANTE EM PRUDENTÓPOLIS/PR ... 27

1.1 A IMIGRAÇÃO UCRANIANA EM PRUDENTÓPOLIS/PR ... 29

1.2A IDENTIDADE CULTURAL DOS DESCENDENTES DE UCRANIANOS EM PRUDENTÓPOLIS/PR ... 54

2 IRMANDADE DOS COSSACOS DE PRUDENTÓPOLIS/PR ... 73

2.1 CONCEITO DE COSSACO ... 73

2.2 A HISTÓRIA DOS COSSACOS ... 74

2.3 OS COSSACOS UCRANIANOS ... 84

2.4 OS COSSACOS RUSSOS ... 92

2.5 OS COSSACOS EM PRUDENTÓPOLIS/PR ... 101

2.5.1 O surgimento da Irmandade dos Cossacos de Prudentópolis ... 105

2.5.2 A Importância da Irmandade dos Cossacos em Prudentópolis... 116

3A ATUAÇÃO DA IRMANDADE DOS COSSACOS DE PRUDENTÓPOLIS ... 120

3.1 ―TARAS BULBA‖: O MODELO DE ATUAÇÃO DOS COSSACOS DE PRUDENTÓPOLIS ... 132

3.2 A IRMANDADE DOS COSSACOS NOS EVENTOS DE PRUDENTÓPOLIS ... 138

3.3 O SAGRADO E O PROFANO NA ATUAÇÃO DA IRMANDADE DOS COSSACOS ... 142

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 150

FONTES ORAIS ... 158

FONTES ESCRITAS ... 158

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INTRODUÇÃO

A referida pesquisa propende uma análise da Irmandade dos Cossacos de Prudentópolis/PR, ponderando sobre a sua importância para o município em que está localizada. Dessa forma, elucidamos os aspectos mais relevantes acerca dos cossacos imigrantes no período que perpassa pelos anos de 1955 até 2018. Os cossacos da Irmandade de Prudentópolis se concebem como um grupo de homens independentes que desempenham uma releitura dos costumes dos antigos cossacos ucranianos. Assim, são conhecidos mundialmente pelas suas práticas e apresentações nas festividades pascais do município e, sobretudo, pela Vigília do Santo Sudário na Paróquia de São Josafat. A institucionalização da Irmandade foi idealizada no ano de 2008 pelo cossaco Marcos Boiko, no entanto a vigília é realizada desde 1955 por indivíduos denominados apenas ―guardas‖. A criação desse grupo de guardas em Prudentópolis foi uma iniciativa do imigrante ucraniano Vasyl Kostachuk, um cossaco que se evadiu da perseguição comunista na Ucrânia imigrando para o Brasil. Dessa forma, a criação do grupo, bem como da Irmandade, incide em uma maneira que esse imigrante e, posteriormente, seus descendentes, encontraram para delimitar sua região e reafirmar sua identidade étnica-cultural.

A imigração, tal como se sucedeu com Kostachuk, faz com que o indivíduo anseie por se sentir pertencente à nova pátria e, por isso, reformula e adequa suas antigas práticas na nova terra com o intuito de preservar sua identidade. Nesse sentido, evidencia-se que a imigração e a identidade apresentam uma relação intrínseca, identidade pela qual o imigrante, em meio a um novo território, é submetido a um procedimento diferenciado, extenso e pungente para a assunção de sua própria identidade. A ―identidade‖ se apresenta como um termo empregado em distintas áreas do conhecimento humano, como História, Sociologia, Filosofia, Psicologia, Antropologia, dentre outras, tornando-se, dessa forma, um conceito polissêmico, de maneira inclusiva, dentro de cada um dos domínios que o analisa.

No caso da área de conhecimento da história -- nosso campo de pesquisa --, a identidade de que se trata é a cultural, relativa às tradições, aos princípios, aos costumes, à religiosidade e à maneira de viver de uma determinada população. Ademais, evidencia-se o imperativo de entender o sentimento de pertença a uma sociedade ou, até mesmo, a uma nação. Assim, considerando esse universo cultural, a imigração estabelece uma ruptura com as raízes do sujeito e de seu povo. A interrupção das relações sociais anteriores do sujeito desestabiliza o seu sentimento de pertença, pois já não valem as suas tradicionais referências

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culturais, o que acarreta, entre outros fatores, a dispersão da sua identidade. De acordo com o sociólogo Stuart Hall (2005, p. 09), esta eliminação de um sentido de si consiste no ―[...] deslocamento ou descentração do sujeito‖, fator que ―[...] constitui uma crise de identidade para o indivíduo‖. Entretanto, faz-se necessário ressaltar que, quanto maior se caracteriza a consternação ao abandonar a sua pátria natal, mais o imigrante se empenha para preservar as suas tradições, bem como a sua identidade cultural.

O sociólogo Manuel Castells (2018, p. 22-23) vincula a identidade aos ―atores sociais‖, concebendo-a como um ―[...] processo de construção de significado com base em um atributo cultural ou, ainda, um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado‖. Esses ―atores sociais‖ se caracterizam como os imigrantes, que apresentam distintas identidades, originadas e construídas por si próprios.

Regressando às considerações de Hall (2005, p. 47-48), esse autor pontua que o indivíduo não necessariamente é concebido com uma identidade, mas que a forma e a transforma ―no interior da representação‖.

Segue-se que a nação não é apenas uma entidade política, mas algo que produz sentidos — um sistema de representação cultural. As pessoas não são apenas cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da idéia de nação tal como representada em sua cultura nacional. Uma nação é uma comunidade simbólica e é isso que explica seu ―poder para gerar um sentimento de identidade e lealdade‖. (HALL, 2005, p. 49).

Nota-se que ambos os autores associam a identidade a um processo de transformação pelo qual os pontos de referência nos quais conformavam o indivíduo em uma estabilidade agora se encontram desmantelados como imigrante. Nesse processo em que se enquadra a o imigrante, independentemente dos desígnios que o levaram a migrar, ele passa a estar atado à possibilidade de ser integrado a uma nova identidade cultural, reconfigurando-o como pertencente à comunidade em que se encontra atualmente.

Associa-se então a comunidade à identidade, tendo em vista que é nesse âmbito que esta última será construída, conservada e perpetuada. Destarte, Castells reitera que ―[...] as comunidades, construídas por meio da ação coletiva e preservadas pela memória coletiva, constituem fontes específicas de identidades‖ (2018, p. 23). Assim, ao passo que os indivíduos se congregam em comunidades por um extenso período de tempo, neles se institui um ―sentimento de pertença‖ e, segundo as palavras do autor, constroem uma ―identidade cultural comunal‖. Cabe salientar, de acordo com a professora Cicília Maria Krohling Peruzzo (2006, p. 6), que a ―[...] comunidade não pode ser confundida com bairro, cidade [...]", tendo

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em vista que a noção de comunidade ―[...] pressupõe a existência de elos mais profundos e não meros aglomerados humanos‖, como nas cidades. A autora complementa, nesse sentido, que os elementos como ―[...] sentimento de pertença; participação; interação; objetivos comuns; interesses coletivos acima dos individuais; identidades; cooperação; confiança, cultura comum [...]‖ (PERUZZO, 2006, p. 6) são o que caracteriza a constituição de uma comunidade. Evidencia-se, dessa forma, que as colônias de imigrantes nas quais empregavam tais elementos para conservar e construir suas identidades formavam uma comunidade.

Acerca do nosso tema central, com área de concentração na História e Regiões, a partir dele nos compelimos a investigar a Irmandade dos Cossacos de Prudentópolis, no estado do Paraná, bem como a identidade desses indivíduos e a participação e representação nos costumes e religiosidade do município. Nesse sentido, realizamos uma análise acerca das práticas e das tradições da Irmandade, para isso focalizando estudos na historiografia vinculada à imigração ucraniana no município, bem como o contexto histórico dos antigos cossacos, os quais são referências para os membros da Irmandade de Prudentópolis.

Dessa forma, a cidade de Prudentópolis, localizada na região Centro-Sul do Paraná, distanciando-se da capital Curitiba em 220 quilômetros, foi constituída por distintas comunidades ao término do século XIX e início do século XX, sobretudo por imigrantes ucranianos. A respeito desses indivíduos, que formavam a comunidade ucraniana, nota-se, em primazia, o sentimento de pertença à sua comunidade e a prática coletiva visando o bem comum, neste caso, a colônia. Uma vez iniciado esse processo imigratório, os ucranianos chegados a essas paragens paranaenses de Prudentópolis, iniciaram as demarcações de seus territórios geográficos e simbólicos, estabelecendo assim, uma região.

A respeito do conceito de ―região‖, cabe ressaltar as considerações do historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2008, p. 63), que define que região ―[...] é um objeto em permanente construção e desconstrução, em constante movimento [...]‖ e, desse modo, ―[...] a melhor forma do historiador lidar com a noção de região, a maneira de trabalhar com o regional, é através do procedimento da desconstrução‖(ALBUQUERQUE JR, 2008, p. 63). Assim,

O historiador do regional seria aquele que poria em questão as versões, as identidades, as verdades, as essências atribuídas às regiões. Seria aquele que abriria estas espacialidades a novas possibilidades de significação, de nomeação, de apropriação, de simulação. O historiador do regional seria aquele que se voltaria contra qualquer cristalização do regional, que fugiria do gesto comum de alojar a região no passado, numa origem: seria aquele que tomaria o recorte regional como espaço de experiências aberto a

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horizontes de possibilidades outras. O historiador do regional o encararia como um campo de luta, que implica em assumir posições, em ocupar lugares de sujeito, em se postar no meio da batalha de ações e de discursos, de apresentações e de representações da própria região. [...] O historiador do regional é aquele que trata do que lhe é mais próximo, do que lhe é mais caro, do que lhe é mais visto e sentido como sendo seu, para deles se afastar, conseguindo estranhá-los, torná-los estrangeiro, tratá-los como algo estranho, nunca visto, nunca conhecido. (ALBUQUERQUE JR., 2008, p. 64).

Para além de um espaço físico delimitado, a região se organiza por meio de ações cotidianas que invariavelmente a conduzem a novos significados. Tais ações transformam a região em um espaço característico, provocando no indivíduo uma identificação com o ambiente, construído por intermédio de exposições, de práticas e de representações. Dessa forma, a somatória entre a assimilação dos espaços e a interação social resulta na construção da região. Albuquerque Júnior complementa, afirmando que

A região e sua reprodução passam, pois, pelo engajamento de forças sociais, de grupos sociais, de elites regionais, pela militância de indivíduos que subjetivam e participam do processo de subjetivação da identidade regional. A região, para realmente existir, para não ser um mero recorte político-administrativo, uma demarcação abstrata feita pelo Estado, que ninguém reconhece ou em nome do qual ninguém fala ou age, tem que existir para e nas subjetividades de quem a reconhece, a vivência e de quem a pratica ou em nome dela discursa. (ALBUQUERQUE JR., 2008, p. 60).

Assim, analisar a região é refletir acercadas ações individuais pelas quais os indivíduos se reconstituem, bem como pelas quais eles se identificam uns com os outros. Em síntese, a região compreende o ambiente onde esses indivíduos se descobrem ou se identificam. O autor reitera esse entendimento asseverando que ―[...] a região não é uma realidade natural, econômica ou política apenas: ela é uma construção cultural‖ (ALBUQUERQUE JR., 2008, p. 60).

Nesse contexto, é válido ressaltar as concepções do historiador Michel de Certeau (1998), ponderando que em suas obras, o autor debate acerca dos conceitos de ―lugar‖ e de ―espaço‖, delimitando-os como distintos campos. Um lugar é onde ―impera a lei do próprio‖ ao se distinguir pela ordem fundamentada ―nas relações de coexistência‖ (CERTEAU, 1998, p. 201). Dessa forma, o lugar representa posições e provoca estabilidade. Em oposição ao lugar, o espaço não designa a inequivocidade e a estabilidade de um próprio, sendo ―[...] animado pelo conjunto dos movimentos que aí se desdobram‖ (CERTEAU, 1998, p. 202). Destarte, o município de Prudentópolis é ponderado como um espaço, mediante os

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desdobramentos e manifestações que sucedem na cidade. Assim, o conceito de região se associa a um espaço, mas a um espaço já caracterizado como um ―lugar praticado‖, isto é, um lugar acentuado por movimentos e intervenções humanas, como ocorre em Prudentópolis. O autor elucida que ―[...] a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres‖ (CERTEAU, 1998, p. 202). Dessa forma, a região de Prudentópolis, demarcada geograficamente, é convertida em espaço pelos indivíduos que nela se situam.

Nesse sentido, a considerar o entendimento de Albuquerque Júnior, a região é subjetivada pelos aspectos de seus habitantes:

A região é também modos de pensar, modos de querer, modos de falar, modos de gostar, modos de preferir, modos de amar, modos de desejar, modos de olhar, de escutar, de cheirar, de sentir sabor e de sentir dor. A região se expressa em jeitos de corpos, em gestos, em modos de vestir, de se alimentar, de beber, de dançar, de andar, de se pôr de pé ou de sentar. A região, ao ser subjetivada, ao ser encarnada, ela conformará os corpos e os processos subjetivos. (ALBUQUERQUE JR., 2008, p. 61).

A região onde se localiza a comunidade de origem ucraniana em Prudentópolis é acentuada por características identitárias, como a língua, a título de exemplo que se apresenta como um elemento fundamental no autorreconhecimento dos imigrantes.

Ao analisar os indivíduos da comunidade ucraniana em Prudentópolis, é de suma importância abordar o contexto da cidade, bem como o processo de imigração a que os ucranianos se submeteram. Dessa forma, na contemporaneidade, o município conta com uma área geográfica de 2.308 km², totalizando uma população de 48.7931 habitantes, dentre os quais, cerca de 75% são considerados descendentes de ucranianos. Na área urbana do município, concentram-se 22.458 habitantes e, na rural, 26.335. Desses números, calcula-se que 24.893 sejam homens e 23.900 sejam mulheres.

A economia de Prudentópolis é marcada pela agricultura e pela pecuária em pequenas propriedades rurais, tendo em vista a variedade de comunidades rurais estabelecidas ao longo das chamadas ―linhas coloniais‖. Algumas dessas linhas transformaram-se, no decurso do tempo, em núcleos ou polos centrais significativos em razão da concentração de maior número de habitantes, bem como pela instalação de instituições escolares, religiosas e hospitalares. No caso dessas linhas mais desenvolvidas, elas também dispõem de um favorável acesso viário ao território urbano da cidade-sede o município.

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Dados disponibilizados pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, referentes ao ano de 2010. Disponível em:

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Conforme exposto anteriormente, por volta do início do século XX, os ucranianos se instalaram na cidade, que, dali em diante, se tornou pólo de imigração. Dentre os fatores que contribuíram para o abandono de sua terra natal, destacam-se as precárias condições a que os camponeses eram submetidos na Ucrânia. Ademais, esses indivíduos foram seduzidos pela esperançosa propaganda patrocinada pelo governo brasileiro por meio de folhetos das Companhias de Navegação da época, visando conduzir os imigrantes ao Brasil.

Nesse seguimento, os ucranianos −em sua maioria, camponeses − foram conduzidos ao povoamento dos lotes rurais, nos quais originaram as supracitadas linhas coloniais e, posteriormente, os polos centrais. O processo migratório apresentou a Prudentópolis não somente os indivíduos ucranianos, mas também uma identidade cultural distinguida pela linguagem muito diferente do idioma vernáculo, pela cultura tradicional e, sobretudo, pela religiosidade, acentuada pela fé na Igreja Greco-Católica Ucraniana de rito litúrgico bizantino. Complementando, a historiadora Oksana Boruszenko assevera que,

Vindos para o Brasil, os imigrantes ucranianos trouxeram consigo muitas dessas tradições. Conforme permitiam as circunstâncias e o novo modo de vida, os imigrantes, assistidos por suas igrejas e associações, preservaram essas tradições, dando novo colorido à terra que os acolheu e lhes serviu de nova pátria. (BORUSZENKO, 1995, p.33).

Dessa forma, a identidade cultural dos ucranianos foi influenciada e adquiriu novos significados por intermédio dessa instalação em um distinto território, o do município de Prudentópolis.

Inúmeros costumes e práticas ucranianas foram introduzidos na cidade de Prudentópolis. Nesse sentido, Certeau (1982, p. 165) caracteriza as práticas como produtoras de identidade e assevera que ―[...] tudo se concentra nas práticas‖. A título de exemplo, cabe destacar as práticas presentes na religiosidade desempenhadas pelos descendentes de ucranianos. Destarte, esse autor reitera que é ―[...] através delas que um grupo religioso provoca sua coesão. Nelas encontra sua âncora e sua diferença com relação a outras unidades sociais – religiosas ou não. Recebe delas uma segurança que as próprias crenças dão cada vez menos‖ (CERTEAU, 1982, p. 165).

A identidade alimentada pelas práticas é evidente no contexto atual dos descendentes de imigrantes ucranianos, bem como dos cossacos da Irmandade. Por meio dos eventos, sobretudo os religiosos, esses indivíduos buscam preservar as identidades e tradições de seus antepassados. Mesmo assim, no entanto, nota-se em Prudentópolis uma distinção acerca das práticas ucranianas quando comparadas às de outros grupos da cidade. Dessa forma,

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destaca-se que as identidades dos grupos são construídas e reconstruídas por intermédio da discrepância, isto é, na diferença entre grupos análogos, fator que resulta em procedimentos de identificação pelos quais agregam ou excluem determinados indivíduos, assim como ocorre em grupos sociais etnicamente identificados. Nesse entendimento, as fronteiras étnicas, segundo Fredrik Barth (1998), conduzem a vida social e promovem critérios para a exclusão de alguns e para instigar o sentimento de pertença de outros. As fronteiras étnicas permanecem em Prudentópolis devido ao estabelecimento de moldes comportamentais, onde as percepções, os costumes e os valores dos grupos são confrontados mediante a interação entre os ―diferentes‖.

Grupos sociais identificados por meio da etnia compartilham aspectos culturais semelhantes, bem como a língua, a vestimenta e os costumes, ou seja, traços culturais que visam identificá-los e ratificar o sentimento de pertencimento a determinado grupo. Pelo conjunto dos traços culturais ou símbolos empregados pelos indivíduos integrantes temos a formação da identidade de um grupo, o que possibilita a distinção em relação a outros grupos.

Nesse sentido, nota-se que a identidade é constantemente influenciada por fatores endógenos e exógenos. Assim, a identidade de um grupo padece de interferências locais, como a de outros grupos presentes na cidade de Prudentópolis ou globais, o que remete ao processo de globalização e de modernização das sociedades. Dessa forma, os descendentes de ucranianos e, sobretudo, os cossacos da Irmandade oscilam entre o arcaico, isto é, a tradição, e o contemporâneo, visando fortalecer a sua identidade e o seu sentimento de pertença.

De acordo com os historiadores Eric Hobsbawm e Terence Ranger (1984, p. 9), as tradições devem ser entendidas como técnicas ―inventadas‖, ou seja, técnicas elaboradas e categoricamente institucionalizadas. Destarte, as tradições consistem em práticas desempenhadas por meio de símbolos e de rituais regidos por uma legislação com o objetivo de preconizar determinados princípios e regulamentos comportamentais, vale dizer, preconizar a reprodução dos costumes antepassados, fator que provoca uma contínua atualização de hábitos de tempos remotos.

Em síntese, as práticas reproduzidas por grupos sociais, como o da Irmandade dos Cossacos de Prudentópolis, constituem as tradições por meio das quais o indivíduo adere uma identidade cultural e, concomitantemente, lhe é possibilitado sentir-se inserido no contexto do grupo.

No que concerne à tradição dos antigos cossacos, faz-se importante ressaltar que os cossacos constituíam um grupo de homens que habitavam regiões da Ucrânia e da Rússia durante o século XIII. Qualificados como guerreiros, os cossacos apresentavam-se como

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defensores de seus territórios, de suas ideologias, bem como de suas famílias, utilizando-se de uma organização análoga à democracia militarista para efetivar suas práticas. Ademais, esses indivíduos se concebiam como símbolos da masculinidade e mestres da cavalaria, bem como lutadores em oposição à servidão impingida aos camponeses e, sobretudo, contrários aos pesados tributos governamentais e à coerção do serviço militar. Congêneres a eles, os cossacos de Prudentópolis buscam resgatar e preservar a tradição e a identidade étnica de seus antepassados. Salienta-se, no entanto, que o grupo do município paranaense não participa de guerras ou de confrontos com inimigos, mas desempenha práticas culturais e religiosas tais como a Vigília do Santo Sudário e as apresentações nas festividades pascais. Dessa forma, ocorre o que Hobsbawm e Ranger (1984) denominam de ―invenção das tradições‖, ponderando que, fundamentados nos antigos cossacos, a Irmandade de Prudentópolis (re)inventa práticas antes não desempenhadas pelos cossacos ucranianos.

Assim, os questionamentos iniciais que fazemos são: Quando e como surgiu a Irmandade dos Cossacos em Prudentópolis/PR? Qual é a origem dos cossacos? Que práticas desempenhadas por esses indivíduos ainda atualmente remetem à sua anterior identidade europeia oriental? Das práticas de preservação e mesmo de ressignificação em relação à origem cossaca, quais delas contribuem para o desenvolvimento sociocultural do município de Prudentópolis/PR? Esses questionamentos constituem a problemática que nos propusemos a estudar e esclarecer.

Assim, postas essas considerações, doravante a presente dissertação, não perdendo de vista o objetivo principal inscrito no seu título −―Irmandade dos Cossacos de Prudentópolis/PR: imigração, identidade e religiosidade‖−, busca abordar essas tradições confirmadoras da manutenção da identidade cossaca nos descendentes de ucranianos de Prudentópolis.

Dentre os nossos objetivos específicos, procuramos: i) analisar sumariamente o contexto da imigração, sobretudo, o seu conceito e os desígnios que induzem um indivíduo a migrar; ii) explanar o processo imigratório dos ucranianos para o Estado do Paraná, especificamente para o município de Prudentópolis; iii) compreendera formação e reformulação da identidade cultural dos imigrantes ucranianos em terras paranaenses; iv) identificar as características históricas e culturais a respeito dos cossacos, suas origens, símbolos e práticas culturais e religiosas; v) investigar o surgimento, a representação, as características e a importância da Irmandade dos Cossacos de Prudentópolis. Nesse contexto, o recorte temporal deste estudo situa-se entre o ano de 1955, com o surgimento do primeiro grupo de guardas do Santo Sudário em Prudentópolis, passando por 2008, com a ideia de

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formalizar o grupo, 2012, ano no qual foi criado o Estatuto da Irmandade dos Cossacos de Prudentópolis, e o ano de 2018, explanando a atuação dos cossacos na contemporaneidade.

Assim, para desenvolver os objetivos supracitados, empregamos a utilização da história oral, bem como o da investigação mediante uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, utilizando como referencial teórico-conceitual Stuart Hall, Fredrik Barth, Eric Hobsbawm e Terence Ranger. Nesse seguimento utilizamos a historiografia pertinente à imigração e aos cossacos em geral, bem como referências bibliográficas relacionadas à preservação e manutenção das tradições culturais dos ucranianos na cidade de Prudentópolis. Essas fontes documentais e bibliográficas pertencem ao acervo da Irmandade dos Cossacos e ao Museu do Milênio de Prudentópolis.

Uma das fontes essenciais para o desenvolvimento da pesquisa se refere a um conjunto de slides intitulados ―Cozacos Ucranianos‖ fornecidos pelo senhor Wolodymyr Galat, o qual esteve de passagem em Prudentópolis no ano de 2016 e ministrou diversas palestras sobre os cossacos ucranianos à Irmandade Cossaca da cidade. Galat é ucraniano, nascido em 1925, naturalizado brasileiro, tendo imigrado no pós-guerra (em 1947), e morador de Curitiba/PR. Faleceu em junho de 2016, período em que era membro da representação Central Ucraniano-Brasileira.

Previamente analisamos com tamanha intensidade sobre a relevância da história oral para a efetivação de uma pesquisa como esta. Em razão disso entrevistas foram incluídas, entrevistando-se determinados integrantes da Irmandade dos Cossacos de Prudentópolis, como Marcos Boiko, Ânderson Alexandre Lemos, Sérgio Ricardo Suchodolak, André Zakalugem, Sílvio Makohin, Fernando de Melo Demenech, Ernani Dolney e Felipe Bobalo Soares. Além destes, contamos com as narrativas orais de Antônio Michalouski, um dos primeiros ―guardas‖ do Santo Sudário de Prudentópolis; de Meroslawa Krevei, responsável pelo Museu do Milênio em Prudentópolis e conhecedora da imigração ucraniana na região Centro-Sul do Paraná; de Nádia Morskei, gerente do Departamento de Cultura e secretária de Turismo da cidade; do padre Tarcísio Orestes Zaluski, redator-chefe do Jornal Prácia de Prudentópolis; do Eparca Dom Meron Mazur; de Marcélia Ostapiv, descendente de ucranianos e esposa de um cossaco da Irmandade; e de Helena Ternoski Gerei, responsável pela Cooperativa Ucraíno-Brasileira de Artesanato Prudentópolis, a qual é responsável pela confecção das vestimentas utilizadas pelos cossacos.

As entrevistas, a partir de questionários anteriormente estruturados, foram conduzidas por meio de perguntas abertas, sendo gravadas, transcritas e, posteriormente, estudadas

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mediante o processo de análise conceitual, examinando os seus significados em conformidade com as perspectivas e as percepções demonstradas pelos depoentes.

O emprego da metodologia da história oral e memória se deu, sobretudo, visando elucidar o passado a partir da memória de um indivíduo ou um grupo, além disto, seus resultados oferecem subsídios para a compreensão da complexidade que abrange as práticas do indivíduo na orientação de suas trajetórias individuais e coletivas, na proporção em que agrega distintas dimensões objetivas e subjetivas ao redor de si, do outro e das conjunturas socais com que se depara. Destaca-se, de acordo com a doutora em História Social, Sônia Maria de Freitas, que a

História Oral é um método de pesquisa que utiliza a técnica da entrevista e outros procedimentos articulados entre si, no registro de narrativas da experiência humana. Definida por Allan Nevis como ―moderna história oral‖ devido ao uso de recursos eletrônicos, a história oral é técnica e fonte, por meio das quais se produz conhecimento. (FREITAS, 2006, p. 18).

Dessa forma, a história oral não somente determina um registro e armazenamento de narrativas orais para uso imediato, pois visa também possibilitar posterior acesso pelas gerações póstumas, já que, como reitera Freitas, por meio dela

O pesquisador constrói a história a partir das memórias, usando as fontes orais e escritas, interpretando-as. Esse trabalho voltado para a memória é muito importante, tendo em vista a globalização do mundo que pode levar as pessoas a perder as suas raízes. Perder a nossa memória significa perder a nossa identidade. (FREITAS, 2006, p. 118).

Nesse sentido, consideramos que a história oral é uma metodologia que proporciona ao historiador uma melhor compreensão dos acontecimentos ―tal como se sucederam‖, mediante a memória do entrevistado (FREITAS, 2006, p. 40).Ponderada como uma fonte de pesquisa, assim como os documentos escritos e as imagens, a história oral é originada doravante um estímulo, considerando que ao se consumar a ideia ou a conjuntura a ser investigada, o pesquisador busca o entrevistado lhe conferindo os devidos questionamentos para aprimorar sua temática. Ademais, caracterizando-se como um documento biográfico, a narrativa em consonância a memória, proporciona uma compreensão da experimentação e interpretação dos acontecimentos pelos indivíduos entrevistados, tornando mais próximo e concreto o estudo da história.

No entanto, e de acordo com o historiador Jerzy Topolski (2016), a narrativa histórica não se compõe de uma simples sucessão de testemunhos, porém, de uma coerência teleológica

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aplicadas às ―pequenas totalidades narrativas‖. Dessa forma o historiador Jurandir Malerba ressalta que,

Construir uma narrativa significa combinar um número de pedaços de informação básica mais ou menos dispersos, nunca se referindo a ―todas as coisas‖, em uma totalidade textual coerente: metaforicamente, é a transformação de numerosos pontos únicos em linhas contínuas e superfícies. O historiador passa de enunciados únicos para generalizações e totalidades narrativas integradas (coerentes). (MALERBA, 2016, p. 62).

O indivíduo entrevistado, ao relatar as suas próprias vivências, isto é, a sua história, ele ressignifica as suas experiências, bem como a daqueles que estão escutando. Ademais, de acordo com o historiador Alessandro Portelli (2010, p. 4), o entrevistado tem a oportunidade de aproveitar ―[...] a presença do historiador para contar as histórias que quer contar, as quais não são necessariamente as histórias que buscamos‖. No entanto, o autor salienta que, ocasionalmente, essas histórias ―[...] são mais interessantes do que as histórias que buscamos‖ (2010, p. 4). Destaca-se, segundo a psicóloga e escritora Ecléa Bosi (1994, p. 43), que ―[...] o narrador tira o que narra da própria experiência e a transforma em experiência dos que o escutam‖. Além disso, ―[...] a narração da própria vida é o testemunho mais eloquente dos modos que a pessoa tem de lembrar‖ (BOSI, 1994, p. 68).

Todo indivíduo ou grupo possui uma história de vida, isto é, uma descrição pessoal acerca da própria existência e, por conseguinte, apresenta a necessidade transpassá-la verbalmente para as próximas gerações por intermédio da tradição oral. Nesse contexto, a tradição oral fundamenta-se em narrativas que aludem aos episódios pertencentes ao passado, os quais emanam de uma distância temporal de, no mínimo, uma geração. Em síntese, a tradição oral não foi presenciada pelo entrevistado, mas adquirida oralmente mediante a memória e os relatos de seus antepassados, ou seja, é fruto de um diálogo que contém histórias de vidas, as quais reconstroem e reorganizam uma sociedade.

Postas essas considerações, quando empregamos o testemunho oral, concomitantemente estamos nos utilizando de histórias, de indivíduos e de lembranças/memórias. A memória, embora seja concebida com algumas imperfeições, é fruto de uma aquisição tanto cognitiva quanto social, sendo constantemente atualizada pela lembrança. Bosi reitera que

A memória é a faculdade épica por excelência. Não se pode perder, no deserto dos tempos, uma só gota da água irisada que, nômades, passamos do côncavo de uma para outra mão. A história deve reproduzir-se de geração a geração, gerar muitas outras, cujos fios se cruzem, prolongando o original, puxados por outros dedos. (BOSI, 1994, p. 90).

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Dessa forma, o ato de lembrar-se não se restringe apenas ao retrocesso ao passado, mas também se refere a uma maneira de reatualizá-lo e de reconstruí-lo no presente, sendo isso algo de suma importância para o desenvolvimento da história e, por consequência, da humanidade. Halbwachs (1990, p. 75) complementa que ―[...] a lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente‖ e, desta forma, ―[...] na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado‖ (BOSI, 1994, p.17).Segue-se que, no decurso do tempo, os conceitos de cada um a respeito de si próprio e dos acontecimentos quevivenciou se apresentam reformulados, considerando que a história é um procedimento no qual somos escolhidos para edificar o próprio presente. Rememorar o passado é apreciar com preceitos do presente aquilo que ficou na história. Segundo Bosi,

A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas ideias, nossos juízos de realidade e de valor. O simples fato de lembrar o passado, no presente, exclui a identidade entre as imagens de um e de outro, e propõe a sua diferença em termos de ponto de vista. (BOSI, 1994, p. 55).

Em assim sendo, ao nos remetemos a um fato do passado, estamos, efetivamente, disseminando uma visão contemporânea sobre algo de nossa história. Cabe, no entanto, alertar para o fato de que o vínculo entre o passado e o presente não possui apenas uma direção, pois se apresenta em via dupla, de um circuito constantemente influenciado por transformações pessoais e do espaço no qual o indivíduo se encontra inserido. Em razão disso se pode afirmar que atualmente somos quem somos devido àquilo que fomos no passado, ou seja, nosso passado influencia os nossos posicionamentos no presente. Em síntese, operamos o presente pelo que estamos efetivamente vivenciando, mas com o auxílio de dados passados registrados conscientemente em nossas memórias, bem como movidos também por variadas outras lembranças que se nos apresentam espontaneamente no dia a dia.

Outro fator que influencia a rememoração do passado é o contexto sociocultural em que o indivíduo está inserido atualmente. Dessa forma, Bosi (1994, p. 17) assevera que, ―[...] se lembramos, é porque os outros, a situação presente, nos fazem lembrar‖. Com isso se podendo entender que é o grupo em que estamos inseridos que nos incita a rememorar

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determinados acontecimentos. Ademais, é esse grupo que ambienta um sentido aos dados que a memória nos fornece.

Essas considerações evidenciam que a narrativa é fundamental na construção de uma pesquisa íntegra em matéria de história. A história oral de um depoente consiste em um elemento importante para corroborar a existência de um acontecimento que se encontra narrado nos documentos da história. Então as narrativas dos entrevistados podem, sim, constituir maneiras de reafirmar a existência de acontecimentos passados registrados de outra forma, bem como podem complementar ou até podem pôr em suspeição.

Após os nossos estudos sobre as concepções de memória e de identidade, pensamos ter-nos habilitado para compreender o processo de desenvolvimento da região e do território onde se situam atualmente os descendentes de imigrantes ucranianos, região essa que está sendo concebida como um ―espaço praticado‖, consoante às observações de Certeau (1998, p. 202). Dessa forma, também empreendemos um esforço de registrar as práticas dos indivíduos, o que foi obtido por entrevistas com descendentes de ucranianos atualmente integrados ao contexto aqui estudado, tendo em vista que foram e são eles próprios que experimentaram e experimentam esse ―espaço praticado‖. Os testemunhos orais obtidos proporcionam uma identificação dessas práticas, bem como das tradições cossacas, de que muitas ainda são preservadas pelos descendentes de ucranianos em Prudentópolis.

Uma vez prestadas as informações principais sobre a metodologia adotada nesta pesquisa, faz-se importante explicar o tripé de nosso subtítulo, isto é, os termos ―imigração, identidade e religiosidade‖. A imigração consiste no ato de um indivíduo transferir-se de uma localidade para outra, ou seja, sair de seu território de origem para fixar-se em uma região diferente e desconhecida. A identidade referida aqui é a identidade cultural, onde um emaranhado de traços culturais representa os hábitos de um povo ou nação. Assim, esse conjunto de características faz com que o indivíduo se identifique culturalmente ou, então, se diferencie de outros. A religiosidade se caracteriza como a fé e a prática de uma religião pelo indivíduo, ou seja, o sentimento e a devoção às coisas sagradas.

Prestadas essas observações acima, cabe informar que a dissertação, como um todo, além desta Introdução e das Considerações Finais, está elaborada em três capítulos.

No primeiro capítulo, intitulado "Da Ucrânia ao Brasil: o imigrante em Prudentópolis/PR", abordamos inicialmente o conceito de imigração de uma maneira geral, seguido dos aspectos relevantes a respeito dos subsídios que levam um indivíduo a migrar. Desse modo, deslocamos o foco da nossa abordagem para o município de Prudentópolis e os imigrantes ucranianos ali estabelecidos, elucidando o ingresso desses indivíduos nessa região,

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bem como as suas dificuldades ao se instalarem em terras diferentes daqueles de sua origem. Ademais, a abordagem também abrangeu a constituição de uma identidade cultural adaptativa desses imigrantes ucranianos a partir da época da sua instalação no novo território.

No segundo capítulo, sob o título de "Irmandade dos Cossacos de Prudentópolis/PR", discutimos a respeito de nosso objetivo com a pesquisa. Iniciamos nossa abordagem definindo o termo e o conceito ―cossaco‖, informando que se trata de algo antigo, algo que remonta ao término do século XIII, época em que constam as primeiras alusões a esse povo. Em seguida, tratamos da origem e da história dos primeiros cossacos, remetendo-nos a uma análise sobre os principais grupos cossacos -- os Cossacos Ucranianos, da região do rio Dniepre, ao sul da Ucrânia, e os Cossacos Russos, habitantes dos territórios férteis no vale do rio Don, no sudoeste da Rússia. Mais adiante no capítulo realizamos uma exposição sobre os cossacos em Prudentópolis, explanando acerca do surgimento da Irmandade, bem como a importância dessa Irmandade no contexto urbano do município.

No terceiro e último capítulo, intitulado "A Atuação da Irmandade dos Cossacos de Prudentópolis", empreendemos uma análise a respeito do desempenho da comunidade cossaca, visando elucidar mediante o emprego da história oral, as características peculiares do grupo e como estes indivíduos desenvolvem suas práticas em Prudentópolis. Após essa análise, empenhamo-nos em uma apreciação da obra "Taras Bulba", de Nikolai Gogol, que de acordo com um integrante da Irmandade de Prudentópolis, o modelo de atuação do grupo fundamenta-se naquele descrito por Gogol. Em seguida, explanamos acerca da representação dos cossacos nos eventos do município, sobretudo nas festividades Pascais, onde os cossacos realizam a Vigília do Santo Sudário e as apresentações externas a igreja. Por fim, analisamos as atuações dos cossacos nessas festividades pascais, relacionando-as com o caráter sagrado e profano.

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1 DA UCRÂNIA AO BRASIL: O IMIGRANTE EM PRUDENTÓPOLIS/PR

Vim da Ucrânia valorosa, que foi Rússia e foi Rutênia. Povo indomável, não cala a sua voz sem algemas. Vim das levas imigrantes que trouxeram na equipagem a coragem e a esperança. Em sua luta sofrida, correu no rosto cansado, com o suor do trabalho, o quieto pranto saudoso. [...] ("Saga", Helena Kolody, 1980, p.65)

Em uma análise conceitual, de acordo com o World Migration Report – WMR, ou seja, em português, o Relatório de Migração Mundial (2018, p. 4), a ―[...] imigração consiste no movimento de um indivíduo, bem como de um grupo, os quais se deslocam de uma unidade geográfica para outra, cujo objetivo é estabelecer-se de forma definitiva ou temporária em um espaço diferente do seu local de origem‖. Desse modo, o processo migratório, isto é, a entrada ou saída de territórios diferentes se caracteriza como um fenômeno histórico constante, ocorrendo de forma massiva em diversas regiões do mundo, sobretudo para países que ofertam melhores condições de vida.

Acerca dos pretextos para o fluxo migratório, de acordo com o Fundo de População das Nações Unidas− UNFPA2

, eles derivam de fatores econômicos, sociais e culturais. Dessa forma:

A imigração é o resultado de decisões individuais ou familiares, mas também faz parte de um processo social. Em termos econômicos, a imigração é tanto um fenômeno mundial como o comércio de mercadorias ou de bens manufaturados. Designa o movimento das populações, mas faz parte de um modelo mais vasto e é um sinal de relações econômicas, sociais e culturais em transformação3.

Consonante as informações do UNFPA, em 2015 cerca de 3% da população mundial, ou seja, 244 milhões de pessoas foram consideradas imigrantes, visto que residem fora de seu país de origem. A procura por melhores condições de vida designa a principal causa dos deslocamentos humanos, fazendo com que os indivíduos descontentes com a sua região de

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O UNFPA - United Nations Population Fund − traduzido como Fundo de População das Nações Unidas − é uma instituição da Organização das Nações Unidas − ONU, responsável pelas temáticas populacionais.

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habitação emigrem para novas terras visando suprir suas necessidades básicas de sobrevivência, além de outras motivações.

O termo ―imigração‖ compreende o conceito de adentrar em um novo território, de maneira permanente ou temporária, visando estabelecer uma moradia, além de participar da vida social desse novo local. De acordo com o historiador Herbert S. Klein (1999, p. 13), na maioria das vezes a imigração se inicia quando os indivíduos encontram dificuldades de se manterem no seu local de origem. Dessa forma, as pessoas ―[...] não logram permanecer no local porque não têm como alimentar-se nem a si próprias nem a seus filhos‖ (KLEIN, 1999, p. 13). Ressalta, ainda, que, em algumas conjunturas, a imigração ―[...] sucede-se devido à perseguição ao indivíduo por sua nacionalidade ou crenças‖ (KLEIN, 1999, p. 13-14). Dados os fatores já supracitados, outros fundamentos induzem à imigração, entre eles cabe mencionar questões de ordem natural, como desastres climáticos e ecológicos, questões de ordem política, como ausência de liberdade e mesmo opressão, bem como questões de ordem étnica.

Nesse âmbito dos deslocamentos populacionais entre regiões e continentes e novamente nos remetendo ao objeto da pesquisa, cabe seguramente afirmar que a imigração ucraniana marcou a história do Brasil, em especial a do Estado do Paraná, devido às inúmeras contribuições desse povo à concepção de uma sociedade pluricultural. E mais amplamente falando, a chegada dos ucranianos, dos poloneses, dos russos, dos italianos, dos alemães, dos holandeses, entre outros forasteiros, aconteceu no interior de um processo que teve o seu começo no século XIX, no período Imperial brasileiro, intensificando-se no início da República.

Com a intenção de compreender as motivações subjetivas e objetivas da imigração, considerando as peculiaridades desse processo em relação aos ucranianos que ocuparam o território paranaense, especificamente a região prudentopolitana, no século XIX e início do século XX, questiona-se: − O que fez esses ucranianos abandonarem sua pátria rumo a uma nova e distante terra? − Como se deu o processo imigratório e quais foram as dificuldades encontradas? − Como compreender a identidade desses imigrantes ucranianos a partir de sua inserção em um novo país?

Diante do exposto, cabe dizer que este capítulo não abarca todos os pontos que formam a história e a identidade do povo de Prudentópolis, mas, sim, é resultado de uma coleta de informações que foram por nós consideradas como necessárias para, ao menos, compreender a população local e suas raízes.

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1.1 A IMIGRAÇÃO UCRANIANA EM PRUDENTÓPOLIS/PR

Distinguem-se dois tipos de imigração no Brasil doravante o processo de colonização, dividindo-se em imigração de concentração, que consistia em os imigrantes se localizarem em pequenas colônias principalmente no Sul do país, ou seja, no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná; e a imigração de dispersão, verificada na região Sudeste do país, principalmente nas lavouras de café de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Desta forma, quando se trata da formação da identidade paranaense, é indispensável considerar que ela foi construída pela miscigenação de vários povos, considerando a imigração de concentração. Assim sendo, destaca-se que até meados do século XIX, a região paranaense do país apresentava-se escassamente povoada pelos colonizadores, analisando que os indígenas, os quais foram segregados dos territórios mediante o avanço dos mondeles4, atacavam os colonos e tropeiros da região. Destarte, o estado possuía parte de seu litoral dominado e povoado pelos portugueses. O remanescente do estado era de domínio espanhol, cujo povoamento tinha o objetivo de proteger as minas de Potosí. O primeiro dado que se tem sobre o povoamento desses territórios interioranos é do ano de 1554, relativos à vila de Ontiveros (WACHOWICZ, 1988). Doravante a fundação da vila de Ontiveros, iniciou-se um povoamento por outras regiões do estado. As autoridades espanholas que estavam em território paraguaio, migraram para o Paraná com o objetivo de catequizar os indígenas da região, detendo, dessa forma, o avanço do domínio português. Na verdade, os espanhóis pretendiam ultrapassar a linha do Tratado de Tordesilhas, criando, assim, a abertura de um caminho para a Baia de Paranaguá, viabilizando a navegação pelo Oceano Atlântico.

Quanto à Baía de Paranaguá, o povoamento inicial pelos portugueses se deu na ilha de Cotinga devido à ameaça de ataques pelos índios Carijós5. Destaca-se que antecedente à chegada dos europeus, as terras paranaenses apresentavam-se habitadas por inúmeras tribos indígenas, como as do tronco Tupi-Guarani e Xetá – e as do Macro-jê, Kaingang e Xokleng.

Os índios Guaranis, designados pelos invasores como Carijós, foram os pioneiros no contato com portugueses e espanhóis, nos primórdios do século XVI, período em que os navios europeus adentraram o litoral sul do país. A relação entre esses povos distintos deu-se mediante os interesses de ambos, considerando a procura dos europeus por produtos a serem comercializados na Europa, como metais e pedras preciosas e, a necessidade dos nativos em

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Brancos de origem europeia, podendo ser denominados mundeles.

5 Os carijós formavam uma tribo indígena que habitava o litoral gaúcho e catarinense do Brasil por volta do

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adquirir novos utensílios provenientes do continente europeu, como os artefatos de metal visando à substituição dos instrumentos confeccionados com pedras e madeiras.

Doravante o século XVII, os portugueses e bandeirantes retornaram aos territórios paranaenses visando alcançar riquezas e aprisionar indígenas para o trabalho escravo nas fazendas paulistas, resultando em intensas guerras com os nativos. Um dos marcos deste período foi a morte do bandeirante paulista Manuel Preto6, o qual foi ferido por uma flecha indígena em meio a campanha de aprisionamento destes nativos no sul do país. Mediante as invasões de seus territórios os indígenas firmaram acordos e alianças com outros povos. Salienta-se que os nativos buscavam refúgio com os jesuítas, utilizando-se de ―[...] uma tática política momentânea‖ (MOTA, 2008, p. 71) para escapar dos bandeirantes paulistas, bem como do trabalho escravo espanhol. No entanto, a destruição das reduções jesuíticas foi responsável pela dispersão dos indígenas, que de acordo com Mota (2011, p. 71) ―[...] parte foi para o sul junto com os padres fundar os sete povos das missões no Rio Grande do Sul, e outra parte voltou a ocupar seus antigos territórios‖. Em suma, a invasão e colonização das terras paranaenses habitadas por indígenas apresentaram-se de maneira conflituosa e destruidora, sobretudo aos nativos.

Mediante o extermínio dos indígenas, consumou-se a conquista dos territórios, no entanto, o povoamento efetivo do Paraná deu-se por intermédio de uma miscigenação gradual e tardia, pois somente no ano de 1853 o governo do estado do Paraná passou a desenvolver estratégias visando atrair imigrantes para a região, no entanto essas ações não obtiveram o sucesso planejado. Mesmo em tempos anteriores, entre 1829 e 1834, o estado chegou a receber cerca de 19.000 imigrantes de diversas nacionalidades, tais como os russos e alemães. Destaca-se que os imigrantes que chegaram ao Paraná vieram na condição de colonos e com o compromisso de desenvolver grandes lavouras dentro das matas paranaenses, assim promovendo o fortalecimento dos vilarejos que mais tarde se tornariam as centenas e centenas de cidades paranaenses (PRIORI et al., 2012, p. 36). Diante desse cenário, ocorreu concomitantemente, um profundo apoio dos presidentes da república e dos governadores dos estados à vinda de imigrantes, privilegiando os que possuíssem bons costumes e fossem trabalhadores.

Tratando-se dos ucranianos, esses vieram para o Brasil, imprimindo as suas particularidades nas regiões que passaram a ocupar. Na contemporaneidade, os descendentes de imigrantes ucranianos correspondem a cerca de 500 mil habitantes no Brasil, dentre os

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quais 80% residem no estado do Paraná, sobretudo na cidade de Prudentópolis, da qual 75% da população é considerada ser descendente de ucranianos, segundo os dados do IBGE (2010). Em entrevista ao site O Estrangeiro – Brasil, País de Imigração (2013), o advogado e presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira, Vitório Sorotiuk, relatou que os descendentes de ucranianos no Paraná possuem representatividade em distintas organizações:

São organizações religiosas, sendo majoritária a igreja greco-católica e a ortodoxa. Também possuímos sociedades e comunidades ucranianas, tais como: Sociedade Ucraniana do Brasil, Sociedade dos Amigos da Cultura Ucraniana, Sociedade Unificação, Associação da Juventude Ucraíno-Brasileira, Igreja Ucraniana Católica do Brasil e Igreja Ortodoxa Ucraniana do Brasil, a Sociedade Ucraniana de União da Vitória e também o Museu do Milênio de Prudentópolis. (SOROTIUK, 2013).

Para compreendermos a inserção do imigrante proveniente da Ucrânia no território de Prudentópolis, ressaltaremos os fatores que contribuíram para que eles emigrassem de sua terra natal. Isto posto, cabe narrar que a Ucrânia, localizada no centro-leste da Europa, integrava a antiga União Soviética, estando emancipada desde 1991. No derivar de sua história, esse país enfrentou conflitos e incursões territoriais que causaram preponderâncias demográficas de outros povos e nações: ―[...] Sua área, de 603.700km², teve origem no Principado de Kiev, constituído no século IX da Era Cristã‖ (BORUSZENKO, 1995, p.3).

Pelo fato de ser dona de território farto em terras fecundas, a Ucrânia sempre foi ambicionada pelos países adjacentes, o que suscitou diversas invasões que produziram modificações geográficas, ora aumentando seus limites e fronteiras, ora diminuindo. Burko nota que ―[...] os geógrafos costumam designar o território ucraniano como um dos mais ricos da Europa em vista de seus recursos agrícolas e minerais‖ (1963, p. 16).

Concomitantemente a essa situação conflituosa, torna-se importante avaliar as condições políticas e econômicas nas quais os pequenos agricultores ucranianos estavam inseridos, tendo em vista que a maior parte dos imigrantes que chegaram ao Brasil, nas primeiras levas migratórias, estava conectada ao trabalho em pequenas propriedades rurais. Desde o século XVII, ainda quando a Ucrânia permanecia sob domínio da Polônia, até o século XIX, os camponeses ucranianos vivenciavam uma economia com tardios traços feudais, dominados pelas obrigações servis. Maria Luíza Andreazza7 corrobora afirmando que:

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A história vivida pelas pessoas das regiões do leste europeu fez com que, até meados do século XIX, elas mantivessem relações feudais, que só foram legalmente abolidas na esteira das revoluções de 1848. Mesmo assim, em função das dificuldades que vivenciaram como homens livres, no final do oitocentos a servidão era uma memória poderosa. (ANDREAZZA, 1999, p. 16).

Sob a autoridade e o controle efetivo da Polônia, foram inúmeros os fatores que contribuíram para a emigração ucraniana. Destaca-se a submissão dos ucranianos à escravidão do campesinato, sendo explorados como mão de obra servil. Por isso as relações com os grandes proprietários poloneses de terras eram péssimas, e também porque os poloneses pretendiam extinguir a fé ortodoxa, religião de predominância na Ucrânia. Ademais, a insuficiência de terras para os camponeses, bem como as crises agrícolas seguidas da diminuição da produção, ocasionou uma desnutrição generalizada na população, isso acrescido da repressão polonesa na cobrança de impostos. Todos esses fatores exacerbaram a miséria entre os camponeses da Ucrânia.

Com isso, os ucranianos se encontravam extenuados pelas pressões dos povos que dominavam seu território, assim como, ―[...] em virtude de condições econômicas em sua pátria, privados da liberdade política e expostos à insegurança constante na prática de sua religião, de seu rito, muitos ucranianos (principalmente da Galícia e da Bukovina), se viram forçados a se expatriarem‖ (HANEIKO, 1985, p. 46). Nesse intento foram também muito influenciados pelas propagandas que mostravam uma vida próspera e bem-sucedida na América. Então resolveram emigrar, deixando para trás as dificuldades que amargavam no país de origem.

Meroslawa Krevei (2017)8, professora aposentada, brasileira, descendente de ucranianos, residente de Prudentópolis e coordenadora do Museu do Milênio9, relata em entrevista que ―[...] a imigração ucraniana em Prudentópolis aconteceu no final do século XIX‖. Verifica-se neste período a condição do Brasil, sendo examinado como um Império, sob o comando de D. Pedro II. Assim sendo, Krevei expõe que o Imperador visava ―[...] expandir, trazer gente pra povoar. Ele precisava garantir a fronteira‖. Nesta conjuntura, ―[...] as diversas Companhias de Navegação levavam as propagandas divulgando que tinha terras e mais terras‖ no país, segundo a narrativa de Krevei (2017).

8 Entrevista concedida ao autor em 11 de outubro de 2017. 9

O Museu do Milênio foi introduzido em Prudentópolis devido à comemoração do centenário da imigração ucraniana na cidade, isso em data de 11 de agosto de 1995, sendo vinculado à Igreja Ucraniana de São Josafat. O local é composto de um acervo de livros, documentos e fotos, os quais rememoram a cultura da comunidade ucraniana brasileira de Prudentópolis.

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