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ANÍSIO TEIXEIRA E A EDUCAÇÃO PARA A LIBERDADE

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DÉBORA RAMOS FIGUEIREDO

ANÍSIO TEIXEIRA E A EDUCAÇÃO PARA A LIBERDADE

NITERÓI 2020

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DÉBORA RAMOS FIGUEIREDO

ANÍSIO TEIXEIRA E A EDUCAÇÃO PARA A LIBERDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Facul-dade de Educação da UniversiFacul-dade Fede-ral Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educa-ção.

Orientador:

Prof. Dr. Ronaldo Rosas Reis

NITERÓI 2020

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F475a Figueiredo, Débora Ramos

Anísio Teixeira e a educação para a liberdade / Débora Ramos Figueiredo ; Ronaldo Rosas Reis, orientador. Niterói, 2020.

131 f.

Dissertação (mestrado)-Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2020.

DOI: http://dx.doi.org/10.22409/POSEDUC.2020.m.05712352710 1. Anísio Teixeira. 2. Liberdade. 3. Escola Nova. 4. Produção intelectual. I. Reis, Ronaldo Rosas, orientador. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação. III. Título.

CDD - Ficha catalográfica automática - SDC/BCG Gerada com informações fornecidas pelo autor

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DÉBORA RAMOS FIGUEIREDO

ANÍSIO TEIXEIRA E A EDUCAÇÃO PARA A LIBERDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Facul-dade de Educação da UniversiFacul-dade Fede-ral Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educa-ção.

Aprovada em 19 de fevereiro de 2020.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________ Prof. Dr. Ronaldo Rosas Reis – Orientador

Universidade Federal Fluminense – UFF

_____________________________________________________________ Prof. Dr. Reginaldo Costa

Universidade Federal Fluminense – UFF

___________________________________________________________ Prof. Dr. Fernando Antônio da Costa Vieira

Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ

NITERÓI 2020

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A Deus, à minha família e a todos os pro-fessores e amigos que me ajudaram a re-alizar esse sonho.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo amor, pela vida, pelo sustento, pela graça, por toda direção e cuidado que me proporcionaram chegar até aqui.

Ao meu pai Manoel Carlos Figueiredo (em memória), pelo amor, pelo cuidado, pela educação, pelas boas gargalhadas, por me ensinar, como ninguém, a refletir e criti-car, por tantas heranças valiosas.

A minha mãe Zilda Vieira, por me gerar e me dar à luz com os sofrimentos da mater-nidade, pelo amor, pela educação, pelo cuidado inexprimível, pela paciência sem fim, por todo incentivo e ajuda, pela amizade que a faz pronta a ouvir todos os meus problemas, por tantas coisas, que não daria para registrar aqui.

Aos meus irmãos, Francisco Figueiredo e Hosana Figueiredo, pelo amor, carinho e incentivo a sua irmãzinha caçula! Amo vocês!

A todos os meus sobrinhos (são muitos), amo a cada um e todos fazem parte da minha vida e dos meus planos!

À minha amada amiga Raquel Lopes, pela amizade, por sofrermos juntas desde o primeiro período da graduação, pela companhia, pela ajuda, pelo incentivo, pelas orações, pela paciência, pelos momentos de boas reflexões, pelos momentos de descontração e muitas gargalhadas, por compartilharmos alegrias e sofrimentos, por nossa amizade eterna!

A minha querida amiga Janiara Medeiros, pela amizade, pela atenção, pelo incentivo e por toda contribuição a minha formação no curso de Mestrado em Educação da FEUFF.

Ao meu querido amigo, Marcus Vinicius Corrêa Carvalho, excelente professor com quem aprendi muito, o qual foi o responsável pelo início dessa pesquisa ainda na graduação.

Ao meu querido orientador Ronaldo Rosas Reis, por acreditar nesse trabalho e se prontificar a caminhar junto comigo nessa realização, sempre prezando pela minha autonomia e liberdade.

Aos queridos professores Fernando Antônio da Costa Vieira e Reginaldo Costa, por dedicarem seu tempo e atenção, fazendo parte desse momento tão importante da

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minha vida, através de suas orientações e participação na banca que avalia este trabalho.

A CAPES, pelo apoio financeiro, importantíssimo para a concretização deste traba-lho.

A todos os amigos e familiares que estiveram diretamente ou indiretamente envolvi-dos nesse trabalho.

Não morreram em vão os que morreram por esse ideal de um “pensamento livre como o ar”.

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RESUMO

Esta dissertação é uma análise da educação brasileira, a partir da trajetória de Aní-sio Teixeira, principalmente da que se refere à reforma educacional realizada no Dis-trito Federal na década de 1930. O objetivo da presente dissertação é despertar um olhar reflexivo e crítico sobre a educação pública atual, a partir da problemática que envolve o tema da liberdade no pensamento moderno e na educação moderna que no Brasil resultou nas propostas baseadas na Escola Nova. Desse modo, busco apresentar os fundamentos do pensamento educacional e social de Anísio Teixeira e as suas contribuições para a educação pública, na tentativa de suscitar uma reflexão a respeito da possibilidade da concretização de uma educação comprometida com a liberdade e coma democracia. Para isso, analiso o desenvolvimento histórico da educação brasileira pontuando algumas características próprias da cultura do Brasil; aponto as concepções de educação e de sociedade de Anísio Teixeira no debate que envolve a liberdade moderna; apresento uma reflexão sobre as possibilidades da existência de uma educação voltada à liberdade dentro do contexto atual; discuto o ideário da Escola Nova presente no pensamento educacional público brasileiro, pontuando a forma pouco refletida como esse ideário se apresenta. O desenvolvi-mento dessa dissertação se deu a partir da pesquisa bibliográfica, através de uma abordagem interpretativa e explicativa, por meio da interface entre os campos do conhecimento da História e da Filosofia. Para o desenvolvimento da pesquisa utili-zei, basicamente, fontes impressas, dentre as quais se encontram documentos co-mo correspondências e discursos de posses institucionais, além de artigos de perió-dicos e obras de Anísio Teixeira. Esta pesquisa está embasada, também, nas con-tribuições de vários autores, como Marta Carvalho, Helena Bomeny, Raquel Gandini, Otaíza Romanelli, Hannah Arendt, entre outros. Porém, sua principal contribuição está na importante pesquisa de Clarice Nunes a respeito de Anísio Teixeira.

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ABSTRACT

This dissertation is an analysis of Brazilian education, from the trajectory of Anísio Teixeira, mainly from the educational reform carried out in the Federal District in the 1930s.The purpose of this dissertation is to awaken a reflective and critical look at current public education, from the problematic that involves the theme of freedom in modern thought and modern education that in Brazil resulted in the proposals based on New School. In this way, I seek to present the foundations of Anísio Teixeira's educational and social thinking and his contributions to public education, in an at-tempt to raise a reflection about the possibility of achieving an education committed to freedom and democracy. To this end, I analyze the historical development of Bra-zilian education, punctuating some characteristics of BraBra-zilian culture; I point out Anísio Teixeira's conceptions of education and society in the debate involving mod-ern freedom; I present a reflection on the possibilities of the existence of an educa-tion focused on freedom within the current context; I discuss the ideas of New School present in the Brazilian public educational thought, punctuating the poorly reflected form of this idea. The development of this dissertation was based on bibliographic research, through an interpretative and explanatory approach, through the interface between the fields of knowledge of History and Philosophy. For the development of the research, I used, basically, printed sources, among which are documents such as correspondence and speeches of institutional possessions, as well as articles from periodicals and works by Anísio Teixeira. This research is also based on the contri-butions of several authors, such as Marta Carvalho, Helena Bomeny, Raquel Gan-dini, Otaíza Romanelli, Hannah Arendt, among others. However, his main contribu-tion is in the important research by Clarice Nunes about Anísio Teixeira.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

1. A MODERNIZAÇÃO EDUCACIONAL E SOCIAL BRASILEIRA: DO PERÍODO COLONIAL À REPÚBLICA: LIBERDADE EM CHEQUE... 16

1.1. Breve contexto educacional e social do período colonial ao Império ... 16

1.1.1. A crise da República Velha e o movimento de renovação educacional nos anos 1920... 25

1.2. Modernidade, liberalismo e ideias de liberdade em educação ... 38

1.3. A Revolução de 30 e a reforma educacional do Distrito federal: perspectiva de uma educação para a liberdade ... 47

2. O PENSAMENTO POLÍTICO E FILOSÓFICO DE ANÍSIO TEIXEIRA NO DEBA-TE DA MODERNIDADE ... 57

2.1. A natureza humana e a liberdade na perspectiva de Anísio Teixeira ... 57

2.2. Liberalismo e pragmatismo: a influência de John Dewey ... 67

2.3. Democracia, autonomia e autoridade ... 77

3. UMA EDUCAÇÃO PARA A LIBERDADE ... 89

3.1. A reforma educacional do Distrito Federal: experiência e liberdade ... 93

3.2. Um olhar sobre a experiência estética da educação do Distrito Federal ... 101

3.3. A educação para a liberdade no contexto neoliberal: um olhar sobre a escola pública em Niterói na atualidade ... 105

3.3.1. O dilema liberdade x autoridade ... 113

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 121

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11 INTRODUÇÃO

Analisar as concepções a respeito dos projetos de educação e de sociedade de Anísio Teixeira implica, para mim, na aquisição da compreensão de muitos desa-fios que envolvem a educação pública brasileira na atualidade. Não foi por acaso que Anísio Teixeira pautou todo o seu projeto educacional e social na liberdade hu-mana. Penso que uma educação que não esteja voltada para a busca da liberdade, não possui nenhum sentido. Penso também que, uma atuação educacional com-prometida, de fato, com a liberdade, não pode abrir mão da compreensão de como a liberdade vem se configurando ao longo da história até chegar à forma moderna, ou seja, à forma em que, basicamente, liberdade passa a significar o direito de ter, rela-cionando-se mais com o egoísmo do que com a solidariedade.

Otimista em relação às transformações da modernidade, Anísio Teixeira aposta nessas transformações para a concretização da tão almejada liberdade, atra-vés da renovação social e educacional. Para isso, o educador apresenta uma postu-ra incompatível com posições egoístas e particularistas, próprias da organização capitalista, fato que o torna um homem de ação que deixa um legado de extrema relevância na educação pública brasileira, no que diz respeito a uma organização voltada para a liberdade e para a democracia.

Nas palavras de Anísio Teixeira (1932, s/p): “o homem deve ser capaz, eco-nomicamente e individualmente e o homem deve se sentir responsável pelo bem social. Personalidade e cooperação são os dois pólos dessa nova formação humana que a democracia exige”. Para formar esse homem de personalidade e cooperação, de acordo com Anísio Teixeira, a nova escola deveria ter uma função integral de educação, passando a organizar-se de forma que a criança encontrasse um ambien-te social em que pudesse viver plenamenambien-te. Além disso, uma profunda mudança deveria ocorrer na aprendizagem do aluno, que passaria a se dar a partir do seu de-sejo e interesse. Saindo do estudo livresco e mecânico, a nova escola deveria pro-porcionar uma educação para a vida, pois segundo Anísio Teixeira (1932, s/p, grifo do autor):

O fenômeno educativo, na frase de Dewey, é a reconstrução da experiên-cia, à luz das experiências passadas, para melhor e mais rico controle da si-tuação. Diante dessa concepção, confirmada pela presente psicologia, o processo educativo se opera em uma situação real de vida, onde o que é

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aprendido funciona com seu próprio caráter e produz as suas naturais con-sequências. Além disto, para que a aprendizagem seja integradora, o que vale dizer educativa, a situação escolar e a vida do aluno devem se ajustar e harmonizar como um todo continuo.

Também a função docente deveria sofrer uma radical mudança na reorgani-zação moderna da escola, voltada aos ideais democráticos, devendo abandonar qualquer tipo de imposição no processo de ensino, o que iria tocar profundamente a forma de o professor exercer a autoridade. Como vemos no argumento de Anísio Teixeira (1932, s/p),

Toda educação até hoje foi autocrática! Os mestres sofriam a autocracia dos administradores, e as crianças as dos mestres. Na reorganização de-mocrática das escolas, a uns e outros temos que dar independência. Educar é uma arte tão alta que não se pode subordinar aos métodos de imposição das simples tarefas mecânicas.

O projeto educacional de Anísio Teixeira, enquanto projeto moderno de edu-cação, com as peculiaridades do seu pensamento, trouxe mudanças significativas para a educação pública brasileira. Ainda hoje a escola pública busca uma forma de educação que atenda os ideais democráticos. Porém, já se passaram quase cem anos após a atuação de Anísio Teixeira na reforma educacional do Distrito Federal e esses ideais democráticos esbarram num solo arenoso, marcado pela hierarquiza-ção e pelo autoritarismo, heranças que não conseguimos superar. Diante desse con-texto, parece propício investigarmos as mudanças que os projetos modernos educa-cionais geraram na educação pública brasileira, no que diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem, na relação professor-aluno, entre outras questões, sendo esse um dos motivos que encaminhou essa pesquisa.

A tentativa de se introduzir uma educação baseada na Escola Nova sem a análise dos pressupostos dessa perspectiva educacional, somada ao contexto cultu-ral e social atual, tem colaborado para a precarização da educação pública. Dessa forma, a pesquisa aqui desenvolvida visou ponderar os projetos modernos de edu-cação que começaram a ser implantados no Brasil a partir da década de 1920, tendo como foco a atuação de Anísio Teixeira na reforma educacional do Distrito Federal na década de 1930. Sendo assim, esta pesquisa esteve atrelada à análise de como as propostas dos projetos de renovação educacional de Anísio Teixeira colaboraram com a configuração de um novo ideário na educação pública brasileira, num período em que as autoridades vigentes passaram a ser questionadas e a ênfase voltou-se para o autogoverno do aluno e do cidadão. Segundo Anísio Teixeira (1930, s/p):

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Nós podemos perceber a nova finalidade da escola, quando refletirmos que ela deve hoje preparar cada homem para ser um indivíduo que pense e que se dirija, por si, em uma ordem social, intelectual e industrial eminentemente complexa e mutável. Antes a escola suplementava com algumas informa-ções dogmáticas uma educação que o lar e a comunidade ministravam ao individuo, em uma ordem, por assim dizer, estática de coisas. Toda educa-ção consistia em ensinar a seguir e a obedecer.

O legado do pensamento de Anísio Teixeira parece ter marcado de maneira relevante a educação pública brasileira, porém não há, hoje, uma definição clara de como as concepções do educador se expressam na forma de pensar e agir presente no meio educacional público brasileiro. Dessa forma, minha investigação partiu do pressuposto de que as mudanças educacionais ocorridas na década de1930 tenham sido cruciais para a compreensão da mentalidade educacional pública atual, bem como dos problemas que envolvem a educação pública.

Podemos encontrar no cenário educacional atual aqueles que defendem ve-ementemente os princípios da Escola Nova, opondo-se a tudo o que é considerado tradicional no que diz respeito à educação. Contrapondo-se a esse posicionamento, estão os que afirmam que o agir pedagógico baseado nos princípios da Escola Nova prejudicam a aprendizagem dos alunos, bem como a autoridade do professor. Ape-sar de ser notória a presença de inúmeras pesquisas a respeito do pensamento e da atuação de Anísio Teixeira, considero importante e urgente uma análise que esteja conectada com o contexto educacional público atual, na busca não somente de cla-rear obscuridades, mas de cooperar, de alguma forma, com melhorias para a edu-cação pública.

Ao tratar da reforma educacional do Distrito Federal, Anísio Teixeira deixou clara a necessidade que via da promoção de uma nova filosofia da educação que atendesse à transformação operada na finalidade da escola, devido às mudanças da civilização moderna, a qual passara a exigir da escola um papel maior na sociedade. Dentre as várias mudanças que Anísio Teixeira iria implementar no meio escolar a partir da reforma educacional do Distrito Federal, é relevante destacar a que diz res-peito ao papel da autoridade, que deveria ajustar-se ao ideal de liberdade pretendido por Teixeira. Teixeira argumenta que na sociedade moderna as mudanças não se deram somente no campo material, mas, também, no campo moral. Discorrendo so-bre a autoridade, Teixeira (1930, s/p) afirma que:

A noção atual de liberdade envolve, caracteristicamente, essa capacidade de se orientar exclusivamente por uma autoridade interna. Nenhuma

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dade exterior é hoje aceita. As ideias e os fatos são examinados nos seus méritos e resolvidos de acordo com as luzes da razão de cada um.

Seria necessária uma profunda mudança no meio educacional público brasi-leiro, o qual encontrava-se inserido numa sociedade altamente hierarquizada e mar-cada pelo autoritarismo. A Escola Nova, contrapondo-se à escola tradicional, dentre outras características, próprias da educação moderna, prometia comprometer-se com a autonomia e a liberdade dos alunos. Seria necessário, dessa forma, uma re-formulação da cultura escolar, a partir de elementos próprios da Escola Nova e da educação moderna, a fim de atingir o meio social e cultural brasileiro. Compreender a forma como Anísio Teixeira fundamentava suas concepções modernas de educa-ção e de sociedade é importante nessa análise.

O desenvolvimento dessa dissertação se deu a partir da pesquisa bibliográfi-ca, por meio de uma abordagem interpretativa e explicativa. De acordo com Lima e Mioto (2007), a pesquisa bibliográfica implica em um conjunto ordenado de procedi-mentos de busca por soluções, atento ao objeto de estudos, não podendo ser, dessa forma, aleatório. Assim, a pesquisa se deu através da análise das fontes por meio da interface entre os campos do conhecimento da história e da filosofia. Para o desen-volvimento da pesquisa utilizei, basicamente, fontes impressas, especialmente as relativas ao período de atuação de Anísio Teixeira na reforma educacional da Instru-ção Pública do Distrito Federal na década de 1930. Realizei o levantamento inicial dessas fontes, arregimentando documentos como correspondências, discursos de posses institucionais e artigos de periódicos de Anísio Teixeira. Do mesmo modo, realizei o levantamento da bibliografia sobre o autor, coletando artigos, teses e dis-sertações. Constituem-se como fontes principais dessa dissertação a produção tex-tual de Anísio Teixeira, principalmente a que se refere às décadas de 1920 e de 1930.

Na década de 1930, Anísio Teixeira via as mudanças nos aspectos materiais e morais da sociedade como consequências do progresso da civilização moderna. A respeito das mudanças materiais Anísio Teixeira (1930, s/p) faz a seguinte afirma-ção:

[...] São as casas maiores e mais confortáveis. É o transporte mais rápido e mais barato. São as ruas mais bonitas. É a diversão mais interessante e mais acessível. É a luz e a água mais fáceis e melhores. São os jornais e as publicações mais numerosos e mais bem feitos.

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No que se refere às mudanças morais, Teixeira (1930, s/p) argumenta:

Mas, o homem é mais lógico do que os seus filósofos. Com a nova civiliza-ção material, feita e governada por ele, começou a velha ordem social e mo-ral a se abalar. Mudou a família. Mudou a comunidade. Mudaram os hábitos do homem e os seus costumes.

Diante dessas transformações materiais e morais, para Anísio Teixeira, as mudanças do papel da escola seriam imprescindíveis. Caberia à escola a função social de preparar o homem para viver na sociedade moderna industrial e democrá-tica, por meio de uma educação comprometida com a autonomia e a liberdade. Esse projeto educacional de formação integral baseado na autonomia e na liberdade pre-cisa ser analisado dentro do contexto capitalista pós-Revolução de 1930, bem como do contexto da formação da identidade de Anísio Teixeira, o que busquei fazer prin-cipalmente a partir das contribuições de Clarice Nunes, autora com uma vasta e im-portante pesquisa a respeito da historiografia sobre Anísio Teixeira.

No primeiro capítulo dessa dissertação busco mostrar como se deu o desen-volvimento educacional brasileiro, desde o período colonial, passando pela implan-tação da República até o período pós-Revolução de 30, ressaltando os aspectos próprios de uma educação em um país marcado por uma cultura implantada e pela herança escravocrata, de forma a problematizar esses aspectos dentro do contexto da modernidade, principalmente no que se refere a sua principal característica: a busca pela liberdade.

Já no segundo capítulo, analiso os fundamentos políticos e filosóficos de Aní-sio Teixeira, buscando chamar atenção para as influências de John Dewey nas con-cepções educacionais e sociais do educador baiano, sem, contudo, perder de vista suas características e peculiaridades.

Por fim, no terceiro capítulo, apresento preliminar e resumidamente alguns dos passos que levaram o pensamento estético à sua autonomia face à Filosofia moderna com o objetivo de enfatizar a reflexão sobre a possibilidade da existência real de uma educação voltada à liberdade dentro do contexto atual. Para isso, parto da análise da experiência estética presente na reforma do Distrito Federal na década de 1930, no primeiro momento e, no segundo momento, apresento reflexões basea-das em minha experiência enquanto docente da educação básica do município de Niterói, buscando, mesmo que de forma breve, apontar o ideário de Anísio Teixeira presente nessa rede de ensino na atualidade.

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16 1. A MODERNIZAÇÃO EDUCACIONAL E SOCIAL BRASILEIRA: DO PERÍODO COLONIAL À REPÚBLICA: LIBERDADE EM CHEQUE

1.1. Breve contexto educacional e social do período colonial ao Império

Refletir sobre a problemática educacional do Brasil nos anos 1920 e 1930 im-plica em uma análise de um período em que a busca pela modernização da socie-dade brasileira parece ter sido o motor condutor de projetos e ações que visavam à transformação social do Brasil nos setores políticos, econômicos, culturais e educa-cionais. Nesta análise, um fato importante que precisa ser considerado diz respeito ao embate entre tradição e inovação, sendo aquela, teoricamente, marcada pelo au-toritarismo e essa pela promessa de liberdade. No setor educacional, Anísio Teixeira foi um dos grandes expoentes responsável por projetos voltados à liberdade com vistas à modernização da sociedade brasileira.

Antes de tratarmos da atuação de Anísio Teixeira como renovador educacio-nal, considero relevante um breve sobrevoo histórico sobre a educação brasileira ainda no período pré-republicano. No que diz respeito à periodização, Gondra e Schueler (2008) afirmam que o desafio é pensar o ponto em que a reflexão deveria ser iniciada e onde poderia ser encerrada. A historiografia, geralmente, tem adotado marcos político-administrativos como critérios gerais para pensar a sociedade. Des-se modo, a historiografia teria conhecido três formas: a Colônia (1500-1822), o Impé-rio (1822-1889) e a República (1889 aos dias atuais). Afirmam os autores que a re-partição de nossa história nestes três largos períodos funciona como uma espécie de chave-mestra, que permitiria compreender todas as ações humanas, porém as pesquisas mais recentes têm demonstrado que o emprego desses marcos e a uni-dade que a adoção deles sugere são insuficientes para explicar a complexiuni-dade da ação social nos períodos assim definidos, sendo necessário estar sensível à percep-ção de que a experiência educativa não se encontra plenamente determinada pela forma administrativa vivida no que foi uma América portuguesa que, de modo tenso, desde então, vem construindo a forma de um Estado independente.

Romanelli (1986) traz importantes apontamentos a respeito da educação e da cultura na colônia brasileira. A autora afirma que o colonialismo, iniciado na Idade

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Moderna, efetuou sobre o Novo Mundo trocas culturais aniquiladoras das culturas indígenas. Na colonização das terras americanas houve um transplante de recursos materiais e humanos de uma sociedade, cuja cultura já havia atingido um alto nível de complexidade, para um meio que não oferecia condições de troca em pé de igualdade. O que se transferiu, nesse caso, foram produtos acabados de uma cultu-ra, não as suas circunstâncias. Desse modo, o acervo instalado aqui teve de sofrer adaptações e acomodações. Como a imitação pura e simples dos hábitos de vida da Metrópole não podia ser completa, já que as circunstâncias eram outras, tanto quan-to possível, as adaptações iam sendo feitas. Naquilo em que o meio se revelou co-mo fator circunstancial mais forte, as adaptações foram mais profundas e naquilo em que se revelou menos importante, as adaptações mostraram-se mais superficiais, conforme ocorreu com a chamada cultura letrada, na qual o transplante se revelou mais característico, pois os produtos acabados da cultura intelectual são mais facil-mente alienáveis. Esses produtos se transportaram para o Novo Mundo através da camada social dominante, a única em condições de alimentá-los e manipulá-los em seu favor.

Romanelli (1986) afirma, ainda, que a economia colonial brasileira favoreceu o aparecimento da unidade básica do sistema de produção, de vida social e do sis-tema de poder representado pela família patriarcal, a qual contribuiu com a importa-ção de formas de pensamentos e ideias dominantes na cultura medieval européia, feita através da obra dos Jesuítas. O branco colonizador buscava distinguir-se, por sua origem europeia, da população nativa, negra e mestiça, então existente. Deten-tora do poder político e econômico, a camada dominante tinha de ser também deten-tora dos bens culturais importados. Dessa forma, na Colônia, vingaram hábitos aris-tocráticos de vida, já que a camada dominante buscava imitar hábitos da Metrópole, procurando copiar os hábitos da camada nobre portuguesa. Assim, a sociedade lati-fundiária e escravocrata acabou por ser também uma sociedade aristocrática, fato que contou com a contribuição da obra educativa da Companhia de Jesus. Confor-me Romanelli (1986, p. 33):

As condições objetivas que portanto favoreceram essa ação educativa fo-ram, de um lado, a organização social e, de outro, o conteúdo cultural que foi transportado para a Colônia, através da formação mesma dos padres da Companhia de Jesus. A primeira condição consistia na predominância de uma minoria de donos de terra e senhores de engenho sobre uma massa de agregados e escravos. Apenas àqueles cabia o direito à educação e,

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mesmo assim, em número restrito, porquanto deveriam estar excluídos des-sa minoria as mulheres e os filhos primogênitos, aos quais se reservava a direção futura dos negócios paternos. Destarte, a escola era frequentada somente pelos filhos homens que não os primogênitos. Estes recebiam apenas, além de uma rudimentar educação escolar, a preparação para as-sumir a direção do clã, da família e dos negócios, no futuro. Era, portanto, a um limitado grupo de pessoas pertencentes à classe dominante que estava destinada a educação escolarizada.

A metrópole portuguesa buscava construir em terras coloniais sua estrutura política, suas relações sociais, suas relações culturais. É importante ressaltar que nos séculos XVI e XVII, as relações patriarcais estavam presentes na cultura, se não de todo, de quase todo o planeta e o Brasil reproduzia as relações sociais e culturais europeias.

Romanelli (1986) define a ação educativa jesuítica por seu conteúdo cultural caracterizado por uma reação contra o pensamento crítico e pelo apego a formas dogmáticas de pensamento, ou seja, essa educação em nada contribuía para a li-berdade e para o desenvolvimento da subjetividade, características do pensamento moderno que começava a despontar na Europa, temática que será discutida posteri-ormente. A autora chama atenção para uma das condições que favoreceu a educa-ção jesuítica, argumentando que tal condieduca-ção:

[...] consistia no conteúdo cultural de que se faziam portadores os padres. Que conteúdo era esse? Era, antes de tudo, a materialização do próprio es-pírito da Contra-Reforma, que se caracterizou sobretudo por uma enérgica reação contra o pensamento crítico, que começava a despontar na Europa, por um apego a formas dogmáticas de pensamento, pela revalorização da Escolástica, como método e como filosofia, pela reafirmação da autoridade, quer da Igreja, quer dos antigos, enfim, pela prática de exercícios intelectu-ais com a finalidade de robustecer a memória e capacitar o raciocínio para fazer comentários de textos. (ROMANELLI, 1986, p. 34).

Completa a autora, citando Azevedo:

[...] O apego ao dogma e à autoridade, à tradição escolástica e literária, o desinteresse quase total pela ciência e a repugnância pelas atividades téc-nicas e artísticas tinham, forçosamente, de caracterizar, na Colônia, toda a educação modelada pela Metrópole, que se manteve fechada e irredutível ao espírito crítico e de análise, à pesquisa e à experimentação. (AZEVEDO apud ROMANELLI, 1986, p. 34).

Se o setor educacional foi marcado por relações heteronômicas, o inverso não ocorreu no setor econômico. De acordo com Florestan Fernandes (1974) os móveis capitalistas do comportamento econômico foram introduzidos no Brasil jun-tamente com a colonização. As plantações tinham um propósito comercial básico, o qual orientou as adaptações econômicas imprimidas à grande lavoura pelas formas de apropriação colonial, orientando, assim, a seleção dos produtos exportáveis, que

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deviam alcançar os mais altos valores possíveis por unidade e os mecanismos de apropriação de terras, de trabalho escravo ou mesmo livre, que asseguravam os custos mais baixos possíveis de produção e provocavam, ao mesmo tempo, extrema concentração de renda. Mas, graças à posição marginal que ocupava no circuito ex-terno de mercantilização dos produtos exportados, pois mesmo a Metrópole não par-ticipava das principais fases desse circuito que se desenrolavam fora de Portugal, as funções econômicas do senhor de engenho quase equivaliam, no âmbito do referido circuito, às dos administradores e beneficiários das feitorias. Desse modo, as in-fluências dinâmicas que o capitalismo comercial poderia exercer, em outras condi-ções, eram neutralizadas diante da organização e do desenvolvimento da economia interna.

Fernandes (1974) argumenta que o senhor de engenho era, de um lado, agente humano da conquista e, por isso, precisava ser nobre e militar e, de outro, agente potencialmente econômico, servindo, assim, à Coroa, às companhias comer-ciais e a si próprio, dentro do sistema colonial, o qual:

[...] forçava um tipo de acomodação que retirava da grande lavoura qualquer poder de dinamização da economia interna. Ela era compelida a especiali-zar-se como unidade econômica estanque e fechada sobre si mesma, tendo de prover as suas principais necessidades fundamentais apesar de ser uma “empresa exportadora”. Certas consequências da abundância de terras, do trabalho escravo e da agricultura extensiva agravaram esses efeitos, resul-tando do conjunto que essa unidade produtiva possuía escassa capacidade para originar um circuito de reinversão com tendências autonômicas e de bases capitalistas mais ou menos consistentes. Isso contribuiu para a eco-nomia colonial fechar-se sobre si mesma, apesar de organizar-se para a exportação: seu único pólo dinâmico era neutralizado nos limites que trans-cendessem (ou pudessem romper) o controle econômico vindo de fora. (FERNANDES, 1974, p. 25).

Ainda a respeito do período colonial é importante ressaltar que, de acordo com Romanelli (1986), a obra de catequese que inicialmente havia sido o objetivo principal da Companhia de Jesus no Brasil, aos poucos cedeu lugar, em importân-cia, à educação da elite, sendo com esta característica que ela se firmou durante o período da atuação dos Jesuítas no Brasil, sobrevivendo à própria expulsão deles, no século XVIII. Esta educação dada pelos Jesuítas, da qual o povo estava excluído, foi transformada em educação de classe, atravessando todo o período colonial e imperial, atingindo, ainda, o período republicano, sem sofrer em suas bases qual-quer modificação estrutural, mesmo com o aumento da demanda social pela educa-ção. De acordo com a autora:

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Símbolo de classe, esse tipo de educação livresca, acadêmica e aristocráti-ca foi fator coadjuvante na construção das estruturas de poder na Colônia. Isso porque a classe dirigente, aos poucos, foi tomando consciência do der da educação na formação de seus representantes políticos junto ao po-der público. Os primeiros representantes da Colônia junto às Cortes foram os filhos dos senhores de engenho educados no sistema jesuítico. Casa-ram-se, assim, portanto, a grande propriedade, o mandonismo e a cultura transplantada expandida pela ação pedagógica dos Jesuítas. (ROMANELLI, 1986, p. 36).

Importantes mudanças ocorreram no setor educacional devido à chamada re-forma pombalina. Conforme Saviani (2011), com a ascensão ao trono de Dom José I, aclamado rei em 7 de setembro de 1750, Sebastião José de Carvalho e Melo inte-gra o gabinete como ministro responsável pela Secretaria do Exterior e da Guerra, ganhando aos poucos proeminência no governo, chegando a legislar nos âmbitos de competência de outros ministros. Suas ideias, bem como as de outros portugueses que viviam no exterior, tinham influências iluministas. Eles defendiam o desenvolvi-mento cultural do Império Português pela difusão de novas ideias de base empirista e pelo derramamento das luzes da razão nos mais variados setores da vida portu-guesa, voltando-se especialmente para a educação, que deveria ser libertada do monopólio jesuítico, cujo ensino se mantinha, conforme entendiam, preso a Aristóte-les e contrário aos métodos modernos de fazer ciência. Em 1769 Sebastião José de Carvalho e Melo tornou-se o Marquês de Pombal e realizou uma série de reformas no Império Português, estabelecendo um novo regime, o qual:

[...] subordinou os organismos políticos e sociais ao poder central; enqua-drou a nobreza eliminando os privilégios de nascimento; nobilitou os agen-tes da indústria e do comércio; neutralizou os conflitos de classe; extinguiu a Confraria do Espírito Santo da Pedreira ou Mesa dos Homens de Negócios (1755), criando a Junta do Comércio (1756) e a Aula do Comércio (1759); instituiu a política dos diretórios visando a subtrair os indígenas do controle eclesial (1757); expulsou os Jesuítas (1759); vinculou a Igreja ao Estado, tornando-a independente de Roma (1760); criou o Colégio dos Nobres (fun-dado em 1761 e aberto em 1766); aboliu a diferença entre cristãos velhos e novos (1768); criou a Real Mesa Censória (1768); secularizou a Inquisição, tornando-a um instrumento do Estado (1769); e decretou a reforma dos es-tudos menores (1759) e maiores (1772). (SAVIANI, 2011, p. 82).

Conforme Gondra e Schueler (2008), a reforma pombalina desencadeou o processo de expulsão dos jesuítas de Portugal e de todo o seu Império, fato que ge-rou a reorganização de todo o ensino público oficial. Dessa forma, tornou-se obriga-ção do império luso garantir a educaobriga-ção gratuita à populaobriga-ção, não de forma igualitá-ria e homogênea, em todo o território metropolitano e colonial. Para isso, a reforma dos Estudos Menores criou o sistema das Aulas Régias, que passariam a ser

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ciadas pelo subsídio literário e pelo Diretor Geral de Estudos. Em Romenelli (1986, p. 36) vemos que com a expulsão dos Jesuítas:

[...] desmantelou-se toda uma estrutura administrativa de ensino. A unifor-midade da ação pedagógica, a perfeita transição de um nível escolar para o outro, a graduação, foram substituídas pela diversificação das disciplinas isoladas. Leigos começaram a ser introduzidos no ensino e o Estado assu-miu, pela primeira vez, os encargos da educação.

Toda essa mudança sofrida pela a educação a partir da expulsão dos Jesuí-tas não alterou as bases educacionais, já que:

[...] os Jesuítas mantiveram, além de colégios para a formação de seus sa-cerdotes, seminários para a formação do clero secular. Era esse o clero que atuava principalmente nas fazendas de onde ele proviera, constituído, como era, de filhos das famílias proprietárias. Foram estes que formaram a massa de tios-padres e capelães de engenho e que, por exigência das funções, fo-ram também os mestres-escola ou preceptores dos filhos da aristocracia ru-ral. Formados nos seminários dirigidos pelos Jesuítas, eles foram os natu-rais continuadores de sua ação pedagógica. Compuseram também o maior contingente de professores recrutados para as chamadas aulas régias in-troduzidas com a reforma pombalina [...] (ROMANELLI, 1986, p. 36).

De acordo com Gondra e Schueler (2008), entre o final do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX, foram enviados cerca de 17 mestres régios de ler e escrever para a colônia americana, distribuídos entre Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Pará e Maranhão. Esses professores conviveram aqui com a multiplicidade de práticas e formas educativas coexistentes, inclusive com os mes-tres leigos e religiosos, padres e capelães de engenhos, que nas áreas rurais e ur-banas ensinavam as primeiras letras ou lecionavam disciplinas isoladas.

No ano de 1822 o Brasil tornou-se independente do Império Português. No-vamente em Gondra e Schueler (2008) vemos que a independência não foi um pro-cesso tranquilo e ordeiro, pois em muitas regiões coloniais havia forças políticas fa-voráveis à manutenção da antiga ordem e contrárias à hegemonia centralizadora exercida pelo Centro-Sul, por meio da Corte. Também havia forças que buscavam defender outros projetos para a construção da nação, inclusive com propostas radi-cais, republicanas e federativas, as quais incluíam a ampliação das liberdades públi-cas e a participação política dos caboclos da terra, cabras, libertos e escravos, con-forme mostram os movimentos revolucionários de Pernambuco, em 1817, a Confe-deração do Equador, em 1824 e, posteriormente, as revoltas regenciais: Cabana-gem (1835-1840), no Pará; Balaiada (1838-1841), em Maranhão e Piauí; Cabanos (1832-1835) e Praieira (1840-1848), em Pernambuco; Farrapos (1835-1845), em

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Santa Catarina e Rio Grande do Sul; Revoltas Liberais (1842), em Minas Gerais e São Paulo, além das revoltas escravas ocorridas em Minas Gerais (Carrancas, 1833), na Bahia (Malês, 1835) e no Rio de Janeiro (Manoel Congo, 1838). Os auto-res salientam que essas revoltas demonstravam a efervescência das tensões sociais e a pluralidade dos projetos políticos em conflito.

Segundo Romanelli (1986), no século XIX, ocorreu no Brasil uma estratifica-ção social, algo mais complexo do que no período colonial. A presença, pelo menos, de uma camada intermediária, a qual, se não surgiu com a mineração foi com ela acentuada, tornou-se cada vez mais visível, principalmente na zona urbana, onde se radicou, passando a participar da vida social de forma mais ativa, não tanto por estar ligada a atividades produtoras como o artesanato, o pequeno comércio, entre outras, mas principalmente por seu comprometimento político. Nesta camada intermediária, recrutaram-se os indivíduos ligados ao jornalismo, às letras e, principalmente, à polí-tica. Essa camada teve sua presença marcante no período da Regência, fato que fez com que esse fosse um dos períodos mais conturbados do século. A autora afirma que:

O mercado interno, criado e reforçado com a economia de mineração, foi um fator importante na ascensão dessa classe intermediária, que Nelson Wernek Sodré prefere chamar de pequena burguesia, pelas afinidades que teve com a mentalidade burguesa, também em plena ascensão na Europa. Essa classe desempenhou relevante papel na evolução da política no Brasil monárquico e nas transformações por que passou o regime no final do sé-culo. E se ela pôde fazê-lo, isso se deve sobretudo ao instrumento de que dispôs para afirmar-se como classe: a educação escolarizada. (ROMANEL-LI, 1986, p. 37).

A autora argumenta, ainda, que como as camadas inferiores viviam na servi-dão ou na escravatura e o trabalho físico era tido como degradante, o ócio passou a ser considerado como distinção de classe. Assim, a classe intermediária ligou-se à camada superior de quem iria depender para obter ocupações consideradas mais dignas, como as funções burocráticas, administrativas, intelectuais. Desse modo, o ensino que essa classe procurava era aquele que se proporcionava à própria classe dominante, porque era o único que classificava. A camada intermediária, então, pro-curou a educação como meio de ascensão social. Dessa forma, embora existissem duas camadas distintas frequentando a escola, o tipo de educação permanecia o mesmo para ambas, ou seja, a educação das elites rurais (ROMANELLI, 1986). Conforme a autora:

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[...] se, por um lado, a pequena burguesia se ligou à classe dominante da qual dependia, por outro, ela estava, pela própria característica de classe burguesa, vinculada às ideias liberais então dominantes na Europa. Essa foi a contradição maior no dizer de Nelson Wernek Sodré, em que viveu essa nova classe emergente: de um lado, suas relações de dependência para com a aristocracia rural, e, de outro, sua ligação com a ideologia burguesa que primava, na Europa, pela contestação da antiga ordem fundada em ideias aristocrático-feudais. E seria essa contradição que iria acabar provo-cando, não só a ruptura das duas classes aqui no Brasil, como a vitória dos ideais burgueses sobre a ideologia colonial, vitória que se concretizou, nu-ma primeira fase, com a abolição da escravatura e a proclanu-mação da Repú-blica e, posteriormente, com a implantação do capitalismo industrial. (RO-MANELLI, 1986, p. 38).

De acordo com Gondra e Schueler (2008), após a independência a instrução passa a ser concebida como um dos direitos fundamentais de garantia individual dos cidadãos brasileiros, direito esse estabelecido pela Constituição outorgada em 1824, no artigo 179, parágrafo 32, por meio do qual a instrução primária passa a ser gratui-ta a todos os cidadãos. Desse modo:

Seguindo as diretrizes liberais que estabeleceram o direito à instrução como uma das garantias da liberdade e da igualdade entre os cidadãos, a Consti-tuição imperial de 1824 definia, para a especificidade da realidade social brasileira, a abrangência e os limites da cidadania. Consequentemente, também definia o direito à educação escolar. (GONDRA e SCHUELER, 2008, p. 30).

Novamente em Gondra e Schueler (2008) vemos que a ideia de construir um Império do Brasil e a identidade nacional pode ser observada na elaboração de pro-jetos e nas medidas tomadas para a organização do Ensino Secundário no país. A criação do Imperial Colégio de Pedro II, em 2 de dezembro de 1837, marcava a pro-dução de um lugar de memória nacional, não apenas pela associação com a data de comemoração do aniversário do Imperador D. Pedro II e pelo próprio nome de ba-tismo da instituição, mas, sobretudo, pela constituição de uma rede de símbolos e representações culturais que exaltavam o Império e a figura do rei, presentes em variadas ocasiões solenes ou em visitas inesperadas ao colégio.

Vale chamar atenção para o fato de que a criação do Império brasileiro é an-terior a uma discussão sobre a formação da identidade nacional. A construção do Império e a discussão sobre a formação da identidade nacional são questões que não caminharam juntas. Não se criou uma identidade nacional simultânea à inde-pendência do Brasil.

A criação do colégio Pedro II estava ligada a demanda por criação de escolas presente na Constituição de 1824 que, como visto anteriormente, estava marcada

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pela tendência liberal que volta-se à garantia da liberdade e da igualdade entre os cidadãos, sendo o papel da instrução viabilizar essa liberdade e igualdade.

Gondra e Schueler (2008) mostram, citando Mattos (1990), que apesar da tendência liberal presente na Constituição de 1824, os critérios gerais fundamentais para o exercício dos direitos de cidadão, civis e políticos, passavam pela posse dos atributos mais caros ao liberalismo clássico: a liberdade e a propriedade, o que le-vou, inicialmente, à exclusão dos escravos que representavam até 1850 a maior parcela da população do império brasileiro.

Antes mesmo da criação do Colégio Pedro II mudanças importantes já esta-vam sendo implantadas no Ensino Secundário do Império brasileiro. De acordo com Gondra e Schueler (2008), em algumas províncias do Império como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Espírito Santo, Maranhão e Rio de Janeiro a instru-ção elementar foi regulamentada por leis provinciais, especialmente após o Ato Adi-cional de 1834, o qual redefiniu a competência em matéria de educação, conferindo às províncias a autonomia legislativa. Desse modo, as províncias passaram a ter o dever de legislar, organizar e fiscalizar o ensino primário e secundário, enquanto ao governo central ficou incumbida a gestão de ambos os graus na Corte e do Ensino Superior em todo país através da pasta do Ministério do Império.

Romanelli (1986) salienta que a escola representada especialmente pelas no-vas faculdades de Direito criadas na década de 1820 adquire o papel de formadora do pessoal qualificado para exercer cargos administrativos e políticos do Império, cargos esses que passaram a ser ocupados pelos letrados. A autora chama atenção para o caráter propedêutico assumido pela escola secundária, devido ao monopólio do poder central sobre o Ensino Superior a partir do Ato Adicional de 1934 que alia-va-se ao currículo vigente nas duas escolas de Direito, que tinham a preferência da população escolar, o que acabou por influenciar na composição do currículo da es-cola, bem como em sua estrutura. Desse modo:

Esse caráter propedêutico assumido pelo ensino secundário, somado ao seu conteúdo humanístico, fruto da aversão a todo o tipo de ensino profissi-onalizante, próprio de qualquer sistema escolar fundado numa ordem social escravocrata, sobreviveu até há pouco e constituiu o fator mesmo do atraso cultural de nossas escolas. (ROMANELLI, 1986, p. 39).

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A autora argumenta, ainda, que a falta de recursos, decorrente de um sistema falho de tributação e arrecadação de renda, fez com que as províncias, responsáveis por regulamentar e promover a educação primária e secundária a partir do Ato Adi-cional de 1834, ficassem impossibilitadas de criarem uma rede organizada de esco-las, o que levou o ensino, especialmente o secundário, a ficar nas mãos da iniciativa privada, enquanto o ensino primário sofreu o abandono, sobrevivendo com pouquís-simas escolas à custa do sacrifício de alguns mestres-escola, que se dedicavam a ensinar por não possuírem habilitação para exercer qualquer profissão rendosa (ROMANELLI, 1986).

Com base nos apontamentos históricos, pode-se descrever a educação do período colonial e imperial por sua característica elitista e heteronômica. Inserida numa cultura marcada pelo mandonismo e pelo autoritarismo e enxertada pelos pa-drões culturais vindos da Europa, a educação brasileira experimentaria nas primei-ras décadas do século XX, promessas de liberdade e inovação advindas, principal-mente, do movimento de renovação educacional, conhecido como Movimento da Escola Nova. Para fins de análise desse trabalho, será discutida, no próximo ponto, a problemática educacional que envolve o contexto da República Velha e do movi-mento de renovação educacional dos anos de 1920.

1.1.1. A crise da República Velha e o movimento de renovação educacional nos anos 1920

Em 15 de novembro de 1889 ocorreu o golpe militar, que foi reafirmado com a proclamação civil de integrantes do Partido Republicano. A proclamação da repúbli-ca teria ocorrido devido ao fato de o governo monárquico não mais possuir base de sustentação política. Segundo Mello (2011), o termo república, na década de 1880, já era um conceito autônomo e sinônimo de democracia. Porém essa autonomia do termo não impedia a audiência ainda de antigos sons que tinham a liberdade como tom maior. Afirma a autora que em um de seus famosos artigos de 1889, no Diário de notícias, Rui Barbosa ainda tenta se valer de uma equação que sentia o ranço, pela qual monarquia constitucional e república se faziam termos intercambiáveis. Nas palavras de Rui Barbosa, “Para neutralizar a força desse inimigo impalpável [um

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governo antipático aos estados americanos], só haveria entre nós um meio: ameri-canizar a monarquia, isto é, republicanizá-la” (BARBOSA, 1947 apud MELLO, 2011, p. 122). A autora argumenta que houve tentativa de aproximação entre os dois regi-mes pelo viés da democracia, tentativa essa demonstrada pela bandeira levantada e sustentada pelo próprio Rui Barbosa e por Joaquim Nabuco da monarquia democrá-tica. Essa tentativa, porém, não foi bem sucedida e caiu no vazio.

As transformações culturais que ocorreram no Brasil nos últimos decênios dos oitocentos tornaram insustentáveis a manutenção do governo imperial. Mello (2011) afirma que vieram à cena o Manifesto Republicano, partidos republicanos, jornais republicanos e, o mais relevante, ampliou-se uma nova cultura pela sociedade brasi-leira letrada, uma cultura democrática e científica, na qual o regime republicano es-tava inscrito como uma inevitabilidade histórica. Segundo a autora:

Desde os anos 1870, a intelectualidade nacional vinha sendo alimentada, como bem se sabe, por uma infusão de novas filosofias que entraram no país. Ao positivismo já posto na camada letrada, se somou, então, o evolu-cionismo, o cientificismo e o materialismo. Eram filosofias que configuravam uma visão de mundo em tudo oposta ao conjunto de idéias e teorias que forjaram o sistema simbólico imperial. Diante dele, levantou-se a força in-contornável da ciência, distinguida, agora, como a única explicação legítima dos fenômenos, naturais ou sociais. Fora dela, nos termos de época, tudo era sortilégio, sofisma, fantasia, falsificação. Respaldadas sobre esse terre-no de indiscutível validade intelectual, destilavam tais filosofias uma explica-ção evolucionista sobre as sociedades humanas que, escalonadamente, caminhavam rumo ao Progresso. Tratava-se, pois, de um caminho necessá-rio − necessánecessá-rio no sentido filosófico −, indiscutível, científico [...] (MELLO, 2011, p. 124).

Nagle (1976) argumenta que o coronelismo foi o formador da base da estrutu-ra do poder no Bestrutu-rasil, permanecendo sua supremacia incontestável duestrutu-rante a Pri-meira República. De acordo com o autor, o coronelismo teve origem na distribuição de postos honoríficos da Guarda Nacional e foi continuamente alimentado no regime republicano pelo desenvolvimento das formações oligárquicas, atingindo um ponto mais alto com a política dos Governadores. A implantação do regime republicano não provocou a destruição dos clãs rurais e o desaparecimento dos grandes latifún-dios, bases materiais do sistema político coronelista e, com a instituição da Federa-ção, o novo regime viu-se obrigado a recorrer às forças representadas pelos coro-néis, provocando o desenvolvimento das oligarquias regionais que, ampliando-se, se encaminharam para a política dos Governadores. Afirma o autor que os homens mais importantes do lugar, pelo seu poderio econômico, político e social,

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ram-se mais fortemente ainda como chefes das oligarquias regionais, atuando, des-sa forma, como as principais forças sociais no âmbito dos Governos Estaduais e Fe-deral. Assim, a Federação traduziu no plano político as condições objetivas da estru-tura agrária dominante.

Ainda em Nagle (1976) vemos que foi a partir do princípio segundo o qual o que pensam os Estados, pensa a União que o presidente Campos Sales criou a polí-tica dos Estados, a qual foi justificada, de um lado, pela inexistência de organização partidária forte que concentrasse a autoridade e, de outro, pelas bases do regime republicano e federativo. Tal política foi, também, responsável pela união das forças representadas pelo coronelismo, sem a qual dificilmente seria evitada a luta fratricida no sistema, solução que até o término da Primeira República transformou os Gover-nadores dos Estados nos eleitores dos presidentes da República, escolhidos por convenções onde as cartas estavam marcadas. A política dos Estados, então, trans-formou-se na política dos dois grandes estados, Minas Gerais e São Paulo, que quase sempre se alternavam no exercício da presidência da República, dando ori-gem à chamada política do café com leite.

O autor afirma, também, que a partir do Regime Republicano o senso alto foi abolido dando lugar ao voto direto. Com a Constituição de 1891, os Estados passa-ram a regulamentar as eleições estaduais e municipais (Art. 35, nº 22), fato que re-forçou a instrumentação coronelista e oligárquica. Além disso, mesmo que a Lei nº 1269, de 1904, consagrasse a representação das minorias, na prática isso não se concretizou até a Reforma Constitucional de 1926, a qual tornou obrigatória a repre-sentação das minorias (Art. 6º, II, g). Assim, até os primeiros anos da década dos vinte, o quadro das eleições federais mostra o candidato oficial quase sempre ob-tendo a maioria dos votos. Afirma o autor que até 1930 vigorou a atribuição das me-sas eleitorais para se apurar os votos. Essa forma de apuração foi a primeira fonte das fraudes eleitorais que definiram todo o processo político na Primeira República, sendo uma das chaves para se entender o domínio coronelista e oligárquico (NA-GLE, 1976).

É importante ressaltar que, de acordo com Romanelli (1986), o federalismo ocasionou as desigualdades regionais, tanto no plano econômico quanto no educa-cional, já que pôs o ensino à mercê das circunstâncias político-econômicas locais,

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aprofundando a distância que já existia entre os sistemas escolares estaduais, pois os Estados que comandavam a política e a economia da nação sendo, dessa forma, sede do poder econômico, estavam em posições privilegiadas para equipar, com melhores recursos, o aparelho educacional, enquanto os mais pobres ficavam à mercê de sua própria sorte. Isso fez com que a educação e a cultura tomassem im-pulso em determinadas regiões do Sudeste do Brasil, especialmente em São Paulo, enquanto os demais Estados permaneciam sem transformações significativas.

Alguns movimentos político-sociais e correntes de pensamento elucidam as transformações pelas quais passaram a sociedade brasileira nos anos de 1920. Um desses movimentos que merece destaque é o nacionalismo. Conforme Nagle (1976), as primeiras manifestações nacionalistas apareceram, de maneira mais sis-temática e influenciadora, no campo da educação escolar, com a ampla divulgação de livros didáticos de conteúdo moral e cívico, de acentuada nota patriótica. Trata-se de uma doutrinação iniciada no campo escolar que teve um impacto maior do que qualquer outra na época, além de ter tido maior durabilidade. Também os sentimen-tos nacionalistas obtiveram outro foco graças à situação criada com as colônias de imigrantes, especialmente no sul do país, que ocasionou o desencadeamento do processo de nacionalização da escola primária.

Novamente em Nagle (1976) vemos que em 7 de setembro de 1916 foi criada a Liga da Defesa Nacional, com o objetivo de congregar os sentimentos patrióticos dos brasileiros de todas as classes, dentro das leis vigentes do país. A partir desse objetivo geral, a Liga apresentava os seguintes objetivos menos gerais: manter a ideia de coesão e integridade nacional; defender o trabalho nacional; difundir a ins-trução militar nas diversas instituições, desenvolver o civismo, o culto do heroísmo, fundar associação de escoteiros, linhas de tiro e batalhões patrióticos; avivar o estu-do da História estu-do Brasil e das tradições brasileiras; promover o ensino da língua pá-tria nas escolas estrangeiras existentes no Brasil; propagar a educação popular e profissional; difundir nas escolas o amor à justiça e o culto ao patriotismo; combater o analfabetismo. Os objetivos da Liga que se referem ao serviço militar e à educação cívico-patriótica foram privilegiados e se impregnaram de um sentido disciplinador. Tais objetivos foram as duas principais tônicas do movimento nacionalista, fortaleci-dos com os acontecimentos surgifortaleci-dos com a Primeira Grande Guerra. Surgiu, então,

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à fala de um perigo externo, a guerra, e de um interno, provocado pela quebra da unidade, pela falta de instrução, pelos erros administrativos, pelas cobiças individu-ais e pela indiferença. Desse modo, afirma Nagle (1976, p. 46):

Estabelecidas as duas coordenadas básicas do movimento – o serviço mili-tar, para fazer frente ao perigo externo, e a instrução, para combater o peri-go interno – a pregação nacionalista centralizar-se ia na formação da cons-ciência nacional. Com esse fim, procurou-se difundir um variado conjunto de ideias, noções e princípios, inicialmente, para mostrar a inexistência de po-vos “irremediavelmente fracos” e demonstrar a falsidade de determinadas afirmações pseudocientíficas, segundo as quais a mestiçagem torna as ra-ças incapazes. Num segundo momento, tratou-se de mostrar que a discipli-na é imprescindível para que haja Pátria: disciplidiscipli-na, ordem. A vida nova exi-ge “liberdade sem excesso”, bem como “respeito às leis e às autoridades” e ausência de “revoltas armadas”; por essas razões, a formação do exército nacional será a grande forja educativo-disciplinadora.

O catolicismo foi outro importante movimento que passou por significativas mudanças durante a Primeira República. Nagle (1976) argumenta que o auge do liberalismo no Brasil coincidiu com o enfraquecimento do regime monárquico. A luta travada nos fins do Império, que resultou no regime republicano, marcou uma ção ideológica que, paulatinamente, levou ao deslocamento do catolicismo da posi-ção privilegiada que tivera. As ideias liberais triunfaram com a República e o catoli-cismo saiu da fase regalista para viver a fase de independência entre a sociedade religiosa e a sociedade civil. O Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890, determi-nou a separação da Igreja do Estado, o que foi confirmado pela Constituição de 1891.

Merece destaque, também, o tenentismo que foi, conforme Nagle (1976), uma corrente que apresentou fraca estruturação em períodos anteriores e sua eclosão vem associada a movimentos armados, traço que lhe dá características próprias, sendo sua história, por isso, a história das revoluções que, frequentemente, irrompe-ram nesse período histórico do Brasil. O autor afirma que foi na ambiência da guerra paraguaia que se estruturou o Exército nacional, e onde se deve buscar os primeiros elementos históricos para a compreensão do tenentismo, pois foi aí que começou a se desenvolver a convicção de que os brasileiros de farda são os homens puros e patriotas, enquanto os casacas, isto é, os políticos civis, são os corruptos, os podres. Origina-se a doutrina do cidadão fardado e do Exército deliberante com a presença de traços da mentalidade salvadora.

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De acordo com Ghiraldeli (2001) a urbanização foi um dos fatores decisivos para a criação de novas necessidades para a população, o que fez com que a esco-larização se tornasse meta almejada pelas famílias que viam nas carreiras burocráti-cas e intelectuais um caminho mais promissor para os seus filhos. A necessidade de expansão escolar e o clima de euforia pela mudança do regime político levaram os profissionais que participaram direta ou indiretamente da proclamação da República à discussão de diversos temas, tais como as possibilidades da democracia, vista nesse contexto como sinônimo de República, a implantação da federação, o incenti-vo à industrialização e à educação popular, que se resumia na desanalfabetização da população.

Dentre os intelectuais envolvidos na proclamação da República merece des-taque o jornalista e poeta Olavo Bilac. Conforme Montilha (2010) Bilac teve uma im-portante participação na educação popular durante a república Velha. A partir da década de 1908, Bilac abandona a carreira de jornalista e dedica-se à militância na-cionalista através de organizações civis como a Liga da Defesa Nacional e em prol da massificação da instrução popular, da expansão do saneamento pelo país, da reorganização das forças armadas nacionais e do alistamento militar obrigatório. Hansen (2015, p. 125) aponta algumas iniciativas de Bilac:

[...] De um lado agregou conhecidos expoentes da elite liberal civilista e mili-tares na constituição da Liga da Defesa Nacional, cuja prioridade era a im-plementação do serviço militar obrigatório. De outro, inspirou a criação da Liga Nacionalista, associação claramente comprometida com a agenda polí-tica da elite intelectual de São Paulo, com um ambicioso programa de re-forma das práticas políticas nacionais por meio da educação, do cumpri-mento das normas eleitorais e da garantia da integridade do voto.

Toda a pressão por parte de alguns intelectuais e da população em prol da massificação escolar nos primeiros anos da República juntamente com a emenda que volta a tornar de responsabilidade obrigatória por parte do Estado as etapas ini-ciais da educação culminam no contexto propício para o debate educacional acirra-do a partir acirra-dos anos de 1920 e, por conseguinte, para o movimento de renovação educacional que se dá a partir dessa mesma década, tudo isso num clima de busca pela modernização do país.

Em 1922, após o centenário da independência do Brasil, ocorre a Semana da Arte Moderna que, de acordo com Nagle (1976), foi um importante evento do movi-mento modernista. Dentre os que conduziram à realização da Semana da Arte

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derna, merecem destaque as exposições de Anita Malfatti, em 1917, e a de Breche-ret, em 1919. O autor argumenta que tais exposições representaram o rompimento com as convenções aceitas de arte, no domínio da pintura e da escultura, além de constituírem o primeiro centro de aglutinação dos ainda potenciais defensores da renovação literária e cultural. Já na década de 1920, os perturbadores da ordem es-tética formavam um agrupamento que começa a definir-se, mesmo à custa da de-nominação de futuristas. Todavia, essa definição, mesmo quando empregada pelos novos, é uma forma de auto-afirmação que não se traduz, necessariamente, na ideia de que sejam seguidores da estética italiana. Assim iniciam-se os primeiros artigos ou crônicas de críticas às representações literárias existentes e de afirmações da posição dos avanguardistas, que eram, até então tipicamente paulista.

Foi nesse clima de mudanças políticas, sociais, culturais, estéticas, da década de 1920, mudanças essas influenciadas pelo pensamento moderno desencadeado na Europa entre os séculos XV e XVI, do qual a liberdade seria o princípio de base, que surgiu o movimento de renovação na educação escolar brasileira, o chamado Movimento da Escola Nova, do qual Anísio Teixeira foi um dos expoentes. Que foi esse movimento?

Conforme Vidal e Paulilo (2003) o termo Escola Nova foi expresso para de-signar diferentes saberes e práticas pedagógicas, que se apresentaram como méto-do de ensino, estratégias educativas e projetos de escolarização. Tratou-se de um movimento de renovação dos processos educacionais apoiado no progresso das ciências biológicas e psicológicas, nas atribuições sociais da escola, no industrialis-mo, na atividade infantil e no trabalho em solidariedade.

Os autores argumentam que a força da expansão do escolanovismo não se deveu apenas à convergência da pluralidade de manifestações científicas e filosófi-cas para plataformas polítifilosófi-cas, mas à originalidade com que uma geração de jovens intelectuais, no Brasil, sintetizou esses estímulos, os seus esquemas de pensamento e os seus conteúdos doutrinários divergentes, num campo de representações que conferia legitimidade a ações políticas de reforma da escola e da sociedade (VIDAL; PAULILO, 2003).

Vale ressaltar que, conforme Vidal e Paulilo (2003), a expansão do escolano-vismo no Brasil deveu-se, ainda, à sua configuração no campo das iniciativas

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cas. Diferentemente dos matizes que a Escola Nova assumiu nos diversos países em que emergiu como alternativa ao ensino oficial (Argentina, Espanha ou França, apenas para citar alguns exemplos), no Brasil, ela instalou-se no interior das Direto-rias de Instrução Pública, em vários estados como São Paulo (Sampaio Dória, 1920-1925, Lourenço Filho, 1930-1931, Fernando de Azevedo, 1933 e Almeida Jr., 1935-1936), Pernambuco (Carneiro Leão, 1928-1930), Minas Gerais (Francisco Campos, 1927-1930), Ceará (Lourenço Filho, 1922-1923), Bahia (Anísio Teixeira, 1925-27) e, especialmente na capital federal, Rio de Janeiro, em sucessivas administrações (Carneiro Leão, 1922-1926, Fernando de Azevedo, 1927-1930, e Anísio Teixeira, 1931-1935), e pretendeu reestruturar saberes e práticas pedagógicas e escolares dos estabelecimentos públicos oficiais de ensino.

Clarice Nunes (2001) argumenta que o Movimento da Escola Nova, tratou-se da difusão pelos vários Estados brasileiros da lógica de institucionalização do mode-lo paulista de escolarização. As equipes de educadores paulistas vinham para liderar as equipes locais de governo de outros Estados. A concepção de escola definida em São Paulo pelos representantes do setor oligárquico modernizador se tornou um exemplo a ser imitado, com exceção da Reforma Sampaio Dória no início dos anos 1920, criticada por ter reduzido a escolaridade primária obrigatória de quatro para dois anos, além de ser vista como uma polaridade das propostas de educação popu-lar que oscilavam entre o aligeiramento da educação básica para muitos e o ensino integral para uns poucos.

Segundo a autora, foi no espaço urbano que as escolas começaram a deixar de representar uma extensão do campo familiar, privado e religioso, conforme de-fendiam os renovadores, para se adequar aos novos modelos educacionais. Fazia-se necessária uma mudança nos aspectos materiais e simbólicos da escola, a fim de se construir uma nova mentalidade, ou seja, uma mentalidade moderna. A política de intervenção operada na escola visava alterar profundamente o habitus pedagógi-co. Buscava-se uma renovação da formação docente e dos costumes familiar. O que se pretendia, de fato, era uma reforma do espírito público. Essa reforma do espírito público exigiu o alargamento da concepção de linguagem escolar, superando-se o tradicional domínio do oral e do escrito, a fim de se construir um sistema de produ-ção de significados e interaprodu-ção comunicativa, o que fez com que, quando possível,

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