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Pânico e desamparo: uma relação delicada

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE HUMANIDADES E SAÚDE – RHS DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

PÂNICO E DESAMPARO: UMA RELAÇÃO DELICADA

ROBERTA BORGES AZEVEDO LIMA DE CARVALHO

RIO DAS OSTRAS 2016

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PÂNICO E DESAMPARO: UMA RELAÇÃO DELICADA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Psicologia do Instituto de Humanidades e Saúde do Campus

Universitário de Rio das Ostras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Profª Drª MARCIA MARIA DOS ANJOS AZEVEDO

Rio das Ostras 2016

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PÂNICO E DESAMPARO: UMA RELAÇÃO DELICADA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Psicologia do Instituto de Humanidades e Saúde do Campus

Universitário de Rio das Ostras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Psicologia.

Aprovada em de de 2016.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Profª Drª Marcia Maria dos Anjos Azevedo – UFF

Orientadora

_________________________________________________ Profª Drª Issa Leal Damous - UFF

_________________________________________________ Prof Dr Pedro Cattapan - UFF

Rio das Ostras 2016

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Ao final de um trabalhoso caminho para a realização da monografia, não poderia deixar de agradecer e reconhecer o valor de todos que estiveram ao meu lado me ajudando de alguma forma, não só agora, como durante toda a minha faculdade.

Em primeiro lugar, agradeço a Deus, por ter saúde e forças para realizar esse estudo. Agradeço aos meus amados pais, Maria Veronica e Ricardo, por todo o amor, investimento e por não medirem esforços, tendo feito tudo o que podem e não podem para que eu conseguisse chegar aonde cheguei. Pelo exemplo de seres humanos que eles são pra mim, minha eterna gratidão e amor. E também ao meu irmão, Ricardo Junior, que me apoiou e me ajudou nesse momento tão delicado. Sem essas três pessoas, nada disso teria acontecido.

À todos os meus familiares e amigos que de alguma forma tornaram esse momento mais leve, compreendendo minhas ausências e me estimulando a seguir em frente com meu objetivo, sendo uma enorme torcida.

Aos meus amigos e companheiros que a faculdade me proporcionou, sejam eles de turma ou de estágio, que estiveram comigo em momentos de dúvidas, erros, acertos, aprendizagem, nervosismo, e tornando assim, uma grande família que para sempre me lembrarei.

À minha orientadora e supervisora, Marcia Maria Azevedo, que mesmo de longe, me deu um suporte para realizar essa monografia, por ter sido uma peça fundamental na minha vida acadêmica, um exemplo no qual eu me espelho profissionalmente, e ter me dado a oportunidade de ter tido uma supervisão de estágio rico de aprendizagem, tanto no hospital quanto na clínica do SPA.

À minha banca examinadora, Issa e Pedro Cattapan, pela disponibilidade e confiança para exercer esse papel essencial para a finalização do meu curso.

À também supervisora, Soraya, por ter me acolhido na reta final de estágio e colaborado para a minha aprendizagem.

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trabalho rico e cheio de empatia, apesar de nem sempre as condições serem favoráveis. Aos meus clientes que me ensinaram e me fizeram estudar e buscar mais conhecimento para uma melhor realização de trabalho em conjunto, foram essenciais para o início de uma longa vida profissional pela frente.

A todos que contribuíram e influenciaram de maneira direta ou indireta na minha formação, o meu muito obrigada.

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O presente trabalho tem por objetivo investigar as relações entre a vivencia da experiência do desamparo humano com o afeto de angústia na causação do transtorno de pânico. Esse desamparo é causado pela falta de garantias do sujeito sobre sua vida e sobre o mundo, fazendo com que sinta a necessidade de criar um ideal de onipotência e depois perceba que esse ideal não existe. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica com abordagem psicanalítica e com foco nos conceitos e teorias freudianas sobre o tema. Apresentamos a noção freudiana de desamparo (Hilflosigkeit) e sua relação com o pânico, que é um dos vários exemplos de padecimento que está inserido no campo psicopatológico do angustiante na contemporaneidade. O pânico é uma das expressões do mal-estar da atualidade e é entendido como uma manifestação clínica do desamparo.

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The objective of this study is to investigate the relationship between the experience of the human helplessness and the affection of distress in the causation of panic disorder. This helplessness is caused by the lack of assurances from the subject about his life and the world, making him feel the need to create an ideal of omnipotence and then realize that this ideal doesn’t exist. For this, a bibliographical research with a psychoanalytical approach and with focus on Freudian concepts and theories on the subject was carried out. We present the Freudian notion of helplessness (Hilflosigkeit) and its relation to panic, which is one of several examples of suffering that is inserted in the psychopathological field of the distressing in the contemporaneity. Panic is one of the expressions of current malaise and is understood as a clinical manifestation of helplessness.

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INTRODUÇÃO ... 10

1. DESAMPARO ... 13

1.2 A EXPRESÃO HILFLOSIGKEIT ... 14

1.3 A FUNÇÃO PATERNA SEGUNDO FREUD... 17

1.4 A CONDIÇÃO DE DESAMPARO E A CIVILIZAÇÃO ... 18

2. ANGÚSTIA ... 21

2.1 O CAMPO ANGUSTIANTE E O CONCEITO DE ANGST ... 21

2.2 ANGÚSTIA COMO UM AFETO ... 22

2.3 OS TRÊS MOMENTOS DA ANGÚSTIA NA TEORIA FREUDIANA E AS NEUROSES ... 24

2.4 ANGÚSTIA AUTOMÁTICA E A ANGÚSTIA SINAL... 26

2.5 O COMPLEXO DE ÉDIPO E A PERDA DO OBJETO ... 27

3. PÂNICO ... 31

3.1 O SIGNIFICADO DA PALAVRA PÂNICO E SUA RELAÇÃO COM OS DEUSES NA MITOLOGIA ... 31

3.2 DSM E OS TRANSTORNOS ANSIOSOS... 32

3.3 O IDEAL ONIPOTENTE E A DIFERENÇA ENTRE PANIK E SCHRECK .... 33

3.4 A BUSCA PELA FELICIDADE E O MAL-ESTAR MODERNO ... 36

3.5 PÂNICO E O MASOQUISMO ... 39

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 44

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INTRODUÇÃO

A síndrome do pânico1 é uma categoria da psiquiatria e o pânico é um sofrimento psíquico na qual seu termo tinha sido degredado ao esquecimento, mas está sendo atualmente muito presente e estudado no campo da psicopatologia. Para que se fale sobre a temática do pânico, é necessário que se fale também sobre a angústia e sua teoria, pois os ataques de angústia eram muito semelhantes aos ataques que pânico quando relacionamos as sintomatologias das duas angústias. Para Freud, o pânico é uma angústia neurótica que aparece quando os laços emocionais que ligam o sujeito a um ideal onipotente se rompem2.

Abordar o pânico de acordo com a perspectiva psicanalítica freudiana representa conceder um instituto de legitimidade clinicamente e também de uma visão metapsicológica, e com isso, percebe-se que é possível ir além de estudar o pânico como apenas uma vertente da psiquiatria, pois os dois campos possuem abordagens diferentes. Desta forma, o objetivo geral desta monografia é o de entender o funcionamento da interferência da relação do sentimento de desamparo vivenciado durante a vida do individuo com a síndrome do pânico que pode vir a surgir. Este tema é de extrema importância porque nos faz refletir sobre a realidade das pessoas que vivenciam o sentimento de pânico fazendo com que seja possível entender e esclarecer algumas questões que são relacionadas a esse sentimento.

A partir disso e com o apoio das obras freudianas, surgiu a ideia para o estudo de abordar o pânico como sendo um fenômeno que ocorre no campo psicopatológico do angustiante e que possui uma relação com o sentimento de desamparo. Além disso, existe também uma relação do pânico com a sociedade atual na qual estamos inseridos, na contemporaneidade.

1 Breviários de Critérios Diagnós ticos do DSM-III-R / American Psychiatric Association (1990, p.91-3) e

Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID-10 / Organização Mundial de Saúde (1994, p.341-2).

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O pânico, assim como, por exemplo, a anorexia, é um exemplo de psicopatologia que tem crescido bastante na sociedade atual e contemporânea e isso está acontecendo devido aos fatores e condições que são presentes e típicas da época atual, como Freud fala, acontece um mal-estar na cultura.

A metodologia adotada foi de revisão bibliográfica, e sendo assim, houve a necessidade de recorrer a autores como Freud, LaPlanche, Joel Birman, Mário Eduardo Costa Pereira, Lucianne Sant'anna de Menezes, e também artigos publicados, como, por exemplo, na base scielo, que abordam o pânico, angústia e o sentimento de desamparo, que são os focos desse trabalho.

No primeiro capítulo é trabalhado a noção e condição de desamparo tanto na teoria freudiana quanto na visão de Laplanche e a expressão Hilflosigkeit, que é o termo usado para falar uma ausência de ajuda, e implica numa dimensão de desamparo. Esse capítulo tem a intenção de mostrar o avanço que Freud obteve ao longo de suas obras em relação ao desamparo e também da importância que é a desilusão, do fato de não haver um ideal onipotente que protege a criança de tudo e todos.

Como Pereira (1999) fala em sua obra “Pânico e Desamparo”

Freud mostra que a condição de desamparo é correlativa de tudo o que releva da linguagem: não há garantias últimas. A experiência do mundo e da organização do corpo-próprio constituem exemplos maiores de dimensões subjetivas fundamentais marcadas pela incerteza da linguagem. Confrontados com essa falta fundamental de garantias a respeito de aspectos tão essenciais da existência, alguns entram em pânico. Há provavelmente nisso um esforço para tornar esta condição de desamparo – repentinamente revelada – acessível a uma apreensão, mesmo que desesperada, no plano do pensamento. Desse ponto de vista, o pânico constitui uma tentativa extrema de tornar o desamparo apreensível para o psíquico. Assim, poderíamos dizer que o desamparo diz respeito à linguagem ao passo que o pânico deve ser situado como esforço psicopatológico do pensamento. (PEREIRA, 1999, p.39)

O segundo capítulo trata do campo angustiante, da angústia como um tipo de afeto, na teoria freudiana sobre os três momentos da angústia na qual o primeiro tem o foco na relação entre a vida sexual e a neurose de angustia, o segundo sobre a relação da angústia e a libido recalcada e o terceiro sobre a relação da angústia com o aparelho psíquico. Também é trabalhado a diferença e significado entre os dois tipos de

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angústias: automática e sinal, e o fato de que o sentimento de angustia que acontece quando o bebê nasce, estará presente em acontecimentos que ocorrerão no futuro, por isso, foi importante falar sobre o complexo de Édipo nesse capítulo.

O terceiro e último capítulo é sobre o pânico, o significado dessa palavra e a relação que ela tem com a história do antigo deus Pã. É nesse capítulo também que terá um destaque maior sobre a ideia de um ideal que é onipotente e como isso reflete na vida do sujeito, da importância da busca pela felicidade para o sujeito como uma forma dele evitar vivenciar um sofrimento psíquico e um mal-estar, e também a ideia de que o pânico tem relação com a submissão e por isso a ideia de trabalhar também o masoquismo dentro desse tema. O sentimento de culpa que o sujeito sente no pânico, pode ser visto e sentido por ele como algo de origem erótica e satisfatória.

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1. DESAMPARO

1.1A TEORIA FREUDIANA DE DESAMPARO

Com a intenção de demonstrar que existe relação e possibilidade de estudo na área psicanalítica entre o estudo sobre o pânico com a noção freudiana de desamparo, Pereira, por exemplo, já demonstrou uma forma de trabalhar com uma abordagem na qual "consistirá examinar o alcance metapsicológico dessa noção de modo a estabelecer as bases de uma abordagem psicanalítica da psicopatologia do pânico" (1999, p. 125). Ao longo das obras de Freud, pode-se perceber que o desamparo freudiano vai além de uma circunstância do funcionamento psíquico e representa o processo na qual a linguagem está envolvida.

Amparar procede do latim imparare, de onde deriva diretamente imparare, em italiano, que significa aprender; em português, o sentido desviou-se e, com efeito, ampara-se, protege-se aquilo de que estamos na posse. Desamparar, por conseguinte, além do sentido mais comum de deixar de amparar, não auxiliar, abandonar, encerraria também essa ideia de ausência de posse e da desproteção que daí decorreria (PEREIRA, 2000, p. 117).

No início, a teoria freudiana em relação ao desamparo era diretamente ligada à impotência psicomotora do bebê. Freud focava no fato de que o recém-nascido não tinha a absoluta capacidade de satisfazer suas vontades e exigências que ser corpo precisava, necessitando da ajuda de outra pessoa. E mesmo após alguns trabalhos sobre o desamparo, Freud nunca descarta e abandona a ideia de que esse estado tem relação com a condição de dependência que o bebê possui.

Porém, sua teoria se desenvolve na direção de compreender, por exemplo, o sentimento de angústia e desespero que o sujeito passa quando se encontra defrontado com a insegurança de sua existência, fazendo com que o indivíduo crie assim, por exemplo, as figuras divinas de onipotência. Mas, quando o homem percebe que essa figura não existe, se sente abandonado, vivendo um desamparo radical, e necessita que seu próprio “eu” se desenvolva para que seja possível ocupe esse lugar de proteger-se. A concepção do desamparo irá indicar a base do seu desespero a partir da sensação do

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homem de ser confrontado com a precariedade de sua existência. Como Pereira (1999) diz sobre essa situação

A evolução teórica de Freud ante a questão do desamparo parece ir no sentido de “desacidentalizá-lo” em relação ao “evento traumático”, de coloca-lo para além de uma simples regressão a uma fase em que o pequeno ser humano encontrava-se completamente incapaz de sobreviver por seus próprios meios, de encontra-lo além das figuras aterrorizantes do superego, para conferir-lhe um estatuto de dimensão fundamental da vida psíquica que indica os limites e as condições de possibilidade do próprio processo de simbolização (PEREIRA, 1999, p.127)

Apesar de Freud não ter uma linha de evolução da maioria das ideias em seus trabalhos, pois ele acabava dando voltas e retomando sobre algum mesmo assunto em outros momentos estendendo a problemática, não se pode dizer o mesmo a respeito da questão do desamparo. Mesmo ocorrendo mudanças em sua conceituação, possui uma linha mais visivelmente contínua de desenvolvimento e evolução durante suas obras. Por exemplo, na visão de Freud, demonstrada a partir de seus estudos sobre a angústia, o desamparo é visto, além da condição de inabilidade biológica do bebê, também como algo que é fundamental, constituinte. Ou seja, o psiquismo é construído a partir de um fundo de desamparo (desamparo original) e que diz respeito à falta de garantias que o sujeito tem a respeito da vida, do futuro. Porém, haverá sempre a possibilidade desse desamparo ser visto e sentido como traumático, porque é inevitável a existência de algo que escapa a possibilidade de simbolização.

A angústia humana e principalmente infantil, aparece devido a esse desamparo, porque, segundo Freud, a angústia funda-se sobre a Hilflosigkeit. É a partir desse pensamento que podemos relacionar a possibilidade de pensar o pânico através do prisma psicanalítico.

1.2 A EXPRESÃO HILFLOSIGKEIT

Hilflosigkeit é uma palavra alemã, porém ela possibilita que as palavras de sua metapsicologia continuem permeáveis as mais variadas formas de repercussão da cultura. Nos dicionários franceses, por exemplo, seu significado pode ser traduzido tanto por abandono, impotência e desamparo, como para uma incapacidade de virar, em

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relações as situações julgadas difíceis. Esse é um termo que indica uma condição de um sujeito que está desamparado, sem ajuda, pois possui o elemento Hilf que é diretamente ligado ao verbo helfen (ajudar), enquanto que o elemento los significa uma ausência, ou seja, sem ajuda.

Nas obras de Freud, os tradutores franceses traduziram Hilflosigkeit como désaide, na intenção de restaurar a sequêcia semântica com aide, que significa ajuda. É notável que o neologismo désaide continua permeável culturalmente, pois é uma palavra técnica para algo que na língua oficial, alemã, é registrada na linguagem cotidiana. O termo desamparo é bastante próximo do termo alemão, se pensado em relação ao campo semântico.

A noção de Hilflosigkeit no dicionário Vocabulaire de la psychanalyse de J. Laplanche e J.-B. Pontalis, é apresentada como état de détresse, que em português se traduziu por “estado de desamparo”. Ela foi traduzida por um termo composto porque tinha como objetivo realçar a intenção de Freud de mostrar que quando nasce, o bebê possui uma imaturidade psicomotora, como um estado de dependência em relação ao adulto, para que seja possível satisfazer suas necessidades vitais, uma vez que não possuía capacidade de realizar uma ação eficiente sozinho. Essa imaturidade psicomotora de desempenhar ações necessárias torna o bebê totalmente dependente do outro. Nesse sentido essa dependência será decisiva para o bebê perceber e sentir que é desejado e amado pelo outro, normalmente seus pais, na medida em que suas necessidades são atendidas.

Não podemos entender essa expressão apenas a partir da leitura que Laplanche fez das obras de Freud, ou seja, apenas como um estado de desamparo psicomotor do bebê e nem que o termo de desamparo seria apenas um estado inicial afetivo, um estado de impotência. Como Pereira fala em sua obra “Pânico e desamparo”

No entanto, em nossa opinião, este modo de considerar o uso freudiano do termo Hilflosigkeit, enfatizando apenas seu caráter de objetividade biológica, restringiu seu alcance metapsicológico e contribuiu para que certas pesquisas psicanalíticas ultereriores tivessem negligenciado sua problemática mais geral. Tal ponto de vista supõe, por exemplo, uma perspectiva genética, na qual o aparelho psíquico desenvolve-se de um estado inicial de desamparo em direção a uma condição madura, de não-Hilflosigkeit. O desamparo seria totalmente eliminável pelo amadurecimento. A considerá-la exclusivamente sob a ótima de um dado objetivo, pouco

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resta a dizer da Hilflosigkeit enquanto dimensão essencial do funcionamento psíquico. No entanto, isto constitui inegavelmente uma concepção fundamental, progressivamente elaborada na obra de Freud que chega até o ponto de ver na Hilflosigkeit a condição ultima de falta de garantias de funcionamento psíquico, que o homem tem de enfrentar quando se livra de todas as ilusões protetoras que cria para si mesmo. (PEREIRA, 1999, p. 130)

Em Problematiques -, L’angoisse, a noção freudiana de Hilflosigkeit da qual LaPlanche fala, dizia respeito à autoconservação, que no bebê é precária fazendo com que ele tenha um tempo de vida determinado caso não recebesse ajuda necessária para sua sobrevivência. Ele também dizia que o bebê era provido de montagens reguladoras e instintuais. Essas na qual deve-se sempre estar acompanhada de um adulto para que funcione. LaPlanche também mostra a Hilflosigkeit chamando-a de “situação originária”, tendo que diferenciar em prematuração na esfera adaptativa e na esfera sexual os níveis de precocidade da criança. A esfera adaptativa significa a sobrevivência vital da criança e a esfera sexual está relacionada com o fato da criança estar frente a sexualidade do adulto, de forma inconsciente para esse adulto, e de maneira prematura para a criança.

Como apresenta Mario Eduardo Costa Pereira (1999, p.141) “o plano da autoconservação serve de apoio à dimensão propriamente sexual e daria a esta sua forma básica”. A partir disso, sua leitura mostra que ao adulto dispensar os cuidados efetivos com a criança, está colocando-a em contato direto com a sexualidade adulta, e isso ocorre de maneira inconsciente. Diz ainda que:

“A sexualidade do adulto faz com que os contatos corporais, e em especial os cuidados rotineiros que este dispensa ao bebê, nunca sejam inocentemente “naturais”, ou seja, isentos do desejo sexual inconsciente (...) Para o adulto, a intrusão do sexual em sua relação com a criança é igualmente inconsciente. Os cuidados dispensados ao bebê trazem um “a mais”, um algo além da conservação da vida da criança, de caráter sexual que é tão inconsciente e “enigmático” para o adulto quanto é para a criança (...) Desse modo, qualquer “psiquização” do contato originário com os “significantes enigmáticos” da sexualidade do adulto só poderá acontecer numa temporalidade de “posterioridade”.” (Pereira, 1999, pag. 142)

Segundo a teoria de Laplanche, é a partir das necessidades de autoconservação do bebê sobre o outro adulto que irá caracterizar a noção de Hilflosigkeit. É o estado objetivo do bebê na situação originária. Para ele, o desamparo é atribuído pela condição de abertura passiva que o bebê vivencia na impossibilidade de poder se defender da sexualidade do adulto. Laplanche vai passar a analisar o desamparo em sua situação

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originária através do contato do bebê com a sexualidade do adulto, e pra isso, ele explica em Nowveaux fondements pour la psychanalyse que, os locais no qual o bebê dirige sua atenção, dependendo do momento de seu desenvolvimento, aos cuidados do adulto, são chamadas de zonas erógenas, através das quais o bebê irá realizar uma troca com um adulto de cuidado e significantes enigmáticos da sexualidade desse outro. Segundo Pereira (1999), “o acento posto anteriormente sobre o aspecto de insuficiência no plano da autoconservação é matizado pelo destaque da sua insuficiência no plano da autoconservação é matizado pelo destaque da sua incidência no campo sexual” (pag.143)

1.3 A FUNÇÃO PATERNA SEGUNDO FREUD

Para que a organização e a criação do psiquismo ocorram de maneira satisfatória, a figura paterna é de extrema importância, tendo influencia no resto da vida do sujeito. Sua entrada na vida da criança irá ocorrer seja como agente da castração ou como o outro que dará o que a criança deseja. É na forma ilusória de proteção absoluta que a criança vê a mãe, e isso faz com que ela se torne o primeiro objeto de amor e de proteção. Ou seja, como um ser onipotente, protetora dos perigos que possam existir na vida.

É necessário que ocorra uma passagem da criança de pensar que existe realmente uma proteção absoluta e onipotente para a descoberta de que na verdade não há, deve ser realizada através de um processo de desilusão de maneira que não seja precipitada e nem algo abrupto, e sim, de forma progressiva e lenta. Dessa maneira, a criança irá enxergar a perda de seu objeto amoroso onipotente de forma tolerável para que entre no lugar a realidade do desamparo.

Com o surgimento dessa desilusão e do sentimento de desamparo, é provocada na criança uma necessidade de existir uma proteção amorosa. Freud irá mostrar que a mãe “é logo substituída pelo pai mais forte, que retém essa posição pelo resto da infância(...). É a defesa contra o desamparo infantil que empresta suas feições características à reação do adulto ao desamparo que ele tem que reconhecer”. (1927/1980, p.36) No final de suas obras, Freud irá tratar o desamparo a partir da

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criação dos deuses, da religião e lideres em função da falta de garantias do ser humano. Para ele, o desamparo está em primeiro plano quando se pensa na origem da religião, por exemplo, e, esse desamparo é diretamente relacionado ao Édipo e a função paterna na qual o sujeito vivencia.

A atitude da criança para com o pai é matizada por uma ambivalência peculiar. O próprio pai constitui um perigo para a criança, talvez por causa do relacionamento anterior dela com a mãe. Assim, ela o teme tanto quanto anseia por ele e o admira. (...) Quando o indivíduo em crescimento descobre que está destinado a permanecer uma criança para sempre, que nunca poderá passar sem proteção contra estranhos poderes superiores, empresta a esses poderes as características pertencentes à figura do pai; cria para si próprio os deuses a quem teme, a quem procura propiciar e a quem, não obstante, confia sua própria proteção. (Freud, 1927/1980, p.36)

1.4 A CONDIÇÃO DE DESAMPARO E A CIVILIZAÇÃO

Freud fala em seu texto Inibições, sintomas e angústia (1926) que o desamparo original, necessário para a estruturação do psiquismo do sujeito, está associado à face erótica e sexual. O desamparo corresponde a uma sexualidade traumática proveniente da mãe e a um lugar infantil, fazendo com que a cena primária seja a castração da mãe, uma perda de seu amor. Como poderemos ver melhor no próximo capítulo, a noção de angústia nesse texto de Freud está ligada ao medo da perda do amor do ser que ocupa o lugar e função de protetor, ou seja, a angústia é fruto de um desamparo que a criança sofre através de uma situação traumática, na qual se encontra a ansiedade frente a situação de perigo da perda e um sentimento de impotência para lidar com essa situação.

Freud trata a problemática através da condição e da situação de desamparo, sendo a primeira uma estruturante do psiquismo para o seu funcionamento e também ligada a linguagem, e a segunda, relacionada ao excesso, ao resto que não é simbolizado e, a consequência mais comumente encontrada é que o sujeito não consegue nomear o que ele sente em seu corpo. Essa condição de desamparo, é trabalhada por Freud através do pensamento de que não havendo garantias no mundo, torna-se necessária a existência de uma renúncia pulsional para que o psiquismo seja fundado e para que o sujeito consiga viver inserido na sociedade.

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Com isso, podemos ver de acordo com as obras de Freud, que a função da cultura é a de proteger essa condição de desamparo do sujeito quando ele se depara com o mundo sem certeza no qual ele vive, sejam as incertezas relacionadas à natureza ou aos outros e suas relações sociais. Como Freud (1927) cita em “O futuro de uma ilusão” sobre essa relação entre a natureza e o sujeito, a saber:

Ninguém, no entanto, alimenta a ilusão de que a natureza já foi vencida, e poucos se atrevem a ter esperanças de que um dia ela se submeta inteiramente ao homem. Há os elementos, que parecem escarnecer de qualquer controle humano: a terra, que treme, se escancara e sepulta toda a vida humana e suas obras; a água, que inunda e afoga tudo num torvelinho; as tempestades, que arrastam tudo o que lhes antepõe; as doenças, que só recentemente identificamos como sendo ataques oriundos de outros organismos, e, finalmente, o penoso enigma da morte, contra a qual remédio algum foi encontrado e provavelmente nunca será. (Freud, 1927/1980, p.27) Sendo assim, fica claro que o desamparo não é uma etapa, e que está muito além de estar apenas relacionado, por exemplo, ao estado de dependência infantil. Ele possui uma extrema importância na construção de uma civilização.

Importante lembrar que o surgimento da civilização aconteceu porque o homem sentiu a necessidade de minimizar esse sentimento de desamparo, quando se depara as incertezas e a força da natureza, ou seja, quando vê essa força como uma forma ameaça para si mesmo. Sendo o universo o causador de todos os schrecks (é falado no capítulo do pânico sobre o significado dessa palavra) da vida do homem, se sente obrigado a criar a civilização. Se o humano não se sente capaz de enfrentar as incertezas sozinho, ele precisa da ajuda de outras pessoas. Freud (1927) enfatiza o desamparo através da afirmação de que a relação existente entre o homem e a civilização é uma recorrência na relação que existiu com as figuras paternas trazendo a tona novamente sentimentos que já foram experimentados e sentidos.

Como Lucianne Sant'anna de Menezes fala em seu trabalho chamado Pânico: Efeito do Desamparo na Contemporaneidade

O mal-estar articula-se em torno da assimetria existente entre as exigências da força pulsional e as possibilidades psíquicas de satisfação reguladas pela simbolização (elaboração psíquica). Essa assimetria é caracterizada pela oposição entre a continuidade da força pulsional e a descontinuidade dos símbolos. É nesse jogo assimétrico entre as ordens da continuidade pulsional e da descontinuidade simbólica que o sujeito pode criar objetos que possam promover a experiência de satisfação, além de ser a condição para angústia, pois indica permanentemente a condição de desamparo estrutural para o

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sujeito. Como essa condição é inaceitável para o sujeito, ele estabelece a relação de conflito interminável com a condição de desamparo. (MENEZES, 2004, p.109-110)

A sensação na qual Freud trabalha em O mal-estar na civilização (1930) é a de mal-estar que o sujeito vivencia, é um desconforto que origina a partir da consequência da vivencia dele em sociedade. Freud utiliza a expressão “mal-estar”, ou seja, Unbehagen, para falar sobre essa relação do indivíduo com a civilização na psicanálise. Esse trabalho falará sobre isso melhor no capítulo do Pânico, referindo-se a um mal-estar contemporâneo, uma patologia atual.

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2. ANGÚSTIA

2.1 O CAMPO ANGUSTIANTE E O CONCEITO DE ANGST

Como já foi dito anteriormente3, nesse estudo, o pânico é trabalhado como um fenômeno inserido no campo psicopatológico do angustiante na obra freudiana, ou seja, como ele chama: o Angstlichen. O Angstlichen, ou seja, o campo do angustiante. Esse campo contém em si tudo o que está relativo à angústia. Além de não ser um campo homogêneo, os termos incluídos nele não podem ser considerados como sinônimos, ou seja, os termos não possuem o mesmo estatuto. Como exemplo, Pereira (1999) nos conta que Freud repetiu em vários momentos sobre isso dizendo que "(...) o homem defende-se do terror (Schrek) através da angústia (Angst)". Ele também explica que:

“no pensamento de Freud, o angustiante constitui uma noção ampla que reúne fenômenos fundamentalmente heterogêneos ligados à angustia, tais como o sinal de angustia, o terror, o horror, o sentimento de inquietante estranheza e, o caso que aqui nos interessa, o pânico. (PEREIRA, 1999, p. 79)

O termo alemão Angst, que tem como raiz indu-europeia (anghu), é bastante utilizado quando a intenção é falar sobre a angústia, porém, além do termo Furcht, o Angst também serve em algumas situações como significado de medo. Freud mesmo utiliza os dois termos em um mesmo texto, como por exemplo, em “A análise da fobia de um garoto de cinco anos” (1909). São termos difíceis de serem diferenciados, mas possuem como diferença o fato de que Angst é um medo que compreende uma sensação de inquietude diante de uma ameaça, seja ela real ou não, e Furcht um temor a algum objeto que é especifico. Segundo Hanns (1996),

... em alemão Angst significa “medo”, abarcando desde os sentidos de “temor” e “receio” até os sentidos intensos de “pânico” e “pavor”, podendo referir-se a objetos específicos ou inespecíficos. Não há bons equivalentes em alemão para “ansiedade” ou “angústia” e ocasionalmente os três termos (“angústia”, “ansiedade” e “medo”) podem se corresponder. Do ponto de vista lingüístico, não haveria porque traduzir Angst preponderantemente por “ansiedade” ou “angústia”; poder-se-ia traduzir geralmente por “medo”. Todavia há um entremeio onde língua coloquial, tradições de tradução e teoria psicanalíticas se entrecruzam, exigindo algumas considerações (...) Atualmente, o termo Angst tem se consolidado nas traduções

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psicanalíticas para o português como “angústia” e “ansiedade”, eventualmente como “medo”, “temor” e “receio”. As traduções francesas e espanholas tendem a privilegiar “angústia”; as inglesas, “ansiedade”. (HANNS, 1996, p.71-2).

O conceito Angst é utilizado em várias obras de Freud, como por exemplo, em Inibições, sintomas e angústia (1926) no trecho:

A angústia (Angst) tem inegável relação com a expectativa: é angústia ante (vor) algo. Tem uma qualidade de indefinido e a falta de objeto. Em linguagem precisa empregamos a palavra “medo” (Furcht) de preferência a “angústia” (Angst) se tiver encontrado um objeto. Ademais, além de sua relação com o perigo, a angústia tem uma relação com a neurose que há muito estamos tentando elucidar. (FREUD, 1926/1980, p.190-1).

2.2 ANGÚSTIA COMO UM AFETO

O pânico está inserido o campo do angustiante e a angústia é um tipo de afeto, sendo importante a introdução desse tema para que se entenda melhor sobre o assunto. A angústia como afeto só pode ser tratado se for visto como próprio e inseparável ao sujeito, porém, que lhe é estranho. Como Luciana Sant'anna de Menezes (2004) fala em seu livro chamado "Pânico: efeito do desamparo na contemporaneidade: um estudo psicanalítico", “vários temas ao longo da obra freudiana sofreram alterações conceituais, e a noção de afeto não foge a essa regra” (p. 35), e isso faz com que não se tenha uma certeza absoluta de quando da localização específica desse tema, nos trabalhos freudianos, ou seja, não há uma obra que trate desse assunto de maneira como se fosse o seu foco. Como Green (1982) expressa, “o problema do afeto está numa relação dialética com a teoria, um remetendo ao outro necessariamente” (p.14).

Pode-se observar que, nas obras de Freud, a noção de afeto tem duas perspectivas: qualitativa e quantitativa, e isso quer dizer que, segundo Green (1982), “o afeto é uma quantidade cambiante, acompanhada por uma tonalidade subjetiva. É pela descarga que ele se torna consciente, ou pela resistência à tensão crescente que o caracteriza, seguida pela dissipação dessa resistência.” (p.86). Além do afeto, a representação também é o componente que constitui a pulsão no psiquismo. “Os estímulos pulsionais (...) brotam de uma fonte somática (...) chegam à psique e lá são

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percebidos pelo sujeito sob a forma de imagens (Vorstellungen, representações) e afetos.” (Hanns, 1999, p.50).

A subjetividade do indivíduo é constituída através do processo de desenvolvimento da pulsão, que se encaminhará para lugares diferentes durante a vida. O lugar da pulsão, considerada a mitologia da psicanálise, é central no estudo sobre a angústia, por sua ligação e trajetória direta entre o corpo do sujeito e sua psique. Como Menezes (2004, p.39) colocou, “o afeto não está necessariamente ligado à representação e é exatamente essa separação que garante a cada um dos representantes psíquicos da pulsão diversos destinos diferentes” . Para Green (1982, p.85), o “afeto só é compreendido por intermédio do modelo teórico da pulsão. Esta, embora incognoscível, é a sua referência.”. Freud (1915) irá mostrar que

Uma pulsão (Trieb) nunca pode tornar-se objeto da consciência – só a idéia (Vorstellung) que a representa (repräsentiert) pode. Além disso, mesmo no inconsciente, uma pulsão não pode ser representada (repräsentiert) de outra forma a não ser por uma idéia (Vorstellung). Se a pulsão não se prendeu a uma idéia ou não se manifestou como um estado afetivo (Affektzustand), nada poderemos conhecer sobre ela. Não obstante quando falamos de uma moção pulsional (Triebregung) inconsciente ou de uma moção pulsional (Triebregung) recalcada, a imprecisão da fraseologia é inofensiva. Podemos apenas referir-nos a uma moção pulsional (Triebregung) cuja representação ideacional (Vorstellungrepräsentanz) é inconsciente, pois nada mais entra em consideração. (FREUD, 1915/1980, p.203).

Entende-se com isso que o representante ideativo, que se refere à representação, é o que dá existência ao conteúdo inconsciente, e também está atribuído as representações que estão fixadas no psiquismo. E o afeto se caracteriza pela parte energética abastecida tanto quantitativamente quanto qualitativamente, que é correspondente ao representante ideativo. Em seu trabalho, Pereira (1999) conta que

É primariamente em torno dos afetos que se constitui o que é da ordem do sofrimento. Afetos mais ou menos penosos, mais ou menos discerníveis, sempre escapando à compreensão e às explicações construída para fixa-las em um discurso (existe algo de mais enganador do que afirmar: eu compreendo tua angústia?) estão nas origens de toda experiência clinica. É justamente o fato de ser afetado de modo penoso que faz nascer no sujeito um movimento rumo a uma “terapia” (etimologicamente, um “cuidado”) e, quem sabe, à cura, exprimindo-se, assim, toda a dimensão trágica da experiência humana do sofrimento – pathei mathos: um sofrimento que comporta a possibilidade de transformar-se em sabedoria (...) O desprezo pelos afetos acarreta uma perigosa sistematização, excessivamente

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racionalizante, que deixa escapar por entre a malha de seus conceitos a a essência viva da experiência afetiva. (PEREIRA, 1999, pag. 23-4)

2.3 OS TRÊS MOMENTOS DA ANGÚSTIA NA TEORIA FREUDIANA E AS NEUROSES

Segundo algumas hipóteses existentes, como a de Loffredo – Angústia e repressão: um estudo crítico do ensaio “Inibição, sintoma e angústia” (1975), por exemplo, existem três momentos da angústia para Freud, e, para ele, seriam períodos “componentes de uma mesma teoria e referem-se a etapas do mesmo processo” (p.93). No entanto, para Green – O Discurso Vivo: Uma Teoria Psicanalítica do Afeto (1982), esses três momentos teriam como características, respectivamente: o primeiro momento seria marcado pelos trabalhos teóricos iniciais no qual se destaca como foco a relação em comum entre a vida sexual do sujeito e a "Neurose de angústia". Nessa relação, o corpo é quem sofre por causa de uma descarga automática que o atinge fruto de uma grande quantidade de excitação sexual, além do que ele está acostumado. Em outras palavras, para que se possa ocorrer uma descarga de angústia, é necessário lembrar que, pelo fato da angústia ser um afeto, o seu caráter desprazeroso demonstra um excesso de excitação no aparelho psíquico, ou seja, o seu valor inicial é ultrapassado.

O segundo momento da teoria da angústia para Freud mostra a relação entre a angústia do sujeito e a libido que foi recalcada. Nesse momento, a angústia é vista como sendo um fruto de um recalque, e destacada como sendo um dos possíveis efeitos dessa libido recalcada. O terceiro momento da teoria da angustia no discurso freudiano ocorre no período de 1926 à 1932 e expressa a relação entre a angústia e o aparelho psíquico, angústia essa que é fundamental para que ocorra o processo do recalque. Nesse momento, Freud (1926) passa a conceituar o ego como a base da angústia, ou seja, se o sujeito se sentir ameaçado por alguma situação que considera perigosa, ele irá liberar uma sensação de angústia, que, como veremos, chama-se angústia sinal.

O primeiro momento da teoria de Freud fala sobre as neuroses atuais, como por exemplo, a neurose de angústia e a relação delas com a vida sexual, e percebeu que a vida sexual do indivíduo é algo inconstante. Essa falta de estabilidade, que é o motivo

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de fazer surgir as neuroses atuais, ocorria por algum fator concreto e atual existente na vida do sujeito. O acumulo excessivo de libido física, como por exemplo, em uma abstinência sexual, era o que faria desencadear a angústia.

Existe diferença entre a neurose de angústia e o ataque de angústia. Os exemplos de sintomas da neurose de angustia são os aumentos na irritabilidade, devido justamente a esse excesso de excitação libidinal no sujeito, e as expectativas ansiosas, pois o sujeito com neurose de angustia não entende o motivo de sua ansiedade, fazendo com que tenha uma visão pessimista e sentindo uma fobia típica estruturada, como, por exemplo, o medo de morrer que reflete em seu corpo com sensações como a dificuldade de respiração. A agorafobia é um exemplo de neurose de angústia que afeta e tem relação com a locomoção do sujeito. Os ataques de angústia, para Freud, podem ocorrer de diversas maneiras. Ele insere algumas delas, sendo: ataques de fome devoradora, ataques de suor, e ataques de angústia acompanhados por distúrbios de atividade cardíaca, por exemplo.

Entramos no segundo momento da teoria de Freud sobre as angústias, na qual ele irá falar sobre a relação da angústia no psiquismo e a libido recalcada. No caso das psiconeuroses são relacionadas aos acontecimentos da infância, ou seja, a sua causa deverá ser trabalhada e descoberta no passado do sujeito. Um grande exemplo de artigo desse segundo momento está na XXV Conferência Introdutória Sobre Psicanálise (1917). Aqui Freud diferencia a “angústia real” da “angústia neurótica”, que, respectivamente, a primeira ocorre quando o sujeito sente que está vivenciando um real perigo externo a ele mesmo e que realmente ameaça o seu corpo, causando a angústia, e, na segunda, o perigo que o sujeito sente ameaçá-lo vem de si mesmo, de dentro, é interno, como se fosse uma reposta para o sujeito se preparar para lidar aquela situação e sensação de perigo.

Inibições, sintomas e angústia (1926) é o artigo mais marcante de Freud no que diz respeito ao terceiro momento de sua teoria da angústia, que, ao contrário do segundo momento, aponta que a angústia é o que provoca o recalque. Freud (1926) observa a angústia nesse texto como “um estado afetivo especial de desprazer com atos de descarga ao longo de trilhas específicas” (p.156).

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2.4 ANGÚSTIA AUTOMÁTICA E A ANGÚSTIA SINAL

Sendo o nascimento a experiência de angústia preliminar na vida do indivíduo, pois nesse momento o fluxo de excitações libidinais no aparelho psíquico é grande para um bebê, já que ele ainda é frágil e não tem um rigor físico e estrutural. Nas palavras de Pereira (1999), “Freud considera que o sinal de angústia remete à experiência de completa impotência do aparelho psíquico para enfrentar o crescimento de excitação pulsional, tal como ocorreu no nascimento”. Para Pereira, há uma reviravolta e o significado da angústia na obra de Freud “Inibições, sintomas e angústia”, na qual passa a ser vista e pensada de duas maneiras, como ele cita

uma angústia cuja sede – e também, numa certa medida, a origem - é o eu, tendo, portanto um aspecto essencialmente semiotizado: o “sinal de angústia”; e um outra forma de angústia, desenfreada e invasiva, oriunda diretamente da vida pulsional e agindo sobre o eu sob forma de terror de aniquilação uma vez que o aparelho psíquico não dispõe mais de meios para elaborar o afluxo brutal de excitações pulsionais que lhe chegam. Esta ultima concepção é a herdeira direta da teoria sobre a neurose de angustia, definindo uma forma incontrolável e terrível de excitação libidinal: a angústia automática (automatische Angst). (FREUD, 1926, p. 84-5)

A partir do nascimento, o individuo irá se deparar com inúmeras futuras situações de perigo que poderão ser traumáticas, que serão chamadas por Freud de angústias automáticas. Nestas além das excitações libidinais além do que o sujeito consegue suportar, é necessário que se tenha existido uma experiência de desamparo por parte do ego, e com isso, se estabelece uma situação traumática4. Ela é observada e definida como a primeira experiência angustiante que o individuo vivencia. A angústia sinal, como Freud chamou, acontece porque o indivíduo reconhece que a situação que lhe foi ameaçadora e que lhe proporcionou uma angústia, poderá vir a acontecer novamente, então o ego reage mais apropriadamente, para que essa sensação, esse estado de angústia, não se instale de novo. Para Freud (1926) “nesses dois aspectos, como um fenômeno automático e um sinal de salvação, verifica-se que a angústia é um produto do desamparo mental da criança, o qual é um símile natural de seu desamparo biológico.” (1980, p.162).

4 Visto no capítulo sobre o desamparo

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2.5 O COMPLEXO DE ÉDIPO E A PERDA DO OBJETO

Como dito anteriormente, existe uma angústia que está presente no momento do nascimento do bebê, que ainda não possui uma elaboração psíquica/simbolização, e essa angústia é a automática. Essa mesma angústia irá ocorrer em situações futuras, como por exemplo, quando ocorre uma neurose de angústia. O corpo é o paradeiro para onde as patologias irão caminhar, já que não ocorreu um desenvolvimento de uma elaboração psíquica, como acontece no pânico, que é a patologia foco desse trabalho. O afeto de angústia tem um caráter de expectativa que tem como origem uma situação de perigo e a sua situação traumática acontece por causa de um objeto ligado a essa situação e que se encontra em falta. Green (1982), em O discurso vivo: uma teoria psicanalítica do afeto mostra que

... a angústia patológica se manifesta essencialmente de duas formas: uma angústia flutuante, pronta a ligar-se a qualquer representante, como mostra a espera ansiosa da neurose de angústia, e uma angústia circunscrita ligada a um perigo. Essa oposição pode ser resumida dizendo que no primeiro caso, o perigo está em toda a parte e a segurança em nenhum lugar; no segundo o perigo é localizado, a segurança está em todos os outros lugares. Essa comparação permite-nos encontrar dois estados de angústia: a angústia na qual qualquer manobra de evitação é impotente devido ao investimento do ego pelo afeto e a angústia dominada numa certa medida pela evitação da situação angustiante, mecanismo de defesa operado pelo ego. Freud mantém, portanto, a oposição do primeiro período. A angústia flutuante é interpretada como uma inibição à descarga. (...) nela é encontrada a falta de elaboração psíquica postulada desde 1895 e o papel agravante dos fatores quantitativos. A conclusão permanece a mesma: o entrave da libido dá origem a processos, todos eles, unicamente de natureza somática. (GREEN, 1982, p.77)

Como já vimos, o desamparo (Hilflosigkeit) está presente desde quando o indivíduo é apenas um bebê, que precisa de um outro, sua mãe, por exemplo, mas que suas necessidades sejam satisfeitas. Essa necessidade constante de uma outra pessoa gera uma tensão extrema na qual ocorre um aumento na concentração de euforia e exaltação e o aparelho psíquico se sobrecarrega, ultrapassa o seu limite, gerando a sensação de desprazer e a angústia. Freud (1926) cita o que acontece com a criança no momento em que se descobre que essa sensação tem fim a partir de um outro, de um objeto externo

... o conteúdo do perigo que ela teme é deslocado da situação econômica para a condição que determinou essa situação, a saber a

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perda do objeto. É a ausência da mãe que agora constitui o perigo e logo que surge esse perigo a criança dá o sinal de angústia, antes que a temida situação econômica se estabeleça. Essa mudança constitui o primeiro grande passo à frente na providência adotada pela criança para sua autopreservação, representando ao mesmo tempo uma transição do novo aparecimento automático e involuntário da angústia para a reprodução intencional da angústia como um sinal de perigo. (...) verifica-se que a angústia é um produto do desamparo mental da criança, o qual é um símile natural de seu desamparo biológico. (FREUD, 1926/1980, p.162)

Segundo Freud (1926), o perigo se estabelece na falta da mãe, na sensação de abandono total, de um desamparo em consequência de um aumento de pressão pulsional, o que faz com que a criança apresente uma sensação de angustia “antes que a temida situação econômica se estabeleça. (...) verifica-se que a angústia é um produto do desamparo mental da criança, o qual é um símile natural de seu desamparo biológico.” (Freud, 1926/1980, p.162). Pereira (1999) deixa claro que para Freud, a abordagem do afeto está sempre relacionada à estrutura edipiana, que lhe atribui um sentido. Sendo assim, descreve que a “angústia comporta no cerne de sua indeterminação alguma coisa da ordem de uma memória em estado de suspensão que aguarda ser recuperada e historicizada” (pag. 24).

Pelo fato da mãe ser considerada por Freud o primeiro objeto de amor de uma criança, é ela quem será a principal figura que irá determinar, organizar e estabelecer os alicerces básicos para o seu funcionamento psíquico, e os traumas nesse momento serão a causa do pânico, por exemplo. Apesar da mãe, ou a figura materna, ser o objeto primário de amor, indiferentemente se a criança for menina ou menino, o complexo de Édipo não ocorre da mesma forma entre os dois gêneros. Enquanto na menina ocorre através da inveja sentida do pênis e no menino por causa do medo da castração. Com isso, a menina deverá deslocar o seu objeto de amor, que antes era a mãe, para o sexo oposto, que será a figura paterna. Sobre a relação da mãe com o seu filho, Menezes (2004) explica que

Uma mãe que dirige seus desejos para outros objetos (que não somente a criança) permite a entrada do pai em cena, produzindo um limite, um corte nessa relação dual (criança/mãe), ou seja, promove a castração. A castração atua duplamente: ao mesmo tempo que priva a criança de ter sua mãe, priva a mãe do objeto de seu desejo. Em outras palavras, a criança controla o fato de não ser, exclusivamente, o objeto de desejo da mãe, para aventurar-se como sujeito humano, ao designar, simbolicamente, sua renúncia ao objeto perdido. Dessa maneira, a castração escancara uma falta fundamental no sujeito – tanto na criança quanto na mãe, na medida em que nem a criança nem a mãe são completas. A lei intermediada pelo pai (ou quem cumpre a

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função paterna), é o momento de acesso ao simbólico, pois a criança, através dessa operação, pode exercer um controle sobre o objeto perdido. É a partir desse momento que a criança tem acesso à linguagem, ou melhor, é a linguagem que funda a necessidade d renúncia ao objeto materno tanto quanto sua constituição como objeto perdido. É a linguagem que expõe a falta e a impotência do próprio sujeito e de seu destino. (MENEZES, 2004, pag. 65)

A função materna deve ser desempenhada de maneira na qual o sentimento de proteção contra os perigos e medos ocorram de maneira satisfatória para a criança, uma maneira na qual a criança não se sinta desamparada. Essa função é feita de maneira gradativa na qual a criança deixa de achar que é onipotente, passando por uma desilusão necessária que faz com que o desamparo psíquico seja visto de maneira suportável para o resto de sua vida. Essa desilusão da sua falta de onipotência serve para a criança perceber que ela está vulnerável aos perigos do mundo, e seu primeiro sentimento relacionado ao desamparo é a da perda do objeto de amor (mãe). A angústia de castração pertence à organização fálica da libido, seja na menina, seja no menino. Porém, a maneira que eles vivenciam é diferente, pois o menino sente que a castração é uma espécie de ameaça, é o medo de perder o seu órgão genital, e a menina sente como se já o tivesse perdido e sofre com esse dano, com essa ausência do pênis.

O complexo de Édipo faz com que a criança deixe de ver os pais como um objeto e passe a se identificar com eles, ou seja, os introjeta dessa maneira no ego, fazendo com que façam parte do seu interior além do exterior. Os sentimentos que antes eram apenas externos, vindos de objetos externos, agora é observado e sentido pelo ego, pelo interior do indivíduo, como um sinal de angústia que é proporcionado pelo superego. O superego é um "herdeiro do complexo de Édipo", e, como Freud diz (1926), o medo do superego se transforma em um “medo da morte (ou medo pela vida), que é um medo do superego projetado nos poderes do destino” (p.164). Esse sentimento de perigo e angústia podem aparecer no sujeito futuramente, não sendo necessário que ocorra no momento e que os determinantes para tal sentimento são desenvolvidos no ego. Menezes (2004) explica em sua obra que,

Sob esse prisma podemos abordar o pânico como a expressão da instalação de uma situação de perigo interna insuportável para o sujeito: a situação de desamparo. É deste ponto que interpretamos o estado afetivo do pânico (Panik) como uma evidência clínica do desamparo (Hilflosigkeit), expressando-se na angústia que marca sua condição subjetiva (desamparo original estruturante do psiquismo) e que, em última instância, pode ter seu limite no real do corpo, como é evidente nos ataques de pânico. (MENEZES, 2004, pag.68)

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Com isso, podemos observar que o causador do sentimento de angústia não aparece a partir do momento em que se perde o objeto, e sim, quando perde o amor desse objeto. Para Freud (1926), o sintoma possui a castração como o seu referente central. Como ele diz, criam-se os sintomas com a intenção de “evitar uma situação de perigo cuja presença foi assinalada pela geração de angústia (...) o perigo em causa foi o de castração ou de algo remontável à castração.” (pag.154) É a partir do fato do ego reagir a uma situação de perigo produzindo a angústia que pode-se ver uma relação entre esse sentimento e o pânico, como entenderemos melhor no próximo capítulo.

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3. PÂNICO

3.1 O SIGNIFICADO DA PALAVRA PÂNICO E SUA RELAÇÃO COM OS DEUSES NA MITOLOGIA

Pânico é uma palavra que está inserida e presente culturalmente na nossa sociedade com vários tipos de significados sendo o mais comum uma forma de desespero, seja individual ou coletivo. Na perspectiva psicanalítica o aparelho psíquico, ao perceber a existência de ameaças aos seus limites, não consegue suportar, então isso passa a ser visto como um tipo de ameaça ao mundo que é simbolicamente organizado, como se fosse ocorrer um desabamento desse mundo que antes era considerado estável. Pânico é um tipo de afeto de angústia, uma paralisia, é a identificação de algum tipo de perigo, de um medo que não é racional e que surge de forma repentina, seja ele real ou apenas fruto do imaginário em relação a algum medo sem justificativa.

Em ambos os casos, segundo Freud, o pânico advém da desagregação de um conjunto até então coeso devida à ruptura dos laços libidinais entre os elementos que o constituíram. Tanto num caso quanto no outro, a dissolução dos laços acontece em função da perda de uma figura ideal, de natureza paterna, seja erigida em líder da multidão, seja em Ideal do eu. (PEREIRA, 1999, p.60)

A palavra pânico também tem como referencia o antigo deus Pã - "aquele que apavora os espíritos", "que assusta sem motivo". Pânico é um susto (Schreck) que origina do Pã. A pessoa entra em pânico ao sentir um extremo desamparo, como subitamente tomado por algum acontecimento que para ele é possível e lhe proporciona esse sentimento de horror ou então pela falta de certezas de que algo não é como achava ser e se sustentava naquilo que não é mais a verdade. É uma angústia causada pelo fim de um ideal protetor onipotente que gera falta de certezas e garantias, causando uma desestabilidade no mundo psíquico. Ela não consegue simbolizar, como se estivesse perdido no mundo de Pã, fora de seu real, desamparado, ausente de qualquer tipo de ajuda, é a perda do amor.

Para entender melhor, é interessante e necessário fazer um contorno sobre essas expressões advindas da mitologia. Para tal foi recorrido a Bulfinch, com sua obra “O

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livro de ouro da mitologia” (2000) e a Schwab, na obra “As mais belas histórias da antiguidade clássica” (1994). Existem algumas versões diferentes sobre Pã, porém uma das versões mais sustentadas é a da união de Hermes com a ninfa Dríope. Nessa versão5, Pã é retratado com formas físicas monstruosas e assustadoras, sendo metade homem e metade bode, e por isso, sua mãe acabou o abandonando após o seu nascimento. Os deuses nomearam a criança de Pã, tudo, todos, e sua função era a de suprir a necessidade de proteção dos habitantes da Arcádia, que antes era a de seu pai Hermes, juntamente com a de mensageiro entre os mortais e os imortais. Pã foi considerado a personificação da natureza porque era quem tomava conta dos bosques, rebanhos e campos. Pã era um grande sedutor de ninfas e por isso bastante relacionado com a sexualidade, pois possuía uma vida sexualmente muito ativa, mesmo sendo infeliz no amor. Como Pereira (1999) relata em seu livro:

... a figura desse deus aterrador com sexualidade ilimitada vem nos lembrar a dimensão de gozo sexual desenfreado que é cosubstancial ao pânico, como Freud o sugeriu em várias ocasiões no decorrer de sua obra. O pânico coloca em primeiro plano o lado apavorante do sexual que se apresenta quando este não encontra mais pontos de referência simbólicos onde ancorar. (PEREIRA, 1999, p. 66)

3.2 DSM E OS TRANSTORNOS ANSIOSOS

Ocorreu uma reformulação em relação a maneira de classificar os transtornos ansiosos na terceira edição do Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Psiquiátria Americana (DSM). Nele, dividiram-se os transtornos ansiosos em agudos, intensos e exuberantes em sintomas físicos, que seriam os transtornos de pânico.

... trata-se de conferir um estatuto psicopatológico central aos ataques repentinos e inexplicáveis da mais intensa angustia. Esses são acompanhados de sintomas físicos e psíquicos pronunciados tais como taquicardia, palpitações, dores torácicas, sensações de sufocamento, vertingens, tremores, nauses, vomito, sudorese, impressão de estar caindo sem parar, despersonalização e desrealização. Frequentemente o paciente descreve a sensação de estar morrendo e tem medo de ficar louco ou de perder o controle. Após a fase mais aguda do ataque, o

5

Bulfinch, O livro de ouro da mitologia (2000) e Schwab, As mais belas histórias da antiguidade clássica (1994).

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individuo sente-se inquieto e muito assustado com o inexplicável terror de que acaba de experimentar. (PEREIRA, 1999, p. 45)

Segundo o DSM-IV (1995), é necessário para que ocorra a confirmação do diagnóstico do transtorno de pânico que o sujeito apresente os ataques durante um determinado período do desenvolvimento e que esses ataques aconteçam de maneira na qual ele espere incompreensivelmente e ansiosamente para que ocorra uma nova crise, um novo ataque. Os ataques de pânico de maneira repetida estabelecem como uma forma de esvaziar a morte que é vista como uma incógnita até então, pois quando se imagina a morte, você antecipadamente saberá como será e tem a sensação de que pode controlar esse momento de abandono, de desamparo, que ocorreu por parte do outro suposto protetor. Sendo assim, é comum e correto compreender como formas de manifestações secundárias aos ataques de pânico, pois são vistas como resultados de experiências para que ocorra certo controle em relação aos ataques, comportamentos como as fobias, por exemplo, a agorafobia, e as preocupações hipocondríacas, que também são exemplos de sintomas de extrema dependência. A agorafobia é um tipo de fobia que segundo o DSM-IV:

é uma ansiedade acerca de estar em locais ou situações das quais escapar poderia ser difícil (ou embaraçoso), ou nas quais o auxílio pode não estar disponível na eventualidade de ter um ataque de pânico ou sintoma tipo pânico (por ex: medo de ter um ataque súbito de tontura ou um ataque súbito de diarreia). (DSM-IV, 1995, p.378)

3.3 O IDEAL ONIPOTENTE E A DIFERENÇA ENTRE PANIK E SCHRECK

Bela Felszéghy escreveu no ano de 1920 um artigo chamado "Pan und Pan-Komplex" que demonstra e classifica o pânico como um fenômeno psíquico de pura-perda. Ele parte da ideia de que a estrutura do pânico está relacionada tanto na multidão quanto no individuo, ou seja, tanto na psicologia de massa quanto na psicologia individual. Posteriormente, Freud em Psicologia de grupo e análise do ego (1921), aonde aborda elementos como identificação, ideal do ego e vínculo afetivo, irá reafirmar também a ideia de que não há separação entre indivíduo-sociedade quando se fala sobre o pânico. Sempre existe um outro na vida do indivíduo na qual é necessário para a sua formação, um ser exterior, que tem sua própria formação e comportamento como ser

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humano de acordo com o ambiente vivido, com a sociedade na qual está inserido, sua própria história individual e funcionamento psíquico. Para Freud em Psicologia de grupo e análise do ego,

Algo mais está invariavelmente envolvido na vida mental do indivíduo, como um modelo, um objeto, um auxiliar, um oponente, de maneira que, desde o começo, a psicologia individual, nesse sentido ampliado, mas inteiramente justificável das palavras, é, ao mesmo tempo, também psicologia social. As relações de um indivíduo com os pais, com os irmãos e irmãs, com o objeto de seu amor e com seu médico, na realidade, todas as relações que até o presente constituíram o principal tema da pesquisa psicanalítica, podem reivindicar serem consideradas como fenômenos sociais e, com respeito a isso, podem ser postas em contraste com certos outros processos, por nós descritos como ‘narcisistas’, nos quais a satisfação das pulsões é parcial ou totalmente retirada da influência de outras pessoas. (FREUD, 1921/1980, p.91-2)

A existência do ser humano ocorre quando há um investimento afetivo sobre ele. Esse outro, em sua singularidade, pode ser visto tanto como um modelo identificatório, que segundo Freud (1921) é “a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa.” (1980, p.133), visto como um objeto, que pressupõe na questão dos laços libidinal, na forma de relação de vínculo com o outro, que como diz Freud (1921) “a essência de um grupo reside nos laços libidinais que nele existem”. (1980, p.122), visto também como auxiliar e oponente. O indivíduo existe, pois tem um investimento libidinal sobre ele, ou seja, esse vínculo libidinal, que inicialmente e normalmente é referido àqueles que cuidam de nós, como os nossos pais, é o que vai originar o indivíduo e, consequentemente, a sociedade. Para Freud (1921), o amor pelo líder, que é o ideal a ser seguido, de natureza paterna, “é realmente indispensável à essência de um grupo (...) o laço com o líder parece ser um fator mais dominante do que o outro, que é mantido entre os membros do grupo.” (1980, p.127). Esse líder, que é visto como uma figura ideal, é o que garante que a massa e o individuo tenha laço fraternos estáveis e em esse ideal, ocorre uma ruptura no laço amoroso, que viria a causar o pânico devido a esse sentimento de total desamparo (Hilflosigkeit) subitamente, da falta de proteção em relação aos perigos da vida, e sendo assim, torna-se inexistente a garantia para as identificações que são fundamentais para que se funde a integridade do indivíduo e consequentemente do coletivo. Essa figura é chamada por Freud como “ideal protetor ilusório”.

Freud especifica, em seguida, a analogia entre o pânico em uma multidão e aquele observado em um indivíduo: ambos são associados ao desaparecimento da coesão permitida pelos laços libidinais. Ou

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