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Professores e suas práticas com a leitura em sala de aula

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PROFESSORES E SUAS PRÁTICAS COM A LEITURA EM SALA DE AULA

FAPESP/CNPq

Ana Maria da Costa Santos Menin(FCT-UNESP); Cyntia Graziella Guizelim S. Girotti(FFC-UNESP); Dagoberto Buim Arena(FFC-Girotti(FFC-UNESP); Renata Junqueira de Souza(FCT-UNESP). Eixo Temático: Projetos e Práticas de Formação de Professores.

O trabalho educativo que se desenvolve nas escolas conta com a participação de diversos sujeitos, imbuídos de funções diferenciadas. Um desses sujeitos é o professor, muitas vezes visto como culpado do que se convencionou chamar “crise da leitura”. Aponta-se a precariedade da formação do professor como causa principal dos equívocos na condução do trabalho com diferentes textos em sala de aula, entretanto, como afirma Silva (2003a), existe um “feixe de carências” na própria organização escolar brasileira, que dificulta a formação do leitor via escola.

Por outro lado, conhecer elementos referentes à formação, experiência profissional, diretrizes adotadas para realização do trabalho pedagógico etc., permite que se delineie o perfil desse professor e, possivelmente, algumas medidas formativas, necessárias para a melhoria do ensino da leitura na escola.

A pesquisa com os professores, que irá relatada neste texto, resultou em dados organizados em grandes categorias: identidade, formação, perfil cultural e prática pedagógica. Contudo, para esta apresentação, focalizaremos exclusivamente a categoria sobre a prática pedagógica.

Recentemente, com as novas teorias do texto e da linguagem – Semiótica, Análise do Discurso, Estética de Recepção e Teoria da Intertextualidade – as concepções e práticas do ensino de textos foram redimensionadas. As atuações pedagógicas em sala de aula, contudo, encontram-se ainda calcadas em perspectivas teóricas anteriores às que prevaleciam na década de 70, de orientação técnico-linear.

Segundo Aguiar (1993), uma porcentagem significativa de educadores das séries iniciais não possui uma metodologia adequada para desenvolver atividades com os textos estéticos, nas dimensões gramatical, semântica e pragmática. Tal situação reflete a problemática da formação docente, evidenciando lacunas na preparação do profissional para a atuação em sala de aula.

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das atividades com o intuito de cumprir determinado conteúdo programático, mas como a organização conceptual do trabalho didático.

Mizukami (1986) ressalta que a ação do professor, no Brasil, acha-se norteada por cinco abordagens educacionais, as quais compreendem, respectivamente: a) Tradicional, centrada na figura do professor, entendendo-o como principal pólo no processo de ensino e aprendizagem, e restringindo o aluno a elemento secundário no ato pedagógico. b)

Comportamentalista, pautada nos trabalhos de Skinner, a qual defende o princípio de que o

comportamento humano pode ser condicionado através de estímulos significativos. c)

Humanista, enfocando o educando como único eixo nas atividades didáticas. d) Cognitivista, sustentada pela produção científica de Jean Piaget, e que revolucionaria, a

partir dos anos 80, os procedimentos com alfabetização, até aqui sob postura Empirista. e)

Sócio-Cultural, de caráter marxista, marcada por concepções que enfocam a escola como

instrumento de conscientização e transformação social.

Cada tendência, edificada em distintos momentos, revela diferentes visões de educação, metodologia, relação professor-aluno, avaliação e ensino.

No que concerne especificamente aos estudos literários, verifica-se, no decorrer do século XX, o surgimento de múltiplos olhares sobre o texto artístico, os quais implicariam propostas para o ensino com narrativas. Se antes o texto era abordado apenas como uma unidade gramatical e semântica, geradora de relações puramente lingüísticas dos signos entre si e dos signos com os conteúdos designados, a Filosofia da Linguagem, sob perspectiva bakhtiniana, aponta os mecanismos pragmáticos inscritos na configuração textual.

Em consonância com as contemporâneas contribuições das pesquisas no campo da Lingüística e da Semiótica, o Ministério da Educação elabora diretrizes para o aperfeiçoamento do ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa. Essas orientações articulam-se, em um primeiro momento, na Proposta Curricular da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, que se organiza em duas grandes categorizações: as atividades de linguagem e as atividades de operação e reflexão sobre a mesma, procedendo com exercícios de uso, de reflexão sobre o uso e de problematização sobre o processo de comunicação. Com a formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), documento que subsidia a educação nacional na última década do século XX, fez-se menção à leitura, à prática de produção de textos e à análise sobre a língua. Nos dois referenciais citados, contudo,

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detecta-se o pouco espaço atribuído à questão da especificidade do texto estético infantil e juvenil, o que traduz os poucos títulos teóricos elencados nas bibliografias.

Partindo do pressuposto de que as novas teorias do texto e da linguagem adentraram o Brasil somente após a década de 80 e que grande parte dos profissionais ativos nas redes estaduais de ensino graduou-se em períodos anteriores a tais contribuições, é plausível compreender os modos de ensino arraigados à prática docente como reflexos imediatos de concepções teórico-metodológicas do passado.

Mesmo com a freqüência de participação dos professores em cursos de formação para professores e eventos educacionais, como congressos, palestras, seminários etc, percebe-se ainda uma grande lacuna entre o momento da formação e a prática em sala de aula.

No que tange aos cursos dirigidos à formação docente, oferecidos entre 2004 e 2005, observa-se que 9,0% dos sujeitos professores não estiveram em nenhum evento desse caráter, ao passo que a grande maioria, 54,1% dos professores admite ter freqüentado entre 1 e 3 cursos. A porcentagem de sujeitos se reduz, à medida que se amplia o número de programas de estudos apontados, chegando a 7,4% dos que informam ter participado de 7 a 10 cursos. Enfim, os docentes que atestam terem presenciado mais de 11 cursos adentram a porcentagem mínima de 2,8%.

Situação semelhante se verifica a respeito de congressos, seminários e encontros. 11,7% dos participantes da entrevista não estiveram em nenhum evento desse caráter, ao passo que a grande maioria, 56,6%, admite ter freqüentado entre 1 e 3 cursos. A porcentagem de sujeitos se reduz, à medida que se amplia o número de atividades acadêmicas, chegando a 3,9% dos que informam ter participado de 7 a 10 cursos. Ao contrário da situação anterior, contudo, os indivíduos que estiveram em mais de 11 eventos perfazem uma porcentagem um pouco acima do tópico anterior, chegando a 4,8%.

Uma explicação plausível para essa freqüência talvez se encontre na incidência de palestras, oficinas e simpósios oferecidos periodicamente pelas universidades, como acontece amiúde, no interior paulista.

As correlações instauradas entre essas informações possibilitam delinear o perfil do educador da região de Presidente Prudente, Assis e Marília. Tais informações servirão como subsídios para contextualizar os dados a serem coletados a posteriori, investigando, dessa forma, as condições em que os sujeitos estão sendo formados enquanto leitores ao longo do Ensino Fundamental.

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Se a freqüência a cursos é questionável, a leitura realizada por estes mesmos professores demonstra preferências distintas, provavelmente devido às funções que ocupam, no espaço educativo. Os dados apontam que a preferência dos professores se refere à leitura de jornais (24,37 %), seguida pela literatura infantil (19,57%) e revistas

semanais (19,06%).

Em consonância com as respostas obtidas sobre as preferências de leitura, observa-se que 94,6% dos professores apontaram a leitura de algum tipo de jornal, prevalecendo os jornais regionais.

Uma contradição perceptível reside no fato de que, embora assinalem que lêem jornais (aproximadamente 42% dos professores), ao serem indagados sobre a nominação dos jornais nacionais lidos – Se você lê jornais nacionais assinale qual –, grande número de respostas foram deixadas em branco, o que leva a questionar se realmente os sujeitos são leitores efetivos de jornais. O Jornal mais assinalado por professores e coordenadores é

Folha de São Paulo.

Sobre a leitura de revistas, pode-se notar uma grande variedade de respostas. Dos dados obtidos nas entrevistas, valem ser destacados apenas os títulos das revistas mais apontadas: Veja e Nova Escola. Entretanto, na explicitação das nominações, o total, bem como os percentuais somados, é pouco expressivo: 28% (13,5% Veja; 8% Veja/Nova

Escola; e 6,5% Nova Escola).

Dados da pesquisa nacional da UNESCO (2004) indicam que 49.5% dos docentes preferem ler livros de pedagogia e educação e 23.8% livros de auto-ajuda; a literatura de ficção alcançou 27.6%. Qual seria a distinção entre alguns livros de auto-ajuda e alguns livros classificados como pedagógicos pelos professores? Essa preferência nacional talvez inclua, como nesta pesquisa regional, livros aparentemente pedagógicos, mas relacionados muito mais a auto-ajuda que a pesquisas ou ensaios mais aprofundados.

Ainda que não caiba à pesquisa em questão, responder sobre o fato de os professores não gostarem de ler os clássicos, preocupa-nos como professores não leitores desta literatura clássica poderão incentivar o gosto, hábito e necessidade dessa leitura. Como o professor conseguiria realizar a transposição didática, criando elos mediadores para tal apropriação, não sendo leitor dessa literatura?

Britto (1998) destaca que, para boa parte dos professores, a prática de leitura limita-se a um nível pragmático dentro do próprio universo estabelecido pela cultura escolar e pela indústria do livro didático. Sua leitura de textos “literários” é a dos livros infantis e juvenis

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produzidos para os alunos ou dos textos selecionados e reproduzidos pelos autores dos manuais didáticos; sua leitura informativa é a dos paradidáticos; seu conhecimento técnico reduz-se às definições do próprio livro didático; seu universo de conteúdos necessários coincide sempre com o do mesmo livro.

Por isso, conclui em artigo a respeito do “professor como leitor interditado”:

Certamente, não se pode ver no professor a imagem de um leitor preconizada por Proust ou aquele que representa Aguiar [...] Profissionalmente, o professor [...] não têm obrigação ou necessidade de ler além dos produtos que informam a prática escolar, sejam textos literários sejam de outros gêneros; por outro lado, como cidadão tem pouco acesso a estes textos, tanto pelos vínculos culturais estabelecidos, quanto por sua condição socioeconômica. [...] Mais do que ser leitor ou não leitor, o professor é um leitor interditado. (BRITTO, 1998, p. 78).

Aqui está posto que o leitor se define em função não da quantidade ou mesmo da qualidade do que lê, mas sim de seu acesso aos bens da cultura letrada e aos códigos e valores inscritos neste universo, como salienta Foucambert (1994). Postula-se que será leitor aquele indivíduo que, para além da alfabetização e do domínio pragmático do código escrito e independentemente de considerações subjetivas, faça uso com relativa freqüência, por razões de sua inserção social, dos valores, sistemas de referência e processos de significação autorizados pelo discurso da escrita.

Depreende-se desta concepção uma outra, conforme elucida Britto (1998, p. 69):

A leitura é, então, mais que uma atitude, uma forma de conhecimento e de inserção social que se articula com outros conhecimentos e expressões de cultura. Isso quer dizer que, mesmo que alfabetizados e tendo acesso indireto a certos bens da cultura letrada, nem todos os cidadãos são leitores em vários dos sentidos que esta palavra pode ter, já que o saber letrado não é eqüitativamente distribuído [...].

Ampliando a compreensão sobre como se dá a constituição desse leitor dito interditado, Andrade (2004), ao discutir sobre professores-leitores e sua formação, faz referência às práticas de leitura, abordando o uso da biblioteca nos cursos de formação inicial de professores. Segundo os dados de sua pesquisa, para os professores-formadores entrevistados, as bibliotecas estão desatualizadas e, em muitos casos, as condições dos modos de funcionamento são precárias; os alunos não buscam livros por conta própria e acomodam-se nos textos fotocopiados que devem ser lidos. Tal constatação leva-nos a

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refletir sobre a influência dessa prática nas atuais ações leitoras dos professores.

Assim, no campo da formação do provável professor-leitor, torna-se importante destacar, em decorrência do já exposto, que a maior parte dos professores e coordenadores ou não freqüenta ou raramente freqüenta as bibliotecas de sua comunidade. Os dados nos levam a indagações da seguinte natureza: a reduzida freqüência deve-se a acervos pouco estimuladores ou, por oposição, a acervos de interesse contrário aos apresentados pelos sujeitos da pesquisa? Ou, ainda, pelo hábito culturalmente não aprendido? Como, então, incentivar as crianças a se constituírem como usuárias, se os próprios professores não o são? Todavia, não é só da responsabilidade dos professores tal incentivo. Além de Andrade (2004), que nos alerta sobre a ausência do uso das bibliotecas nos cursos de formação inicial, Bamberger (1987), em seu livro cuja temática central discute o incentivo à leitura, adverte para o fato de que o número de pessoas que se utilizarão de bibliotecas, no decorrer de sua vida, dependerá muito de haverem ou não sido apresentadas a elas em sua infância e juventude e da maneira como isso aconteceu, assim como da maneira que essas pessoas foram levadas a sentir-se em relação às bibliotecas.

Batista (1998) comprova essa afirmativa por meio de sua pesquisa em que, segundo ele, muitos professores passaram períodos significativos de sua escolaridade sem que a escola lhes impusesse a leitura de livros, jornais ou revistas e poucas são as lembranças relativas à freqüência a bibliotecas.

Nessa discussão quanto ao despertar interesse e o prazer pela leitura e fazer dela um hábito ou necessidade, destaca-se a leitura de literatura infantil por parte dos professores. A grande maioria, 92% afirma ter lido tais livros, sendo que destes 55% dos professores trazem como finalidade para essa leitura a dimensão pedagógica. Cabe perguntar: se lêem tais livros e se os apreciam como aproximadamente um quarto dos sujeitos afirmou, de que maneira têm sido as práticas direcionadas para a leitura da literatura infantil, uma vez que as observações de sala de aula traduzem a ausência de tais atividades, a didatização da leitura e/ou trabalhos desprovidos de sentido e significado real para a formação da competência leitora e/ou do gosto pela leitura da literatura?

É preciso lembrar que os professores, em sua formação escolar, passaram por atividades de leitura que se identificam, na maior parte das vezes, com uma forma específica de didatização da leitura, como vêm mostrando os estudos sobre as práticas e saberes escolares (BATISTA, 1998):

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[...] as práticas escolares de leitura a que os professores foram expostos devem à lógica da escola suas principais características. São, fundamentalmente, um instrumento de aprendizagem: a dimensão educativa do ler na escola se encontra em algo que não na leitura mesma, mas no conteúdo educativo dos textos lidos (nos valores e aspectos instrutivos que pode transmitir) ou em sua linguagem (que exemplifica valores lingüísticos ou literários). Ao contrário das práticas não escolares de leitura – particularmente daquelas que se desenvolvem nos espaços da vida privada, que acentuam a gratuidade, o “desinteresse” e a autonomia do leitor – , as práticas escolares se constroem em nome da “não-gratuidade”, de uma finalidade de aprendizado e se desenvolvem com base em gestos que procuram garantir sua consecução: o controle, que direciona a leitura e submete a autonomia do aprendiz; a realização de exercícios e avaliações, o desenvolvimento de atitude atenta ao pormenor e à minúcia, a utilização de formas de anotações e registro, uma disposição de buscar nos textos um ensinamento, uma regra, uma máxima, uma instrução. (BATISTA, 1998, p. 42-43).

Nesse sentido, nossa análise considera esse professor real, com suas práticas reais de leitura, aí inclusa a leitura da literatura infantil e juvenil. Vale lembrar que, embora esta pesquisa não tenha intenção de elucidar, tornam-se necessários avanços científicos, como postula Evangelista (1998, p.84-85), sobre as condições histórico-culturais que fazem do professor o leitor e o formador de leitores que é, seja ele considerado “um leitor satisfatório, um leitor não satisfatório ou um leitor mediano”, ou ainda, poderíamos acrescentar, de acordo com Britto (1998), um leitor interditado.

As pesquisas de Chartier (1995) contribuem com essa compreensão mais contextualizada, na medida em que, partindo de uma perspectiva da sociologia da leitura, consideram que o professor seja, ao mesmo tempo, um leitor ordinário (leitor comum) e um leitor institucional (que atua em uma instituição escolar, com objetivos educacionais), e que tanto as práticas de leitores comuns como as práticas de leitores institucionais podem contribuir para formar leitores.

Ao considerarmos as questões articuladas em torno do tema “prática pedagógica” dos professores, contemplados por esta pesquisa, consideraram a existência de práticas e modos de ensino da leitura via escola. Existem muitas problemáticas a serem enfrentadas para que o ensino da leitura (e o ensino da literatura) na escola se efetive e sejam formados leitores críticos e autônomos, como tão amplamente difundido em diversos discursos.

A respeito da formação do professor, a pesquisadora francesa Anne-Marie Chartier, no texto Os futuros professores e a leitura (2005), discute as relações entre professor e

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leitura durante a formação profissional, analisando dados de pesquisa realizada junto a estudantes franceses do curso de formação de professores. Uma vez que desempenharão o papel de orientadores de leitura, segundo a autora, os futuros professores deveriam incorporar a dimensão reflexiva de sua formação como leitores ao seu processo formativo profissional.

O panorama da escola de formação de docentes, enfocado por Chartier, demonstra que existe uma coexistência bastante forte entre o que chama de “leituras de reflexão” e as leituras de livros pedagógicos, ao longo do período de formação para a docência. Entretanto, os futuros professores ora entendem que lhes falta tempo para ler, ora imaginam que perdem tempo, ao realizar a leitura, além da sensação de tirarem pouco proveito das leituras realizadas. Essa insatisfação cresce quando, na iminência de assumir o ensino polivalente, aumentam de maneira desencorajadora as leituras que devem efetuar para sua formação. Mas esses estudantes lançam mão de estratégias de leitura muito comuns para lidar com essa situação, criando caminhos peculiares de formação leitora.

Tais caminhos de formação leitora percorridos pelos professores são pessoais e não podem ser programados nem avaliados com autoridade, porque são decisivos e fundamentais na constituição do leitor. Para Anne-Marie Chartier,

segundo as formas pelas quais a leitura (o que é lido e as maneiras de ler) se integra na preparação da profissão, transmite-se de forma concreta uma relação do escrito como ferramenta de trabalho profissional, como espaço de cultura pessoal, como referente compartilhado. Trata-se então de uma questão central para formar um futuro professor polivalente, quer dizer, encarregado de ensinar a ler e a escrever. (CHARTIER, 2005, p. 96)

Levando em conta que, mesmo de maneira incipiente, esses professores tiveram em seus cursos de formação inicial certo tipo de formação teórica e didática da leitura, para muitos, não foi suficiente para lidar com os imperativos do cotidiano de sala de aula. Em vista disso, repensar o processo de constituição como leitor seria um primeiro passo para a reflexão que se quer operar no ensino da leitura.

Embora sejam os livros, a forma mais difundida de suporte para a leitura, na escola, os professores consideram a urgência de um acervo que contenha mais e melhores livros. Para Vera Teixeira de Aguiar, a escola é vista como abrigo de “[...] múltiplas formas de

aproximação entre sujeitos e livros, com oferta livre de tipos de textos de diferentes linguagens, de atividades de leitura individual e coletiva” (AGUIAR, 2001, p. 252).

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pesquisa sobre interesses infanto-juvenis de leitura. Se o interesse inexiste, as estratégias de ensino podem ser alteradas, entretanto sem abrir mão do papel ocupado pelo professor no binômio ensino-aprendizagem, ou seja, no caso da leitura, o papel de leitor maduro:

[...] geralmente, a leitura do leitor maduro é mais abrangente do que a do imaturo. Claro que a maturidade de que se fala aqui não é aquela garantida constitucionalmente aos maiores de idade. É a maturidade de leitor, construída ao longo da intimidade com muitos e muitos textos. Leitor maduro é aquele para quem cada nova leitura desloca e altera o significado de tudo o que ele já leu, tornando mais profunda sua compreensão dos livros, das gentes e da vida. (LAJOLO, 1988, p. 53)

Conhecendo os interesses dos alunos, sem abrir mão do papel de professor que desempenha (e só desempenha porque é um leitor, em tese, mais maduro, além de dominar certos conceitos teórico-científicos do campo do conhecimento que pretende ensinar), o professor poderia mediar satisfatoriamente o ensino da leitura.

Por outro lado, alguns professores consideram seu trabalho bom ou satisfatório porque conseguem fazer com que os novos leitores se interessem pela leitura, atribuindo isso ao fato de serem e de se mostrarem leitores assíduos.

A realização da leitura não se restringe às matérias de alfabetização ou língua portuguesa, assim como os textos passíveis de serem lidos não são apenas os literários; por organizar todo e qualquer conteúdo, o estudo do texto tem caráter transversal.

Os elos entre literatura para crianças e jovens e escola são históricos. Esse gênero literário nasce sob o signo da ascensão burguesa do século XVIII, e é valorada pela definição, a priori, de seu destinatário. Por ter sido criada com a função de instrumento pedagógico de transmissão de valores burgueses, a literatura infantil e juvenil foi, durante muito tempo, encarada como gênero menor da literatura.

No Brasil, até o final do século XIX, os materiais de leitura para crianças eram, em sua maioria, traduzidos ou adaptados de originais estrangeiros, principalmente os portugueses. Entretanto, já se anunciavam algumas mudanças, como a preocupação crescente de intelectuais e educadores em criar uma “literatura nacional”.

Recorrendo a fatos recentes da história educacional brasileira, a introdução obrigatória dos livros literários nas escolas ocorreu, em definitivo, com a lei nº 5692/71, embora tenham sido construídos discursos de diversos sujeitos da sociedade a favor da leitura literária na escola, pelas mais diversas razões.

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Para Teresa Colomer,

[...] as mudanças sociais e a evolução da teoria literária favoreceram o restabelecimento da função da literatura na educação obrigatória e, em conseqüência, a revisão dos textos e das práticas tradicionais. [...] O questionamento dos métodos historicistas e a preeminência do acesso direto ao texto a que deram lugar esse delineamentos criaram condições para reivindicar a leitura de obras literárias próximas às capacidades e interesses dos alunos. A literatura infantil e juvenil achou, pois, um marco mais favorável para sua entrada no âmbito escolar. (Tradução livre). (COLOMER, 1999, p. 107)

Embora tais afirmações estejam pautadas na realidade espanhola dos anos 70, do século passado, é possível afirmar que esse período foi também representativo dentro do contexto brasileiro por razões semelhantes: Nelly Novaes Coelho assinala, no texto introdutório do livro A literatura feminina no Brasil contemporâneo, que,

entre os fenômenos mais significativos deste último quarto de século, no âmbito da literatura e da crítica, está sem dúvida o crescente interesse que desde os anos 70 vem despertando não só a produção literária das mulher, mas também a de literatura infantil juvenil e a da “negritude’. Muito mais que simples moda, esse triplo interesse arraiga um fenômeno cultural mais amplo: a inegável emergência do diferente. (COELHO, 1993, p. 11)

Por outro lado, mais importante que a leitura literária em sala de aula é o modo como o texto literário é utilizado pelo professor.

A professora Magda Soares indica, no texto A escolarização da literatura infantil e

juvenil (2001), que existe considerável diferença entre a “literatura escolarizada” e ato de

“literatizar a escolarização infantil”. Para a autora,

[...] o que se pode criticar, o que se deve negar não é a escolarização da literatura, mas a inadequada, a errônea, a imprópria escolarização da literatura que se traduz em sua deturpação, falsificação, distorção, como resultado de uma pedagogização ou uma didatização mal compreendidas que, ao transformar o literário em escolar, desfigura-o, desvirtua-o, falseia-o. (SOARES, 2001, p. 22)

Para a realização de uma boa escolha e um bom trabalho com o texto literário em sala de aula, Maria Alice Faria ressalta a necessidade de observação de alguns pontos:

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as crianças, precisa ler primeiro essas obras como leitor comum, deixando-se levar espontaneamente pelo texto, sem pensar ainda na sua utilização em sala de aula. Em seguida, virá a leitura analítica, reflexiva, avaliativa, pois, como afirma o especialista francês Christian Poslaniec, “um livro não se resume ao seu estilo” e tanto o tema como a linguagem do livro podem ser tratados de modo estereotipado ou criativo. Poslaniec propõe uma noção de “riqueza” na hora de selecionar os melhores livros a serem levados à sala de aula: são aqueles que “utilizam de maneira criativa várias instâncias, oferecendo ao leitor várias ocasiões de penetrar na estrutura profunda da obra”. (FARIA, 2004, p. 14)

Porém, como assinalado anteriormente, a escolha também é baseada na disponibilidade do material literário da escola, o que não quer dizer, no entanto, que o professor não possa trabalhar com os textos disponíveis também de modo crítico, observando junto com seus alunos as “virtudes” e os “defeitos” do texto. Aliás, o trabalho de desconstrução do texto também é requerido com a leitura dos textos “ricos”.

Desse modo, a escrita nesse momento tem caráter de avaliação da compreensão mais simplificada da leitura, ignorando outros níveis dos textos literários a serem explorados.

Segundo Colomer (1999), o discurso social a favor de um tipo de leitura livre e autônoma passou a ser introduzido no ambiente escolar. Ao longo do tempo foi ganhando força o argumento de que os livros utilizados na escola deveriam ser valorados somente a partir de méritos literários e também pela oportunidade que ofereciam para discutir, comparar e favorecer a introspecção e a comunicação.

Em contrapartida, foram gerados alguns equívocos quanto ao modo de ler literatura, na escola, que, ao contrário das criticadas práticas vistas como tradicionais, autoritárias e limitadoras, proliferou a compreensão da expressão “prazer de ler” como sinônimo de leitura espontânea, sem o acompanhamento de estratégias orientadoras para a sistematização da aprendizagem do que é peculiar ao texto literário.

Para Marisa Lajolo (1988), a presença do texto na sala de aula é uma situação artificial, visto que a leitura é coletiva e orientada:

[...] visa a uma reação do leitor/aluno deflagrada a partir de atividades cuja formulação parte de uma leitura prévia e alheia: a interpretação que o leitor/autor do livro acredita ser a mais pertinente, útil, adequada, agradável, etc. (LAJOLO, 1988, p. 53) Com isso, a autora entende que, uma vez dentro da sala de aula, o trabalho a ser realizado com o texto deve “[...] respeitar sua natureza específica de texto, ou seja,

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constituir o ponto de encontro entre autor e leitor” (LAJOLO, 1988, p. 53). A atitude de fazer do texto “pretexto” para atividades diversas de sua natureza deve ser vista com cuidado.

Embora muitos professores trabalhem dentro do esquema leitura – reconto por parte dos alunos – produção de texto (na sua maioria, o resumo da história lida), alguns explicitam que a adoção de um dado livro leva em consideração outros aspectos distantes do trabalho com o texto literário e suas especificidades.

Diante desses pressupostos teóricos, pode-se afirmar que ler é mais do que "ler nas linhas" — identificar as informações apresentadas e reproduzi-las, pois estas atividades a maioria dos estudantes faz. Para que leiam com significado, as informações precisam ser integradas ao que esses alunos já sabem.

Assim, conversas sobre os textos, desenhos, dramatizações, reescritas e outras atividades só estarão cumprindo o papel de formar leitores competentes se os professores colocarem o foco principal destas ações na compreensão do texto literário.

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