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Lavoisier, da alquimia à química moderna: Teatro para a popularização científica e a educação em ciência

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA

NELSON DOS SANTOS MOREIRA

LAVOISIER, DA ALQUIMIA À QUÍMICA MODERNA:

TEATRO PARA A POPULARIZAÇÃO CIENTÍFICA E A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIA

NITERÓI 2014

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LAVOISIER, DA ALQUIMIA À QUÍMICA MODERNA:

TEATRO PARA A POPULARIZAÇÃO CIENTÍFICA E A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências da Natureza do Instituto de Química da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências.

Campo de Confluência: Educação em Ciências e a Divulgação Científica.

Orientadora:

Profª Drª Maura Ventura Chinelli

Niterói, RJ 2011

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M 838 Moreira, Nelson dos Santos

Lavoisier, da alquimia à química moderna: teatro para a larização científica e a educação em ciência. / Nelson dos Santos

Moreira. – Niterói: [s. n.], 2014. 106f

Dissertação – (Mestrado em Ensino de Ciências da Natureza) – Universidade Federal Fluminense, 2014.

1. Teatro. 2. Lúdico. 3. Ensino da ciência. 4. Química. 5. Teatro na educação. I. Título.

CDD. 540.07

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Fui calouro do primeiro semestre de 2004 do curso de Licenciatura em Química. Vivi nesses últimos dez anos um ciclo de aprendizado. Terminei a Licenciatura, a Pós-Graduação lato-sensu e agora o Mestrado. Obrigado à Universidade Federal Fluminense por essa oportunidade de formação e de crescimento pessoal e profissional. Ao Instituto de Química, onde fiz amigos e considero minha casa. Ao DCE/ UFF que cedeu o espaço e todo apoio possível para a realização desta dissertação. Ao SESC na pessoa da senhora Andrea Medrado pelo apoio e parceria. A todos os Professores que participaram da minha formação desde a graduação, em especial à Professora Lucidéia Guimarães Coutinho, que me apresentou a História das Ciências de maneira divertida e contagiante, que fez com que eu me apaixonasse pelo tema. Ao professor Luiz Antônio Botelho Andrade, pela parceria e amizade. A minha Orientadora, Maura Ventura Chinelli, pela força e dedicação ao projeto, acreditando e tornando possível a realização desse trabalho. Aos alunos/atores do grupo Homúnculos: Admilson, Adriana, Barbara, Bruna, Everton, Fabiano, Gabriel, Gianluca, João Marcelo, Sanara, Rafhael, Stefani e Vinicius, que foram fundamentais, dedicados e incansáveis. A minha esposa Ludmila e meus filhos Gabriel e Vinicius que sempre estiveram ao meu lado incentivando e apoiando, com paciência e muito amor.

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O principal objetivo desta dissertação foi fazer uma articulação entre ciência e arte para ressaltar a vida e a obra Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794), o contexto histórico que marcou a transição da Alquimia para a Química moderna e, mais importante, para tornar o ensino de Química mais palatável, interdisciplinar e contextualizado historicamente. Nosso enfoque na encenação de uma passagem da história da Química advém de nossa própria história pessoal e profissional, tanto como professor de Química em colégios públicos e privados, quanto como ator e diretor de peças teatrais de cunho literário e educativo. Para tanto, foi realizado uma pesquisa de natureza histórica sobre a vida e a obra de Lavosier, sobre a passagem da Alquimia para a Química moderna e um breve histórico da Divulgação Científica e das iniciativas de se usar o Teatro como ferramenta didádica. A partir desta pesquisa bibliográfica foi construído um texto para servir de subsídio para a produção de um esquete teatral sobre a mesma temática. Encenamos e apresentamos a peça em varios espaços e realizamos uma pesquisa com o intuito de avaliar nosso trabalho. Construimos um texto de Teatro que pretende ser uma articulação entre Ciência e Arte, cujo principal protagonista foi Antoine Lavosier. Em nossas avaliações pudemos constatar a importância dessa linguagem como instrumento de divulgação cientifica e de aprendizado sobre ciência: os espectadores, de modo geral, compreenderam as discussões a respeito da teoria do oxigênio e as discussões epistemológicas que envolvem a construção do conhecimento cientifico. Como conclusão temos que o teatro oferece um leque de possibilidades para a popularização científica e a educação em ciência.

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The main goal of this thesis was to make an articulation between science and arts in order to highlight the life and accomplishments of Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794), the historical background that marked the transition from Alchemy to the modern Chemistry, and more important, to make the Chemistry teaching more palatable, interdisciplinary and historically contextualized. Our focus on Chemistry comes from our own personal and professional history, as a Chemistry teacher on private and public schools, but also as an actor and theater director of educational and literary plays. In order to reach those goals, a historical research was done on Lavoisier's life and achievements, on the passage from Alchemy to modern Chemistry and a brief history of the Scientific Dissemination and of the initiatives for the usage of theater as didactic tool. We staged the play on different places and we did a survey in order to evaluate our work. We developed a play that was designed to be na articulation between Arts and Science, with Antoine Lavoisier as it’s main character. We were able to find on our researches the importance of this language as a tool for scientific dissemination and for stududents of Science: the audience, in general, understood the discussions on the theory of the oxygen and the epistemological debates that covers the construction of scientific knowledge. The conclusion we have is that the theater offers a range of possibilities for scientific popularization and for education on Science.

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Fig. 1 Representações alquímicas, f. 26

Quadro 1 Tria Prima, princípios paracelcianos constitutivos da matéria, f. 35

Quadro 2 Reações químicas observadas por Paracelso e como as descrevemos hoje, f. 35 Quadro 3 A quase descoberta do oxigênio pelo grupo de Oxford, f. 37

Quadro 4 A calcinação na teoria de Sthal e como acreditamos hoje, f. 39 Quadro 5 A metalurgia à luz do flogistíco, f. 39

Quadro 6 Experimento de Black com gás carbônico, f. 41 Quadro 7 Isolamento do gás hidrogênio por Cavendish., f. 42 Quadro 8 Tabela de densidade dos gases de Cavendish, f. 42 Quadro 9 Principais contribuições à obra de Lavioisier, f. 43/44 Quadro 10 Linha do tempo biografia x obra de Lavoisier, f. 44 Fig. 2 Filatelia e Divulgação Cientifica, f. 49

Fig. 3 Pesquisa de figurino das mulheres do século XVIII, f. 58 Fig. 4 Pesquisa de figurino dos homens do século XVIII, f. 58 Fig. 5 Pesquisa de figurino gente do povo do século XVIII, f. 59 Fig. 6 Banner de divulgação da peça, f. 63

Fig. 7 Exercício de marcação, durante ensaio, f. 64 Fig. 8 Cena 1: Alunos na escola, f. 64

Fig. 9 Cena 2: Lavoisier e Marat na Academia de Ciências, f. 64 Fig. 10 Cena 4: Lavoisier e Marie-Anne, em casa, f. 64

Fig. 11 Cena 5: Lavoisiter no Tribunal Revolucionário, f. 64 Fig. 12 Elenco agradece à plateia, após o espetáculo, f. 64 Fig. 13 Gráfico quantitativo da pesquisa, f. 65

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Fig.15 Nuvem de palavras que dá maior destaque àquelas que aparecem mais freqüentemente nas respostas à questão avaliativa “Fiquei surpreso! Com que?”, f. 68

Fig.16 Nuvem de palavras que dá maior destaque àquelas que aparecem mais freqüentemente nas respostas à questão avaliativa “Fiquei curioso! Com que?”, f. 70

Fig.17 Nuvem de palavras que dá maior destaque àquelas que aparecem mais freqüentemente nas respostas à questão avaliativa “Entrei numa aventura! Qual?”, f. 71

Fig.18 Nuvem de palavras que dá maior destaque àquelas que aparecem mais freqüentemente nas respostas à questão avaliativa “Fiquei emocionado! Com que?”, f. 72

Fig.19 Nuvem de palavras que dá maior destaque àquelas que aparecem mais frequentemente nos cartazes nas respostas à questão avaliativa dos especialistas, f. 73

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SESC Serviço Social do Comercio MEC Ministério da Educação e Cultura

DCE/UFF Diretório Central dos Estudantes da UFF.

PIBID Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência SEEDUC Secretaria Estadual de Educação

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1. INTRODUÇÃO, p. 21 1.2 OBJETIVO, p. 24

2 DA ALQUIMIA À QUÍMICA MODERNA: A CONSTRIBUIÇÃO DE LAVOSIER, p.25 2.1 ALQUIMIA, p. 25.

2.2 RESUMO BIOGRÁFICO DE LAVOISIER E O CONTEXTO HISTÓRICO DE SUA VIDA, p. 29

2.2.1 A obra científica de Lavoisier e a sua importância para o surgimento da Química moderna, p. 34

2.2.2 Lavoisier: A teoria do oxigênio como fundamento da Química moderna, p.43

3 TEATRO, EDUCAÇÃO E PERCEPÇÃO DE CIÊNCIA, p. 45 3.1 SOBRE O TEATRO, p. 46

3.2 TEATRO E EDUCAÇÃO, p. 47

3.3 ARTE E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA, p. 48

3.4. O TEATRO NA DIVULGAÇÃO CIENTIFICA, p. 51

3.5. UM NOVO PARADIGMA PARA A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, p. 53

4 METODOLOGIA, p. 55

4.1 O TEXTO, A MONTAGEM E A ENCENAÇÃO, p. 55 4.2 A AVALIAÇÃO DA PROPOSTA, p. 59

5. RESULTADOS, p. 61

5.1. VIDA E OBRA DE LAVOISIER PARA A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, p. 61 5.2 AVALIAÇÃO DO TEXTO ENCENADO, p. 64

5.2.1. Análise dos dados quantitativos, p. 65 5.2.2. Análise dos dados qualitativos, p. 66

5.2.3. Análise dos resultados após debate acerca da peça, p. 72

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8 APÊNDICES, p. 80

8.1 PROPOSTA DE CENÁRIO, p. 80

8.2 CARINHAS USADAS NAS AVALIAÇÕES, p. 81 8.3 FILIPETA DE DIVULGAÇÃO, p. 82

8.3.1: Frente da filipeta de divulgação, p. 82 8.3.2: Verso da filipeta de divulgação, p. 83 8.4 PRODUTO FINAL, p. 84

8.5 FOTONOVELA p. 103

8.5.1: Frente da fotonovela, p. 103 8.5.2 Verso da fotonovela, 104

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1. INTRODUÇÃO

A arte, como um processo de produção criativa e simbólica, é geradora de múltiplos questionamentos e compartilha, com a ciência, um fundamento essencial - a criatividade. Como diz o senso comum, a “criatividade é a inteligência se divertindo”. Considerando a potencialidade da arte, tanto no campo produtivo, quanto no campo emocional e afetivo, com diálogos inusitados entre a técnica, a estética e a poética – é possível revisitar certos conteúdos científicos (discursos e práticas), considerados densos, descontextualizados e herméticos, para torná-los mais palatáveis e mais próximos da realidade dos estudantes. Revisitar conteúdos de aprendizagem, na perspectiva e objetos deste trabalho, implica que tanto os docentes quanto os discentes possam aprender e exercitar, em situações concretas todo o processo de decodificar, re-significar e contextualizar os conteúdos de aprendizagem.

(ANDRADE; MOREIRA; SERRA, 2012)

São inúmeras as iniciativas visando aproximar os campos da ciência com as diferentes formas de expressão artística na contemporaneidade. São contextos de criação que visam potencializar a cognição e a sensibilidade e podem, assim, facilitar o ensino de disciplinas ditas “mais pesadas”. Tais aproximações são empreendidas tanto por artistas, que buscam na ciência novos temas e recursos tecnológicos, como por cientistas, que encontram nas artes os elementos para imaginar hipóteses, interpretar fenômenos, socializar conhecimento e despertar o interesse nos alunos. Nesses caminhos de diálogo entre ciência e arte uma se enriquece com a outra, sem que ambas percam suas respectivas identidades (SALOMÃO, 2007).

Acreditamos que este processo possa gerar uma transformação radical no conceito de ensinar, que passa da idéia equivocada de instrução, de memorização, para a de construção. O mais fundamental deste processo, no entanto, não é produto (esquete ou peça teatral), mas a mudança que se espera na relação entre os estudantes para com o objeto, de uma passividade imobilizada e imobilizadora, para uma interatividade criativa e apropriação intelectual do objeto de estudo. Assim, nossa dissertação tenta construir uma ponte entre ciência e arte, usando a linguagem teatral com vistas a tornar o ensino de Química mais palatável, mais integrado, interdisciplinar, transformando a produção do conhecimento e o seu ensino, numa verdadeira aventura sócio-histórica e prazerosa.

A abordagem através do teatro se deve à nossa experiência como ator e diretor de peças teatrais, para uso pedagógico. A potencialidade do teatro no ambiente escolar é imensa e pode intermediar distintas formas de percepção, envolvimento, aprendizagem interdisciplinar e intervenção na realidade da escola e fora dela. Essas formas de fazer e atuar favorece o surgimento de elementos de “escape” e “linhas de fuga”. Fugir aí, porém, não é

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fugir do mundo da escola, muito pelo contrário, significa fazer algo muito mais ativo e desejante: permanecer, de corpo e pensamentos, atuar na escola, fazer escolhas de conteúdos de aprendizagens propostos pelos colegas e docentes e se responsabilizar pelas escolhas assumidas. Na verdade, o que se pretende fazer fugir, literalmente, é o cotidiano imobilizador e as formas cristalizadas do ensinar. O que esperamos, e que pode ser ressaltado como meta principal de nossa proposta, é que os docentes e os discentes da escola passem a compreender que o ensino de ciências e sua aprendizagem são uma construção e o teatro pode ajudar muito neste novo paradigma educacional.

Nesta perspectiva, o teatro pode colaborar para a formação cultural dos alunos, estimulando o seu senso crítico e propondo discussões que contribuam para sua formação como cidadãos. No ensino de ciências, é possível trabalhar conceitos e fenômenos científicos de forma lúdica e agradável ao aluno, despertando seu interesse pelos conteúdos de aprendizagem (MONTENEGRO et al., 2005). Outro aspecto é que os entraves à aprendizagem escolar, em função das especificidades da linguagem científica, podem ser minimizados pelas aproximações entre as linguagens cotidiana, literária e teatrais (SALOMÃO, 2007).

Pensando no movimento da história do teatro, seu valor como espaço de reflexão humana e de socialização de conhecimentos e valores, como demonstrado desde os gregos, torna-se relevante usar esta expressão artística como recurso pedagógico (SALOMÃO, 1998). Portanto, nesse sentido, ponderações sobre a experiência com a arte na escola devem nortear nossas iniciativas de trabalho com o teatro no ensino de Ciências, capaz de produzir boas mediações para a aprendizagem dos conteúdos científicos e para a produção de conhecimentos e valores, sobretudo, capaz de gerar junto aos alunos e professores oportunidades de envolver-se na construção coletiva do conhecimento, expressando sua subjetividade, mobilizando saberes e desejos para a inventividade e a construção do novo.

Este momento da história das Ciências que retratamos, de efervecência política e social, que para Lavoisier teve um fim trágico, contém todos os elementos considerados essenciais ao texto dramatúrgico: antagonista e protagonista, obstáculos, conflito e objetivos.

Nosso enfoque na encenação de uma passagem da história da Química advém de nossa própria história pessoal e profissional, tanto como professor de Química em colégios públicos e privados, quanto como ator e diretor de peças teatrais de cunho literário e educativo. Para além disso, fomos desafiados pela constatação, apontada por muitos educadores, de que o ensino de Química se ressente, na maioria das vezes, de duas grandes

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ausências: a contextualização histórica e do lúdico. Isto afasta os alunos que passam a considerar a Química “uma matéria chata”.

Considerando que todo professor é um ator e que a sala de aula pode se transformada em um pequeno cenário, decidimos explorar esta forma de expressão artística – o teatro - para contextualizar historicamente a vida do “pai” da Química Moderna - Lavoisier – ressaltando alguns aspectos de sua vida pessoal, as demandas sociais de sua época, mas, fundamentalmente, sua importante contribuição para a mudança paradigmática da Alquimia para a Química Moderna. Essa passagem, contextualizada historicamente na vida do “pai” da Química Moderna, além de conter elementos trágicos que Aristóteles descreve em sua “Arte Poética”, mostra a ligação entre as transformações sócio-culturais e a ruptura de conceitos científicos. A figura do homem Lavoisier e suas ambiguidades (considerado moderno cientificamente e conservador politicamente) expõem a Ciência como construção humana -como esta se constrói e como a ciência impacta a sociedade e a sociedade impacta a ciência. Os acontecimentos sociais, políticos e científicos revelados, permitirão debater com o público as suas concepções imaginárias de ciência contextualizadas ainda em outra discussão, a de uma nova transição paradigmática – da Química moderna para a concepção pós-moderna, que considera a ciência como um produto da cultura.

Estamos considerando a mudança paradigmática segundo a concepção introduzida na literatura por Thomas Kuhn (1998) em seu livro clássico intitulado “A Estrutura das Revoluções Científicas”. Segundo Kuhn, a característica essencial do conhecimento científico, e aquilo que o diferenciava de outras formas de conhecimento, é apresentar um desenvolvimento repleto de descontinuidades e de saltos revolucionários.

Assim, com esse trabalho produzimos um texto denso e sintético sobre Lavoisier e sua obra, ressaltando a descontinuidade que este cientista provocou na Química enquanto ciência teórico-experimental, transformando-o em um esquete teatral, a ser utilizado nas escolas como recurso paradidático e em exibições para o publico em geral, como peça de divulgação cientifica.

O esquete é composto de seis cenas: A primeira cena fala sobre as dificuldades de um(a) professor(a) com sua classe e sobre a ideia de usar o teatro como ferramenta pedagógica. As outras cenas narram o enlace de Lavoisier com sua esposa Anne-Marie; a animosidade e o debate científico de Lavoisier com Marat, na Academia de Ciências Francesa (através da interpretação de experimentos com que eles tentam provar suas teorias); a prisão e o julgamento do nosso herói; e, por fim, a volta à escola, com a notícia da aprovação dos alunos.

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Formamos um grupo de Teatro com 14 alunos do Ensino Fundamental, Médio e Graduação. Ensaiamos a peça no Teatro MPB4 (DCE/UFF), estreamos em outubro de 2013 e desde então estamos apresentando a peça em escolas, teatros e outros espaços não formais, realizando nossa pesquisa a fim de avaliar a importância dessa linguagem enquanto instrumento de divulgação científica e de aprendizado sobre a ciência.

1.2 OBJETIVO

Produzir uma peça sobre o momento histórico da superação da Alquimia, com o surgimento da Química moderna, encenando-a como recurso paradidático e como peça de divulgação cientifica de modo a avaliar a potencialidade do teatro como recurso educacional em ambientes formais e não formais de aprendizagem.

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2 DA ALQUIMIA À QUÍMICA MODERNA: A CONSTRIBUIÇÃO DE LAVOSIER 2.1 ALQUIMIA

Entender a natureza do flogístico e a explicação dos fenômenos que ele pretende interpretar é um dos aspectos mais difíceis da Química pré-Lavoisier, e depende mais do entendimento do leitor do que de uma exposição do autor.

(MAAR, 1999, p.476)

Essa dificuldade em entender os conceitos alquímicos é uma herança de uma ciência hermética, cercada de mistérios, que quarda em sua essência um desejo de manter segredos de forma que só aqueles que foram iniciados nessas artes podem compreender ou chegar a sua própria interpretação. Na figura 1, tirada do livro Alquimia & Misticismo, de Alexander Roob (1997, p. 27) observamos na primeira lâmina a figura de Hermes Trismegisto e o fogo criador que une todas as coisas. Empédocles (490 aC) acreditava na existência de dois sois: um claro e luminoso - sol espiritual, o ouro filosófico - e um escuro, que corresponde ao ouro material. O primeiro é um fogo criador e o segundo é o fogo comum que tudo consome, que convenientemente aplicado é necessário para a opus. Segundo Roob (1997, p.12), Empédocles ensina que toda a vida é produto do movimento trazido da tensão dessas duas forças polares de amor e disputa:

Numa alusão à obra divina da criação e ao projeto de redenção nela contido, o processo alquímico foi designado por "Grande Obra". Nesse processo, uma matéria inicial, misteriosa e caótica, chamada matéria prima, em que os opostos se encontram ainda inconciliáveis num conflito violento, deve ser transformada progressivamente num estado de libertação de harmonia perfeita, a "Pedra Filosofal" redentora ou o lapis philosophorum: «Primeiro, combinamos, em seguida decompomos, dissolvemos o decomposto, depuramos o dividido, juntamos o purificado e solidificamo-lo”. Deste modo, o homem e a mulher transformam-se num só.

(STEIN, 1778 apud ROOB, 1997, P. 111).

Na segunda lâmina observamos uma representação da dissolução e a coagulação do mercúrio e do enxofre, representados pela águia e o sapo, que por sua vez representam as forças antagônicas. Paracelso (1493-1541) vai juntar a esses princípios o sal para compor sua Tria prima. Assim o mercúrio sujeito a sublimação representa o espirito (o sol vivificador), o enxofre combustível representa o mediador da alma (o fogo consumidor) e o sal sempre sólido corresponde ao corpo. Para um leigo, é praticamente impossível compreender o significado das imagens. Essas interpretações são o resultado de anos de pesquisa e ainda hoje

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são leituras quase pessoais.

Figura 1 – Representações alquímicas (ROOB, 1997).

Interessante notar que, hoje, recorremos a imagens abstratas e usamos a imaginação quando vamos descrever as partículas subatômicas, condicionados pelo modo e o método de observação. Em nossa prática observamos um mesmo estranhamento por parte de alguns alunos com a descrição dos modelos atômicos modernos.

De acordo com Maar (1999)a Alquimia é a arte de liberar algumas partes do cosmos de sua existência temporal em direção à perfeição. No âmbito das coisas, este aperfeiçoamento se faz através da transmutação – transformação do metal não nobre em ouro. No âmbito humano, o aperfeiçoamento daquele que pratica a Alquimia, ou seja, o alquimista, é espiritual. Estes dois objetivos da Alquimia podem assim serem desdobrados em dois componentes, um prático-experimental, relacionado à matéria, e outro filosófico-religioso, relacionado à psique e à autoeducação do praticante. Do componente prático-experimental, constituído dos materiais, equipamentos e técnicas - muito foi apropriado e utilizado pela nova ciência que surgia – a Química. Quanto ao componente filosófico-religioso, este foi se desfazendo até desaparecer completamente do corpus teórico-experimental da nova Química,

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particularmente a partir do século XVIII, com o trabalho de Antoine Lavoisier, quando surge a Química moderna.

Maar (1999), no primeiro volume de sua obra intitulada “Pequena história da Química: dos primórdios a Lavoisier”, nos oferece alguns critérios de distinção, explicitados como pólos de oposição entre a Alquimia e a Química. Assim, enquanto a Alquimia valorizava e/ou aceitava as interpretações subjetivas e as revelações como forma de aquisição de um conhecimento amplo, permanente, hermético, unificado e unificador entre o objeto observado e o observador, a Ciência, ao contrário, valorizaria mais a interpretação objetiva, indutiva ou dedutiva, conceitual, aberta, diferenciadora e classificatória.

Assim, por exemplo, uma das máximas alquímicas pode ser assim expressa: “a natureza alegra-se com a natureza, a natureza vence a natureza e a natureza domina a natureza”. Ou seja, a natureza do alquimista se alegra com o estudo do objeto e do conhecimento deste que lhe é revelado. À medida que este conhecimento é integrado, o alquimista vence a natureza. O domínio da natureza ocorre com o duplo aperfeiçoamento -material e espiritual. Como este duplo aperfeiçoamento é permanente, o ciclo do “alegrar, vencer e dominar” é sempre reiniciado (MAAR, 1999).

Podemos assim compreender a frase de Gaston Bachelard (1989), quando ele diz que “o cientista continua enquanto o alquimista sempre recomeça”.

Como nos ensina Maar (1999), a transmutação e o elixir da longevidade, ideais da Alquimia, não podem ser encarados como um produto de mentes doentias repletas de misticismo, posto que estes ideais tinham uma base teórica antiga e largamente aceita: a teoria dos quatro elementos do grande filósofo grego Aristóteles. Para este filósofo, o elemento é a matéria primordial devidamente caracterizada por duas qualidades. Assim, o frio e a secura caracterizariam o elemento Terra, enquanto o frio e a umidade caracterizariam o elemento Água. Umidade e quentura caracterizariam o elemento Ar, enquanto quentura e secura o elemento Fogo, fechando-se assim o ciclo dos quatro elementos. Seguindo esta lógica, ao substituir uma qualidade por outra oposta, o elemento poderia ser convertido em outro – Água em Ar, por exemplo. Como todos os materiais são constituídos por esses quatro elementos primordiais, em proporções variáveis, e como é possível transformar um elemento em outro, substituindo uma qualidade pela sua oposta, é possível transformar uma substância em outra, ou seja, transmutar. Este era o fundamento da transmutação, tentado pelos alquimistas, por vários séculos. É importante ressaltar que a teoria dos quatro elementos de Aristóteles dominou o pensamento humano por quase 2000 anos, sendo aceita por quase todos e não somente pelos alquimistas. Assim, somente a título de exemplo, na medicina de Galeno a

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saúde e a doença eram explicadas pelo equilíbrio entre os quatro humores (sangue, fleuma, bile amarela e bile negra) compostos, por sua vez, pelos quatro elementos aristotélicos (Terra, Água, Ar e Fogo).

Quanto à pedra filosofal, o elixir da longevidade e da sabedoria, diziam os alquimistas:

Para fazer o elixir é necessário tomar o mercúrio dos filósofos e calciná-lo até transformá-lo no leão verde; e depois de ter sofrido esta transformação, deveis calciná-lo mais, até que ele se converta no leão vermelho. Digeri este leão vermelho em banho de areia com o espírito azedo de uvas, evaporai o produto e o mercúrio se converterá numa espécie de material elástico, que pode ser cortado com uma faca: colocai esta “goma” numa cucúrbita fechada e efetuai lentamente a destilação. Coletai separadamente os líquidos que se separam, e que parecem de naturezas diversas. Obtereis um fleuma insípido, então o espírito e algumas gotas vermelhas.

(CANSELIET, 1956)

Eugenie Canseliet traduziu e comentou o livro intitulado “Les Douze Chefs de La Philosofhie”, de Basilio Valentim, um alquimista do século XV. Outros cientistas também já estudaram esse livro e tentaram desvendar seus ensinamentos. Este trecho foi interpretado por Jean Baptiste Dumas (1800-1884) da seguinte maneira: o chumbo (Pb, mercúrio dos filósofos), quando calcinado converte-se em monóxido de chumbo (PbO) – o leão verde. Continuando a calcinação, ele se converte em tetróxido de chumbo (Pb3O4), que é o leão vermelho. Adicionando espírito azedo da uva (vinagre, ácido acético), o óxido de chumbo se dissolve, e quando o líquido é evaporado resta uma massa resinosa de acetato de chumbo (Pb(CH3COO)2). A destilação do acetato de chumbo fornece vários produtos, principalmente água, mas contendo ainda resíduos de ácido acético e acetona, acompanhada por um óleo vermelho ou marrom.

Em notação moderna teríamos:

A destilação a seco do acetato veio a ser o primeiro método industrial de obtenção da acetona a partir da reação supracitada.

No entanto, mesmo que tenha sido possível interpretar a receita alquímica de uma maneira racional e até reinterpretá-la com os conhecimentos, fórmulas e notações da Química

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moderna, a maioria das receitas alquímicas resistem a qualquer abordagem racional. Assim, por exemplo, foi impossível interpretar racionalmente a seguinte receita de Bacon (1561-1626), em que fala-se de inúmeros processos sem nenhuma indicação de reagentes ou de produtos. Nada que se possa relacionar à descrição textual com reações químicas efetivas, como o método anteriormente descrito para a obtenção da acetona:

Primeiro há pulverização, depois solidificação, depois solução com ascensão e depressão e um fundir-se e misturar-se. E após há sublimação com fricção e mortificação. Segue, então, a corrupção do óleo, isto é, ele é separado do espírito de modo que mais tarde o poder vigoroso pode ser aumentado. Depois disto consideramos o preparo da cal, a destilação do óleo e a evaporação da água, de modo que podemos finalmente obter a solução do primeiro, no sétimo [...].

(BACON, 1625, apud MAAR, 1999 P. 147).

Antes de descrevermos a vida e a obra de Antoine Lavoisier, mostrando a sua importância na passagem da Alquimia para a Química moderna, é necessário ressaltar que esta passagem foi lenta e, por muito tempo, coexistiram estas duas maneiras de manipular, experimentar e interpretar as reações químicas. Assim, por exemplo, no momento em que Lavoisier já ultimava na elaboração de seu “Tratado Elementar de Química”, um alquimista como o frade beneditino Antoine Joseph Pernety (1716-1801) ainda definia a Alquimia como a “ciência e arte de obter um pó fermentativo capaz de transmutar metais imperfeitos em ouro e que serve também de remédio universal para as doenças dos homens, dos animais e das plantas” (MAAR, 1999).

2.2 RESUMO BIOGRÁFICO SOBRE LAVOISIER E O CONTEXTO HISTÓRICO DE SUA VIDA

Antoine Laurent Lavoisier nasceu em 26 de agosto de 1743, em Paris. Filho de um rico advogado - Jean Antoine Lavoisier - ficou órfão por parte de mãe ainda na sua juventude. Teve uma excelente educação e mostrou, desde cedo, um grande interesse pelas ciências. Isto talvez explique o fato de que, mesmo cursando a Faculdade de Direito, freqüentou várias disciplinas científicas - Matemática, Astronomia, Química, Física, Botânica e Geologia (BELL, 2007).

De acordo com Bell (2007), o estudante Lavoisier percebia a distância que havia entre teoria e prática (demonstração). Assim, por exemplo, do mesmo modo que as demonstrações do professor Rouelle, que ministrava cursos de Química no Jardin du Roi, em Paris, quase sempre demoliam as teorias de Boudelaine (um teórico), entre a teoria e a prática Lavoisier priorizava a última e chegou a dizer mais tarde:

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“Tentei chegar à verdade ligando fatos, seguindo o mais possível o rumo da observação e do experimento, suprimindo o mais possível o uso de deduções, o qual não costuma ser um instrumento digno de confiança”.

(Lavoisier, citado em Portal São Francisco, 2012).

Antes de apresentar o seu trabalho clássico “Traité Élémentaire de Chimie”, divisor de águas entre a Alquimia e a Química moderna, Lavoisier atuou em vários campos da pesquisa aplicada. Assim, aos 22 anos, ganhou uma medalha de ouro da Academia de Ciências Francesa com um projeto para a iluminação pública das ruas de Paris. Outra medalha lhe foi outorgada pelos seus trabalhos na confecção de um atlas geográfico da França. Novas honrarias advieram de seus estudos e experiências com o gesso.

Haja vista que o ápice do reconhecimento público no mundo científico da época passava por se fazer parte da Academia de Ciências, Lavoisier orientou o seu desejo e esforços nesta direção. Assim, tentou este pleito por duas vezes, sendo eleito para a referida Academia em 1768, com apenas 25 anos (BELL, 2007).

No âmbito da Academia de Ciências, como membro de pleno direito, Lavoisier participou em diversas comissões como avaliador científico. Atuou no caso do mesmerismo, doutrina criada e defendida por Franz Anton Mesmer (1734-1815), e no âmbito interno da própria Academia, foi contrário à entrada de Jean-Paul Marat (1743-1793) para se tornar membro efetivo da mesma.

A primeira questão, o “Mesmerismo”, foi, segundo Bell (2007), muito relevante no contexto social da época, se referia a um método terapêutico para várias doenças, envolvendo um grande número de profissionais de medicina e a população em geral, assolada pelo medo e imersa em crendices e falsas promessas de cura.

De fato, o Mesmerismo, com grande repercussão na Europa em meados do século XVIII, propunha a existência de um fluido unificador do universo, que se manifestaria em todos os corpos, de maneira distinta. Explicavam-se assim fenômenos e forças que podiam ser observadas indiretamente ou inferidas - gravidade, magnetismo e eletricidade – e até mesmo aquelas que, não podendo ser mensuradas, mesmo que indiretamente, e sem nenhuma base empírica séria, eram relacionadas aos processos vitais, como o “magnetismo animal”. Segundo Mesmer, as eram causadas por bloqueios do fluxo magnético animal e, portanto, a cura dependeria do restabelecimento desse fluxo a ser realizado, obviamente, por um “especialista” iniciado no “magnetismo mesmérico”. O número de seguidores do mesmerismo aumentou tanto que incomodou o próprio Rei da França, Luís XVI, que requereu o estudo deste fenômeno por uma comissão independente (MAAR, 1999).

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Diz Maar (1999) que a Academia Francesa de Ciências aceitou a demanda real e formou uma comissão composta por Jean d’Arcet, Joseph-Ignace Guillotin (inventor da guilhotina), Jean Borie, Jean Sylvain Bailly, Le Roy, Benjamin Franklin (embaixador americano na França) e o jovem Lavoisier. A orientação experimentalista desta comissão afastou as variáveis subjetivas como “sugestão” e “auto-sugestão” para a cura. Para tanto, a comissão propôs observações dentro de uma metodologia que hoje conhecemos como efeito placebo. Ou seja, as pessoas que buscavam a cura pelo mesmerismo participavam da experiência de duas maneiras: (a) um grupo era submetido ao “poder da sugestão”, na ausência do magnetismo curador. Na outra situação, (b) as pessoas eram submetidas ao tratamento pelo magnetismo, sem serem informadas do mesmo. Os resultados e o relatório final, grande parte elaborado por Lavoisier, concluiu pela inexistência do tal fluxo magnético animal, decretando assim, de certa maneira, a morte do Mesmerismo.

A segunda questão, que se transformou em uma questão pessoal, foi a animosidade crescente entre Lavoisier, representando a Academia, e Jean Paul Marat. A querela começou com um problema científico – relação entre luz, fogo e calor – continuou com uma perseguição política e terminou com a prisão e morte de Lavoisier. Haja vista o nosso interesse em realizar um esquete teatral ressaltando a vida e a obra de Lavoisier, vamos resumir um pouco a dramaticidade deste fato histórico nos próximos parágrafos.

Marat nasceu na Suíça, iniciou os seus estudos de medicina na França mas se formou na Inglaterra, em 1775. De volta à França, trabalhou como médico na corte do Rei Luis XVI mas abandonou a medicina para se dedicar a outros afazeres, como a ciência e a política. No âmbito da ciência, escreveu sobre luz e calor. Dois fatos levaram Marat a se indispor contra a aristocracia que dominava a França, a saber: (1) o seu “Plano de Legislação Criminal”, proposto em 1780, considerado subversivo pelo governo e (2) impedimento de entrar na Academia de Ciências, por ter o seu currículo julgado como medíocre por uma comissão avaliadora que tinha como membro principal o próprio Lavoisier (MAAR,1999).

De acordo com Maar (1999), na questão supracitada Marat desenvolveu uma série de experimentos ópticos com os quais queria tornar visível a “matéria do fogo”, criando até uma teoria para explicar esse fenômeno. Para ele, o fogo seria a ativação de partículas do “fluído ígneo”, contido nos corpos. A Academia reprovou sua teoria, mas mesmo assim ele publicou um artigo no “Journal de Paris” como se tivesse o respaldo da mesma. Lavoisier descobriu sua mentira induzindo a Academia a mover um repúdio público contra Marat. Passados alguns anos, no auge da Revolução Francesa, em 1789, Marat fundou um jornal intitulado “O Amigo do Povo” onde pretensamente defendia as causas populares. Por seu engajamento

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político, foi eleito dirigente da Comuna de Paris. Com este poder que lhe foi outorgado, Marat iniciou uma perseguição ferrenha contra Lavoisier que, naquele momento político, representava a Academia e a aristocracia. No jornal “Amigo do Povo” ele chamava Lavoisier de “charlatão contemporâneo”, expressando sua ira, fruto da frustração pessoal de não ter sido membro da Academia. Para, além disso, aproveitando da posição exercida por Lavoisier em cargos administrativos, ele acusou o mesmo de se apropriar de recursos do povo, cobrar impostos abusivos, impedir a ventilação de Paris pela construção de um muro com torres alfandegárias. Todas estas acusações, advindas de sua mente vingativa, espalharam-se com o vento do clima pós-revolucionário, culminando com a prisão de Lavoisier e, posteriormente, com a sua morte na guilhotina, inventada por um dos membros da própria Academia - Joseph-Ignace Guillotin (MAAR, 1999).

Este trecho retirado dos escritos de Marat ilustra a sua grande animosidade em relação a Lavoisier.

Se você perguntar o que fez para ser tão exaltado, responderei que obteve para si uma renda de 100 mil libras, que contribuiu com o projeto para tornar Paris uma vasta prisão e que ele mudou o termo ácido para oxigênio, o termo flogistico para nitrogênio, o termo marinho para muriático e o termo nitroso para nítrico. Contemplai sua pretensão à imortalidade!

(MARAT 1791, citado por BELL, 2007, p.33).

Marie-Anne Lavoisier confirma o dito popular de que “por trás de um grande homem existe sempre uma grande mulher”. Há de se ressaltar que muitos historiadores da ciência destacam a importância de Marie-Anne na obra científica de Lavoisier, até mesmo após a sua morte (NEVES, 2008).

Lavoisier se casou com Marie–Anne Pierrette Paulze (1758-1836), filha do aristocrata Jaques Paulze, quando tinha 29 anos. Marie-Anne se interessava por ciências, tendo estudado Química e pintura. Estudou com o famoso pintor Jacques Louis David, com quem também iniciou sua aprendizagem de inglês e latim. Estas qualidades foram muito importantes para Lavoisier, posto que além de esposa, Marie-Anne foi uma espécie de auxiliar de laboratório, secretária, tradutora, desenhista, relações públicas, correspondente, etc. Ela fazia as anotações e as ilustrações dos trabalhos, traduzia os livros científicos escritos em latim e inglês para o francês e mantinha as correspondências em dia. No seu papel de relações públicas, Marie-Anne preparava as recepções e jantares em sua casa, frequentada por uma nata de intelectuais e cientistas da estirpe de Benjamin Franklin, James Watt e outros membros da Academia (BELL, 2007).

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Depois da morte de Lavoisier, em 1794, Marie-Anne publicou um livro intitulado “Memoires de Chimie” (1803), outorgando a autoria a Lavoisier. A história nos revela que ela casou-se novamente, separou-se e, apaixonada pela ciência, manteve uma vida científica relativamente ativa durante o resto de sua vida.

De acordo com Bell (2007), em 1768 Lavoisier, investiu o dinheiro da herança de sua mãe na “Ferme Général”, instituição responsável pela cobrança de impostos. A “Ferme Général” era muito mal vista pelo povo, haja vista que tanto o clero quanto os nobres eram isentos destes mesmos impostos. O descontentamento era crescente e os atos de insubordinação eram comuns. Reforçado pelos ideais do iluminismo, o povo começou um levante popular sem precedentes, que culminou com a “Tomada da Bastilha” durante a Revolução Francesa, em 1789. No inicio, Lavoisier não se sentia intimidado pela Revolução, posto que ele era um cientista renomado, com vários projetos que beneficiavam a sociedade francesa, em geral – iluminação pública, reforma do sistema prisional, o novo sistema de pesos e medidas, o atlas da França, etc. No entanto, pesava sobre ele a sua participação na “Ferme Général”, sua ligação inconteste com a nobreza e, principalmente, as acusações de Jean Paul Marat através do jornal “Amigo do Povo”.

No período histórico conhecido como “terror”, as pessoas eram assassinadas em plena rua e aqueles que eram considerados inimigos do povo eram perseguidos, presos, julgados e, se condenados, morriam na guilhotina. Em 17 de setembro de 1793 foi instituída a Lei dos Suspeitos, que permitia a criação de tribunais revolucionários para julgar possíveis traidores e punir os culpados com a pena de morte. Lavoisier foi preso em 24 de novembro de 1793, juntamente com todos os membros da “Ferme Général”, incluindo o pai de Marie-Anne, Jaques Paulze. Seu inimigo pessoal, Marat, líder revolucionário, fechou a Academia de Ciências e se valeu de sua posição para fazer várias acusações a Lavoisier, concluindo assim seu plano de vingança. Marie-Anne acionou vários amigos de Lavoisier e cientistas de toda a Europa.

Bell (2007) afirma que nenhuma petição surtiu o efeito desejado e a história registra uma frase considerada apócrifa que se tornou famosa: “A França não precisa de cientistas”.

Lavoisier foi acusado de peculato e traição e foi então guilhotinado na “Place de la Révolution”, no dia 8 de maio de 1794, com apenas 51 anos de idade. A frase que o célebre matemático francês Lagrange disse quando soube de sua morte resume a grande perda: “Só um minuto para cortarem aquela cabeça, e talvez cem anos não nos deem outra igual.”

Vários estudos foram realizados para compreender a mudança paradigmática representada por Antoine Lavoisier na transição da Alquimia à Química moderna, e mesmo

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da Química incipiente que surgia. Dos conhecimentos alquimicos às descobertas de Joseph Priestley (1733–1804) sobre os gases, o conhecimento foi construido de forma crescente e contínua até a quebra realizada por Lavoisier com a teoria do oxigênio. Vários fatores pessoais e científicos contribuíram para isso. De forma resumida descreveremos os pontos que entendemos importantes ressaltar.

2.2.1 – A obra científica de Lavoisier e a sua importância para o surgimento da Química moderna

Como visto anteriormente, o sistema aristotélico influenciou a investigação da natureza em várias áreas do saber, incluindo a proto-Química, a Alquimia e até mesmo os primórdios da Química moderna. Assim, no sentido aristotélico, o ar era compreendido como um elemento: irredutível, mas passível de transmutar. Os proto-químicos do século XVII já aceitavam, no entanto, que a água, o fogo e o ar eram agentes da mudança física e não componentes. O alquimista Zózimo (século III dC), seguidor de Aristóteles, observou que após o aquecimento prolongado da água uma parte exalava, se misturando com o ar, e uma pequena parte, visível a olho nu, se mostrava como uma terra branca. Na sua visão, isto demonstrava que uma parte da água tinha se convertido em ar e a outra em terra. Isto reforçava a idéia mais geral da combustão posto que tudo que se queimava produzia cinza (terra) e ar. Para, além disso, reforçava também a idéia da transmutação de um metal menos nobre em ouro (MAAR 2007).

Paracelso (1493-1541), considerado como pai da Farmacologia, não fez nenhuma descoberta importante. No entanto, ele é considerado pelos historiadores da ciência como alguém que já prenunciou a mudança na abordagem investigativa, mais quantitativa e “moderna” diante do conhecimento. Ele foi um dos primeiros a fazer uso da balança em seus experimentos. Assim, conforme afirma Maar (1999), apesar de sua formação de alquimista ele abriu caminho para o estudo empírico dos fenômenos químicos. Ainda que ele acreditasse na transmutação da matéria, não dava tanta importância para a obtenção obstinada do ouro, mas para um fim ainda mais nobre - o preparo de medicamentos. Paracelso também acreditava na teoria dos quatro elementos de Aristóteles, mas, diferentemente do filósofo, ele defendia que os elementos se apresentavam como “três princípios”: sal, mercúrio e enxofre. Esta tria prima não pode ser confundida com as substâncias que hoje conhecemos por esses nomes mas como “princípios”, explicitados no Quadro 1.

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Quadro 1- Princípios paracelsianos constitutivos da matéria

Tria Prima Princípios paracelsianos

Sal Do fixo e da incombustilidade

Mercúrio Da fuseabilidade e da volatilidade

Enxofre Da combustilidade

(Modificado de MAAR, 1999)

Em sua teoria, Paracelso afirmava que os três princípios supracitados formavam os sete metais conhecidos até aquela época: ouro, prata, cobre, chumbo, mercúrio, ferro e estanho. Assim, como existem diversos tipos de frutas, com sabores e tamanhos diferenciados, existiriam diversos tipos de mercúrio, enxofre e sal que, em associação, explicariam as propriedades das diferentes substâncias. Em seus trabalhos, Paracelso gostava de citar Hermes, o famoso alquimista árabe que chamava estas três substâncias de “espírito” (enxofre), “alma” (mercúrio) e “corpo” (sal) (MAAR, 1999).

No Quadro 2 estão algumas observações químicas realizadas por Paracelso, de acordo com a sua teoria:

Quadro 2 – Reações químicas observadas por Paracelso Observou que quando o ferro era

atacado pelo vitríolo (ácido sulfúrico) liberava um ar semelhante ao vento (gás hidrogênio).

Fe(s) + H2SO4(aq) → FeSO4(aq) + H2(g) Metal + principio sulfuroso = metal morto + principio sal

Na calcinação dos metais acreditava que o principio do enxofre era substituído pelo principio sal e que o metal morria deixando cinzas.

Metal → cinza Metal + principio enxofre = metal morto + principio sal

(MAAR, 1999)

Continuando nossa argumentação sobre os trabalhos que influenciaram a grande obra de Lavoisier com o eixo central na combustão, chegamos agora às contribuições do médico e naturalista belga Van Helmont (1579-1644) considerado o verdadeiro “pai da Química pneumática”.

De acordo com. Maar (1999), há de se ressaltar, neste contexto histórico, que antes dele os gases provenientes da combustão eram chamados de espíritos e simplesmente desprezados, como uma entidade transcendente e imensurável. Van Helmont, em 1620, discípulo de Paracelso era também um excelente empirista, quantificando os seus reagentes e produtos. Foi ele que, estudando a combustão, diferenciou os gases produzidos nessa reação do então conhecido “corpo do ar”, ou ar atmosférico. Assim, na queima do carvão ele quantificou e constatou que 62 libras de carvão queimado resultavam cerca de 1 libra de

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cinzas. O restante da matéria (61 libras) não poderia ter desaparecido completamente, como um “espírito invisível”, como se pensava (vide equação abaixo).

Van Helmont acreditava que a matéria transformada era um gás, diferente do corpo do ar, denominado por ele de gás silvestre (CO2). Foi a primeira substância gasosa estudada pelos químicos e, assim, Van Helmont entrou para a história como o “pai da pneumática”. Apesar deste pioneirismo, a visão geral de Van Helmont sobre a produção do gás silvestre, seguida da combustão, estava eivada de equívocos, mas esses não tiraram o mérito desse grande médico e naturalista (MAAR, 1999).

No século XVII Boyle (1627-1691), em Oxford – conhecida como a “escola invisível”, posto que fosse desprovida de carteiras e de aulas regulares - teve contato com os estudos de Evangelista Torricelli (o inventor do barômetro), que demonstrara que o ar tinha peso. Ao saber da bomba pneumática de Otto Von Guericke, na Alemanha, demonstrando que o vácuo era capaz de suplantar a força de duas parelhas de cavalos, ele decidiu construir a sua própria bomba de vácuo e a partir daí se enveredou pelos estudos da pneumática.

A partir destes estudos, formulou-se a Lei de Boyle, conhecida também como Lei de Boyle-Mariotte, em referência ao trabalho realizado independentemente por Mariotte, na França. O resultado desse experimento demonstra que mantida a temperatura constante e aumentando a pressão, o volume do gás diminui. A publicação do livro “A Química Científica de Boyle” deu nome a essa ciência que surgia. A partir de então, o estudo das transformações da matéria deixou de se chamar Alquimia e passou a se chamar Química. Ainda no contexto de Oxford, um grupo de cientistas Ingleses, conhecidos como os “químicos de Oxford”, orientados ou seguidores de Boyle, mantinham uma estreita colaboração entre si tendo o ar e a combustão como objeto e foco de investigação. As proposições e a base teórica que sustentavam os experimentos foram contínuas, escalonadas no tempo, e culminaram com a “quase-descoberta” do oxigênio. O Quadro 3 sintetiza as contribuições desse grupo.

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Cientista Teoria Explicação da combustão

Robert Hooke 1665

Toda matéria se expande ao ser aquecida.

O ar é composto por partículas separadas por grandes distâncias.

O ar é o menstruum ou solvente universal que dissolve todos os corpos “sulfurados”, a combustão é devida a uma substância presente no ar, semelhante à que existe no salitre. Não existe elemento fogo. Thomas

Willis 1671

O ar tem duplo papel: fornece o material “nitroso” e tem o papel mecânico de remover a fumaça para não “sufocar” a chama.

Não é mais uma dissolução, mas uma reação: entre o “alimento nitroso” e o “princípio enxofre” presente nos corpos.

John Mayow 1674

O ar seria dividido em duas partes: uma ativa – vital, comburente, importante para a respiração – e a outra inativa, incapaz de alimentar uma chama.

Existe uma substância “nitrada” no ar responsável pela combinação dos materiais “sulfurados”.

Uma reação do “espírito nitrado (25% do ar) com as partículas sulfuradas”.

(Modificado de MAAR, 1999)

Ainda no século XVIII, Stephem Hales (1677- 1761) fez o elo entre os estudos de Van Helmont e os estudos avançados de Black e Priestley, sobre a combustão. Ele inventou uma cuba pneumática que possibilitava a coleta de gases. Este equipamento foi usado posteriormente por outros cientistas para o estudo e a quantificação dos gases. No entanto, Hales ainda considerava o ar como elemento e, portanto, não produziu a ruptura conceitual que surgiria, futuramente, com o trabalho de Lavoisier. Hales, mais botânico do que químico, verificou que as plantas, de alguma maneira, retiravam alimento do ar e constatou a importância da luz nesse processo – a fotossíntese (MAAR, 1999). Dando continuidade ao trabalho investigativo, Hales tentou medir a quantidade de “ar” que podia extrair por aquecimento de diversas substâncias, tais como:

• carvão - gás de carvão; • salitre - (O2(g));

• ferro + ácido nítrico ou sulfúrico - (H2(g));

Há de se ressaltar, no entanto, que para Hales todos esses gases obtidos eram a mesma entidade, ou seja, o “gás silvestre” de Helmont. Os seus estudos quantitativos fracassaram porque ele desprezou os aspectos qualitativos, não percebendo assim a diferença entre os gases.

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O experimento de Hales consistia de um tubo cheio de água, virado de cabeça para baixo, dentro de uma bacia também cheia de água. A pressão atmosférica fazia com que a água não escoasse pelo tubo. Ao aquecer a substância, os gases eram liberados e canalizados por um tubo que desembocava no tubo cheio de água, dentro da bacia. Os gases então subiam pelo tubo e se acumulavam na parte superior, expulsando a água. Este experimento foi aperfeiçoado mais tarde, usando-se mercúrio no lugar da água e, assim, os gases que podiam ser dissolvidos na água, mas não no mercúrio, eram facilmente recolhidos e isolados (BELL, 2007; MAAR, 1999).

Em 1664, Becher (1635-1682) escreveu o “Oedipus Chimius” e, em 1669, o “Physica Subterrânea” sobre os elementos, princípios e processos químicos. Nestas obras consideradas clássicas, Becher, diferentemente de Aristóteles e de seus seguidores, defendeu que os verdadeiros elementos eram a terra e a água. Para ele, o ar é tanto um elemento construtivo quanto um instrumento de mistura. O fogo não era um elemento. Assim, ele rompeu com Aristóteles abrindo caminho para novas descobertas. Em analogia a Paracelso, ele acreditava que existiam três tipos de terras: vitrescible, pinguis e fluida. A terra pinguis, relacionada à combustão, eixo de nossa argumentação, desaparecia sempre nas combustões. Na esteira desta idéia, George Sthal (1660-1734), seguidor de Becher, aperfeiçoou esta teoria identificando a terra pinguis como uma terra gordurosa, oleosa e combustível, igual ao princípio sulfuroso de Paracelso. Ela seria responsável pelo poder de combustão das substâncias. Este princípio, que dá o poder de combustibilidade às substâncias, foi denominado por Sthal de “flogístico” ou “o princípio do fogo”. O termo flogístico vem do grego phlogiston, que significava inflamar-se. Há de se ressaltar que não se trata do fogo em ato, mas em potência. Ou seja, toda substância que pode entrar em combustão contém o flogístico. Quando uma substância pega fogo ela perde o flogístico (BELL, 2007).

Embora a Teoria do Flogistico de Sthal explicasse a maioria das observações empíricas de combustão, em algumas reações, quando os reagentes eram quantificados, surgia uma importante contradição referente ao ganho ou a perda de massa. Ou seja, a combustão de compostos orgânicos gerava resíduos que possuíam massa menor que a da substância queimada. Para explicar este fato, o argumento era a perda do flogístico. No entanto, ao se calcinar um metal, observa-se que os resíduos ganhavam massa durante a reação. Para explicar este resultado contraditório à teoria, argumentava-se agora que o flogistico não era ponderável e que possuía um princípio de leveza que, ao escapar para o etéreo, deixava o corpo mais pesado.

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dos metais puros. Ou seja, ao adicionar carvão (rico em flogístico) ao óxido do metal, obtém-se o metal puro. De acordo com a teoria, o óxido, quando aquecido, absorveria o flogístico e se transformaria no metal puro novamente, rico em flogístico (vide reações de calcinação e aplicação metalúrgica, exemplificadas nos Quadros 4 e 5, abaixo).

Quadro 4- Calcinação, na teoria de Sthal. Sthal

(Teoria do flogístico)

calor

Metal → Calx + Flogístico Hoje

(Química moderna)

Metal + oxigênio → óxido do metal 2 Mg(s) + O2(g) → 2 MgO(s)

(MAAR, 1999)

Quadro 5- Metalurgia à luz do flogístico Sthal

(Teoria do flogístico) Calx (óxido) + Carvão ( flogístico) → Metal Hoje

(Química moderna)

Óxido do metal + Carbono → Metal + Gás Carbônico 2 Fe2O3(s) + 3C(s) → 4 Fe(s) + 3 CO2(g)

(MAAR 1999)

Assim, segundo a teoria do flogistico que dominou o pensamento químico por quase todo o século XVIII, “calcinar seria como matar o metal que, assim mortificado, seria mais pesado”. (STAHL, citado por, MAAR 1999)

Para se compreender melhor a mudança paradigmática levada a cabo por Lavoisier, é importante ressaltar a inversão entre as reações de adição e de decomposição. Na combustão e calcinação ocorre uma reação com o oxigênio. Na Teoria do Flogístico, de Stahl, esta reação seria simplesmente uma perda ou ganho de flogístico. Stahl achava que na calcinação o metal perdia o flogístico, reação que poderia ser classificada como decomposição, mas, como sabemos hoje, é uma adição (oxigênio + metal). Na redução, o óxido do metal (que eles chamavam de cal) ganha flogístico, o que seria uma adição. No entanto, esta reação é compreendida hoje como uma decomposição e pode ser assim explicitada: óxido de mercúrio (metal + oxigênio), quando aquecido, libera oxigênio e sobra o metal - uma reação clara de decomposição. Essa inversão, equivocada, dominou o pensamento por quase um século e teria que esperar por Lavoisier para que o mecanismo fosse completamente compreendido, possibilitando assim os avanços que se seguiram e que fundamentaram o surgimento da Química moderna.

Há de se ressaltar, no entanto, que apesar de todas as falhas, inversões e equívocos, a teoria do flogistico foi um avanço momentâneo que estimulou a pesquisa química, afastou as

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ideias Aristotélicas e alquímicas e proporcionou várias descobertas. Ela chegou a conquistar adeptos de peso como: Cavendish, Scheele, Priestley e outros. Como nos ensina Bachelar (2008), o conhecimento científico é dialético e, assim, foram as pesquisas desses mesmos cientistas anteriormente citados, adeptos do flogístico no primeiro momento, que acabaram por produzir dados empíricos, utilizados por Lavoisier para derrubar definitivamente essa teoria. Assim, diz Maar (1999):

Discordo da interpretação de M.. Dumas de que o flogistico se adapta a todas as concepções filosóficas de seu tempo: aos cartesianos, porque supostamente daria um “significado químico” aos efeitos do movimento e da forma e aspecto, aos atomistas, porque faria uso de partículas mínimas, aos newtonianos, porque aceitaria as inter-relações de afinidades. “Os flogistonistas coexistiram com cartesianos, atomistas e newtonianos, e criaram possivelmente a primeira teoria filosófica da Química, não da Alquimia, porque não envolve o subjetivo”.

(MAAR, 1999, p. 484, grifo nosso).

Apresentaremos agora os experimentos de alguns contemporâneos de Lavoisier que, mesmo acreditando no flogistico, produziram resultados importantes para uma nova interpretação e formulação da Teoria de Lavoisier.

Joseph Black (1728-1799) submeteu o carbonato de cálcio ao aquecimento e obteve como produtos da reação um resíduo (uma cal) e um gás. Este gás, recolhido, combinou-se novamente com a cal formando novamente o carbonato. Ficava demonstrado, assim, que os gases não têm origem só a partir dos sólidos e dos líquidos, mas podem se combinar aos mesmos, formando novas substâncias. Neste mesmo sentido, quando o óxido de cálcio é exposto ao ar, observou-se a formação de carbonato de cálcio, demonstrando que o ar era constituído também deste gás. Black identificou e caracterizou este novo gás e o chamou de “ar fixo”, contrariando a idéia geral de Van Helmomt para quem todos os gases produzidos nas reações eram o mesmo, ou seja, o gás silvestre. As explicações de Black para os resultados dos experimentos com o carbonato de cálcio estavam equivocadas, posto que sua fundamentação fosse baseada na teoria do flogístico (BELL, 2007; MAAR, 1999). Uma comparação entre as explicações de Black e a forma como o assunto é tratado hoje está no Quadro 6:

Quadro 6 - Experimento de Black com o CO2 Black

(Teoria do flogístico) Calcário + flogístico → Cal + “ar fixo” Hoje CaCO3 → CaO + CO2

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(Química moderna)

(MAAR, 1999)

Na sequência, Daniel Rutherford (1749-1819) aluno de Black, fez outras experiências com este novo gás e viu que camundongos, num sistema fechado, morriam com o passar do tempo. Ele mostrou ainda que o ar residual, depois da morte do rato, não era capaz de suportar a chama de uma vela. Demonstrou também que, o fósforo, reconhecidamente combustível, não se acendia neste sistema estudado. Hoje sabemos que este ar estava saturado de CO2. Em experimento posterior, Rutherford eliminou o gás carbônico mergulhando o gás produzido em uma solução de hidróxido de cálcio, que absorvia o CO2. O ar, agora sem o oxigênio e sem o gás carbônico, não mantinha a chama da vela e os animais morriam rapidamente na sua presença. Como acreditava no flogístico, todos estes resultados eram explicados por este princípio, ou seja, o ar (saturado de flogistico) não tinha mais capacidade de absorvê-lo. Estes autores perderam assim a grande oportunidade de caracterizar e identificar um novo elemento, o nitrogênio, chamado depois de azoto (MAAR, 1999).

Na continuidade, outros cientistas estudaram o CO2, tal como Torbem Bergman (1735–1784) que em 1774 o caracterizou definitivamente como “ácido aéreo, uma vez que quando este gás reage com a água forma o ácido carbônico. O conjunto dos experimentos acima são importantes porque tornaram possível a identificação do gás carbônico.

Outro expoente contemporâneo de Lavoisier, o inglês Henry Cavendish (1731-1810) fez pesquisas, mais físicas do que químicas, com o “ar fixo” de Black. Cavendish determinou que o gás carbônico é mais solúvel em água fria do que em água quente, e que num ar contendo 11% de CO2 a chama de uma vela se apaga. De forma complementar, Cavendish, trabalhando com metais e ácidos, isolou um gás que descobriu ser altamente inflamável - o hidrogênio - denominando-o de “ar inflamável” e até pensou que ele teria isolado o próprio flogístico (BELL, 2007). No Quadro 7 observamos a representação das experiências de Cavendish e a influência do flogístico em suas explicações, assim como a reação de deslocamento que ocorre na reação, como entendemos hoje.

Quadro 7- Isolamento do gás hidrogênio, por Cavendish. Cavendish

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Hoje

(Química Moderna)

Metal + ácido → sal + hidrogênio gasoso 2Fe + 6 HCl → 2 FeCl3 + 3 H2

(Modificado MAAR, 1999)

Nessa época, os estudos de Cavendish estavam avançados e ele fez experimentos quantitativos com os gases, chegando a determinar suas diferentes densidades em relação ao ar (vide Quadro 8, abaixo).

Quadro 8 - Densidade dos gases, segundo Cavendish

Gás Densidade

“Ar inflamável” - H2 0,09

Ar atmosférico 1,00

“Ar fixo” - CO2 1,57

(Modificado de MAAR, 1999)

Em 1774, Priestley, considerado por alguns historiadores da ciência como o verdadeiro descobridor do oxigênio, interessou-se pelos estudos dos gases. Ele melhorou a cuba coletora desenvolvida por Stephen Hales (1677-1761) usando mercúrio no lugar da água, e caracterizou o ”Ar fixo” (CO2) e o “ar inflamável “ (H2). Além disto, Priestley descobriu e caracterizou mais 10 novos gases, incluindo o oxigênio, sem, no entanto, demonstrar a importância do mesmo nas reações químicas. Ele foi capaz de produzir o gás oxigênio pelo aquecimento do salitre ou do óxido de mercúrio (vide reações a seguir).

Há de se ressaltar, no entanto, que Priestley insistia no flogistico e que sua explicação para a combustão era que a chama de uma vela em um sistema fechado se apaga porque a vela libera o flogistico para o ambiente, que fica saturado pelo mesmo. O novo ar (O2), assim isolado, era capaz de alimentar a chama da vela porque conteria menos flogístico e, para reforçar esta idéia, foi chamado de “ar desflogisticado”. Seguindo esta lógica, o ar que sobra depois da queima da vela foi chamado de “ar flogisticado” (uma mistura dos gases nitrogênio e gás carbônico). Em outra experiência, Priestley colocou plantas num sistema isolado, sem nenhum ar desflogisticado, e observou que a chama da vela se apagava. Depois de certo tempo ele observou que era possível acender a vela de novo, concluindo que as

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plantas eram capazes de fazer o inverso do processo da respiração animal, ou seja, absorvem o “ar fixo” pelas folhas e liberam o “ar desflogisticado” com ajuda da luz solar (MAAR, 1999).

2.2.2 - Lavoisier: A teoria do oxigênio como fundamento da Química moderna.

O século XVIII foi marcado por grandes descobertas em todas as áreas do conhecimento e, principalmente, pelo nascimento de uma nova forma de abordar e desvelar os segredos da natureza: a ciência moderna. Na Química, o marco histórico desta mudança paradigmática foi a substituição do pensamento alquímico, hermético, e de sua base teórica aristotélica, para o que denominamos hoje de Química Moderna - uma ciência mais racional, quantitativa, codificada e aberta ao ensino e à sua prática. Ainda que Lavoisier não tenha sido o único praticante desta nova abordagem, a sua contribuição científica, sua engenhosidade técnica, a sua articulação política, a sua posição social de destaque em uma França política e intelectualmente revolucionária e, principalmente, seu poder de síntese ao propor uma teoria generalizante, fizeram dele, de um lado, um mártir político, e de outro, o protagonista da nova ciência que surgia - a Química moderna.

Iniciaremos por ressaltar o longo caminho das novas descobertas que auxiliaram Lavoisier na elaboração de sua principal obra, o “Traité Élémentaire de Chimie” publicado em 1789, que confirmava sua nova teoria e lançou um novo sistema de nomenclatura química (vide o Quadro 9).

Quadro 9 – principais contribuições à obra de Lavoisier

Personagem Evolução

Joseph Black Isolou o COreagem com sólidos e líquidos e que o CO2, que chamou de “ar fixo”; notou que os gases também2 faz parte do ar atmosférico.

Daniel Rutherford

Fez experiências com o CO2, observou que animais morriam na presença desse gás, conseguiu retirar o CO2 e o O2 do sistema, isolando assim o nitrogênio, mas sem se dar conta de que era um novo gás.

Henry Cavendish Isolou o hidrogênio, que chamava de “ar inflamável”; notou que na combustão do hidrogênio apareciam gotículas de água.

Joseph Priestley Melhorou a cuba coletora de Haley, usando mercúrio no lugar de água; descobriu dez novos gases; produziu oxigênio com salitre e óxido de mercúrio; chamou o oxigênio de “ar desflogisticado” e a

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mistura de CO2 e N2 de “ar flogisticado”.

(MAAR, 1999)

Assim, de posse de todas essas pesquisas, Lavoisier explicou racionalmente a combustão. Os outros, da “velha escola”, insistiam no flogistico, mas Lavoisier teve coragem de negar a existência de qualquer tipo de espirito ou principio, acreditando que o gás que Priestley isolou era o responsável pelas reações e, tendo a balança como sua aliada, provou racionalmente suas teorias. Criou uma teoria que, de acordo com Maar (1999), trata-se de uma teoria simples, racional e objetiva. No Quadro 10 propomos uma síntese dessa construção:

Quadro 10 - Linha do tempo: biografia e obra de Lavoisier

(Fonte: o autor) “Árdua tarefa é penetrar nas qualidades reais de cada coisa”

(DEMÓCRITO, VII a.C apud ROOB, 1997, p.7)

3 TEATRO, EDUCAÇÃO E PERCEPÇÃO DE CIÊNCIA

O teatro é a poesia que sai do livro e se faz humana. (Frederico Garcia Lorca)

Referências

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