• Nenhum resultado encontrado

De caçador a caça: a influência das falsas memórias no deslinde do processo penal

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "De caçador a caça: a influência das falsas memórias no deslinde do processo penal"

Copied!
51
0
0

Texto

(1)

UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

LUANA BINKOWSKI DA ROSA

DE CAÇADOR A CAÇA: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NO DESLINDE DO PROCESSO PENAL

Ijuí (RS) 2016

(2)

LUANA BINKOWSKI DA ROSA

DE CAÇADOR A CAÇA: A INFLUÊNCIA DAS FALSAS MEMÓRIAS NO DESLINDE DO PROCESSO PENAL

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Emmanuelle Malgarim

Ijuí (RS) 2016

(3)

Dedico este trabalho a todas as pessoas

que desconhecem o assunto e,

principalmente, aquelas que de alguma maneira sofreram falsas acusações e delas resultou o sofrimento da sanção imposta pela justiça e pela sociedade.

(4)

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pois quando lhe pedi paciência, eu a exerci escrevendo este trabalho e, nos momentos de desânimo e angústia Ele deu-me força e tranquilidade.

Aos meus pais, Inocêncio e Marlene, por todos os princípios e valores repassados, por acreditarem que eu seria capaz e, também, por me incentivarem e apoiarem todos esses anos de vida acadêmica, sem vocês nada disso seria possível.

Aos meus irmãos, Diego e Jaqueline, pelo incentivo e reconhecimento de todo meu esforço.

A minha querida orientadora, Emmanuelle Malgarim pelos ensinamentos, dedicação e completa disponibilidade, me conduzindo pelo caminho do conhecimento.

E as demais pessoas que de alguma forma contribuíram para a minha caminhada acadêmica.

(5)

―Todas as palavras tomadas literalmente são falsas. A verdade mora no silêncio que existe em volta das palavras. Prestar atenção ao que não foi dito, ler as entrelinhas. A atenção flutua: toca as palavras sem ser por elas enfeitiçada. Cuidado com a sedução da clareza! Cuidado com o engano do óbvio!‖

(6)

RESUMO

Neste estudo pretende-se analisar a importância da prova no processo penal, mais tocante a prova testemunhal, por ser muitas vezes o único meio de prova a embasar a acusação e, por essa depender exclusivamente da memória para recordar o fato delituoso ocorrido. Pelo testemunho depender dessa função recognitiva da memória é que surgem as falsas memórias, que são as influências de elementos externos e internos, permitindo alterações nas lembranças do indivíduo, podendo não ser a memória tão confiável como se pensa. Ademais, sendo o principal objeto de estudo deste trabalho, será abordado a influência dessas contaminações no testemunho infantil, pois aspectos como as falsas memórias, sugestionabilidade, afetam o desenvolvimento cognitivo da criança, causando embaraço em relatar fatos constrangedores, como suspeita de abusos sexuais e, também contribuem para abalar a credibilidade do testemunho. Neste sentido, será analisado o filme ―A CAÇA‖, de Thomas Vinterberg, que mostra o quão suscetível são as crianças as influências externas do seu convívio, como também o despreparo profissional do entrevistador no momento da colheita da prova testemunhal de uma criança com suposta suspeita de abuso e, quais são as consequências disso na vida da pessoa que foi acusada injustamente. Por fim, emerge a essencialidade do estudo não somente para compreender o que são as contaminações no depoimento que depende a acusação e defesa, mas também para abordar medidas de redução dos danos decorrentes desses depoimentos, para que se diminua com o passar dos anos, acusações injustas e vidas destruídas.

Palavras-Chave: Processo Penal. Prova Testemunhal. Falsas Memórias. Testemunho Infantil.

(7)

ABSTRACT

This study intends to analyze the importance of the evidence in the criminal process, more touching the testimonial evidence, since it is often the only means of proof to base the prosecution and, because it depends exclusively on the memory to remember the criminal fact occurred. For the testimony to depend on this recognitive function of memory is that false memories arise, which are the influences of external and internal elements, allowing alterations in the memories of the individual, and may not be the memory as reliable as one thinks. In addition, being the main object of study of this work, will be approached the influence of these contaminations in the infantile testimony, because aspects like the false memories, suggestibility, affect the cognitive development of the child, causing embarrassment in reporting embarrassing facts, such as suspected sexual abuse and , Also contribute to undermining the credibility of the testimony. In this sense, the film "THE HUNT" by Thomas Vinterberg will be analyzed, showing how susceptible the children are to the external influences of their conviviality, as well as the professional unpreparedness of the interviewer at the time of the testimonial proof of a child with supposed Suspected abuse, and what are the consequences of this in the life of the person who has been unjustly accused. Finally, the essentiality of the study emerges not only to understand what the contamination is in the testimony that depends on the prosecution and defense, but also to address measures to reduce the damages resulting from these testimonies, so that over the years, Unjust and destroyed lives.

Key words: Criminal Procedure. Testimonial Test. False Memories. Children's Testimony.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 09

1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROVA NO PROCESSO PENAL ... 12

1.1 Princípios ... 13

1.1.1 Presunção da inocência ... 13

1.1.2 Contraditório e ampla defesa ... 15

1.2 Função persuasiva da prova ... 16

1.3 Mito da verdade ... 18

1.4 A prova testemunhal ... 20

2 PROVA E FALSAS MEMÓRIAS ... 23

2.1 Falsas memórias - conceito ... 21

2.2 O reflexo da falsificação das lembranças no ato do reconhecimento... 26

2.3 Fatores de contaminação da prova oral ... 30

2.3.1 Transcurso do tempo ... 31

2.3.2 O hábito e a rotina ... 32

2.3.3 A linguagem e o método do entrevistador ... 33

2.3.3.1 Viés do entrevistador ... 33

2.3.3.2 Repetição de entrevistas ... 34

2.3.4 Mídia ... 35

3 A FORMAÇÃO DAS FALSAS MEMÓRIAS NO TESTEMUNHO INFANTIL E SUA REPERCUSSÃO NO PROCESSO PENAL SOB O VIÉS DO FILME “A CAÇA” .... 37

3.1 O testemunho infantil no processo penal ... 38

3.2 Consequências do testemunho infantil devido às falsas memórias ... 42

CONCLUSÃO ... 46

(9)

INTRODUÇÃO

As falsas memórias, entendidas como recordações de situações que, na verdade, nunca ocorreram ou aconteceram de forma diversa de como lembrado pela vítima/testemunha, influenciam diretamente na prova testemunhal produzida no processo penal, podendo levar a julgamentos equivocados com a condenação de inocentes ou absolvição de culpados. Desta forma, a motivação pelo assunto abordado neste trabalho foi pela temática ser tão pouco explorada e estudada no mundo acadêmico, quase desconhecida para alguns. Por isso, a iniciativa de pesquisar o tema foi de principalmente passar essa informação acerca da existência das falsas memórias e a importância desse fenômeno na prova testemunhal e, ademais, no testemunho infantil.

O presente trabalho aborda de forma sucinta o conceito de prova, bem como esclarece alguns princípios a ela inerentes, destacando-se àqueles que são de mais valia, especialmente em relação à prova testemunhal que será a principal prova discutida e abordada no contexto geral.

Este estudo tem como foco principal o esclarecimento da essência da prova testemunhal e seus efeitos no processo penal, dando ênfase à importância da mesma durante o decurso do processo e, também, na fase pré‐processual, assim como o quanto esta prova oral poderá ser decisiva durante a arbitragem da autoridade judicial.

Uma prova testemunhal que pode ser influenciada por tantos fatores para reconstituir um fato delituoso e formar os autos de um processo, com força para

(10)

condenar ou absolver uma pessoa, no entanto, esta pode nem ser de longe a verdade pura e real de um acontecimento.

Podem acontecer muitos desvios e erros na coleta de provas testemunhais, por despreparo dos atuantes dessa coleta, os entrevistadores, tanto na fase inquisitorial do processo como na processual, fazendo perguntas induzidas e sugestivas. Também, há os desvios de percurso: testemunhas que não prestam atenção na pergunta, um juiz ou delegado que não interroga com clareza, uma testemunha traumatizada e até, muitas vezes, um processo que demorou anos para realizar o primeiro interrogatório. Como se depende da memória para evocar essas informações prestadas, todos esses erros e desvios levam o depoente a criar falsas memórias. Neste estudo, se discorrerá sobre os fatores de criação dessas falsas memórias no processo penal.

O presente trabalho demonstrará que a memória é a base de conhecimento do ser humano, é a partir dela que somos quem somos, sendo também a ferramenta essencial à produção da prova testemunhal, pois, para que a testemunha transmita determinada informação é necessário que possua previamente essa informação. Porém, deve-se levar em consideração a possibilidade de criação de falsas memórias nesse relato testemunhal.

O foco principal deste trabalho será uma das principais dúvidas que surgem no processo penal, a confiabilidade do testemunho infantil. Devido ao grande número de violências sexuais que as crianças sofrem todos os dias e, sendo ademais esses abusos ocorridos na clandestinidade, acaba que o testemunho infantil é o único meio de prova obtido da prática do crime.

Nesse contexto, mostrar-se-ão as variáveis de influências que podem sofrer o depoimento de uma criança vítima de abuso infantil no momento de coleta da prova testemunhal. Para isso, será usado como análise o filme ―A caça‖, dirigido por Thomas Vinterberg e lançado no Brasil no ano de 2013, que traz referências claras de uma má coleta de informações de uma criança (no caso específico, Klara, menina de seis anos de idade) e, que surgem a partir daí, a criação de falsas memórias no infante.

(11)

Para identificação e fundamentação do presente trabalho o método de abordagem a ser utilizado é o hipotético-dedutivo, buscando em doutrinas, jurisprudências e legislação, posicionamentos sobre os assuntos trabalhados. O método de procedimento será bibliográfico e jurisprudencial, baseando-se em grandes obras a serem exploradas ao longo do desenvolvimento do trabalho, como também, a utilização de artigos publicados na internet. Jurisprudências com posicionamento dos Tribunais de Justiça de vários estados do país acerca das falsas memórias no processo penal.

(12)

1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROVA NO PROCESSO PENAL

No processo penal, a prova é de suma importância, sendo o elemento fundamental para o deslinde da demanda. Nesse sentido, cabe a ambas as partes, tanto acusatória quanto a defesa, demonstrar a sua verdade dos fatos. Sua essência está na apresentação da prova ou o complexo dessas que visam a estabelecer a veracidade de um fato ou da prática de um ato, acerca de sua existência ou inexistência, tendo como finalidade a formação da convicção ao destinatário da prova, sendo o juiz singular ou Tribunal.

A produção da prova é um Direito Fundamental, por estar assegurado na Constituição Federal quando dá efetividade ao direito de propor ação, representado na ampla defesa, contraditório, devido processo legal e acesso à justiça, disposto em seu artigo 5º, XXXV, LIV e LV1.

A finalidade da prova é o convencimento do juiz, que ao final da instrução do processo deverá proferir uma sentença justa no ponto de vista jurídico e social. Ao se pensar numa sentença justa, é que os princípios garantidos na Constituição Federal, devem ser observados durante toda a instrução probatória. Assim, ―somente através de uma disciplina legal das hipóteses de rejeição das provas, acompanhada da exigência de decisões expressas a motivadas, e adotadas após o debate contraditório, pode estar satisfeita a garantia‖ (GOMES FILHO, 1997, p. 88).

Há muitos princípios acerca da prova, entretanto, nesse trabalho dar-se-á ênfase apenas aos mais relevantes para o processo penal como a presunção da inocência, o contraditório e ampla defesa. Através desses princípios, pelos meios de prova2 usados e admitidos3 no processo penal, se conhecerá da prova testemunhal,

1

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; ( BRASIL, 2016).

2

Os meios de prova usados estão elencados nos artigos 158 à 239 do Código de Processo Penal: perícia, interrogatório, confissão, declaração do ofendido, testemunhas, reconhecimento de pessoas e coisas, acareação, documentos e indícios.

(13)

que não mais importantes do que outras provas, principalmente para a convicção do juiz, mas, fundamental no estudo da formação das falsas memórias no processo penal e, por conseguinte, à importante análise do filme ―A caça‖.

1.1 Princípios

1.1.1 Presunção da Inocência

O princípio da presunção da inocência ou da não culpabilidade está expresso e garantido na Constituição Federal e através da Declaração dos Direitos Humanos, no Pacto de São José da Costa Rica.

A Constituição Federal apresenta o princípio em seu rol de direitos e garantias constitucionais, como descreve o art. 5º ―Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVII- ninguém será culpado até o

trânsito em julgado de sentença penal condenatória‖. (BRASIL, 1988, grifo nosso).

O Pacto de São José da Costa Rica4 estabelece em seu art. 8º, I, o Principio da Presunção de Inocência ao afirmar que: ―Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa‖.

Dispõe Ferrari (2012), que em conjunto com as demais garantias constitucionais, o princípio da inocência presumida garante ao acusado pela prática

3 Artigo 5º, LVI, Constituição Federal, dispõe: ―são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por

meios ilícitos‖. (BRASIL, 2016).

Artigo 157, caput do Código de Processo Penal: ―são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais legais‖. (BRASIL, 2016).

4

[...] Com a aprovação do Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo nº27 de 1992 e com a Carta de Adesão do Governo Brasileiro, anuiu-se com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica, que estabeleceu em seu art. 8º,I o Principio da Presunção de Inocência. Diante disto, o Brasil tem hoje dois textos legais, de valor constitucional que asseguram tal princípio. Uma vez que o art. 5º, §2º da CF/88 da essa condição de constitucional ao tratado internacional por esses meios aprovado no país, tanto o Pacto de São José da Costa Rica, como o art. 5º, LVII da CF/88 reconhecem integralmente o Princípio da Presunção de Inocência. (SOUZA,2016).

(14)

de uma infração penal um julgamento justo, conforme o espírito de um Estado Democrático de Direito e é manifestado de forma implícita no ordenamento jurídico, pois o texto constitucional não declara a inocência do acusado, contudo, demonstra o fato de ele não ser necessariamente o possuidor da culpa pela prática do fato que lhe é imputado.

Discorre sobre o princípio, Di Gesu (2010, p. 43):

Processualmente falando, o princípio da presunção da inocência possui um dúplice significado, tendo implicações diretas no âmbito da prisão e da prova. Em síntese, no que concerne à prisão, determina ser a utilização de medidas restritivas da liberdade pessoal reservada aos casos excepcionais, pois a liberdade é a regra e a prisão a exceção. Quanto à matéria probatória, a presunção de inocência é tida como regra processual, no sentido de o acusado não ser obrigado a fornecer prova de sua inocência, pois esta é presumida e, em caso de dúvida, impera a absolvição.

Além do mais, a presunção da inocência, não dá garantia direta de que o indiciado não vá para a prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, o que é motivo de muita divergência entre doutrinadores de que tal ação feriria este princípio, sendo que para tal, há também os chamados ―remédios constitucionais‖, como estabelecido no artigo 5º, LXVIII5

da Constituição Federal. O que garante, é impedir ao máximo a privação de liberdade do indivíduo até que realmente saia a sentença.

Importante salientar que em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal6 entendeu e decidiu que a pena pode ser cumprida após decisão de segunda instância, o que levou muitos advogados7 e instituições8 a criticar tal decisão como sendo uma afronta ao princípio constitucional.

5 Artigo 5º, LXVIII da Constituição Federal, dispõe: ―conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder‖. (BRASIL, 2016).

6 Ao negar o Habeas Corpus (HC) 126292 na sessão do dia 17 de fevereiro de 2016, por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência. Para o relator do caso, ministro Teori Zavascki, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016).

7

Conforme se observa em BITENCOURT (2016).

8

(15)

Contudo, tem o réu a garantia de outro princípio importante para que possa, a medida que tramita a instrução do processo, em sua defesa, contraditar as provas e alegações feitas pela acusação, como será visto.

1.1.2 Contraditório e Ampla Defesa

Elencado no artigo 5º, LV da Constituição Federal, que dispõe: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Nas palavras de Barbosa Campos (2016), o contraditório e a ampla defesa no processo penal visam resguardar os principais direitos da pessoa como a liberdade, a propriedade e a honra que ao lado da vida, são os bens mais valiosos ao ser humanos.

São elementos essenciais do contraditório a necessidade à informação e a possibilidade de reação (CAMPOS, 2016). Assim, sintetiza o princípio de maneira bem prática e simples:

O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial; c) a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a oportunidade de recorrer da decisão desfavorável. (GRECO FILHO, 1996, p. 90).

O contraditório configura-se, portanto, no direito de informação e efetiva participação no processo (DI GESU, 2010).

Discorre ainda Di Gesu (2010), que o réu encontra-se na posição hipossuficiente no processo, diante da dupla atuação do Estado, ora como parte através do Ministério Público, ora como poder atuante do órgão jurisdicional, contudo, a desigualdade é superada através da garantia do contraditório através da

(16)

igualdade de oportunidades, da igualdade de tratamento, da simétrica paridade de armas.

Por fim, o contraditório e ampla defesa proporciona uma ação igualitária de atuação entre acusação e defesa. Devido à hipossuficiência da parte ré no processo, a ampla defesa garante ao acusado, a representação de um defensor com nível de conhecimento igual ao da parte acusatória. O contraditório é entender a acusação do processo e ter o direito de rebatê-las da melhor forma possível em sua defesa, por todos os meios de prova. Não podendo o acusado ser prejudicado pelo seu direito constitucional de se manter em silêncio9 durante a instrução probatória, ao entender-se que ele não é obrigado a produzir provas contra si e nem ser considerado culpado pela omissão da fala, destarte, não pode garantir a íntima convicção do juiz.

1.2 Função Persuasiva Da Prova

No modelo persuasivo, a prova pertence à argumentação, entendendo-se que é impossível atingir a verdade histórica dos fatos. Pretende a teoria a reconstrução dos fatos o mais próximo que possível da realidade, e nega a aptidão da prova em reconstituir a própria realidade (LEITE, 2016).

Para alguns doutrinadores10 que são partidários dessa teoria da prova com função persuasiva, afirmam que a prova como meio para alcançar a verdade, não passa de um mito (LEITE, 2016).

Michele Taruffo (2002) defende que em torno da especificidade da prova jurídica surge o problema de a prova persuadir e não demonstrar, posto que teria

9

Artigo 5º, LXII, da Constituição Federal dispõe: ―o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado‖. (BRASIL, 2016).

Artigo 198 do Código de Processo Penal refere-se: ―o silêncio do acusado não importará em confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz‖. (BRASIL, 2016).

10 Juan Montero Aroca aponta que a pretensão de se descobrir a verdade mediante a prova é uma aspiração demasiadamente ambiciosa. Marinoni e Arenhart destacam que embora a teoria processual, esteja calcada na ideia de verdade como único caminho pelo qual se pode chegar até as soluções justas. Mas chegar a verdade por meio do processo é mesmo uma utopia . (LEITE, 2016).

(17)

função argumentativa ao invés de cognoscitiva, situando-a na retórica da argumentação dirigida persuasivamente a convencer o juiz acerca da existência do fato e não da lógica do fundamento racional das hipóteses sobre os fatos Ainda, segundo a autora:

A teoria argumentativa só explica como os advogados empregam a prova no processo; contudo, não refere o modo como o juiz a utiliza como base para a determinação dos fatos. Não explica se, como, quando e sob que condições aquela alcança seu objetivo, é dizer, de que forma convence verdadeiramente o juiz para que eleja uma versão dos fatos e não outra. (TARUFFO, 2002, p. 354).

Nas palavras de Leite (2016):

A dialética é a arte do diálogo, da persuasão destinada a alcançar uma verdade provável. Justamente à verdade que sobressai de uma discussão. Presente aqui a noção de que o juízo não se baseia sobre os fatos reputados como verdadeiros ou falsos, mas sobre uma reconstrução mental que se opera sobre os enunciados fáticos trazidos ao processo.

Di Gesu (2010) acredita que a função persuasiva da prova não fica adstrita a ideia de prova como argumento retórico, despreocupada ou totalmente desvinculada da realidade fática, sem que isso seja um resgate de verdade, pois pode-se trabalhar com a prova com o objetivo de obter a captura psíquica do julgador, levando-se em conta que ela também serve de instrumento especifico sobre o conhecimento do fato.

Os fatos são levados ao juiz (que não os conhece, mas precisa conhecê-los, daí a função cognoscitiva da prova) pelas partes com a finalidade de persuadir o julgador, ou seja, de obter sua ―captura psíquica‖. Inegável que os acontecimentos sejam trazidos aos autos de forma parcial – pela dificuldade ou impossibilidade de apreensão do todo (negação da verdade real), por todo o processo de contaminação feito pela memória, imaginação e falsa memória ou indução-. (DI GESU, 2010, p. 66).

Conclui-se que o Juiz deve e guia-se na argumentação, na persuasão, e nas inúmeras interações do contraditório, podendo até, se necessário for, afastar alguma prova ou pedir outra que não foi apresentada. Os indícios podem, pela argumentação das partes e do juízo em torno das circunstâncias fáticas comprovadas, apontarem para uma conclusão segura e correta. É o sistema de valoração da prova. Ademais, o magistrado avalia os elementos probatórios colhidos na instrução, devendo indicar as provas que o levaram ao convencimento e

(18)

fundamentar sua decisão com base em cada uma delas, como expressa o artigo 155 do Código de Processo Penal11 e artigo 93, IX da Constituição Federal12 (sistema do livre convencimento motivado e persuasão racional).

1.3 Mito Da Verdade

Através das provas apresentadas no processo, espera-se sempre chegar à verdade do fato ocorrido, do delito narrado. Contudo, conforme Di Gesu (2010) a atividade retrospectiva ou recognitiva não é tarefa fácil e simples, na medida em que envolve uma série de fatores complexos, e depende, na grande maioria das vezes, da memória, da emoção, da formação de falsas lembranças, entre outros fatores, daqueles que depõem, devendo o sistema acusatório ser o encarregado de filtrar as provas entranhadas no processo, pois não são admitidas quaisquer provas, somente as lícitas.

Conceitua a verdade, Nicola Framarino dei Malatesta (1927, p. 21):

Como sendo a conformidade da noção ideológica com a realidade. Admite não coincidirem verdade e certeza, pois esta nada mais é que um estado subjetivo do espírito, o qual pode não corresponder à verdade objetiva. Justamente por ser subjetiva, pode-se ter certeza do que é falso; por vezes, pode-se duvidar do que é objetivamente verdadeiro. A própria verdade, certa a uns, pode ser duvidosa ou falsa para outros.

Ainda, discorre Malatesta (1927) de que seria a verdade um ―estado da alma‖, podendo não corresponder à realidade, devido às imperfeições dos seres humanos, portanto, a certeza é um ―estado psicológico produzido pela ação das realidades percebidas e da consciência daquelas percepções‖.

11

Art. 155 do Código de Processo Penal dispõe: ―o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas‖. (BRASIL, 2016).

12

Art. 93 da Constituição Federal dispõe: ―Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogado, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação‖. (BRASIL, 2016).

(19)

Segundo Di Gesu (2010), o mito da verdade foi desvelado por Carnelutti, o qual procurou demonstrar sua descrença tanto na verdade real, há muito ultrapassada, ainda que muitos juristas a invoquem para justificar a obtenção da prova, sendo este, um resquício do sistema inquisitivo, quanto na verdade formal.

Expressa Francesco Carnelutti (1965, p. 5):

Quando parti, nos meus estudos sobre processo, com a Prova Civille, falei de verdade, assinalando, como escopo do processo, a investigação da verdade substancial e, como resultado, a obtenção de uma verdade formal. Mas não era, embora algo comum, uma distinção fundada. A verdade não é, e nem pode ser, senão uma só: aquela que eu, como outros, chamava de verdade formal, não é a verdade. Nem eu sabia, naquele tempo, que coisa fosse e por que, sobretudo, nem com o processo, nem através de algum outro modo, a verdade jamais pode ser alcançada pelo homem.

Nesse contexto, infere Aury Lopes Junior (2005, p. 267):

o mito da verdade real está intimamente relacionado com a estrutura do sistema inquisitório; com o ―interesse público‖ (clausula geral que serviu de argumento para as maiores atrocidades); com sistemas políticos autoritários; com busca de uma ‗verdade‘ e a qualquer custo (chegando a legitimar a tortura em determinados momentos históricos); e com a figura do juiz ator (inquisidor).

Por fim, com os resquícios inquisitórios no sistema, há de se dizer que não há uma verdade real no processo penal, e sim, uma verdade meramente processual, na medida em que o juiz toma sua decisão pautando-se apenas naquilo que lhe é apresentado durante a instrução criminal, obtendo uma conclusão após análise daquilo que foi apresentado.

Tomando como premissa de que as pessoas são suscetíveis a erros e contaminações do ambiente, pois cada qual analisa e tem sua percepção de determinada maneira do fato, não podem, no entanto, passar uma verdade real e absoluta de um acontecimento, mesmo presentes no fato delituoso. O ser humano é auto falho, e pode ser enganoso muitas vezes ao depor, como analisar-se-á, não podendo, simplesmente basear-se em tal prova.

(20)

1.4 A Prova Testemunhal

A prova testemunhal está regulada nos artigos 202 a 225 do Código de Processo Penal vigente. É o meio probatório mais usado e de mais acessibilidade no processo penal, principalmente relacionada aos crimes contra a dignidade sexual, que são baseados, muitas vezes só no depoimento da vítima, obtendo o juiz sua convicção e julgando apenas por tal testemunho.

Qualquer pessoa pode ser testemunha13, desde que tenha presenciado o fato ou tomado conhecimento do mesmo para então falar o que sabe a respeito, prometendo dizer a verdade14, sob pena de responder por falso testemunho, exceto os que são ouvidos apenas como informantes no processo, pois tem algum grau de parentesco ou afinidade com uma das partes.

Conforme Di Gesu (2010, p. 72):

A testemunha exerce uma função retrospectiva na medida em que busca resgatar na memória a lembrança de um fato ocorrido no passado, a fim de dar conhecimento ao julgador sobre aquilo que viu e ouviu, cumprindo uma função recognitiva do processo.

Destarte, a testemunha ter presenciado o fato no passado, estando suscetível a contaminações, como as falsas memórias15, é de muito risco basear-se somente no que sua memória armazenou do acontecimento.

Ainda é preciso alertar, antes de tudo, que o aparato perceptivo tem uma capacidade limitada, trabalhando seletivamente. A captação de estímulos não é integral. Isso quer dizer que a pessoa exposta ―a estímulos simultâneos capta aqueles a respeito dos quais está adaptado (...) e muito depende do estado emotivo (por exemplo, alarmes ante o perigo). Os dados sensoriais não são percepções, já que somente chegam a ser mediante uma tarefa classificatória automática, e, portanto, inconsciente; e ao variarem os modelos, alteram-se as figuras; e seria coisa assombrosa

13 Art. 202 do Código de Processo Penal dispõe: ―Toda pessoa poderá ser testemunha‖. (BRASIL. 2016).

14 Art. 203 do Código de Processo Penal: ―A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade‖. (BRASIL, 2016).

15

(21)

se o médico, o quiromante, o botânico, vissem a mesma face na mesma pessoa‖. (DI GESU, 2010, p. 75, grifo do autor).

Quanto à credibilidade do testemunho, infere Guilherme de Souza Nucci (2016, grifo do autor):

Quando se analisa a credibilidade do testemunho, deve-se iniciar pelo fator denominado testemunhabilidade, isto é, o interesse despertado na comunidade diante da declaração da ocorrência de um fato. Altavilla demonstra que esse interesse termina gerando fenômenos correlatos e consequenciais, tais como a memoriabilidade (capacidade que o fato possui de se fazer recordar com precisão), a fidelidade (situação subjetiva gerada no espírito da testemunha, consistente na capacidade de reproduzir com exatidão o que soube) e a sinceridade (situação subjetiva da testemunha, que se expressa sem a intenção de enganar). Sob tais prismas, por vezes, ―um depoimento sem lógica, contraditório, é considerado pouco fiel, porque se julga que a testemunha não se recorda bem, ou então insincero, ao passo que os testemunhos correntes dão uma impressão de fidelidade e de veracidade; e pode ser o contrário, provindo o primeiro de uma dificuldade em se exprimir, ou de um fenômeno de timidez, ao passo que a naturalidade do segundo pode derivar de uma hábil preparação‖.

A percepção de determinado evento, pessoa ou coisa, é individual de cada um, como também o estado sentimental em que a testemunha se encontrava no dia do fato ocorrido e como está emocionalmente falando no dia de seu depoimento. Levando em consideração, ademais, que não se tem certeza da veracidade da intenção real da testemunha no processo.

Diante disso, é essencial que o magistrado tome as cautelas devidas para interpretar e valorar um depoimento, conferindo-lhe ou não credibilidade, crendo tratar-se de uma narração verdadeira ou falsa, enfim, analisando-o canalisando-om precisãanalisando-o. Panalisando-ode dar-se a situaçãanalisando-o danalisando-o fatanalisando-o-analisando-objetanalisando-o danalisando-o testemunhanalisando-o nãanalisando-o ser memorável, razão pela qual a pessoa que o presenciou, no contexto da memória naturalmente seletiva que possui o ser humano, afaste -o, relegando-o a um segundo plano. Por isso, nem sempre a testemunha que vacila ao responder às indagações feitas pelo juiz, omitindo situações relevantes, está agindo de má-fé. Por outro lado, em se tratando de fato digno de registro na memória, é possível que a testemunha esteja sendo fiel e sincera ao narrá-lo, embora entre em contradição e ofereça respostas desconexas. Não está mentindo, mas realmente não se recorda, por variadas razões, do que houve. Argumente-se, ainda, que o fato memorável pode ser contado de modo infiel e insincero, mas de maneira perfeita e lógica, fruto, como se viu na lição de Altavilla, do mais arguto preparo. Está mentindo e o magistrado nem percebe. Em conclusão, pois, é curial ter o julgador a sensibilidade para compreender que as pessoas são diferentes na sua forma de agir, captar situações, armazená-las na memória e, finalmente, reproduzi-las. Descortinar e separar o depoimento verdadeiro e crível, do falso e infiel é meta das mais árduas no processo, mas imprescindível para chegar ao justo veredicto. (NUCCI, 2016).

(22)

Outro aspecto considerado extremamente importante, segundo Nucci (2016) é a declaração prestada por criança e adolescentes, ao qual serão sempre informantes16, uma vez que, como mostram relatos, muitos erros judiciários originam-se da credibilidade exagerada que magistrados concedem a essas informações, justificando essa situação pela fragilidade tanto da criança quanto do adolescente para elaborar uma narrativa fiel dos fatos porventura assistidos, sem lançar qualquer fantasia ou mentira, frutos da inexperiência e da instabilidade psicológica e emocional dos seres em desenvolvimento.

Compreende-se, portanto, que a prova testemunhal é de extrema fragilidade ao processo, devendo ser minuciosamente analisada, psicologicamente trabalhada, devido à introdução de contaminações ao qual a memória do depoente passou até ao momento de falar o que viu ou o que ouviu, podendo não ter precisão sua história, ou parte dela, induzindo então o juiz, não obstante, a uma decisão condenatória errônea.

Assim, por esta breve introdução, da importância da prova no processo penal, e, principalmente, a relevância que tem a prova, especialmente testemunhal, é o que motiva o estudo das falsas memórias, ao qual será direcionado, também, os próximos capítulos.

16 Art. 208 do Código de Processo Penal: ―Não se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que se refere o art. 206‖. (BRASIL, 2016).

(23)

2 PROVA PENAL E FALSAS MEMÓRIAS

2.1 Falsas Memórias – Conceito

Pode-se afirmar que muitos foram os processos que, por falta de provas materiais técnicas, baseou-se apenas na prova testemunhal.

No processo penal, faz-se uma retrospecção (atividade recognitiva) do passado através do testemunho, buscando-se reconstruir um fato delituoso acontecido, às vezes, há muito tempo, não levando em consideração que vítima e testemunha dependem de uma memória que guarda apenas uma lembrança17 do acontecimento, de pessoas, de lugares e de coisas.

Para entender as falsas memórias, primeiramente, não se deve confundi-la com a mentira, pois esta é contada com plena consciência no momento da fala, a pessoa sabe que o que está falando não é verídico. Talvez minta por algum tipo de coação que esteja sofrendo ou porque acredita que no momento é o melhor a se fazer, mas tem a noção disso. No entanto, pode acontecer de alguém contar por muito tempo uma mentira, e, com o passar deste, não saber mais se aquilo que pensou e falou é realmente mentira ou verdade, não mais os distingue, pois sua memória já armazenou aquilo como verdade, daí, surgem as falsas memórias.

Nos processos que tentam a (re)construção do fato criminoso pretérito, podem existir artimanhas do cérebro, informações armazenadas como verdadeiras, ou induções dos entrevistadores, de outras pessoas e/ou da mídia que, no entanto, não condizem com a realidade. Estas são as chamadas falsas memórias, processo que pode ser agravado, quando da utilização de técnicas por repetição de perguntas, como as empregadas de forma notória no âmbito criminal. (ÁVILA, 2016).

Ávila (2016) conceitua as falsas memórias como recordações de situações que, na verdade, nunca ocorreram ou aconteceram de forma diversa de como lembrado pela vítima/testemunho e essa interpretação errada de um acontecimento também pode desencadear esse processo. Embora não apresentem uma

17

Segundo Ivan Izquierdo, a lembrança não é igual à realidade: ―a memória do perfume da rosa não nos traz a rosa; a dos cabelos da primeira namorada não a traz de volta, a da voz do amigo falecido não nos recupera o amigo‖. Ainda, acrescenta: ―o cérebro converte a realidade em códigos e as evoca por meio de códigos‖. (IZQUIERDO, 2006, p. 17).

(24)

experiência direta, as falsas memórias representam a verdade como os indivíduos as lembram, podendo surgir de duas formas: espontaneamente ou através de uma sugestão externa.

Sendo impossível recordar de tudo o que se vive durante todos os anos de vida, impossível também é contar algo que se passou há muito tempo, sem misturar espontaneamente, realidade com imaginação. A indução de uma memória falsa pode ser também introduzida com perguntas, colocações de outras pessoas ou, até mesmo, com fotografias mostradas a vítima/testemunha e, esta reconheça alguém que nem sequer estava no momento do ocorrido ora narrado. Até mesmo conversas alheias podem induzir a introdução de memórias falsas, como expressa Carlo Velho Masi (2016) de que uma história quando é contada por terceiros, como terapeutas, policiais, juízes, promotores ou advogados, a tendência é incorporar detalhes sensoriais para ajudar a distinguir entre as memórias verdadeiras e aquelas advindas da imaginação, detalhes esses que são usados falsamente como informações de que o relato seria baseado em memórias autênticas.

Elizabeth Loftus18 é uma psicóloga norte-americana, especialista em memória humana que desenvolveu uma extensa pesquisa, desde a década de 1970, acerca da natureza das memórias falsas. Loftus tentou demonstrar que as memórias falsas existem e que é possível, em certos casos, serem criadas e implantadas na mente dos pacientes até pelos próprios terapeutas19. Se puderem ser implantadas por

18

Elizabeth Loftus é professora de psicologia e professora auxiliar de Direito na Universidade de Washington. Ela recebeu o PhD em Psicologia da Universidade de Stanford em 1970. Sua pesquisa concentra-se em memória humana, depoimento de testemunha ocular e procedimentos de Tribunal. Loftus publicou 18 livros e mais de 250 artigos científicos e serviu como especialista ou assessora em testemunhas em centenas de julgamentos, inclusive no caso de molestamento na pré-escola McMartin. Seu livro Eeitness Testimon ganhou o National Media Aard da Fundação Psicológica Americana. Ela recebeu doutorados honorários da Universidade de Miami, Universidade de Leiden e da Faculdade John Ja de Justiça Criminal. Loftus foi eleita presidenta da Sociedade Psicológica Americana recentemente.

19

Em 1986 Nadean Cool, uma ajudante de enfermagem em Wisconsin, procurou ajuda terapêutica de um psiquiatra para auxiliá-la a superar um evento traumático experimentado pela sua filha. Durante a terapia, o psiquiatra usou hipnose e outras técnicas sugestivas para trazer à tona recordações de abuso que Cool supostamente teria experimentado. No processo, Cool foi convencida de que tinha memórias reprimidas de ter estado em um culto satânico, de comer os bebês, de ser estuprada, de ter sexo com animais e de ser forçada a assistir o assassinato da sua amiga de oito anos. Ela chegou a acreditar que teve mais de 120 personalidades — crianças, adultos, anjos e até mesmo um pato — tudo isso porque lhe foi dito que ela havia passado por um severo abuso sexual e físico na infância. O psiquiatra também executou exorcismos nela, um dos quais durou cinco horas e incluiu o uso de água benta e gritos para Satanás deixar o seu corpo.

(25)

terapeutas, no mesmo sentido, por autoridades policiais, por advogados de defesa, pelo Ministério Público, pelos Magistrados e outros interrogandos.

Loftus (2016), na pesquisa da distorção da memória remonta os estudos ao efeito da informação incorreta, alegando que, quando as pessoas que testemunham um evento são posteriormente expostas a informação nova e enganosa sobre ele, as suas recordações frequentemente se tornam distorcidas20, mostrando, assim, que a informação enganosa pode mudar a memória de um indivíduo de um modo previsível e às vezes muito poderoso.

A informação enganosa tem o potencial de invadir nossas recordações quando falamos com outras pessoas, quando somos interrogados sugestivamente ou quando lemos ou vemos a cobertura da mídia sobre algum evento que podemos ter vivenciado nós mesmos. Depois de mais de duas décadas explorando o poder da informação enganosa, pesquisadores aprenderam muita coisa sobre as condições que fazem as pessoas suscetíveis à modificação da memória. As recordações são mais facilmente modificadas, por exemplo, quando a passagem de tempo permite o enfraquecimento da memória original. (LOFTUS, 2016).

Quando Cool percebeu finalmente que aquelas falsas recordações foram implantadas, ela processou o psiquiatra por negligência profissional. Depois de cinco semanas de julgamento, o caso dela foi resolvido fora do tribunal por 2,4 milhões de dólares em março de 1997. Nadean Cool não é a única paciente a desenvolver falsas recordações como resultado de uma terapia questionável. Em 1992, no Missouri, um conselheiro de igreja ajudou Beth Rutherford a se lembrar, durante terapia, que o seu pai, um clérigo, a tinha estuprado regularmente dos sete aos catorze anos e que a sua mãe às vezes o ajudava segurando-a. Sob a direção do terapeuta, Rutherford desenvolveu recordações de seu pai engravidando-a duas vezes e forçando-a a abortar o feto ela mesma com um cabide. O pai teve que resignar do posto de clérigo quando as alegações se tornaram públicas. Mais tarde um exame médico da filha revelou, porém, que ela ainda era virgem aos 22 anos e nunca tinha estado grávida. A filha processou o terapeuta e recebeu 1 milhão de dólares de indenização em 1996.

Aproximadamente um ano antes, dois júris apresentaram veredictos desfavoráveis a um psiquiatra de Minnesota, o qual foi acusado de implantar falsas recordações pelos seus ex-pacientes Vynnette Hamanne e Elizabeth Carlson que submetidos à hipnose e ao amytal sódico, e depois de serem mal informados sobre os funcionamentos da memória, vieram a se lembrar de horroroso abuso por membros da família. Os jurados compensaram Hammane com 2.67 milhões e Carlson com 2.5 milhões de dólares pelos seus sofrimentos.

Em todos os quatro casos, as mulheres desenvolveram recordações sobre abuso infantil na terapia e posteriormente negaram a sua autenticidade. Como nós podemos determinar se recordações de abuso infantil são verdadeiras ou falsas? Sem corroboração, é muito difícil de diferenciar entre falsas e verdadeiras recordações. Também, nestes casos, algumas recordações eram contrárias à evidência física, como memórias explícitas e detalhadas de estupro e aborto quando o exame médico confirmava virgindade. Como é possível que pessoas adquiram falsas recordações tão elaboradas e seguras? Um número crescente de investigações demonstra que, sob circunstâncias adequadas, falsas recordações podem ser instiladas com bastante facilidade em algumas pessoas. (LOFTUS, 2016).

20

Em um exemplo, participantes viram um acidente de automóvel simulado em um cruzamento com um sinal de Pare. Depois do ocorrido, metade dos participantes recebeu uma sugestão de que o sinal de tráfego era um sinal de passagem preferencial. Quando perguntados posteriormente que sinal de tráfego eles se lembravam de ter visto no cruzamento, os que haviam sido sugestionados tendiam a afirmar que tinham visto um sinal de passagem preferencial. Aqueles que não tinham recebido a falsa informação eram muito mais precisos na lembrança do sinal de tráfego. (LOFTUS, 2016).

(26)

A indução ou sugestionamento pode acontecer tanto na inquirição das vítimas e das testemunhas, através de questionamentos com viés eminentemente acusatório, como também através da mídia, a qual procura sempre fazer do crime um espetáculo (DI GESU, 2010, p. 129). O cenário midiático faz com que muitas vezes a pessoa misture o que viu e ouviu na televisão, rádio ou internet com seus pensamentos, causando distorções nos fatos e levando a erros.

A testemunha/vítima não recordando o fato em seu inteiro teor, pode acabar modificando a verdade do seu testemunho por meio da sugestionabilidade, incorporando falsas informações de origem interna, de maneira natural, através da falha na interpretação de uma informação e externa, o que lhe é induzido por pessoas ou outras imaginações influenciadas por pessoas ou coisas, alterando suas recordações devido a essa influência.

De modo a ser importante a maneira como lhe é perguntado algo, como lhe é insinuado à questão a ser respondida, principalmente para crianças21, pois estas são mais suscetíveis à criação de falsas memórias, para que, também, a pessoa no momento que contará a respeito do fato, não se sinta coagida com a pergunta e, seu estado emocional se altere, gerando confusões e falsas memórias, dificultando até mesmo, o reconhecimento de coisas e pessoas. A tensão emocional, combinada a pressão social e a indução, é capaz de distorcer a memória a ponto de fazer com que as pessoas acreditem erroneamente que cometeram um crime ou que presenciaram fatos que não viram.

2.2 O Reflexo da Falsificação das Lembranças no Ato de Reconhecimento

Segundo Di Gesu (2010, p. 129) no ato de reconhecimento uma pessoa é levada a perceber alguma coisa e, recordando o que havia percebido em um determinado contexto, compara as duas experiências. O responsável pela diligência pergunta se o sujeito está frente ao mesmo objeto (pessoa ou coisa). (FRANCO CORDERO, 2000, p. 106).

21

Abordar-se-á as falsas memórias através do testemunho infantil no capitulo 3 (três) do presente trabalho para análise crítica do filme ― A CAÇA‖ (2012).

(27)

A exatidão da percepção e a capacidade de distinguir detalhes depende, geralmente, do conhecimento prévio acerca do objeto ou da pessoa a ser identificada, trata-se da percepção precedente, a qual pode, inclusive, ser fomentadora de erros 22, sendo que a importância da percepção precedente para o processo penal está justamente no reconhecimento de objetos e de pessoas (DI GESU, 2010).

Elementar que a vítima de um delito e eventual testemunha presencial – as quais tiveram contato direto com o imputado, tendo a oportunidade de observá-lo porque o rosto ou parte dele estava descoberto -, tenham mais facilidade de reconhecê-lo posteriormente. O mesmo ocorre com a identificação de objetos, na medida em que esta é facilitada se efetivamente pertenciam à pessoa ofendida, devido ao contato prévio. (DI GESU, 2010, p. 130).

O reconhecimento de pessoas ou coisas é um meio de prova formal previsto expressamente no Capítulo VII, artigo 226 a 22823 do Código de Processo Penal, que visa obter a identificação de pessoa ou coisa, por meio de confirmação de outra pessoa chamada a verificar, através de um processo psicológico de comparação com elementos do passado.

22 Enrico Altavilla (1945, p. 23) exemplifica bem a questão: ―Pedro e Paulo vêem de longe o mesmo objeto. Pedro já o viu de perto outras vezes, Paulo nunca o viu. Pedro distingue nele detalhes que Paulo não vê. E, no entanto, nenhum deles têm melhor vista do que o outro. A conclusão que se impõe e, antes de mais nada, que Pedro não teria uma sensação visual tão distinta do objeto se não o tivesse visto de perto, por diversas vezes; em segundo lugar que as sensações ou percepções visuais das partes que são confusas para Paulo, e que o seriam igualmente para Pedro se não tivesse já visto o objeto de perto, se tornam mais claras e distintas para Pedro em virtude das imagens que despertam e que as reforçam‖.

23

Art. 226, CPP - Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;

Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

Parágrafo único. O disposto no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento. (BRASIL, 2016).

Art. 227. No reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas estabelecidas no artigo anterior, no que for aplicável. (BRASIL,2016).

Art. 228. Se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas. (BRASIL,2016).

(28)

O procedimento descrito no artigo 226 é claro em ser o reconhecimento feito pessoalmente, ao vivo, cujo suspeito é colocado entre outras pessoas para que a vítima/testemunha direcione seu reconhecimento ao suspeito ou não, pois a prova por reconhecimento fotográfico é meramente inominada24 e, não pode ela isolada ser base para sentença condenatória.

Na fase pré-processual, comumente são apresentadas fotografias dos supostos imputados às vítimas, como um ato preparatório do reconhecimento pessoal (DI GESU, 2010, p. 130).

Se por algum motivo o ofendido ou a testemunha não conseguiu, no momento do crime, captar a imagem do suspeito – devido ao efeito ‖foco na arma‖ 25

porque ele estava com o rosto encoberto por touca ou capacete; ou porque não obteve contato direto com o envolvido, entre outras diversas moduladoras que concorrem para piorar a qualidade da identificação, tais como o tempo da exposição da vítima ao crime e ao contato com o agressor, a gravidade do fato, o intervalo de tempo entre o delito e a realização do reconhecimento, as condições ambientais (visibilidade, aspectos geográficos), as condições psíquicas da vítima (memória, estresse, nervosismo), a natureza do delito, ente outros – poderá fixar na memória a fotografia anteriormente vista, sendo induzido a posterior reconhecimento pessoal. (DI GESU, 2010, p. 131-132).

Di Gesu (2010, p. 132) sustenta que, além disso, muitos reconhecimentos são positivos justamente devido à crença das pessoas de que a polícia somente realiza um reconhecimento quando já tem um bom suspeito. No entanto, ainda que lentamente, muitos Tribunais já tem reconhecido o fenômeno das falsas memórias no depoimento26.

24

É aquela prova que, apesar de não se encontrar relacionada na lei, é admitida pelo juiz na composição do processo.

25

Redução da capacidade de identificação, pois a tendência do ofendido é se fixar na arma e não nas feições do agressor.

26

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO CRIME DEFINIDO NO ARTIGO 33, CAPUT, E §4º, DA LEI 11.343/06. PROVIMENTO DO APELO DEFENSIVO. PROVA INSUFICIENTE PARA QUE HAJA JUÍZO DE CERTEZA ACERCA DA AUTORIA. PSICOLOGIA DAS TESTEMUNHAS OCULARES E FALSAS MEMÓRIAS. ABSOLVIÇÃO DOS ACUSADOS. RECURSO MINISTERIAL PREJUDICADO. Réus condenados pela prática do crime definido no artigo 33, caput, e §4º, da Lei 11.343/06. Recurso do Ministério Público e da Defesa. Prova insuficiente para convencer acerca da autoria do crime. Apelantes que negaram a propriedade da droga e do rádio transmissor apreendidos. Versão apresentada pelo apelante WAGNER, no sentido de que estava trabalhando com seu pai e a pedido deste último foi buscar com ADRIANO garrafas de cerveja, que é confirmada pelo depoimento de três testemunhas. Policiais militares que teriam observado à distância, com binóculo, pessoas com as características dos acusados e, apenas, um deles teria visto os acusados se desfazerem da droga. Incerteza que paira sobre a semelhança entre as pessoas que

(29)

A principal causa do erro de reconhecimento se encontra na semelhança entre as pessoas e a sensação de já tê-la visto antes, o que leva, da dúvida de ser tal pessoa de fato o criminoso, sujeita a contaminação de transcurso de tempo, até a certeza de que tal pessoa é realmente o criminoso. Nas palavras de Loftus (2016), do ―esse é o que mais se parece‖ (ao olhar para a foto) para ―eu tenho a absoluta certeza que é esse o homem‖ (ao vê-lo pessoalmente)27

.

Ademais, diante do excesso de formalismo do artigo 226 do Código de Processo Penal, falte a estrutura necessária para seu cumprimento, na medida em que deveria se ter pessoas semelhantes ao acusado no momento do reconhecimento visual pelo ofendido, a fim de que se evitem ao máximo as falsas memórias e o reconhecimento seja o mais certo possível.

Como expressa Di Gesu (2010, p. 132-133):

Em que pese a legislação processual brasileira fazer menção à ―possibilidade‖ de a pessoa ser reconhecida ser colocada ao lado de outras que tenham as mesmas características físicas, defendemos a obrigatoriedade do procedimento, tendo em vista se tratar de ato formal.

os policiais viram de binóculos e os apelantes. Estudo da psicologia das testemunhas que revela a existência de fatores de interferência na memória das testemunhas oculares e no modo como se dá a percepção e a assimilação daquilo que foi apreendido pelo sentido da visão. Duração da exposição, condições de visibilidade, distância, luminosidade, dentre outros fatores que, embora não cientificamente comprovados, podem influir no processo de codificação e retenção da informação como no caso deste processo em que os acusados foram observados à distância, por binóculos. Probabilidade da ocorrência de falsas memórias, que se diferenciam da mentira porque naquelas o "o agente crê honestamente no que está relatando", ao passo que na mentira há uma "um ato consciente, onde a pessoa tem noção do seu espaço de criação e manipulação". Verossimilhança das alegações deduzidas pelo acusado WAGNER, corroborada pela versão das testemunhas... (BRASIL,2016).

27

Caso de Steve Titus, narrado por Elizabeth Loftus:

Titus era gerente de um restaurante. Ele tinha 31 anos de idade, morava em Seattle, Washington, era noivo de Gretchen, prestes a se casar. Ela era o amor da vida dele. Certa noite, o casal saiu para um jantar romântico num restaurante. E estavam voltando para casa, quando foram parados por um policial.Vejam, o carro de Titus meio que lembrava um carro que foi usado mais cedo, ao anoitecer, por um homem que estuprou uma mulher que pedia carona, e Titus meio que se parecia com o estuprador.Então, a polícia tirou uma fotografia de Titus, puseram-na em um grupo de fotos, que depois mostraram à vítima, e ela apontou para a foto de Titus e disse: "Este é o que mais se parece". A polícia e a promotoria procederam a um inquérito e, quando Steve Titus foi levado a julgamento por estupro, a vítima do estupro se manifestou e disse: "Tenho absoluta certeza de que é esse o homem". E Titus foi condenado. Ele se declarou inocente, sua família gritou com o júri, sua noiva desabou no chão aos prantos, e Titus foi levado para a prisão.

Então, o que vocês fariam nesta situação? O que vocês fariam? Bem, Titus perdeu totalmente a fé no sistema judiciário, mas teve uma ideia. Ele chamou o jornal local, despertou o interesse de um jornalista investigativo, e esse jornalista, na verdade, encontrou o verdadeiro estuprador, um homem que, por fim, confessou o crime, um homem que acreditava-se ter cometido 50 estupros naquela região. E, quando essa informação foi passada ao juiz, o juiz libertou Titus. (LOFTUS, 2016).

(30)

Neste caso, a interpretação da lei deve ser restrita, pois somente desta forma estar-se-á garantindo a observância das regras do jogo – não devemos nos esquecer que a forma do ato é garantia para o processo – e, principalmente, evitando à formação de falsas memórias.

Portanto, considerando que a função do reconhecimento é justamente dissipar qualquer dúvida acerca da participação do imputado no fato delituoso, deve revestir-se das formalidades legais (DI GESU, 2010, p. 133).

Então, para que os requisitos do art. 226 do Código de Processo Penal sejam seguidos criteriosamente, o reconhecimento do acusado deve ser realizado com precaução e de maneira mais rápida possível para que se minimizem as contaminações e as falhas inerentes à memória humana e, posteriormente a decisões judiciais erradas.

2.3 Fatores de Contaminação da Prova Oral

A testemunha/vítima de um fato delituoso se vale de suas recordações ao narrar os fatos do crime, entretanto, como já fora visto, a lembrança não reconstrói o fato fielmente tal qual aconteceu na realidade (processo mnemônico28), principalmente da maneira como a prova é colhida. Além disso, há diversos fatores de contaminação da prova oral para criações de falsas memórias, como será visto.

2.3.1 Transcurso do Tempo

O fator de transcurso do tempo é o de maior atenção, pois quanto mais o tempo passa, maior o esquecimento e, consequentemente, maior a possibilidade de a testemunha ser induzida por fatores internos e externos.

28

Segundo Nereu José Giacomolli e Cristina Carla Di Gesu (2016), o complexo processo mnemônico é dividido, em três momentos: aquisição, retenção e recordação: aquisição destaca que as recordações não são réplicas de acontecimentos percebidos, por serem limitados pela natureza do fato (tempo de observação, luminosidade, atenção aos detalhes, existência de violência, caráter estressante), e nem pelas próprias características e limitações da testemunha, tais como expectativas, estresse emocional, entre outros. Na retenção, a informação é menos completa e exata, relacionando-se com o transcurso do tempo entre a observação do episódio e a recordação posterior, bem como com as informações obtidas após o fato.

(31)

É sabido que o tempo do direito não acompanha o tempo social, pois este está sempre em constante mutação. Ambos correm em velocidades diferentes (DI GESU, 2010, p. 138).

Ainda assim, o direito não pode estar alheio, mas sim atento às transformações do meio social, e, é por isso, que o processo cria e está sempre tentando criar mecanismos artificiais de adaptação do direito ao tempo social, como forma de dar uma resposta rápida e condizente com a aceleração dos ritmos temporais, relativizando-se29. (DI GESU, 2010).

O artigo 5º, inciso LXXVIII30, da Constituição Federal de 1988, assegura a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação em garantia dos princípios fundamentais.

Di Gesu (2010) explica que em se tratando de prova penal e duração razoável do processo, este não pode demorar demais para não se configurar em negação à justiça, mas, por outro lado também não pode ser julgado imediatamente, pois deve respeitar, além da maturação do ato de julgar, as garantias fundamentais do contraditório, da ampla defesa, da presunção da inocência, da motivação das decisões judiciais, entre outras, sendo que a observância de tais princípios está vinculada, necessariamente, a qualidade técnica da prova, coletada com maior confiabilidade se feita dentro de um prazo razoável.

29

Para isso foi criada a antecipação de tutela no processo civil e, quanto ao processo penal, podemos citar as prisões cautelares, a produção antecipada de provas, a absolvição sumária preconizada na Lei 11.719/2008, o próprio direito de ser julgado num prazo razoável. (DI GESU,2010, p.139).

30

Artigo 5º, LXXVIII da CF/88 - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. (BRASIL, 2016).

(32)

Ademais, em relação ao que o efeito do transcurso de tempo gera em relação aos acontecimentos armazenados na memória, enfatiza (DI GESU, 2010, p. 141):

Com efeito, o transcurso do tempo é fundamental para o esquecimento, pois além de os detalhes dos acontecimentos desvanecerem-se no tempo, a forma de retenção da memória é bastante complexa, não permitindo que se busque em uma ―gaveta‖ do cérebro a recordação tal e qual ela foi apreendida. E, a cada evocação da lembrança, esta acaba sendo modificada.

Os acontecimentos se perdem, as imagens não se fixam na memória por muito tempo, após o acontecimento, ficam apenas as recordações reconstruídas, pois o tempo passa muito rápido para conservar os fatos na memória como eram no momento do acontecido.

Através do estudo da memória, não só pelo aspecto neurológico, mas principalmente pelo viés social, compreendemos que a aceleração e o ritmo de uma sociedade complexa influem na formação da memória, pois a velocidade dos acontecimentos, muitas vezes, não permite que os fatos sejam fixados na memória, a qual requer tempo para a consolidação e posterior evocação (DI GESU, 2010, p. 142).

Perante a influência direta existente entre o transcurso do tempo, a memória e a possibilidade de contaminação da prova oral, a conclusão é de que, quanto menor o intervalo de tempo entre o fato delituoso e as declarações das vítimas e das testemunhas, menor é a possibilidade de haver esquecimentos e/ou influências externas na memória do depoente.

2.3.2 O Hábito e a Rotina

O hábito e a manutenção de uma rotina também são fatores de grande relevância à alteração da percepção de um determinado acontecimento. (DI GESU, 2010).

Segundo, ainda Di Gesu (2010), neurologicamente falando, muitas memórias podem ser adquiridas por intermédio da associação de estímulos e de um estimulo a uma resposta31. O reflexo resulta da ligação entre um estímulo e uma resposta. A

31

Explica IZQUIERDO (2006, p. 28), que a ―extinção é, assim, um fenômeno semelhante à habituação: perante a repetição de um estímulo condicionado, deixamos de repetir a resposta

Referências

Documentos relacionados

Para aprofundar a compreensão de como as mulheres empreendedoras do município de Coxixola-PB adquirem sucesso em seus negócios, aplicou-se uma metodologia de

Este era um estágio para o qual tinha grandes expetativas, não só pelo interesse que desenvolvi ao longo do curso pelas especialidades cirúrgicas por onde

Desta forma, conforme Winnicott (2000), o bebê é sensível a estas projeções inicias através da linguagem não verbal expressa nas condutas de suas mães: a forma de a

Neste estudo foram estipulados os seguintes objec- tivos: (a) identifi car as dimensões do desenvolvimento vocacional (convicção vocacional, cooperação vocacio- nal,

Os principais resultados obtidos pelo modelo numérico foram que a implementação da metodologia baseada no risco (Cenário C) resultou numa descida média por disjuntor, de 38% no

Finally,  we  can  conclude  several  findings  from  our  research.  First,  productivity  is  the  most  important  determinant  for  internationalization  that 

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..

de lôbo-guará (Chrysocyon brachyurus), a partir do cérebro e da glândula submaxilar em face das ino- culações em camundongos, cobaios e coelho e, também, pela presença