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2.3 Fatores de contaminação da prova oral

2.3.4 Mídia

Inegável que as notícias postas nos jornais após o acontecimento do delito, devido a sua carga de sensacionalismo e emotividade, acabem por influenciar as pessoas envolvidas no cenário jurídico de um determinado processo (DI GESU, 2010, p. 156).

A investigação criminal além de dolorosa passou a ser um entretenimento as pessoas. Telejornais ocupam grande parte de sua programação com reportagens de delitos, pois dá um alto índice de audiência, principalmente aqueles relacionados à crianças33, causam bastante repercussão nacional.

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Como foi o caso do homicídio da menina Isabela Nardoni e do menino Bernardo, ambos assassinados por pessoas da família e, que geraram grande comoção nacional.

Giacomolli e Di Gesu (2016) alegam que a mídia acaba familiarizando a população revelando trechos das investigações policiais, com as decisões acerca de buscas e apreensões, prisões cautelares, concessões de liminares e habeas corpus, entre outras, induzindo-a, sempre de forma parcial, sem que se tenha conhecimento acerca da realidade que foi careada ao processo, gerando um imenso grau de contaminação, pois com o cenário imposto pela mídia pode confundir a testemunha sobre aquilo que efetivamente percebeu no momento o delito, com o que leu sobre o fato ou com o ouviu posteriormente.

A fragilidade do depoimento colhido por profissional despreparado (seja no momento do inquérito policial ou na instrução do processo) pode demonstrar que a prova talvez não seja suficiente para embasar uma condenação exclusiva nesse depoimento. Pois devido a falta de preparo do entrevistador e, também, a indução presente nos questionamentos (resquícios do sistema inquisitorial), através das entrevistas e também, ao que é visto através da mídia (quando o caso gera repercussão) leva a formação de falsas memórias nos entrevistados, pois a pergunta induzida ou mal formulada, juntada as emoções do depoente, gera depoimentos imprecisos e incertos, o que faz com que o juiz elabore sua convicção somente no depoimento oral, muitas vezes, por falta de provas materiais técnicas, sendo que o perigo reside em pessoas expostas a emoção, pois são mais vulneráveis, principalmente crianças. Enfatizar-se-á assim, no capitulo seguinte, o depoimento infantil, pelo simples fato de crianças serem mais suscetíveis a indução, e serem estes os casos, mais difíceis de serem analisados no processo.

3 A FORMAÇÃO DAS FALSAS MEMÓRIAS NO TESTEMUNHO INFANTIL E SUA REPERCUSSÃO NO PROCESSO PENAL SOB O VIÉS DO FILME “A CAÇA”

Inicia-se agora uma abordagem específica acerca do desenvolvimento das falsas memórias em crianças. Este estudo mostra-se de extrema importância para a análise do depoimento infantil, principalmente nos crimes de abuso sexual, pois é onde o campo é mais fértil para implantação de falsas memórias e, muitas vezes, é através desse depoimento que se descobre um culpado ou se gera culpa em um inocente.

Para se entender melhor a influência das falsas memórias na prova testemunhal e as consequências desta tanto no processo, como na vida sentimental e social de uma pessoa acusada de cometer um delito, nada mais ótico e expressivo nesse assunto como o filme ―A CAÇA‖ 34

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A partir daí, como analisa Felipe Stephan Lisboa35 (2016), imagina-se a seguinte situação: se tem uma filha de cinco anos e ela estuda em uma ótima escola, que os pais escolhem e confiam. Tudo vai bem até que um dia ela chega em casa e diz que um funcionário da escola lhe mostrou o pênis. O que fazer nesse momento? Provavelmente chamariam imediatamente a polícia, entrar-se-ia em contato com a direção da escola e se faria o que mais fosse necessário para punir o pedófilo abusador. Mas e essa filha, que os pais julgam inocente e pura, tivesse mentido ou fantasiado toda essa situação? Que impacto uma acusação como essa teria na vida do inocente funcionário?

Essa é a dramática história de Lucas, que tenta reconstruir sua vida após um complicado divórcio, no qual perdeu a guarda de seu único filho. Para se sustentar, trabalha em uma creche, na qual é adorado pelas crianças e respeitado pelos

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A Caça (dinamarquês: Jagten) é um filme dinamarquês de 2012, do gênero drama, dirigido por Thomas Vinterberg e estrelado por Mads Mikkelsen. O filme se ambienta numa cidadezinha dinamarquesa em vésperas de Natal. Lucas (Mads Mikkelsen), professor do jardim de infância, é acusado de agressão sexual e passa a ser alvo de perseguição por toda a comunidade. O filme foi exibido no Festival Internacional de Cinema de Toronto (2012) e competiu no Festival de Cinema de Cannes daquele ano, em que o ator Mads Mikkelsen foi galardoado com o prêmio de melhor ator. 35

Felipe Stephan Lisboa é um psicólogo, especialista em Ciências Humanas e Saúde pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ.

colegas. Nas horas de folga e em determinados momentos do ano se reúne com os amigos para caçar cervos, beber e se divertir. Tudo isto começa a mudar quando a angelical Klara, de cinco anos (filha do melhor amigo de Lucas), diz para a diretora da escola que Lucas lhe mostrou seu ―pinto duro‖. Mas voltando um pouco no tempo. Alguns dias antes, o irmão mais velho de Klara, junto com seu amigo, mostrou rapidamente para ela, em seu tablet, um vídeo pornográfico e disse algo como "olha o tamanho dessa vara... parece um poste!". Alguns dias depois, Klara, que nutre uma paixão infantil por Lucas, lhe coloca no bolso da calça um coração de papel de presente e lhe dá um beijo durante uma brincadeira na creche. Lucas conversa com ela, diz que isto não é correto, mas a garota fica ressentida. E então, numa conversa com a diretora, Klara dá a entender que Lucas lhe mostrou seu "pinto duro igual a um poste". Mas não há, na fala de Klara, qualquer conotação sexual. Na verdade ela nem parece saber direito o que disse, muito menos o impacto de sua declaração na vida do inocente Lucas.

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