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A dependência química e o caráter de seu enfrentamento pelas políticas públicas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

DANIEL CARVALHO DE OLIVEIRA

A DEPENDÊNCIA QUÍMICA E O CARÁTER DE SEU ENFRETAMENTAMENTO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS

FLORIANÓPOLIS 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

DANIEL CARVALHO DE OLIVEIRA

A DEPENDÊNCIA QUÍMICA E O CARÁTER DE SEU ENFRETAMENTAMENTO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina.

Orientador: Prof. Marlon Garcia da Silva.

FLORIANÓPOLIS, 2013

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Trabalho de Conclusão de Curso, aprovado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, Departamento de Serviço Social, Centro Sócio-Econômico, Universidade Federal de

Santa Catarina - UFSC.

BANCA EXAMINADORA:

________________________ ProfºMarlon Garcia da Silva

Orientador

_______________________ 1ª Examinador Profº. Dr. Ricardo Lara

Departamento de Serviço Social – UFSC

________________________ 2ª Examinadora Profª. Drª.Simone Sobral

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Esse trabalho é dedicado ―in memorian‖ à Maria de Lourdes Carvalho de Oliveira.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Estela Maris Machado pela paciência dispensada e à José Roberto Lemes in memorian pelo incentivo ao saber, ao Instituto Pandavas pelo ensino que prima pela autonomia e aos amigos Alceu da Silva Júnior e Rodrigo Camara.

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―Quem Samba Fica, Quem não Samba vai Embora‖ (Carlos Marighella)

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RESUMO

OLIVEIRA, Daniel Carvalho. A Dependência Química e o Caráter de seu Enfretamento pelas Politicas Públicas. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.

O presente trabalho constitui-se num aprofundamento de relevantes questões levantadas durante a experiência de estágio, quando ficou evidente a realidade de exclusão dos dependentes químicos nas políticas públicas. Logo, o objeto do estudo centra-se na problematização da condição do dependente químico e principalmente como o Estado disponibiliza o enfrentamento para tal expressão da questão social. Elementos e características que perpassam o universo dos usuários serão arrolados, assim como a lógica proibicionista que perpassa a ―guerra às drogas‖, guerra esta que surge e se mantém sem que existam estudos científicos que respaldem as ações. Destaca-se a estigmatização social praticada socialmente com a ―naturalização‖ da relação entre drogas e violência social. Portanto, evidencia-se a necessidade de construção de uma base científica que respalde os processos de trabalho das diferentes profissões que estão no enfrentamento da dependência química. A categoria profissional dos assistentes sociais – e especialmente os envolvidos no processo de prevenção e/ou tratamento da Dependência Química nas diversas Instituições que trabalham com esta questão – deve estar em sintonia com as reais necessidades dos usuários, de forma a proporcionar autonomia, a emancipação dos indivíduos sociais na democracia e na luta pela efetivação dos direitos, e construção de direitos sociais.

Palavras-chave: Dependência Química, Políticas Públicas, Proibicionismo.

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SIGLAS

ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

ANVISA – Agência Nacional Vigilância Sanitária APS – Atenção Primária à Saúde

AVC – Acidente Vascular Cerebral BPC – Benefício de Prestação Continuada CAPs – Caixas de Aposentadoria e Pensões CAPS – Centro de Atenção Psicossocial

CAPSad – Centro de Atendimento Psicossocial Álcool ou Outras Drogas

CAPSi – Centro de Atendimento Psicossocial Infanto-juvenil

CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas

CEME – Central de medicamentos

CENTRO-POP– Centro de Referência para a população de rua CFESS – Conselho Federal de Serviço Social

CID-10 – Código Internacional de Doenças, 10ª Revisão CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas

CNS – Conferência Nacional de Saúde CONAD – Conselho Nacional Anti Drogas

CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde CRESS – Conselho Regional de Serviço Social

DATAPREV – Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social

FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FUNABEM – Fundação Nacional Bem Estar do Menor

IAPAS – Instituto Nacional de Administração da Previdência Social IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões

INPS – Instituto Nacional de Previdência Social LBA – Legião Brasileira de Assistência

LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social LSD – Dietilamida do ácido lisérgico

MDMA ou Ecstasy – 3,4-metileno-dioxi-metanfetamina MTSM – Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental NAPS – Núcleos de Atenção Psicossocial

NEIP – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos OBID – Observatório Brasileiro de Informações Sobre Drogas OMS – Organização Mundial da Saúde

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SNC – Sistema Nervoso Central SNP – Sistema Nervoso Periférico SRT – Serviços Residenciais Terapêuticos SUS – Sistema Único de Saúde

THC – Tetrahidrocanabinol

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: PRINCIPAIS SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS E OS SINTOMAS NOS USUÁRIOS. ... 43

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 21 1 A DEPENDÊNCIA QUÍMICA E AS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS ... 25

2 HISTÓRICO DO CONSUMO DE SUBSTÂNCIAS

PSICOATIVAS NO BRASIL E A ALTERNATIVA

PROIBICIONISTA DO ESTADO ... 33 2.1 SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: O DEBATE ACERCA DAS CARACTERÍSTICASEEFEITOS ... 42 3 O ENFRENTAMENTO PELAS POLITICAS PÚBLICAS DO PROBLEMA SOCIAL DA DEPENDENCIA QUIMICA ... 51

3.1 APOLÍTICA DA SAÚDE. ... 51 3.2 OS MOVIMENTOS DAS REFORMAS:SANITÁRIA,PSIQUIÁTRICA E AS POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL ... 56 3.3 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL/A REDE ASSISTENCIAL PARA OS USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS ... 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS: QUEM SE (PRE)OCUPA COM A DEPENDÊNCIA QUÍMICA NO BRASIL? CONTRIBUIÇÃO PARA O DEBATE. ... 69 REFERÊNCIAS ... 81 ANEXOS ... 89

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INTRODUÇÃO

A proposta deste trabalho para conclusão do curso de Bacharel em Serviço Social é oriunda da seguinte percepção: a problemática social da dependência química é potencializada pela opção de intervenção pública estatal no que tange as políticas públicas para enfretamento desta expressão da questão social, a opção pela lógica proibicionista pautado no prisma da abstinência, como buscaremos esclarecimento nesta monografia.

Esta impressão ocorreu principalmente quando da oportunidade do processo de ensino aprendizado enquanto Estágio Obrigatório não remunerado na Secretaria Municipal de Assistência Social do município de Florianópolis-SC no programa: Centro Pop-Centro de Referência para a população de rua, onde, a demanda reprimida era ignorada por falta de instituições, projetos, programas para enfretamento desta expressão da questão social. À rigidez e ao pragmatismo institucional cabia no máximo o repasse das demandas a outras instituições com a mesma incipiente disposição de acesso às Políticas Públicas.

Considerando que a questão das drogas ultrapassa as determinações do consumo e das consequências biológicas que esta prática humana pode causar para o indivíduo, a questão das drogas está cada vez mais ganhando visibilidade social principalmente com a potencialização da violência social e a relação estabelecida entre drogas e violência, que ocorre também e principalmente com a agudização da contradição capital x trabalho, com a reordenação do mundo do trabalho e consequentemente da sociedade a partir do modo de produção que delimita padrões de comportamento para utilização da força de trabalho dos indivíduos em prol da manutenção da vigente organização social.

Trata-se de mudanças significativas na estruturação da sociedade bem como da alocação de cada indivíduo na ―/.../repartição espacial das classes sociais que se divide a sociedade /.../‖ (SANTOS, 1998, p. 82).

Milton afirma que

/.../ a cidadania /.../ mutilada e alienada está relacionada diretamente com a pobreza e que mesmo que o pobre esteja fora do sistema técnico-produtivo, este é subtraído a possível consumidor: do cidadão imperfeito ao consumidor mais que perfeito /.../ (SANTOS, 1998, p. 83).

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Os segmentos sociais de baixa renda, salvo escassas variações pouco significativas, na realidade convivem com o cenário de exclusão no que tange à viabilidade de projetos contidos nos textos oficiais relacionados à dependência química, bem como acessibilidade e efetividade nos existentes e praticados, vide exemplo na ‗tática higienista‘ com vistas à ―limpeza‖ dos grandes centros urbanos, adotada pelos gestores dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, em suas respectivas ―cracolândias‖.

Portanto, as implicações negativas do consumo de drogas evidenciam-se em todos os indivíduos, porém no que tange a necessidade/falta de tratamento em instituições públicas, os indivíduos ―menos abastados‖ sofrem com a falta ou inexistência dos serviços públicos, destarte, o protagonismo ímpar de instituições privadas predominantemente de cunho religioso na seara de enfrentamento da dependência química. Salientamos ser nosso objeto no presente trabalho delimitar as possibilidades de tratamento da dependência química nas políticas públicas, com foco nas políticas públicas de: saúde e assistência social.

A temática da dependência química não interessa apenas aos usuários, às famílias que têm dependentes químicos e aos agentes estatais/ privados (e traficantes/ proibicionismo) que atuam nas políticas sociais de saúde e assistência social. Contudo a compreensão global do universo das drogas como dos usuários ainda está atrelada a conclusões empíricas sobre a ação da droga e à avaliação de seus efeitos sociais e de como lidar com eles.

Desde o advento da política global de ―guerra às drogas‖ que vem sendo implementada desde a segunda década do século XX, os problemas relacionados ao uso de psicoativos ilícitos só têm aumentado. Passado quase um século de convívio do consumo massivo das drogas e suas conseqüências, torna-se consenso que existe uma grande dificuldade para se entender a ação da droga, o que se estende à avaliação de seus efeitos sociais e de como lidar com eles.

No processo de ensino aprendizado de graduação em serviço social há ênfase nas dimensões ético-política, teórica metodológica e técnico-operativa que servem para orientar a formação dos assistentes sociais, dimensões estas que privilegiam uma postura profissional crítica acerca da realidade social na qual está inserido para propiciar a reflexão em torno de temas transversais presentes no cotidiano profissional, e criar situações de debate e reflexão sobre aquela referida realidade. Portanto, o conhecimento sobre o ‗contexto global‘ do tema ―drogas e

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dependentes químicos‖ torna-se necessário para atuação profissional no Serviço Social brasileiro.

A intenção é a aproximação da situação concreta de um fenômeno com alto grau de complexidade, dado, a incipiência científica de um trabalho de conclusão de curso no que tange principalmente o tempo reduzido para uma análise mais minuciosa, além da inexperiência científica do autor, com intenção de apreensão tanto das reais implicações da dependência química como dos desdobramentos posteriores ao uso indiscriminado de substâncias químicas para os usuários, bem como para a sociedade.

Acompanhando Martinelli (2002, p. 2), a presente pesquisa está alinhada à ―/.../ perspectiva dialética com prisma do princípio da realidade que busca as tramas o real, concreto, em movimento em sua historicidade /.../‖, principalmente por ser a dependência química um movimento da particularidade para a totalidade.

Para reconhecimento da realidade do universo das drogas e da dependência química sob o prisma das políticas publicas no presente trabalho, no capítulo 1, dedicaremos a descrever e refletir sobre as necessidades e dificuldades pertinentes a dependência química, para responder as reais demandas dos usuários que buscam atendimento. É oportuno ressaltar que este trabalho não busca desvendar todas as implicações no âmbito das políticas públicas sobre ―drogas‖ no Brasil.

No referido capítulo a intenção é a de contextualização das substâncias químicas na sociedade, seu consumo e as determinações sociais, políticas e econômicas que condicionam as necessidades dos usuários dos projetos/programas pertinentes ao tratamento da dependência química, com objetivo de introdução ao debate, buscando informar sobre a lógica proibicionista que perpassa as políticas relacionadas a esta expressão da questão social.

Além de situar a posição da categoria em relação aos processos de trabalho dos assistentes sociais que estiverem no exercício profissional lidando com esta realidade.

No capítulo 2 resgataremos o histórico do consumo de substâncias psicoativas no Brasil e as posições do Estado em relação ao fenômeno. A construção do entendimento de que a dependência química deve estar alocada na seara da saúde mental, com a definição do conceito drogas com aferição médica judicial, que no tensionamento dos saberes acerca das substâncias químicas a medicina tem protagonismo, não necessariamente com mais ou menos mérito, encontra se como as

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outras áreas de atuação no tema procurando uma melhor compreensão sobre a dependência química e as drogas.

Pontuar criticamente sobre o foco da ―Guerra às Drogas‖ nas substâncias, em detrimento dos indivíduos que fazem seu uso. Demonstrar ainda as características das substâncias químicas e seus efeitos, situando o proibicionismo como lógica regente das políticas públicas para enfrentamento da questão, com prisma da abstinência para o ideal de tratamento; recuperação.

No capítulo 3 abordaremos o enfrentamento pelas políticas públicas do problema social da dependência química a partir das políticas de: saúde e assistência social, e os movimentos das reformas: sanitária, psiquiátrica e as políticas específicas de saúde mental.

Por fim, desfechamos o trabalho delimitando a conjuntura atual do enfretamento da dependência química no país, questionando: Quem se (Pre)ocupa com a Dependência Química do Brasil? Buscaremos demonstrar os parcos avanços registrados e a opção de alguns estados por tratamentos compulsórios e involuntários e o posicionamento do Serviço social brasileiro acerca do tema.

Assim como, apontar contribuições com o debate principalmente a partir do recorte do serviço social com definição de um posicionamento categórico e individual perante esta expressão da questão social.

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1 A DEPENDÊNCIA QUÍMICA E AS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS

As situações mencionadas na introdução instigaram o esclarecimento das possibilidades de garantia de direitos sociais a um cidadão que incorra na dependência química, visto serem esses considerados hereges/párias passíveis de invisibilidade social em decorrência de uma prática humana.

Ademais dos inúmeros e complexos fatores que condicionam indivíduos a uma vida de negação, tal como se dá com os moradores de rua que têm na dependência química mais um obstáculo para sociabilidade, obstáculo este negligenciado por parte do Estado e por vezes legitimado pelos veículos de imprensa e grande parte sociedade no referente a prevenção, tratamento, recuperação, ao Estado cabe a repressão como principal intervenção para esta ―moléstia social‖. Sabemos que isso decorre dentre outras razões do não investimento nos indivíduos que buscam reduzir os danos da drogadição ou parar com o uso e abuso de drogas, e da não efetivação das políticas relacionadas com a dependência química.

Destarte os juízos de valor que ocorram sobre o fenômeno, para Carneiro (2005, p. 148) ―... as drogas são uma mercadoria que se efetivam em um mercado por meio de relações humanas...‖ .Na presente conjuntura, as expressões da questão social potencializadas pela contradição vigente do capital/trabalho, têm colocado novos desafios para o Estado que por sua vez se sustenta em uma base de apropriação dos aparelhos sociais, em Marx, declara:

...a religião da mesma maneira que os demais elementos burgueses /.../ os declarando apolíticos, deixando os confiados a si próprios...ativos na sociedade civil. A infraestrutura seria representada pelas forças econômicas, a superestrutura, representaria as ideias, costumes, instituições(políticas, religiosas, jurídicas, etc.) /.../ (MARX, 2002, p. 13).

Para Netto (2002, p. 29), é importante pontuar a verdadeira funcionalidade do Estado que é o condicionamento econômico e político no campo burguês: ―‗/.../ É o que determina suas bases sociais de apoio e recusa /.../‘‖. Esta posição crítica atenta ao possível erro de concepção

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ao qual reservaria ao Estado a resolução orgânica dos problemas sociais, posição esta consciente da necessidade de auto emancipação dos cidadãos que necessitam:

/.../ emancipar politicamente, como para o Estado que o emancipa e deve, ao mesmo tempo, ser emancipado... Na mesma medida que ambos se contrapõem eles se condicionam simultânea e mutuamente /.../ (MARX, 2005, p.34).

Portanto o próprio ‗avanço‘ das políticas públicas, inclusive na seara da dependência química cabe a uma relação de interesse de manutenção deste Estado liberal, logo, demanda da funcionalidade da resolução dos problemas inerentes a dependência química a uma necessidade de manutenção da ordem, como classifica Thompson, (2007, p. 47), ―/.../ numa sociedade complexa, e hierarquizada, dita as leis a classe que dispõe de poder /.../ com o propósito político de assegurar a conservação do status quo socioeconômico /.../‖. Este poder estatal é resultante de um ideário burguês que localiza no Estado a resolução das contradições existentes na sociedade e no convencimento que o ―... o exercício do ‗poder e necessário‘ e para o ‗bem‘ de todos deve ser exercido...‖ (BAKUNIN, 1988, p.225).

O que nos faz entender que a efetivação de políticas públicas não necessariamente garante o Estado de bem estar social tão pouco individual, e que liberdade neste Estado e Sociedade (modo de organização e produção) refere-se, de acordo com Marx (2005, p.34), ―/.../ a liberdade individual do direito do indivíduo delimitado, limitado a si mesmo /.../ e não se baseia na união do homem com outro homem, mas pelo contrário na separação do seu semelhante /.../, a limitação da liberdade /.../‖.

À frente retomaremos a análise das políticas públicas no caso da dependência química alocada mais especificamente na área da saúde mental, que habitualmente dispõem de intervenções incipientes, considerando, a complexidade do tema ―uso de drogas‖, principalmente a dependência química (álcool e drogas ilícitas) determinando o cenário de exclusão para com aos usuários de substâncias químicas e seus familiares nas políticas públicas o que reflete na sociedade na situação de endemia social que resultou principalmente a partir de advento do consumo/dependência ao crack.

O presente desenvolvimento recorre à perspectiva crítica do Projeto Profissional do Serviço Social brasileiro e a postura

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radicalmente democrática no processo de trabalho dos Assistentes Sociais que estão comprometidos, entre outros princípios com o do ―/.../ reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes– autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais /.../‖ (CÓDIGO DE ÉTICA, 1993).

Para Paiva e Sales este princípio relaciona-se na prática do Serviço Social com a:

/.../ necessidade de liberdade não pode suplantar o ideal da igualdade, a igualdade requer a liberdade e vice-versa. Não se trata de uma concepção de liberdade como a presente no liberalismo, que a percebe apenas como livre arbítrio ou que coincide das decisões individuais ,pois a experiência da liberdade se constitui como uma construção coletiva ...contudo,esse pleito de consolidação da liberdade na conjuntura da sociedade capitalista limita a liberdade aos termos formais e jurídicos /.../ (PAIVA e SALES, 1997, p. 182)

O que pode gerar circunstâncias de impotência nos processos de trabalho dos assistentes sociais desencadeando visões mecanicistas com postura ora fatalista ora messiânica (Iamamoto, 1992, p.114), postura esta que para Paiva e Sales (1997, p. 183) é ―/.../ fruto da inércia conformada no interior do sujeito /.../‖. Para os profissionais do Serviço Social é classificada por Marilena Chauí (1994, p. 357) como ―/.../ uma situação em que diante das adversidades, renunciamos a enfrentá-la, fazendo-nos cúmplices dela e isso não é o pior /.../. Pior é a renúncia da liberdade /.../‖.

Outro princípio que perpassa o projeto profissional do serviço social é o da ―... defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e do autoritarismo...‖ (CÓDIGO DE ÉTICA, 1993), principalmente como ressaltam Paiva e Sales, considerando:

/.../ o passado recente da categoria dos Assistentes Sociais, o final da década de 1970 até os dias de hoje vem se posicionando contra todo tipo de abuso de autoridade, torturas, violência doméstica e urbana/social o que vincula a categoria na /.../ firme vinculação à luta em favor dos direitos humanos /.../com um real posicionamento de valor e respostas que ultrapassem o assistencialismo, o

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imediatismo, a fragmentação /.../ (PAIVA e SALES, 1997, p. 184).

Este desafio de desvelamento do real, no caso específico do trabalho profissional dos Assistentes Sociais que se vinculam direta ou indiretamente com a efetivação de direitos dos usuários de drogas e seus familiares, das pessoas vivendo em situação de rua ou dos moradores de comunidades que convivem com o tráfico de drogas, tais exigências são ainda mais prementes e principalmente diante do entendimento equivocado sobre a dependência química, reforçado pela incipiência com quase ausência e estudos que abarquem esta temática. O que é determinante para análises profissionais e posteriores intervenções caracterizadas pelo despreparo técnico-científico. Este cenário é o cotidiano da atuação profissional de variadas profissões que estão inseridas no âmbito da dependência química, inclusive os assistentes sociais

O discurso dominante, calcado na moralidade, na ideologia cristã, legitimado por uma mídia que explora os aspectos mais degradantes da dependência química, conduz o grande público a análises apaixonadas, equivocadas, condicionando posteriores conclusões fatalistas como: as drogas ilícitas, (na atualidade especialmente o crack), inevitavelmente degeneram o caráter e o comportamento de seus usuários negando assim totalmente a ―... multiplicidade de implicações sociais, econômicas, familiares, psicológicas que determinam o grau de abuso e degeneração que uma substância pura e simples pode causar para cada indivíduo...‖ (LENOIR, 1996, p. 63).

Nesse sentido, tais visões impedem qualquer possibilidade de liberdade e de autonomia do usuário, criminalizando a conduta de uso de substâncias ilegais, o que, por sua vez, autoriza e legitima o Estado, por intermédio de seus agentes de segurança pública (repressão) e de profissionais (da saúde, da assistência social), a decidir pelo abrigamento e tratamento compulsórios. Deste modo se alimenta a falácia da compreensão de que a dependência química é a motivação maior da violência social, logo a questão e responsabilidade dos órgãos estatais de segurança civil, os detentores do uso e monopólio da violência, cabendo assim principalmente a repressão para a pseudo ―guerra às drogas‖ (BURGIERMAN, 2011, p. 42), como alternativa de enfretamento da dependência química.

Enquanto o foco for às substâncias em face aos usuários, com tais posições que reforçam a centralidade do debate nas substâncias químicas e não nos indivíduos que fazem seu uso, a ―guerra às drogas‖,

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como buscaremos demonstrar neste trabalho de conclusão de curso estão condenadas ao infortúnio.

A não efetivação das garantias constitucionais das políticas sobre drogas reflete diretamente nas classes subalternas (YASBEK, 1993), considerando o protagonismo da iniciativa privada em clínicas de tratamento de dependência química, o que para Pinheiro (1991,p.50), este cenário de inconclusão dos direitos sociais constituídos garante os segmentos populacionais afetados um ―/.../ regime de exceção paralelo /.../‖ e mantém as ―/.../ formas de regime autoritário /.../‖

Além de condicionar a manutenção deste regime de exceção paralelo, a legitimidade social que o Estado se respalda – inclusive respaldo das classes populares afetadas – ressalta Pinheiro:

/.../ a tortura, a eliminação sumária de ‗suspeitos‘, enfim, as práticas rotineiras de uma ‗pedagogia do medo‘, sistematicamente aplicada às classes populares: invasões de domicilio, batidas policiais nas periferias (quase uma exclusividade), espancamentos, sequestros, massacres, chacinas, são visualizados como integrando a normalidade pela maioria das populações/.../ (PINHEIRO, 1991, p.51).

Principalmente quando estas ações se deparam com indivíduos envolvidos com drogas, ocorre uma ―natural legitimação‖ para o ‗bem‘ e para o ‗mal‘. Por vezes advogados associam o consumo de drogas á incapacidade de consciência, o que legitimaria todos os tipos de ocorrências, dependendo da possibilidade/qualidade de defesa jurídica. Alocando seus clientes como inimputáveis por considerar que o uso de substâncias psicoativas desencadearia: anomalia psíquica, retardo mental isentando indivíduos de responsabilidade penal por não poder responder por si judicialmente.

Um problema principal que identificamos está no discurso e na postura oficial do Estado que reforça a satanização das substâncias, desfocando o âmbito dos usuários, o que ostenta um ‗repúdio retórico‘ e prático, consagrando a ‗violência ilegal‘. Pinheiro (1991) associa este contexto com o período da ditadura militar:

/.../ Ao saber que as mesmas práticas que no período autoritário suscitavam protestos, marchas, manifestações, quando os atingidos eram

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indivíduos da classe média e da burguesia /.../ a política de segurança pública nas suas linhas gerais /.../ nos governos pós-transição política, continua sendo a mesma da violência explícita e ilegal da ditadura /.../ enriquecidas pelas ilegalidades agregadas /.../ como a militarização do policiamento ostensivo, contemplado na Constituição de 1988 /.../. O Brasil jamais renunciou nenhuma de suas ‗conquistas‘, desde, o cassetete de borracha, passando pelo ‗pau de arara‘ até a bateria para choques elétricos /.../ (PINHEIRO, 1991, p.53).

Para Netto

/.../ ao cabo do ciclo ditatorial, nenhum dos grandes e decisivos problemas estruturais da sociedade brasileira (que Florestan Fernandes, reiteradamente, chamou ‗descolonização incompleta‘) estava solucionado, ao contrário: aprofundados e tornados mais complexos /.../ (NETTO, 2002, p.15).

Trata-se de uma associação histórica praticada no ideário social de que a dependência química potencializa a violência social, sendo considerado um problema social. Para Lenoir (1996) o debate acerca do tema deve primar pelo conhecimento científico:

... no senso comum, um problema social existe simplesmente porque é um dado da realidade, algo natural, mas cabe às ciências, principalmente às humanas, buscar compreender os mecanismos pelos quais o problema é instituído... (LENOIR, 1996, p.63).

Lenoir pontua que por ser considerada uma prática anti-social, a oferta de tratamento a dependência química reproduz os modelos de exclusão/separação do convívio social, como o tratamento de moléstias com reprovação social, vide exemplo da hanseníase no início do século passado, onde, os pacientes da doença eram excluídos do meio social. Alternativas estas que violam direitos humanos.

Para o conjunto Cfess-Cress (2012) ,em um comunicado para pontuar ao menos um posicionamento político da categoria, reforçando à

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dimensão técnico-operativa dos assistentes sociais, com o prisma de adequação aos princípios norteadores contidos no código de ética da profissão no enfretamento da questão social, uma intervenção de forma justa e democrática com a universalização do acesso e com a melhoria da qualidade das políticas sociais, exige por parte dos assistentes sociais uma:

/.../ capacidade crítica para compreender e diferenciar as várias drogas, a diversidade de usos e motivações, bem como os danos sociais e de saúde decorrentes dessas práticas. Considerando que a defesa pela vida está radicalmente da ampliação e consolidação da democracia e da cidadania /.../ (CFESS-CRESS, 2012, p1). Sendo assim a alternativa proibicionista, com repressão como enfrentamento está condicionada a determinadas classes sociais. Para Carneiro(2005,p 151), a: ―/.../ proibição de determinadas substâncias químicas potencializa o controle de hábitos, costumes, tradições, práticas e comportamentos de camadas sociais historicamente discriminados /.../‖, os associando com a marginalidade, principalmente pela fragilidade de nossa democracia e ineficácia da distribuição da riqueza socialmente produzida.

Em nome de um ideal falacioso de um ―mundo livre de drogas‖, setores conservadores procuram impedir que o debate ganhe visibilidade pública e política. Requisitam a responsabilidade pública em defesa da saúde e do destino dos jovens, ―a velha e boa moral dos bons costumes‖, obscurecendo as reais determinações sociais, econômicas e políticas, subjetivas individuais/coletivas que, efetivamente, determinam a trajetória trágica da vida concreta de parcela expressiva da população brasileira usuária de substâncias químicas e cidadãos que necessitam da efetivação dos direitos sociais, em forma de políticas sociais.

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2 HISTÓRICO DO CONSUMO DE SUBSTÂNCIAS

PSICOATIVAS NO BRASIL E A ALTERNATIVA

PROIBICIONISTA DO ESTADO

Ao contrário do que muitos acreditam, as drogas estão no meio social desde o Egito antigo, em Roma, na Grécia, nas civilizações asiáticas, sempre existiram o álcool, o ópio, a cannabis. Nas Américas pré-colombianas, seus habitantes já se valiam do tabaco, de mascar folhas de coca, de usar o extrato do cacto peyote, da mescalina e de outras plantas alucinógenas. As drogas são antigas, mas seu uso massivo é muito recente, há apenas um século começaram as grandes guerras neste contexto histórico em que o consumo massivo foi acentuado (CARNEIRO, 2005, p. 157).

A fim de apresentar uma breve referência do histórico do consumo de drogas e sua regulação jurídica, como também suas particularidades, segundo Fraga, a regulação jurídica acerca das drogas começou:

/.../ no séc. XIX e mesmo em alguns casos mais específicos, o início do século XX não havia em nosso arcabouço jurídico uma lei que abordasse a questão das drogas. Por outro lado, algumas substâncias, principalmente os venenos, já tinham sua venda controlada antes mesmo da nossa independência, desde as Ordenações Filipinas, ordenamento jurídico português, com validade no território do Brasil Colônia já um item referido ao uso e à posse de determinadas substâncias /.../ (FRAGA, 2010 ,p.28).

Fiore (2005) afirma que a 1ª lei da qual se possui registro histórico sobre substâncias químicas (4 de outubro de 1830) ocorre na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que regulamenta a venda de gêneros e remédios pelos boticários, onde:

/.../ proibia a venda e uso do pito de pango /.../ havia multa ao vendedor e três dias de cadeia aos que usarem, explicitando-se aí escravos e demais pessoas /.../ pois /... a maconha já antes de sua proibição era diretamente associada às classes baixas, aos negros e mulatos /.../ porém /.../ as

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práticas específicas de classe e/ou raça que eram vistas como perigosas /.../ (FIORE, 2005, p.263). O ‗critério‘, por explicitar escravos, era certamente de ―controle social", diz Fiore, demonstrando que pode haver na lei, inclusive, um viés discriminatório. Segundo Fraga, o Código Penal do Império, de 1851, não tocava na questão de proibição, mas regulava o uso e a venda de medicamentos, enquanto o Republicano e 1890, determinava uma multa a quem vendesse ou ministrasse substância venenosa sem prescrição nos regulamentos. ―/…/ É importante reparar a não referência a determinadas substâncias como maconha, cocaína ou ópio /.../. O decreto legislava com a utilização do termo substâncias venenosas e atrelado, notadamente, à prática sanitária /.../‖.

Estudiosos das substâncias químicas mostram a participação do Brasil no processo para jogar na ilegalidade o hábito de fumar maconha. Por exemplo, após as Guerras do Ópio, no século XIX, houve diversos encontros entre as nações para se discutir os procedimentos que os países deveriam tomar para combater certos entorpecentes com consequentes reuniões de 1909, 1911, 1912 e 1921, com destaque para Convenção de Haia em 1912, também conhecida como primeira convenção do ópio.

É quando o governo forma uma comissão de médicos, juristas e autoridades policiais para estudo sobre o tema e possíveis mudanças no código penal, entre os ilustres da comissão de ‗notáveis‘ estava Carlos Chagas (chefe da saúde pública), pois o Brasil, embora tenha se comprometido em cumprir o tratado de Haia, nunca o tinha feito efetivamente. Com o fim da primeira guerra, as convenções foram retomadas.

No ano de 1921, o governo brasileiro se viu obrigado a cumprir seus compromissos internacionais; a primeira lei específica sobre drogas no Brasil é sancionada pelo presidente Epitácio Pessoa. Trata-se do decreto nº 4294, 6/07/1921. Carvalho afirma que o decreto, estabeleceu:

/.../ penalidades para os contraventores na venda de cocaína, ópio, morfina e seus derivados; cria um estabelecimento especial para internação dos intoxicados pelo álcool ou substâncias venenosas; estabelece as formas de processo e julgamento e manda abrir os créditos necessários /.../ (CARVALHO, 2009,p. 12).

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Os tratados que seguiram ao de Haia foram se tornando cada vez mais rígidos o controle legal sobre as drogas até culminar na Convenção Única dos Entorpecentes (1961). Esta convenção fez a classificação e divisão das substâncias com consumo proibido, que na conjuntura brasileira desencadeou, finalmente, em 1976, com o então Presidente Ernesto Geisel que sanciona a Lei nº. 6.368/76 prevendo a criação, por decreto, em seu artigo 3º, de um Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão.

Para Carvalho (2009,p.12), na prática, tratava-se de cumprir as convenções de 1971 (Viena) e 1972 (Protocolo de Emendas à Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 – Genebra) a Lei de Tóxicos promulgada em 1976 (lei n.6.368) que passa a considerar dependência psíquica e física, devendo ser determinada por critério médico para decisão da justiça. A internação deixa de ser obrigatória, sendo substituída por tratamento, além de definir as penalidades para quem portar a droga para vender (art.12). E quem portar para consumo próprio (art.16), a referida lei deixa a critério do Ministério da Saúde a decisão sobre quais substâncias devem ser proibidas ou pela Anvisa (Agência Nacional Vigilância Sanitária).

Praticamente, desde sua edição, diversos projetos foram sendo apresentados para modificá-la, pois torna dúbio o entendimento de quem é o usuário e quem é o traficante temos este impasse ―jurídico‖ desde então condicionando a decisão de quem é usuário ou traficante ao poder judiciário que determina esta diferenciação, considerando todos os agentes públicos envolvidos no auto de atuação de cada indivíduo.

As alterações, só ocorreram em 1998 com o decreto nº. 2.632 criaram o Senad (Secretaria Nacional Anti Drogas) e Conad (Conselho Nacional Anti Drogas) sendo que os dois órgãos formam o sistema nacional antidrogas, que tem (teria) por meta: planejar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de prevenção e repressão ao tráfico ilícito, uso indevido e produção não autorizada de substâncias entorpecentes e drogas que causem dependência física ou psíquica, e a atividade de recuperação de dependentes (BRASIL, Ministério da Saúde).

Aliás, um paralelo possível para Carneiro (2005) e sempre citado com a história das drogas é a trajetória dos medicamentos, considerando principalmente que as substâncias químicas são reguladas pelo órgão do Ministério da Saúde-Anvisa, que regula a indústria dos medicamentos:

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/.../ As drogas legais que alteram a consciência – é interessante ressaltar – estão sempre entre as mais vendidas, mesmo com todas as exigências para a sua compra. O ansiolítico Rivotril ficou em segundo lugar na lista de 2010 no Brasil, por exemplo /.../ (CARNEIRO, 2005, p.2).

O professor Henrique Carneiro (CARNEIRO, 2005), no artigo intitulado ―Drogas muito além da hipocrisia‖, citou o que para ele são as razões para o sucesso dessas vendagens: o atual sistema de patentes, que prioriza as grandes companhias farmacêuticas, em detrimento do pequeno produtor que nunca fez segredo de suas descobertas; o monopólio médico da prescrição, que deixa na mão de uma classe específica o poder de receitar este ou aquele remédio; e o mercado publicitário voltado tanto para quem toma como para quem ministra esses medicamentos, criando ou, pelo menos, reforçando novas demandas e necessidades.

Para Carneiro outra contrapartida indispensável [para o crescimento dessas vendas de remédios legais] é:

/.../ a proibição concomitante do uso de diversas plantas psicoativas de uso tradicional – como a canábis, a papoula e a coca. As funções psicoterapêuticas que estas têm em medicinas tradicionais passaram a ser substituídas por pílulas farmacêuticas /.../ sendo que o maior número de usuários e dependentes de drogas na sociedade contemporânea são os consumidores de produtos da indústria farmacêutica /.../ (CARNEIRO, 2005).

Para Karam (2010), este movimento do Brasil tem como intuito a adequação à política internacional de combate às drogas, a chamada ―Guerra às drogas‖:

/.../ a versão brasileira da globalizada ―guerra às drogas‖ se revela explicitamente, já bem depois da redemocratização, a partir de 1998, quando foi criada a Secretaria Nacional Antidrogas, órgão executivo do Conselho Nacional Antidrogas, ambos dirigidos por generais do Exército e subordinados ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, órgão que, sucedendo,

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desde 1999, a Casa Militar da Presidência da República, não perdeu o caráter militarista explícito naquela. A própria denominação da Secretaria – ―Antidrogas‖ –, logo adotada por diversos órgãos estaduais, já sugere uma visão distorcida e delirante sobre as substâncias psicoativas, visualizadas, militarmente, como se fossem o ‗inimigo‘ /.../ (KARAM, 2010, p.3).

Mas, a repressão militarizada se manifesta negativamente no Brasil na regulamentação, segundo Karam, com o Decreto 5.144/04, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica. O referido Decreto veio concretizar a previsão de abate de aeronaves suspeitas de ―tráfico‖ de drogas qualificadas de ilícitas, instituindo, de forma oblíqua, uma verdadeira pena de morte (a morte sendo conseqüência praticamente certa do abate da aeronave).

Para a magistrada, que é representante da LEAP-Brasil (Law Enforcement Against Prohibition), a lei 11.343/2006 é apenas mais uma dentre as legislações dos mais diversos países que, reproduzindo os dispositivos criminalizadores das proibicionistas convenções da ONU – Organização das Nações Unidas conformam a globalizada intervenção do sistema penal sobre produtores, comerciantes e consumidores das selecionadas substâncias psicoativas e matérias primas para sua produção, que, em razão da proibição, são qualificadas de drogas ilícitas.

E mantendo a criminalização da posse para uso pessoal, a Lei 11.343/2006 repete para Karam:

/.../ as violações ao princípio da lesividade e às normas que, assegurando a liberdade individual e o respeito à vida privada, estão ligadas ao próprio princípio da legalidade, que, base do Estado de direito democrático, assegura a liberdade individual como regra geral, situando proibições e restrições no campo da exceção e condicionando-as à garantia do livre exercício de direitos de terceiros /.../ (KARAM, 2010).

Na vigente lei a simples posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto, direto e imediato para terceiros, são condutas que não afetam nenhum bem jurídico alheio, dizendo respeito unicamente ao

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indivíduo, à sua intimidade e às suas opções pessoais. Nos termos de Maria Lucia Karam no conceito de democracia ao qual compreende que:

/.../ o Estado não está autorizado a penetrar no âmbito da vida privada. Em uma democracia, o Estado não está autorizado a intervir sobre condutas de tal natureza, não podendo impor qualquer espécie de pena,nem sanções administrativas,nem tratamento médico obrigatório,nem qualquer outra restrição à liberdade do indivíduo.Em uma democracia,enquanto não afete concreta,direta e imediatamente direitos de terceiros, o indivíduo pode ser e fazer o que bem quiser /.../ (KARAM, 2010).

Mesmo considerando os avanços que podem ser observados, conforme problematizaremos mais adiante, as recentes mudanças não são significativas no conteúdo da legislação brasileira sobre drogas, no que se trata de garantia de liberdade individual e na garantia cidadania sob forma de acesso aos direitos sociais dispostos com uma legislação que permanece alinhada ao discurso proibicionista.

A atenção à saúde deixa de ser uma espécie de apêndice dessa política e se torna um tema cada vez mais relevante, ainda que persistam as contradições imanentes de uma estrutura político-organizacional militarizada para o enfrentamento das questões relacionadas às drogas. Uma mudança refere-se à distinção feita entre as atividades antidrogas e aquelas de prevenção, tratamento, recuperação e reinserção social, e incentivo as pesquisas relacionadas com a temática conferindo maior destaque a estas últimas.

A Lei nº. 10.409/2002 37 afirma que ―o tratamento do dependente ou usuário será feito de forma multiprofissional e, sempre que possível, com a assistência de sua família‖. A referência às ações de redução de danos sociais e à saúde é feita pela primeira vez na legislação brasileira sobre drogas, cabendo ao Ministério da Saúde a sua regulamentação. Com vários de seus artigos vetados, a vigência desta lei não revogou por completo a Lei nº. 6.368/1976, especialmente no que se refere à criminalização do porte de drogas ilícitas para consumo próprio.

A Política Nacional Antidrogas, instituída pelo Decreto nº. 4.345/2002, retrata o uso indevido de drogas como uma ameaça séria e persistente à humanidade e à vida em sociedade, associando-o ao tráfico de drogas e a outros crimes e modalidades de violência. Entre seus

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pressupostos básicos, destaca-se aquele que traduz a essência da perspectiva proibicionista em relação às drogas: ―buscar, incessantemente, atingir o ideal de construção de uma sociedade livre do uso de drogas ilícitas e do uso indevido de drogas lícitas‘ /.../‖. (Brasil, Ministério da Saúde).

Ademais, refere-se como necessário evitar a discriminação dos indivíduos pelo fato de serem usuários ou dependentes de drogas e garantir o seu direito à atenção a saúde especializada. Com a formulação da Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, em 2003, admite-se o atraso histórico de inserção do uso prejudicial e/ou dependência do álcool e outras drogas na agenda da saúde pública.

Afirma-se a responsabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS), em garantir atenção especializada aos usuários de álcool e outras drogas, até então contemplada predominantemente por instituições não governamentais, como as comunidades terapêuticas e os grupos de auto-ajuda e de auto-ajuda mútua.

As diretrizes da política setorial de saúde prevê a construção de uma rede de atenção a usuários de álcool e outras drogas valendo-se da implementação de Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS-ad), que têm como função desempenhar papel estratégico de ordenamento da rede em seu território de atuação, promovendo a articulação necessária entre rede comunitária social e de saúde para a integralidade da atenção e inclusão social de usuários e familiares acompanhados. Logo na introdução do texto oficial da política de saúde mental, álcool e outras drogas é pontuado a necessidade de incorporar se às políticas inerentes a dependência química as reais demandas deste público específico:

/.../ as políticas públicas relacionadas à prevenção e uso de álcool e outras drogas têm historicamente a abordagem predominantemente psiquiátrica ou médica. As implicações sociais, psicológicas, econômicas e políticas são evidentes, e devem ser consideradas na compreensão global do problema, pois o contexto econômico e sócio-cultural de uma comunidade reveste o paciente de particularidades que precisam ser consideradas pelo serviço de tratamento em uma dada região

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de acordo com a necessidade /.../ (BRASIL, 2004).

A percepção distorcida da realidade do uso do álcool e drogas promove a disseminação de uma cultura de combate a substâncias que são inertes por natureza, fazendo com que os indivíduos e o seu meio de convívio fiquem aparentemente renegados a um plano menos importante. Portanto atribuir valor negativo a uma substância a ponto da legitimação da satanização social da prática do uso de substâncias psicoativas com negação de direitos sociais para os que fazem seu uso acarreta principalmente uma ‗estigmatização social‘ com conseqüente definição dos excluídos socialmente.

Para a compreensão de tal manifestação social o conhecimento mínimo sobre esta substância faz-se necessário. O que determina esta invisibilidade social derivada de uma estigmatização de uma conduta principalmente é a opção pelo proibicionismo como principal alternativa pública/estatal para controle/enfretamento da dependência química.

A ilegalidade de algumas substâncias químicas na sociedade serve ao controle de práticas e comportamentos de segmentos sociais historicamente discriminados e que são cotidianamente impelidos a marginalidade. Portanto, o caráter ilícito de algumas drogas serve para legitimar práticas violentas e violadoras de direitos por parte de profissionais da segurança pública, da saúde, assistência social e da educação.

Logo, o debate contemporâneo sobre os usos de drogas na realidade brasileira tem profunda relação com o debate sobre a questão social, diante do uso de drogas como prática social e das respostas formuladas pela sociedade brasileira a essa antagonismo entre drogas lícitas e ilícitas revela o lógica falaciosa e moralizante de uma perspectiva ideológica que serve muito mais para controlar o comportamento de determinados segmentos sociais do que, como ―pretende‖ as políticas sociais, reduzir danos sociais e de saúde associados o consumo das drogas consideradas ilegais.

A guerra mundial contra as drogas completou um século. Ainda que as resoluções da Primeira Conferência Internacional do Ópio de 1912, realizada em Haia, tenham sido praticamente abandonadas nos anos conturbados entre as duas grandes guerras, o modelo ali esboçado foi triunfante. Defendida, patrocinada e sediada pelos EUA, já sob a coordenação da ONU, a Convenção Única sobre Entorpecentes, de 1961, implantou globalmente o paradigma proibicionista no seu formato atual. Os países signatários da Convenção se comprometeram à luta

(41)

contra o ―flagelo das drogas‖ e, para tanto, a punir quem as produzisse, vendesse ou consumisse.

Para Fiore o legado do proibicionismo será:

/.../ uma forma simplificada de classificar o paradigma que rege a atuação dos Estados em relação a determinado conjunto de substâncias /.../ seus desdobramentos, entretanto, vão muito além das convenções e legislações nacionais /.../ o proibicionismo modulou o entendimento contemporâneo de substâncias psicoativas quando estabeleceu os limites arbitrários para usos de drogas legais/ positivas e ilegais negativas /.../ entre outras consequências, a própria produção científica terminou entrincheirada, na maior parte das vezes do lado ―certo‖ da batalha, ou seja, na luta contra as drogas /.../ o proibicionismo não esgota o fenômeno contemporâneo das drogas, mas o marca decisivamente /.../ (FIORE, 2004). Pode-se dizer que três conjuntos de substâncias e/ ou plantas foram eleitas alvos-padrão do paradigma proibicionista: papoula/ópio/heroína, coca/cocaína e cannabis/ maconha. No prisma financeiro a ONU estima que o mercado ilegal das substâncias psicoativas ilícitas fatura cerca de 400 bilhões por ano o que representa 8% de todo comercio formal realizado no planeta. Zacconne (2009), afirma que:

/.../ a política do proibicionismo pode ser considerada um serviço a criminalidade /.../ enquanto nos meandros políticos internacionais os órgãos oficiais norte-unidenses, principalmente o DEA (Drug Enforcement Administration) tem persuadido departamentos europeus a adotar suas táticas falhas e imposto as ao terceiro mundo /.../ (ZACCONNE, 2009, p.34).

Não se trata é uma questão de garantia dos direitos individuais a questão que deve se regulamentar bases científicas para o enfrentamento da dependência química. Pois as consequências da manutenção da ―Guerra as drogas‖ sob os ditames do proibicinismo tem implicações

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infinitamente superiores e desproporcionais do que os efeitos biológicos e sociais que as drogas podem suscitar.

2.1 SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: O DEBATE ACERCA DAS CARACTERÍSTICAS E EFEITOS

A seguir apresentaremos um breve panorama do debate sobre as características e efeitos das substâncias psicoativas no ser humano. Contudo, assinalamos desde já que a nosso entender é um equívoco limitar o debate e focá-lo na substância em face aos usuários.

Para Fiore (2004) o termo ―droga‘‘ tem origem etimológica incerta, e o seu significado, sob o ponto de vista farmacológico contemporâneo, engloba todas as substâncias que provoquem alguma mudança fisiológica num corpo sem ser fundamental para sua sobrevivência, no conjunto de significados cotidianos que podem ser apreendidos no linguajar comum e na mídia.

Já a OMS (Organização Mundial de Saúde), que pode ser considerada a maior referência internacional no que diz respeito aos consensos científicos em medicina em seu ―capítulo V Saúde Pública‖, define a lista de substâncias na Classificação Internacional de Doenças, como ―CID-10-Transtornos Mentais e de comportamento‖, que inclui:

• álcool;

• opióides (morfina, heroína, codeína, diversas substâncias sintéticas);

• canabinóides (maconha);

• sedativos ou hipnóticos (barbitúricos, benzodiazepínicos); • cocaína;

• outros estimulantes (como anfetaminas e substâncias relacionadas à cafeína);

• alucinógenos; • tabaco;

• solventes voláteis.

Nicastri (2000) afirma que as substâncias químicas são classificadas a partir da sua configuração jurídica e didática. As substâncias químicas comercializadas de forma legal, com ou sem restrições, são classificadas como substâncias químicas lícitas e as substâncias químicas comercializadas ilegalmente são classificadas como substâncias químicas ilícitas, de interesse didático. A classificação é exercida considerando as ações aparentes das drogas sobre o Sistema

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Nervoso Central (SNC), conforme as modificações observáveis na atividade mental ou no comportamento da pessoa que utiliza a substância da atividade mental (Nicastri, 2000).

A partir destas classificações são subdivididas as principais substâncias químicas: depressoras, estimulantes e perturbadoras da atividade mental.

Para Nicastri (2000) a categoria substâncias químicas depressoras inclui uma variedade de substâncias, que diferem acentuadamente em suas propriedades físicas e químicas, mas que apresentam a característica comum de causar uma diminuição da atividade global ou de certos sistemas específicos do SNC.

Como consequência dessa ação, há uma tendência de ocorrer uma diminuição da atividade motora, da reatividade à dor e da ansiedade, e é comum um efeito euforizante inicial e, posteriormente, um aumento da sonolência. No quadro que segue são apresentadas as substâncias psicoativas e seus efeitos para o organismo.

DROGA USADA PRINCIPAIS SINTOMAS E

SINAIS DE CONDUTA Característica em relação ao sistema nervosos central Maconha, Skank. Haxixe

Outros derivados canábicos.

. Bastante

excitação.Risadas,Depressão, sonolência, letargia. Perda de iniciativa..Aumento de apetite,Olhos

vermelhos e pupila dilatada.Boca seca.Tosse, bronquite, catarro.Perda da

memória.Alucinações moderadas.Distúrbios na percepção do

tempo e do espaço. Diminuição da coordenação motora.Queda de rendimento escolar e do trabalho.

Drogas Perturbadoras da atividade mental Estimulantes, bolinhas, Anfetaminas, Moderador de apetite. Ecstasy. Confusão mental.Inquietação, intranqüilidade,excitabilidade. apetite sexual.Insônia.Hipercinesia, hiperatividade.Falta de apetite e emagrecimento.Alucinações e paranóia.Dilatação das pupilas.

Drogas estimulantes, atividade mental Cocaína Crack Mesclado = (maconha + Crack/cocaína)

Grande excitabilidade e euforia. Aumento da atividade motora. hiperatividade. Possibilidade de

apresentar convulsões.

Drogas estimulantes da atividade mental.

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Depressão,fadiga.Isolamento emocional.Diminuição da libido.medo.Palidez, dilatação das pupilas.No caso de uso de crack:,falta

de ar, tosse,dores pulmonares,catarro abundante, sonolência.Emagrecimento

e falta de apetite Barbitúricos/Benzodiazepínic

os/Opióides. Solventes voláteis, cola de sapateiro, B-25, outras colas e

vernizes. Éter, benzina, acetona, cheirinho da Loló e outros.

Lança-perfume.

Falta de equilíbrio, olhos vermelhos, sonolência. Nariz escorrendo e vermelho. Tosse seca. Salivação intensa. Confusão mental e agitação. Alucinações. Depressão e ansiedade

Drogas Depressoras da atividade mental. Álcool Cerveja Cachaça Vinhos Vodka Uísque Licores

Inicialmente euforia e perda de limites.Depois da euforia: embriaguez,

sonolência, perda do controle motor.Irritabilidade, angústia.Depressão e ansiedade.impotência, Insônia e apatia,Olhos vermelhos, diminuição da

acuidade visual. Hálito alcoólico. Drogas Depressoras da atividade mental. Tabaco Cigarros Cigarros de palha. Charutos. Fumo de cachimbo. Fumo de mascar. Rapé

Inicialmente: bem estar, mente mais clara, menos depressão, menos ansiedade, redução da fome. Na abstinência: Humor deprimido. Insônia. Irritabilidade. Ansiedade.

Inquietação. Aumento do apetite. Ganho de peso.

Quadro 1: Principais Substâncias Químicas E Os Sintomas Nos Usuários. Fonte: Adaptado de Sergio Nicastri-Secretaria Nacional Antidrogas –

SENAD (2002), Série Diálogo, Publicação nº1. Segundo Fiore, a OMS define ―droga‖ como:

/.../ qualquer substância que, quando ministrada ou consumida por um ser vivo, modifica uma ou mais de suas funções, com exceção àquelas substâncias necessárias para a manutenção da saúde normal /.../ drogas são substâncias

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utilizadas para produzir alterações, mudanças, nas sensações, no grau de consciência e no estado emocional /.../ (FIORE apud LEITE, 1999:26). Entretanto, nenhuma delas poderia, segundo a OMS, ser classificada, a priori, como patológica. Para Fiore:

/.../ além do próprio significado das substâncias. A compreensão acerca das ‗conseqüências sociais‘ é outra categoria que é incluída para definição do conceito. Com a definição de uso ―normal‖ e uso nocivo: o uso abusivo no intuito de dividir os usos não patológicos de ―drogas‖, também outras classificações, como o ―uso experimental‖, o ―uso ocasional‖ e o ―uso recreativo‖. Todas essas tipologias buscam classificar os usos possíveis de ―drogas‖ com potencial de abuso e, portanto, ações que acarretam, invariavelmente, algum tipo de risco para a saúde /.../ (FIORE, 2004, p.4).

Na década de 1980, o psiquiatra americano Norman Zinberg (1984), afirmava:

/.../ ser necessário diferenciar o ‗uso controlado‘ e ‗uso compulsivo‘ /.../ o primeiro teria baixos custos sociais enquanto o segundo, disfuncional e intenso, teria efeito contrário que distingue estes dois tipos de uso e que o primeiro e regido por regras, valores e padrões de comportamento (rituais sociais) veiculados por uma subcultura desenvolvida entre grupos de usuários /.../ (ZINBERG, 1984).

Edward MacRae relata que essa constatação a respeito da importância dos fatores psicossociais na determinação do efeito do uso de determinado psicotrópico é hoje reconhecida por grande parte dos pesquisadores do assunto (por exemplo, Bucher, Olievenstein, Zinberg, Grund,Well, etc.). Xiberras defende esta ideia:

/.../ De fato, tudo se passa como se a droga não tivesse uma personalidade própria, ou um efeito maior estritamente definido, fora de todo contexto

(46)

de utilização. Pois a prática da droga, ou seja, o uso que e feito dela por um determinado consumidor, parece mais determinante na descrição dos efeitos provocados e pesquisados. Aquilo que um usuário, mesmo isolado, espera da droga, aquilo que supõe ou mesmo o que percebe como efeito, depende estritamente do contexto mais global da experiência/.../ (XIBERRAS, 1989, p. 25).

Para Xiberras (1989, p. 29), esses controles sociais, sejam eles formais ou informais, funcionariam de 4 maneiras: definindo o que é uso aceitável e condenando os que fogem a esse padrão, limitando o uso a meios físicos e sociais que propiciem experiências positivas e seguras, identificando efeitos potencialmente negativos.

Enquanto para Zinberg (1984, p. 17), os padrões de comportamento ditam precauções a serem tomadas antes, durante e depois do uso: distinguindo os diferentes tipos de uso das substâncias, respaldando as obrigações e relações que os usuários mantêm em esferas não diretamente associadas aos psicoativos.

No caso do uso de álcool, por exemplo, os médicos costumam apontar uma fração já bem conhecida de usuários problemáticos: 1 em cada 10. Ou seja, 10%, no mínimo, dos indivíduos que bebem álcool com alguma regularidade, terão algum nível de problemas com esse uso, proporção que, aproximadamente, corresponde aos dados levantados nas maiores pesquisas amostrais (CEBRID,2002).

Fraga, acredita que as pessoas sempre:

/.../ vão fazer uso de substâncias psicoativas /.../ independentemente de serem liberadas ou não /.../ em vez de proibir, devemos tentar ‗reduzir riscos‘ /.../. Vejamos, o álcool é uma droga e seu uso abusivo faz mal, mas, hoje, há uma regulação e são raros os comerciantes que vendem bebidas para crianças e adolescentes, principalmente, para serem consumidos em seus estabelecimentos /.../ (FRAGA, 2000,p.53). No entanto, para o sociólogo, ―/.../ qualquer criança ou adolescente pode comprar droga com um traficante, pois sua venda não é regulada /.../‖ (FRAGA, 2000), sugerindo a necessidade de políticas

(47)

públicas integradas para enfretamento das demandas inerentes ao consumo de substâncias psicoativas.

Carneiro (2005) é ainda mais revolucionário: além da legalização de todas as drogas, ele sugere o controle estatal da produção e do comércio:

/.../ O conjunto das drogas legalizadas acabaria com os efeitos nefastos do chamado ‗narcotráfico‘, encerraria a ‗guerra contra as drogas‘, libertaria os prisioneiros dessa guerra: em torno de metade da população carcerária tanto nos EUA como no Brasil /.../ lá essa ―guerra‖ é uma fonte de lucro para o sistema penal privado, aqui, é um mecanismo de repressão social e racial /.../. Reduziriam-se os danos sociais dos usos problemáticos de drogas. Seriam potencializados os usos positivos, tanto terapêuticos como recreacionais /.../ (CARNEIRO, 2005).

Como o objetivo deste presente trabalho é a delimitação das possibilidades de inclusão dos usuários nas políticas públicas dispostas no atual cenário proibicionista, a proposta do professor Carneiro aloca-se anos-luz distante do enfretamento contemporâneo das implicações sociais do uso e abuso das drogas. No que tange ao orçamento, a Secretaria Nacional Antidrogas dispõe de US$ 2 milhões por ano para redução da demanda por drogas.

A menos que o governo invista mais na redução da demanda por drogas, a situação continuará a se agravar. O orçamento tem sido o mesmo nos últimos dez anos, provocando problemas em termos de saúde e segurança públicas, além de não atender as prioridades do público.

Ao analisarmos o fenômeno ―drogas‖ no contexto atual o que fica evidente é a satanização acerca das substâncias psicoativas no discurso midiático bem como no popular e principalmente com a sociedade. Fraga argumenta que a mídia, ao exacerbar e relacionar a violência social com as drogas e alocar os usuários de substâncias químicas como possíveis e prováveis protagonistas desta violência social, constrói duas coisas: ―/.../ o medo obsessivo /.../ que é um reforço da aversão ao outro /.../‖ e o ― /.../ reconhecimento dos excluídos sociais /.../‖ (FRAGA, 2000, p.54). Sawaia (1999), analisa a exclusão social a partir da

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categoria sofrimento ético-político, com propriedade para análise das questões relacionadas a violência e medo social:

/.../ a exclusão vista como sofrimento de diferentes qualidades recupera o indivíduo perdido nas analises econômicas e políticas, sem perder o coletivo /.../ e no sujeito que se objetivam as várias formas de exclusão, a qual é vivida como motivação, carência, emoção e necessidade do eu. Mas ele não é uma mônada responsável por sua situação social e capaz de, por si só superá-la. É o indivíduo que sofre, porém, esse sofrimento não tem a gênese nele, e sim em intersubjetividades delineadas socialmente /.../ (SAWAIA, 1999, p. 119).

Baierl (2004, p.65) afirma que ―/.../ no que tange medo, poderíamos dizer que o medo social é um medo construído socialmente e com fim último de submeter às pessoas a interesses próprios e tem sua gênese na própria dinâmica da sociedade...‖. Medo este que em Espinosa encontra definição: ―/.../ o medo é uma tristeza instável nascida da imagem de uma coisa duvidosa /.../ e quando se retira a dúvida o medo transforma-se em desespero /.../‖ (ESPINOSA, 1983, p. 183).

Vide o ideário social acerca dos usuários de Crack, os chamados ―nóias‖, os excluídos que excluem o ―direito a paz social‖ são ―responsabilizados‖ por inúmeras transgressões sociais desde tráfico de drogas (inclusive com detenção de moradores de rua), assaltos, roubos, furtos, assassinatos, estupros. Todas essas práticas são motivadas/potencializadas para o senso comum com o entendimento de que o uso de drogas, principalmente o crack, potencializa a violência, está estabelecida uma relação ‗natural‘ entre drogas e violência para o senso comum.

Procede para com os que não estão aptos a padronização de comportamento, hábitos e costumes necessários ao modo de produção vigente. A sociedade atual demanda indivíduos com perfil adequados principalmente ao mercado de trabalho. Pois para Chasin (1988, p. 20), ―/.../ as ‗personae do capital‘ são menos ‗temerárias‘ e ‗sonhadoras‘, e muito mais estreitamente ‗personae do capital‘, do que ‗personae‘ de alguma lógica inovadora /.../‖.

Logo, ambos, a sociedade e o Estado conferem a esta gama social dos usuários de substâncias psicoativas o ostracismo social no que se

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refere à garantia de direitos relacionados à prevenção, tratamento, recuperação aos que comentem abuso do consumo de substâncias químicas e autonomia individual a cada cidadão.

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