• Nenhum resultado encontrado

O Ensino de História numa encruzilhada ideológica: entre o voluntarismo revisionista e o esforço de dever de verdade. Ícaro Batista da Silva i RESUMO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O Ensino de História numa encruzilhada ideológica: entre o voluntarismo revisionista e o esforço de dever de verdade. Ícaro Batista da Silva i RESUMO"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

1 O Ensino de História numa encruzilhada ideológica: entre o voluntarismo revisionista e

o esforço de dever de verdade

Ícaro Batista da Silvai

RESUMO

A presente pesquisa tem como intenção estudar os significados das disputas ideológicas presentes no ensino de história, que tanto têm marcando atualmente o contexto sociopolítico e o processo de ensino-aprendizagem nas instituições escolares da Educação Básica. São disputas traduzidas na forma de verdadeiras guerras de narrativas, mas que nem sempre são suportes de conhecimento, frustrando professores e/ou estudantes. Para melhor compreendê-las, é necessário situá-las num cenário político, social e econômico mais amplo e complexo, adentrando na chamada “onda conservadora” e fundamentalista que perpassa o país. Não obstante este cenário de disputas, levantamos uma hipótese aparentemente paradoxal, de que ele pode contribuir para uma nova perspectiva em sala de aula, já que enuncia um maior interesse por temas relacionados à disciplina histórica no ambiente escolar. Do ponto de vista teórico, este trabalho inscreve-se numa articulação ampliada, pautada na relação entre História (CERTEAU, 2017); (PAUL RICOEUR, 2007); (TRAVERSO, 2012), ideologia (VOLOCHÍNOV, 2018), ensino de história (PENNA, 2013); (MONTEIRO, 2011) e discussões contemporâneas sobre a história política e social do Brasil atual. (MATTOS, 2017); (FICO, 2019); (MOTTA, 2018) Como trabalho de campo, aproveitamos uma experiência de estágio supervisionado, desenvolvida em um colégio da polícia militar de Salvador, em parceria com a Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Entrevistamos professores, mas especialmente os alunos de um colégio da polícia militar de Salvador-BA, por serem os mais diretamente envolvidos na instauração dos conflitos discursivos em torno do saber histórico.

Palavra-chave: Ensino de história; disputas ideológicas; construção do conhecimento histórico escolar.

Esta pesquisa surgiu, inicialmente, no final do ano de 2018, após o meu ingresso no projeto de Residência Pedagógica na Universidade do Estado da Bahia – Campus I e ser

(2)

2 designado residente no Colégio da Polícia Militar, unidade Dendezeiros. Confesso que primeiramente o receio tomou conta de mim, era a primeira vez em sala de aula, pouca experiência de ensino para outros que não meus colegas de turma. No início, acompanhei o professor preceptor nas aulas presenciais e também nas atividades mais “burocráticas” do ensino, como correção de atividades, fechamento de cadernetas, reuniões de pais e mestres, preparação e correção de provas e, não menos importante, planejamento das aulas seguintes.

Pois bem, como o final do ano estava à espreita, passei acompanhar o meu preceptor nas aulas de revisão para as últimas provas de história. Era meado do mês de outubro, a aula ocorria em uma turma do 9° ano do Ensino Fundamental; o professor estava realizando ajustes finais, retirando dúvidas e descontraindo a turma antes da prova, o tema da aula era “Totalitarismo”. Durante as suas explicações, o professor classificou nessa categoria as experiências históricas do Fascismo italiano e do Nazismo. Uma aula que parecia, até aquele momento, totalmente descontraída e sem tensionamentos, passou a ser uma aula tensionada a partir do momento em que um aluno se levantou e começou a gritar o professor, pedindo a ele para encaixar naquela categoria a experiência comunista; pois, segundo aquele estudante, durante os seus estudos no “Youtube, pelo Canal do Brasil Paralelo, o comunismo era a pior forma de totalitarismo e que dizimou milhões de pessoas” (sic). O professor fingiu que nada daquilo aconteceu, virou-se para turma e retomou a sua aula. Ao fim daquele dia, o docente conversou comigo, explicando o motivo para ignorar aquele aluno, disse que as intervenções já estavam recorrentes e ele estava cansado para ficar debatendo com estudantes em sala de aula.

Após sair daquela aula, formulei basicamente duas perguntas: Como explicar esse tensionamento provocado pelos alunos na sala de aula? Tratar-se-ia de uma espécie de revisionismo e/ou negacionismo discente?

Buscando responder as perguntas acima, recorro inicialmente à noção de Operação Historiográfica Escolar cunhada por Fernando Penna (2013), a intenção é descobrir se o ensino de história opera com singularidades dentro da sala de aula. A sua reflexão está ancorada na discussão historiográfica proposta por Certeau (2017) e Ricoeur (2007), além da ideia de transposição didática criada pelo matemático francês Chevallard (1997).

Começarei falando um pouco sobre a discussão em torno da Operação Historiográfica clássica, objeto de reflexão de Michel de Certeau. O seu propósito, sobretudo, foi responder

(3)

3 algumas perguntas que lhe inquietavam: O que fabrica o historiador quando “faz história”? para quem trabalha? Que produz? São três perguntas essenciais para compreender a história como “a relação entre um lugar (recrutamento, um meio, uma profissão etc.), procedimentos de análise (uma disciplina) e a construção de um texto (uma literatura)”. (CERTEAU, 2017 p.46) Dessa forma, na perspectiva de Certeau, a operação histórica está intimamente ligada à combinação de um lugar social, de práticas “científicas”ii e de uma escrita. Além disso, deve-se entender que os estudos históricos estão indeve-seridos em uma realidade, a qual é apropriada como uma atividade humana, prática. “A escrita da história se constrói em função de uma instituição cuja organização parece inverter: com efeito, obedece a regras próprias que exigem ser examinadas por elas mesmas.” (CERTEAU, 2017, p.47)

Uma outra voz ativa que pretende aprofundar o debate em torno da operação historiográfica clássica é o filosofo e historiador Paul Ricoeur, em seu livro A memória, a história, o esquecimento (2007) ele concentra suas investigações epistemológicas sobre a construção do conhecimento histórico. Seguindo o fio condutor elaborado por Certeau, Ricoeur estabelece três fases durante o processo de criação dos estudos histórico: 1° fase documental, aquela que vai da declaração das testemunhas oculares à constituição dos arquivos e que escolhe como seu programa epistemológico o estabelecimento da prova documental; 2° fase explicativa/compreensiva, aquela que concerne aos múltiplos usos do conector “porque” em resposta à pergunta “por que?”; 3° fase representativa, é a colocação em forma literária ou escrita do discurso levado ao conhecimento dos leitores de história. (RICOEUR, 2007, p. 146-147)

Em que pese as diferenças de concepções historiográficas, os dois autores concordam no que diz respeito à função da historiografia, isto é: que a produção do conhecimento histórico empreendido em ação, está limitada ao suporte material. Sendo assim, o conhecimento histórico é produzido e consumado a partir de livros e artigos acadêmicos de história, cujo compromisso principal é com uma dada comunidade, e essa comunidade, responderá de forma recíproca com sua leitura, críticas, aceitações ou negações dos dados ali dispostos.

Contudo, concordando com Fernando Penna (2013, p. 92-93), “as concepções de operação historiográfica apontadas por Certeau e Ricoeur, limitam-se a um tipo de operação historiográfica, pois apenas à produção deste conhecimento, não pensando em outras instâncias

(4)

4 nas quais este está em ação”. Assim sendo, a problematização de como esse conhecimento é construído em outros lugares sociais, nos quais é transposto, ensinado e utilizado para além das universidades, incluindo aí as escolas.

Assim, as contribuições epistemológicas de Yves Chevallard (1991) na formulação da ideia de transposição didática são importantes para ampliar o olhar analítico para além da ideia de produção. Entendendo o saber como um objeto adaptativo sempre que um novo contexto emerge, ele assume novas características e diferentes lugares na sociedade. Dessa forma, Chevallard postula duas formas distintas de saber: “saber sábio” e “saber ensinadoiii”. O reconhecimento desses dois regimes de saber é uma característica fundamental da epistemologia proposta pelo matemático francês. Cabe destacar que Chevallard não propõe somente o “saber sábio” como única referência dos saberes a serem ensinados na escola. Assim como não entende essa categoria como única reflexão nas suas proposições. Em diálogo com André Cherval, Chevallard construirá a noção de transposição didática. ““Esta contra-transposição” aconteceria quando saberes produzidos para a escola acabam conseguindo alcançar o estatuto de saber sábio. É o caso da disciplina escolar francês que seguiu como um saber escolar.” (PENNA, 2013, p. 102)

Esse conhecimento é definido da maneira que as características pessoais e/ou institucionais estejam determinadas com os conteúdos em questão. Tal concepção abre as portas para entender que o saber não é meramente reprodutivo, naturalizado. Ele compõe uma fração da história. É na noosfera, portanto, que se inicia o processo de transposição didática. A noosfera é o espaço responsável por estimular as interações e discussões sobre o sistema de ensino e a sociedade vigente. Em vista disso, professores, representantes educacionais do Estado, militantes das inúmeras causas educacionais e os quadros técnicos mais qualificados da pedagogia reúnem-se para discutir os temas que devem ser ou não escolarizáveis.

No Brasil, por exemplo, os temas curriculares e as diversas demandas sociais em torno da educação são debatidas por meio da Base Nacional Curricular Comum (BNCC)iv. Este documento de caráter normativo rege todas as competências gerais da educação brasileira. Contudo, este documento é o exemplo mais adequado para exemplificar como as disputas ideológicas se dá em torno da noosfera. Durante a construção da BNCC ocorreram diversos embates entre “historiadores profissionais, professores de história e especialistas em Ensino do

(5)

5 componente curricular escolar mostram que há diferentes concepções em disputa sobre o que os alunos no Brasil devam aprender sobre História.” (SILVA e MEIRELES, 2017, p. 7) assim, antes de conhecermos a versão final da BNCC de história, presenciamos debates midiáticos, substituições de comissões tudo em prol de validar um projeto social.

Não podemos nos esquecer que, após as eleições de 2018 com a chegada de Bolsonaro à Presidência da República do Brasil, no dia 10 de janeiro de 2019, Paulo Saldaña, correspondente da Folha de São Paulo em Brasília, emitiu a notícia cuja manchete é clara: Filho de Bolsonaro propõe revisão histórica sobre ditadura em livro didáticov. Episódios como esses servem para exemplificar como as disputas ideológicas, ao ultrapassarem as relações éticas da construção do conhecimento, desembocam em relações conflituosas entre a sociedade, o estudante e o professor de história.

Os exemplos citados acima servem como ênfase para uma questão importante neste trabalho: o conhecimento histórico que aparece nos livros didáticos e, em especial, na sala de aula, sempre parte de uma escolha, de uma determinada seleção realizada por um grupo ou por diversos grupos no seio da sociedade. Esses grupos contam com inúmeros sujeitos que, cada qual a sua maneira, carrega um conjunto de reflexões e interpretações da realidade social e material, uma forma de orientação prática. É por isso que no círculo de Bakthin,

[...] o termo “ideologia” é utilizado não no sentido pelo qual significa unicamente ideologia da classe dominante, interessada na manutenção da divisão de classes da sociedade e, logo, da dissimulação das reais contradições que requerem a transformação das relações sociais de produção (ideologia como falsa consciência, como mistificação, como pensamento distorcido etc.), mas no sentido amplo que esse assume, sobretudo a partir de Lênin, e pelo qual pode-se falar tanto de “ideologia burguesa” quanto de “ideologia proletária”, de “ideologia científica” [...] (PONZIO, 2016, p. 182)

Vejamos que, a definição de ideologia apresentado pelo círculo, distante de apresentar feições pejorativas, explicitará o seu caráter normatizador de um determinado projeto social ou contestador desse mesmo projeto, buscando engendrar uma nova concepção de mundo. É amparado nessa percepção que não podemos enxergar o Estado, as empresas que organizam os livros didáticos, os professores responsáveis pelas escolhas dos conteúdos a serem tratados nas instituições escolares e até mesmo os estudantes que constantemente engendram diálogos com

(6)

6 a sociedade em que vivem como instituições e sujeitos imóveis. Pois, uma “política do conhecimento oficial” (APPLE, 2002, p.54), que procura marcar suas percepções de mundo por meio da neutralidade e da harmonia em torno de um conteúdo da história, pode servir como uma ótima problematização para as disputas ideológicas. Uma vez que essa política do conhecimento oficial estará inserida e será protagonista na arena, na quais grupos com posições ideológicas diferentes competirão entre si na tentativa de legitimar o seu projeto social, suas próprias necessidades e aspirações.

A Educação é entendida muitíssimas vezes como sendo apenas a transmissão de um conhecimento neutro aos alunos. Segundo esse discurso, o papel fundamental da escolarização é encher os estudantes com o conhecimento necessário para competir no mundo de hoje, que está em processo de transformação rápida. A isso se costuma acrescentar uma ressalva: façam tudo de maneira mais econômica e eficiente possível. (APPLE, 2003, p. 6)

Por outro lado, a transposição didática interna serve para pensar o sistema didático de forma mais restrita, isto é, as práticas de ensino que ocorrem dentro das salas de aulas, as relações entre professores e alunos. Em que pese Chevallard não prioriza a transposição didática interna nos seus estudos, ele não deixa de reconhecer a sua importância inscrita na ordem didática. “o trabalho interno começa depois de introdução de novos elementos transpostos pela noosfera e, inclusive, servem como uma prova para estes elementos.” (PENNA, 2013, p. 108) A transposição didática interna utiliza das inúmeras políticas curriculares e materiais didáticos no uso específicos das turmas. A função do professor é adaptar o conhecimento histórico de acordo com os estudantes e seus objetivos naquela aula.

O processo de transposição didática interna (preparação didática do conhecimento realizada pelo próprio professor) e o processo de ensino e aprendizagem que acontece em sala de aula (na forma de um diálogo entre professores e alunos) são duas faces de uma mesma moeda e ambos os processos se retroalimentam: a preparação didática do conhecimento é modificada de acordo com a resposta dos alunos em sala de aula e a dinâmica de sala de aula muda de acordo com a maneira como o professor planeja as suas aulas. Chevallard já se dava conta disso ao falar da importância da transposição didática interna como uma prova às produções da noosfera. (PENNA, 2013, p.169) Dessa forma, perceber que o ensino de história, a partir de suas práticas, em diferentes escolas e salas de aulas, sob os mais diversos materiais escolares, nos propõe uma forma distinta de contar a história, de fazer a história sem necessariamente escrever um livro. “Professores e

(7)

7 escritores de história contam uma história; ao texto escrito corresponde a aula. Ambos são autores; ambos fazem História.” (MATTOS, 2007, p.7). Em vista disso, refletir a diversidade do lugar, da prática e do produto da produção historiográfica é uma tarefa essencial não somente para o objeto desta pesquisa; mas também, para apreender a diversidade, a multiplicidade de autores que se ligam para fazer acontecer a história

Durante o processo de transposição didática os ensinos entram em confronto com as novas demandas ou desgastes do saber ensinado ante as novas procuras sociais, que pretende retornar ao saber “sábio” para atualizá-lo. Pois bem, é nesse “vai-e-vem” proposto pela transposição didática que os signos ideológicos podem tomar formas no ensino de história, isto é na fase da transposição didática interna. A transposição didática (externa e interna) é uma atividade ao mesmo tempo epistemológica e ideológica. Esse caráter ideológico, no entanto, fica mais evidente em determinados contextos políticos e sociais.

Dito isso, a história educacional do Brasil no tempo presente nos serve como um ótimo campo para problematizar as possíveis disputas ideológicas que aqui pululam em torno do ensino de história. Aparentemente o pensamento de direita/extrema-direita em terreno nacional realizou sua expansão sem eventuais empecilhos, inclusive nos governos mais à esquerda: Lula e Dilma. Em 2003 quando a filha do advogado Miguel Nagib chega em casa, lhe conta que seu professor de história fez uma comparação não muito agradável para os preceitos morais e ideológicos seguidos pela famíliavi, foi noticiado que:

A indignação do advogado Miguel Nagib foi ao limite quando numa tarde de setembro de 2003 sua filha chegou da escola dizendo que o professor de história havia comparado Che Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana, a São Francisco de Assis, um dos santos mais populares da Igreja Católica. [...] "As pessoas que querem fazer a cabeça das crianças associam as duas coisas e acabam dizendo que Che Guevara é um santo" [...] (EL PAÍS,2016)

Solitário e sem apoio dos pais ou administração da escola, o advogado irá se inspirar em organizações conservadoras norte-americanas cujo propósito é “caçar” doutrinações ideológicas dos professores ao lecionar. Com isso, em 2004 Miguel Nagib encabeça um movimento político fruto da expansão tímida do pensamento de direita que estava em “exílio”

(8)

8 cultural no país desde o período da redemocratização do país após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Nasce assim o Movimento Escola sem Partido.

Contudo, este projeto político só conquistou ares nacional com maior adesão e fama após o ano de 2015. Foi somente em 2015 que um projeto de leivii ficou bastante famoso ao propor para escolas e professores“[...] adotar medidas eficazes para prevenir a prática da doutrinação política e ideológica nas escolas e a usurpação do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.” (IZALCI, 2015, p.4) É importante ressaltar que este projeto de lei não ficou restrito ao âmbito federal, ele foi municipalizado e também ganhou versões estaduais.

Um outro exemplo empírico da dimensão que as disputas ideológicas podem suscitar no ensino básico, tem a ver com a sala de aula restritamente. O caso ocorreu no dia 30 de agosto de 2018viii, no Colégio São Paulo. Em que pese ser um colégio para a classe média e alta da cidade de Salvador, o veículo midiático local relatou que uma aluna sofreu ameaças de uma colega da mesma escola, motivadas por divergências políticas:

Sua 'oposição', como você insiste em falar, vai lhe custar 17 facadas pra você morrer que nem aquele mestre de capoeira preto que votou na petralhada", diz uma das mensagens enviadas através da ferramenta de troca de mensagens da rede social Instagram. [...] Em outras mensagens, o aluno brada frases como: "Vou atrás de tacar a p**** de você" e "Bolsonaro vai acabar com vocês feminazi tudo”. (NOTÍCIAS, 2018)

Episódios como esse servem para exemplificar como as disputas ideológicas, ao ultrapassarem as relações éticas da construção do conhecimento, desembocam em relações conflituosas na relação do estudante com a sociedade, no ensino-aprendizagem e até mesmo fisicamente. Uma vez que, para aqueles que adentram nas disputas ideológicas somente a sua visão de mundo deve ser legitimada. Não à toa, os movimentos políticos de tendências neoconservadoras, como o MESP, a partir das suas reivindicações políticas e ideológicas, buscam pressupostos para se afirmarem enquanto o único grupo detentor de uma verdadeira narrativa histórica, de métodos próprios de ensino e do currículo escolar a ser ensinado.

Levantamos a hipótese de que o ensino de história é um dos mais afetados, vigiados e “é certamente a disciplina escolar que [mais] recebe intervenções diretas dos altos dirigentes e a consideração ativa dos parlamentos. Isso mostra quão importante é ela para o poder.”

(9)

9 (LAVILLE, 1996, p.130) Podemos colocar sob hipótese, portanto, que as possíveis consequências sociais dessa intervenções e disputas em torno do ensino de história engendra produções de teor revisionista, o passado sempre utilizado como instrumento político e, até mesmo, a relativização absoluta em torno de questões mais sensíveis para a educação histórica, como têm-se mostrado nas análises recentes das entrevistas que realizei com os estudantes do Colégio da Polícia Militar.

REFERÊNCIAS:

APPLE, Michael W. Educando à direita: mercados, padrões, Deus e desigualdade. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2003.

CERTEAU, Michel de. A escrita da história. - 3° Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 3-115.

CHEVALLARD, Yves. La transposición didáctica. Del saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires: Aique Grupo Editor S.A., 1991.

KONDER, Leandro. A questão da ideologia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 111-118.

MATTOS, Ilmar Rohloff. Mas não somente assim! Leitores, autores, aula como texto e o ensino- - aprendizagem de História. Tempo. Revista do Departamento de História da UFF, v. 11, p. 15- 26, 2007.

MONTEIRO, Ana Maria. Transposição didática. IN: Dicionário de Ensino de História, - 1. Ed. – Rio de Janeiro: FGV, 2019. p. 220-227.

___________, Ana Maria.; PENNA, Fernando de Araújo. Ensino de História: saberes em lugar de fronteira. Educação &Realidade, Porto Alegre, v. 36, n. 1, p. 191-211, jan./abr. 2011. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O lulismo e os governos do PT: ascensão e queda. IN: O Brasil Republicano: O tempo da Nova República: da transição democrática à crise política de 2016. Rio de Janeiro, 2018, p.415-447.

PENA, Fernando de Araújo. Ensino de história ou uma operação historiográfica? IN: Anais do XV encontro regional de história do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2012. p. 1-9.

___________. Ensino de História como operação historiográfica. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação, UFRJ, Rio de Janeiro, 2013.

PONZIO, Augusto. No círculo com Mikhail Bakthin. São Carlos: Pedro & João Editores, 2016. p. 141-231.

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007. p. 247-303.

SILVA, Carla Luciana. As políticas de memória no Brasil, 50 anos após o Golpe. IN: Ditaduras e revolução. Coimbra: Almedina S.A., 2015. p.353-375.

(10)

10 TRAVERSO, Enzo. O passado, modos de usar. História, memória e política. Portugal: Unipop, 2012. 169p.

VOLOCHÍNOV, Valentin Nikolaevich. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2018.

i Graduando em Licenciatura em História pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail:

icarofiften@hotmail.com

ii O que estamos chamando de ciência neste trabalho nada tem a ver com a noção científica adotada pelas ciências

exatas, a qual tem a ver com leis. As práticas científicas, aqui mencionadas, podem ser entendidas como um conjunto de regras que permitem a supervisão de toda prática do fazer história, ou seja, uma espécie de “controle” adotado pela comunidade de historiadores para validar ou não as produções historiográficas.

iii O que Chevallard chama de “Saber sábio” e o “saber ensinado” reside na transformação ocorrida em que um

dado conhecimento produzido na academia passe pelo processo de adaptação, para que seja utilizado como objeto de ensino na educação básica.

iv BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em:

http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNC C_20dez_site.pdf. Acesso em: 27 de junho de 2020.

v SALDAÑA. Filho de Bolsonaro propõe revisão histórica sobre ditadura em livro didático. 10 de janeiro de 2019.

Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/01/filho-de-bolsonaro-

propoe-revisao-historica-sobre-ditadura-em-livro-didatico.shtml>. Acessado em: 11 de jan. 2019.

vi “O Professor da minha filha comparou Che Guevara a São Francisco de Assis”. Brasil Elpaís. São Paulo. 25 de

jun. de 2016. Disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/23/politica/1466654550_367696.html> Acessado em: 29 de junho de 2020.

vii BRASIL. Projeto de Lei n.867 de 2015 (da Câmara dos Deputados). Inclui, entre as diretrizes e bases da educação

nacional, o "Programa Escola sem Partido". 2015. Disponível em

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1050668: Acessado em: 29 de junho de 2020.

viii ALUNA do colégio São Paulo é ameaçada de morte após discussão política. Bahia Notícias. Bahia, 30 de Out.

de 2018. Disponível em: <https://www.bahianoticias.com.br/noticia/228557-aluna-do-colegio-sao-paulo-e-ameacada-de-morte-apos-discussao-politica.html>. Acessado em: 29 de jun. de 2020.

Referências

Documentos relacionados

Neste tipo de situações, os valores da propriedade cuisine da classe Restaurant deixam de ser apenas “valores” sem semântica a apresentar (possivelmente) numa caixa

a) Doenças pré-existentes ao período de viagem (vigência do seguro) e quaisquer de suas conseqüências, incluindo convalescenças e afecções em tratamentos ainda

(grifos nossos). b) Em observância ao princípio da impessoalidade, a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, vez que é

E ele funciona como um elo entre o time e os torcedores, com calçada da fama, uma série de brincadeiras para crianças e até área para pegar autógrafos dos jogadores.. O local

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

Taking into account the theoretical framework we have presented as relevant for understanding the organization, expression and social impact of these civic movements, grounded on

Procuramos, desta forma, demarcar as principais características e concepções subjacentes às orientações quanto à pratica de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, propostas