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Ensino de História em Goiás (2020): experiências imagináveis apenas em filmes de ficção científica. 1

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Ensino de História em Goiás (2020): experiências “imagináveis apenas

em filmes de ficção científica”.

1

Adriel de Oliveira Dias2

Grupo de Reflexão Docente n.03 – Aprendizagem Histórica em tempos de pandemia: limites e possibilidades.

Resumo

O tempo natural é uma dimensão universal da realidade humana, da qual somos forçados a experimentar constantemente os seus eventos incertos e imprevisíveis; característica que força o ser humano racionalizar esse tempo irritante (incertezas, rupturas, infelicidades), transformando-o em duraçãtransformando-o ctransformando-onfiável. Quandtransformando-o lidamtransformando-os ctransformando-om esses stransformando-ofrimenttransformando-os derivadtransformando-os das destransformando-orientações, culpas históricas e medos, estamos construindo pensamentos históricos e contribuindo para a (re)formulação da cultura histórica (RÜSEN, 2015). Os eventos do tempo irritante contemporâneo (Pandemia, isolamento social e ensino emergencial) oferecem aos professores de História o desafio de elaborar um saber histórico para viver e ensinar no ciberespaço. A consciência histórica que experimenta esses eventos estará apresentando continuidades e rupturas na tópica didática (DROYSEN, 2009): estruturas de narrativas, seleções dos conteúdos, invisibilidade de outros e a função do Ensino de História. Enquanto professores, temos a urgente necessidade perguntar: quais são as carências inauguradas com as rupturas do tempo presente? Existem continuidades? Quais são os sentidos construídos para dar procedimento ao seu trabalho? Para isso utilizaremos as narrativas construídas por nove professores da Rede Estadual de Goiás, por meio de e-mails no formato de carta pessoal.

Palavras-Chave: Ensino de História; Pensamento Histórico; Professores de História.

1. Primeiros passos para uma odisseia.

A personagem Mildred – do conto “And Madly Teach3” (BIGGLE JR, 1966) – recebe do seu médico uma notícia desorientadora: depois de 25 anos, ensinando Língua

1 Trabalho desenvolvido com apoio financeiro da CAPES.

2 Professor de História, mestrando no Programa de Pós-graduação em História (PPGH) – UFG. E-mail: <adriel.dias@hotmail.com>

3 O conto foi publicado em 1966, nos Estados Unidos da América, pela The Magazine of Fantasy & Science Fiction. A revista reúne grandes nomes da ficção científica, como, por exemplo, esta edição é composta por narrativas do Isaac Asimov, Ron Goulart, Judith Merril e Miriam Allen deFord. Em 1973, a história chega ao Brasil, com tradução do Renato Janine Ribeiro, pela “Livraria do Globo”, com o título “Maneira doida

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Inglesa aos seres humanos nascidos no solo marciano, por conta de uma doença é forçada a voltar para casa. O laudo recebido impossibilitou dar continuidade as atividades docentes; colocando em xeque todo o sentido de vida. Essa ruptura repentina e inesperada requer, o quanto mais rápido, um processo ativo da consciência histórica para reconstruir sentidos e significados. Frente ao sofrimento a professora começa a agir: coloca em movimento sua nave espacial em direção a Terra natal.

A sua chegada é repleta de ansiedade, não para rever os possíveis conhecidos deixados na Terra ou para conhecer as modificações sociais. Em decorrência das necessidades ontológicas do ser humano de construir o motivo para agir, a sua primeira atividade foi procurar o que anteriormente fazia para viver: lecionar. A ação de procurar um novo trabalho em detrimento ao cuidado com a própria saúde pode parecer incongruente, entretanto, as experiências no tempo necessitam de serem significadas e reorganizadas (RÜSEN, 2001).

As narrativas ficcionais e não, são parte das nossas vidas. Quanto as literárias, como, por exemplo, “And Madly Teach”, retratam contextos que, “[...] claro, por definição, nunca ocorreram, mas que são muitas vezes, tidos como fiéis às realidades, isto é, elas nos contam como certos eventos poderiam ter ocorrido se eles realmente tivessem acontecido.” (CARR, 2016, p. 229). Narrativas criam personagens no universo literário, mas também dialogam com as estruturas sociais vigentes, contribuindo para a formação dos sujeitos que somos e dos que convivemos. Pois veja, por consequência dos desafios do tempo natural, escolhemos – individualmente e coletivamente – eventos e modelos de narrativas para estes eventos, criando assim possibilidades de novas formas de compreensão histórica.

Quando narramos uma história estamos ocupando um local em nosso tempo, estamos respondendo perguntas: o que estamos fazendo aqui? Como chegamos até aqui? O que é o presente? Eventos, inéditos ou de brusca anormalidade, podem desagregar as respostas tidas como universais ou pré-estabelecidas, bem como também forçar novas

de lecionar”. O conto norte-americano é crítico a pedagogia life-adjustment progressivism. Para saber mais confira o texto de FRANCO (2017).

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respostas. Neste momento, como veremos, para explicar a realidade escolhemos dialogar com a narrativa do conto de ficção científica.

2. Um contexto de ficção científica.

Em 2020, os professores do Brasil são forçados a lidar com crises e rupturas semelhantes das vivenciadas por Mildred. Em nosso universo, está ocorrendo eventos que são “[...] únicos, imagináveis apenas em filmes de ficção científica, nunca nos meus sonhos mais loucos poderia prever que iria deparar com tal situação em minha existência.” A curta narrativa supracitada foi formulada pelo professor Reinilton, de 54 anos e concursado pela Secretária de Educação do Estadual de Goiás. Quando nos deparamos com a narrativa do professor percebemos o abismo da incerteza. Assim como Mildred, o docente parece estar lançado ao espaço em busca de novas representações. Mesmo sendo um profissional que lida com processo de narração capazes de construir orientações no tempo e interpretar experiências de distintos mundos éticos (RÜSEN, 2016). As suas experiências anteriores, nem mesmo seus sonhos, parecem não conseguir explicar o que ocorre em sua vida e no Ensino de História.

Em virtude dessa singularidade e a importância dos professores de história no processo formativo de identidades, propomos uma dinâmica entre docentes da Rede Estadual: a troca de narrativas das suas experiências por e-mails. Pois, certamente suas novas experiências, que outrora eram imagináveis – pandemia e ensino remoto – podem assemelhar-se e dialogar com as narrativas de ficção científica, influenciando e modificando formas e práticas de ensinar e narrar as histórias.

No bojo das incertezas, entrei em contato com treze docentes e nove aceitaram a seguinte dinâmica: distribuição aleatória dos participantes em grupos de e-mails de três docentes. Pois, assim a troca de narrativas entre os participantes, poderia ser acessada por todos os membros do grupo quando estes enviassem suas narrativas em modelo de carta pessoal a cada quinze dias. A escolha do formato contribuiu para notarmos elementos importantes para além do cognitivo, como, por exemplo, os emocionais (RÜSEN, 2016): “há anos não sei o que é escrever uma carta. A sensação é que estou fazendo uma viagem

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no tempo. As ideias estão fervilhando, mas ao mesmo tempo me perco nos pensamentos, sem saber por onde começar.” (Professora Josilda – I Carta). O ponto de partida é incerto, o ponto que quer comunicar é vacilante. O presente parece desconjuntado e o passado difícil de ser revisitado.

Em diálogo com as professoras e professores, definimos a quantidade de e-mails e temas inspiradores para a escrita da: I. Carta (16/09): Apresentação dos participantes; II. Carta (30/09): Resposta dos leitores. Neste momento encaminhamos uma questão aberta para analisar possíveis interpretação do professor quando estabelece contato com o “outro”. Pois o “ser humano, dependendo do que ele é por suas aptidões, se torna uma totalidade em si somente ao compreender outros, ao ser compreendido por outros, vivendo em comunidade éticas [...]” (DROYSEN, 2009, p. 40). III. Carta (14/10): “Como chegamos até aqui enquanto professores e sociedade?” IV. Carta (23/11): quais questões no Ensino de História continuaram, mudaram e foram criados com a Pandemia? V. Carta (16/12): A narrativa histórica: avaliação do trabalho e perspectivas de futuro.

Aqui utilizaremos apenas a I e II Carta para apontar possíveis caminhos de análise, reflexões e compreensões da experiência que poderia ser uma história de ficção científica. Em um panorama rápido a partir das duas cartas, mesmo com professores de realidade muito diferentes, colégios periféricos de Goiânia, da área rural e conveniados, percebemos um ponto em comum: a ruptura do tempo cria um antes e depois, situação de sofrimento, angustias e incertezas que estabelece a necessidade urgente de construção de pensamentos históricos. Para assim poderem representar o processo do tempo afim de fazer “[...] surgir uma significação transversal no encadeamento dos eventos mutantes. A perturbação do tempo pode ser, assim, superada.” (RÜSEN, 2015, p. 45).

Não diferente é no mundo ficcional criado por Lloyde Biggle Jr. A partir da necessidade de processamento do tempo irritante, a professora Mildred busca o Superintendente da Educação da Terra; no caminho ela observa do seu carro voador, depois de 25 anos, os gigantes complexos metropolitanos, casas e comércios em formatos de caixas feias e assustadoras. Enquanto passavas os olhos pelo horizonte, um colossal domo branco-azulado chama sua atenção. Empalidecida Mildred interpreta a estrutura

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como a mais notável e importante da cidade. Ela leva suas mãos ao rosto e exclama:

“What a lovely school!” (BIGGLE JR, 1966, p. 4).

Mildred solicita ao motorista que dirija até aquela magnifica escola. Entretanto, o motorista faz uma curta narrativa que provoca uma profunda perturbação no processo cognitivo da professora: “’I've heard of schools. They used to have some out west. But

that isn't a school.” (GIGGLE JR, 1966). Perplexa com a fala do motorista, Mildred

questiona e aponta para o belo prédio, mas recebe uma afirmação em tom de naturalidade: “No, ma’am. We don’t have any school’” (BIGGLE JR, 1966).

Por conta do contexto contemporâneo compartilhamos da perplexidade. Como pode existir uma sociedade com carros voadores, foguetes, roupas espaciais e tecnologias que possibilitam o ser humano povoar outro planeta, entretanto não possuir uma escola? Por conta do meu local de fala – professor de História – estreito ainda mais minha pergunta: como pode existir uma Terra sem o Ensino de História? A disciplina que trata as três dimensões do tempo constrói uma narrativa histórica com “[...] função geral de orientar a vida prática no tempo, mobilizando a memória da experiência temporal, por meio do desenvolvimento de um conceito de continuidade e pela estabilização da identidade.” (RÜSEN, 2011, p. 98). Ou seja, um ensino que auxilia na humanização do tempo natural, afim de fazer a manutenção da vida e criação da cultura.

Diferente do conto de 1966, ainda não temos carros voadores e tecnologias para terraformação. Mas, em 2020, circunstanciados em uma Pandemia causada pelo vírus SARS-COV-2, compartilhamos de algumas características da ficção científica escrita por Lloyde Biggle Jr (1966): se pegarmos nossos meios de transporte emissores de CO2 e formos aos Colégios Estaduais de Goiás notaremos estruturas físicas sem os protagonistas do processo de ensino/aprendizagem. Em cumprimento ao decreto n° 9.645, de 3 de abril de 2020, as escolas – privadas e públicas – estão em um silêncio incomum. Para onde foram os professores narradores de histórias construtoras de identidades? Tanto no universo ficcional de Mildred, quanto no nosso universo de 2020?

A importância da pergunta se justifica pelo fato apontado anteriormente: o poder da construção identitária. Pois perceba, o pensamento histórico é um processo mental do

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qual o sujeito (re)constitui a compreensão de si e do mundo, do qual possibilita afirmar “quem eu sou”. “Trata-se de abordar o processo mental no qual um sujeito constitui a relação a si mesmo, chamada ‘subjetividade, que determina fundamentalmente sua vida humana enquanto fator mental-intelectual” (RÜSEN, 2015, p. 261).

Relacionar com os objetos externos e lidar com as mudanças temporais, nas palavras do Professor Reinilton (I Carta), é enfrentar momentos em que tudo parece mudar “[...] de maneira global, ficamos às cegas tentando tatear uma solução para poupar vidas e continuarmos as nossas rotinas de aulas.”. Essas narrativas são desencadeadas por conta da Pandemia e da resolução CEE/CP n° 08, de 24 de abril de 2020, que altera completamente seu ambiente de trabalho com aulas: “[...] não presenciais e/ou presenciais realizadas por meio de tecnologias [que] será estabelecido até o dia 20 de maio de 2020, podendo ser alterado de acordo com as orientações das autoridades sanitárias.” (GOIÁS, 2020). O tempo passa e a situação persiste até o momento (novembro de 2020).

No universo da senhora Mildred, quando os professores abandonaram o espaço físico das escolas uma série de questões mudaram no processo educativo. As salas de aula e os espaços educacionais foram rearranjados para estúdios que necessitavam, nas palavras do Superintendente, apenas de uma engenharia para as conferencias. Situação que causa perplexidade: “’A – Studio?’ [...]. Miss Boltz said falteringly ‘TV-teaching?

Then – my students will atende classe by television?” (BIGLLE, 1966, p. 7). As aulas

virtuais, dadas por meio de televisores interconectados, atendiam aproximadamente quarenta mil alunos que podiam a qualquer momento mudar de canal para outras narrativas concorrentes – filmes, novelas, desenhos animados e dentre outros programas. Voltando para nosso tempo (2020), os professores da Rede Estadual de Goiás estão enfrentando, em suas devidas proporções, uma experiência semelhante do universo de Mildred. As aulas foram reorganizadas para o modelo não presencial; experiência que pode causar “[...] déficits de sentido no horizonte de significações disponíveis na vida atual. Os significados dessas experiências estariam então no fato de que, com elas, tais déficits podem ser compensados e novos sentidos históricos podem ser obtidos.” (RÜSEN, 2015, p. 46). Em Goiás, as experiências dos professores que continuam seus

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trabalhos em meio as percas e mudanças irreversível constroem tais narrativas: “Mais uma vez, a maioria de nós professores tivemos (e ainda estamos) que nos reinventar. Nosso aparelho celular transformou na nossa principal ferramenta de trabalho.” (I Carta - Professora Josilda).

As diferenças temporais do antes e depois da Pandemia são interpretadas e

De acordo com as circunstancias da vida, isso pode significar algo totalmente diferente: o saber histórico pode fortalecer o poder das tradições. Também pode, inversamente, ser utilizado para romper a força das tradições, afim de possibilitar novas orientações. [...] Ele pode ser empregado para qualificar as condições da vida como melhoráveis (no âmbito interpretativo das representações de progresso) e para mobilizar os respectivos potenciais de ação. (RÜSEN, 2015, p. 47)

Quais efeitos poderão ser sentidos a médio e longo prazo por conta do atual suporte das narrativas e suas remodelações? A narrativa histórica, restrita aos que tem acesso as tecnologias, deixará um vácuo para outras narrativas? Elas transformarão e/ou fortalecerão pensamentos históricos etnocêntricos, anacrônicos e unilaterais? Não conseguiremos aqui responder essas perguntas inquietantes. Lançaremos algumas reflexões a partir dessas perguntas, para isso voltemos ao universo criado por Lloyde Biggle Jr: para entreter os alunos no canal da aula, os professores precisaram adequar suas narrativas, estratégias e concepções de educação. Como efeito do suporte que possibilita as aulas, os professores apelaram para o malabarismo, interpretação de personagens cômicos de peças de teatro e strip tease do começo ao fim das aulas.

Os professores do Estado estão fazendo malabarismos, reinterpretando peças teatrais e fazendo “strip tease” em sala de aula para evitar que os alunos evadam e mudem de aba do navegador em cinco minutos? São os docentes responsáveis pelos números de evasão? Para os professores, essas angustias impuseram a necessidade de “[...] nós reformular. Fomos obrigados a buscar novas formas de interação online, que até então eram discriminadas pela maioria de nós. E a partir disso tentar fazer com que esse aluno possa permanecer no ambiente escolar.” (I Carta - Professor João Pedro). Parece haver um processo compreensão da necessidade de reformular completamente a forma de ensino.

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Intenso esforço empregado pelo professor que choca com a cibercultura (LÉVY, 2010). No universo virtual, interconectado por vários pensamentos históricos e com formas de interações especificamente modelados nesta lógica, o presente é no máximo cinco minutos. Depois de 300 segundos, estamos na dimensão do passado para a sociedade presentista (TURIN, 2019) e no esforço de acompanhar a atualização constante, o indivíduo abre distintas abas, troca de assuntos e acessa outras mídias interativas (ASSMAN apud TURIN, 2019) rapidamente enquanto o professor narra outros tempos.

Dos oito professores que participaram da dinâmica, a maioria relatou as dificuldades de manter os alunos no processo de ensino/aprendizagem. Situação que incomoda, fazendo-o criar explicações a partir das suas experiências docentes: “os alunos tem procurado cada vez mais trabalhar para ajudar na renda familiar (na maioria dos casos), também é notório o crescente desânimo desses estudantes em permanecer atuantes em aulas na modalidade EAD” (I Carta - Professor João Pedro). Parece existir oscilação cognitiva de internalização do discurso de culpabilidade e pensamento histórico complexo para lidar com a situação angustiante que

[...] aflige neste momento difícil e delicado que estamos vivendo [...]. Não sei o que se encontra mais difícil na minha rotina diária, a grande luta dentro de casa para se adaptar a rotina de trabalho, a busca por novos métodos de trabalho ou a grande busca e insistência em fazer com que nossos alunos aqui da região4 se interesse mais pelo estudo online e passe a realizar suas atividades. (I Carta - Professora Jéssica).

Mildred descobre, pelo Superintendente da Educação, que “’your class meets from

tee-fifteen to eleven-fifteen, Monday through Friday.’ ‘I am not interesested in parttime teaching. Five hours a week?’ ‘The position assumes forty hours of class preparation. You’ll probably need much more than that’.” (BIGGLE JR, 1966, p. 6). Ou seja, seu

horário de trabalho parece relativamente pouco e tranquilo. Todavia, o planejamento para lidar com a situação peculiar do processo educativo rouba seu tempo. Perceba: ao professor é delegada a missão de manter os alunos no processo educativo, custe o que

4 A professora Jéssica trabalha em um Colégio Estadual de Goiás no Município de Nova Crixas, mais especificamente na área rural atendendo discentes de um assentamento do Movimento Sem Terra. Seu público de trabalho é de alunos do 6° ao 9° ano.

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custar, e caso não alcance a tarefa são os culpados. Não diferente são as missões diárias dos educadores no ensino remoto contemporâneo e quando não alcançado são culpabilizados e, provavelmente, internalizam as violentas acusações do discurso oficial do Estado.

Muito provável, se o ex-capitão Jair Messias Bolsonaro consumisse o gênero literário, iria descordar e demitir o Superintende da Educação que afirma que os professores estão trabalhando intensamente. Pois, o Presidente da República afirma que os professores, no contexto atual, “’é um pessoal de esquerda radical. Para eles tá bom ficar em casa, por dois motivos: primeiro eles ficam em casa e não trabalham, por outro colabora que a garotada não aprenda mais coisas, não volte a se instruir.’” (BOLSONARO apud ALVES, 2020). Todo o trabalho intenso de planejamento das aulas síncronas e assíncronas são desconhecidas e negligenciada pelo famigerado. Obviamente, a professora da narrativa ficcional descordaria da fala do Presidente da República; não diferente, em nosso universo, a Professora Jéssica, acusa que em seu trabalho

Antes da pandemia conseguia mais espaço para meus serviços como professora, por incrível que possa parecer mesmo tendo que me deslocar da minha casa passando horas do meu dia na escola, tinha aquele espaço para me dedicar livremente. Agora todos os serviços tendo que ser literalmente realizados dentro de casa tive que me reorganizar junto com a família. (I Carta - Professora Jéssica).

A partir da multiperspectividade de narrativas – pouco trabalho e trabalho intenso – estão todas, independente do teor, tentando e desenvolvendo pensamentos históricos para auxiliar na orientação do tempo irritante e afetar a realidade que descrevem (CARR, 2016). A articulação das experiências, (pré)compreensão do passado e objetivos constroem distintos saberes históricos que incidem no indivíduo e mundo ético temporalmente estabelecido. Narrativas que tem o poder de

[...] espalha[r] em seu imo, nas profundezas, quando não nos abismos de sua subjetividade. Isso porque pensar o ‘mundo’ inclui naturalmente também o gomem que nele vive e a ele atribui sentido. [...] É aqui que o saber histórico tem uma das suas mais importantes funções de orientação: seu papel na formação, negociação, implementação e alteração da identidade (RÜSEN, 2015, p. 48).

Os eventos narrados até aqui, do conto “And Madly Teach”, incidiram profundamente na identidade de Mildred. Estabelecendo rupturas e continuidades. Uma

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das continuidades, frente a toda a naturalização social da educação pelos aparelhos televisões, é a compreensão da importância do delicado processo educativo e na necessidade de ser presencial. Tal continuidade na concepção e o contexto não pandêmico, a professora Mildred apresenta uma ruptura do pensamento histórico que pode ser analisada em suas ações.

Como afirmamos anteriormente, o saber histórico norteia ações decorrente de interpretações históricas. “Isso pode chegar, por exemplo, até a disposição de matar outros homens ou de sacrificar sua vida pela nação.” (RÜSEN, 2015, p. 49). A professora Mildred articula um movimento de caráter revolucionário. Ação ilegal que era impensável anteriormente. Entretanto, o acumulo dos seus sofrimentos, iniciados em Marte e intensificados na Terra, contribuíram para remodelar as interpretações do passado, presente e perspectivas de futuro.

Em meio a Pandemia, os professores de Goiás identificam as continuidades na educação e a partir das experiências do presente constroem saberes históricos apontando criticamente que a educação “[...] nunca foi prioridade neste país, a preocupação dos órgãos competentes são ‘outros’ e não beneficia nem professores, nem alunos.” (II Carta – Professora Êvania). Um pensamento de continuidade compartilhado nas cartas (I e II Carta) da maioria dos oitos professores participantes da dinâmica. Diferente do conto que tem um final definido, ainda não sabemos dos próximos eventos. Incertezas que oferece um campo de possibilidades, de críticas e organização de movimentos afim de melhorar a educação pública ou abrir um espaço para o fortalecimento de uma narrativa mestra propagada pelo Estado autoritário, etnocêntrico e destruidor das múltiplas potencias humanas (KROPOTKIN, 2005).

3. Uma tópica interrogativa:

Enquanto professores, estamos carentes de compreender o Ensino de História nos moldes contemporâneos; para isso propusemos uma dinâmica de troca de narrativas, em formato de carta pessoal entre professores historiadores. Nesta operação tópica prezamos pela apresentação interrogativa: o que finalmente foi encontrado e rapidamente analisado

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nos e-mails aponta para a necessidade de pesquisas com maior atenção e folego (DROYSEN, 2009).

Estamos levantando fontes, mesmo nas dificuldades por conta das percas familiares e fraturas emocionais que precisam de serem visitadas, indagadas e narradas. Pois, só assim seremos capazes de interpretar os impactos desse tempo irritante no processo do ensino, capaz de criar e destruir coesões sociais (LEE, 2016). Obviamente existem muitos problemas que persistem na educação pública e poderão ter uma intensificação com a negligencia dos órgãos públicos.

Enfim, é importante salientar: o presente contribui para a intensificação do sofrimento e angustia dos docentes. Certamente a situação trará rupturas que poderão levar a novas narrativas históricas, talvez intensificando as mestras ou as contra narrativas. Poderão levar a confrontos, resistências, intensificações das desigualdades sociais e o autoritarismo. É imprescindível entender esse processo que ainda não findou, pois, compreendendo o mundo ético poderemos ter uma nova representação do todo e do momento singular que enfrentamos (DROYSEN, 2009).

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4. Referências

ALVES, Diego. Bolsonaro ataca professores e diz que eles não querem trabalhar. Midiamax. Campo Grande e Mato Grosso do Sul. 17 de setembro de 2020.

BIGGLE JR, Lloyd. And Madly Teach. In: GOULART, Ron; ASIMOV, Isaac. The Magazine of fantasy and Science Fiction. Volume 30, No. 5. New York: Mercure Press, 1966.

CARR, David. A narrativa e o mundo real: um argumento a favor da continuidade. In: MALERBA, Jurandir (org). História & narrativa: a ciência e a arte da escrita da história. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.

DROYSEN, Johan Gustav. Manual de teoria da história. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. GOIÁS (Estado). Conselho Estadual de Educação de Goiás. Resolução CEE/CP N° 08, de 24 de abril de 2020. Secretaria Geral da Governadoria: 2020.

GOIÁS (Estado). Governo do Estado de Goiás. Decreto N° 9.653, de 19 de abril de 2020. Secretaria de Estado da Casa Civil: 2020.

KROPOTKIN, Piort. Palavras de um revoltado. São Paulo: Imaginário, 2005.

LEE, Peter. Literacia histórica e história transformativa. Curitiba: Educar em Revista, 2016.

MERRIL, Judith; BIGGLE Jr, Lloyd; DEFORD, Miriam Allen. The Fantasy and Science Fiction. Volume 30. New York: Mercury Press, 1966.

RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

RÜSEN, Jörn. Teoria da história: uma teoria da história como ciência. Curitiba: Editora UFPR, 2015.

RÜSEN, Jörn. Narração histórica: funções, tipos, razões. In: MALERBA, Jurandir (org). História & narrativa: a ciência e a arte da escrita da história. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.

TURIN, Rodrigo. Tempos precários: aceleração, historicidade e semântica neoliberal. Rio de Janeiro: Zazie, 2019.

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