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IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS

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IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA

08 a 10 de junho de 2016

GT2. GÊNERO, CORPO E SEXUALIDADE.

Representações do homoerotismo na Antiguidade Romana:

Reflexões no Satyricon de Petrônio (60 d.C)

Crislayne Fátima dos Anjos (Pós-Graduanda de Especialização em

Religiões e Religiosidades – UEL)

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IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS

GT2. GÊNERO, CORPO E SEXUALIDADE.

Representações do homoerotismo na Antiguidade Romana: Reflexões no Satyricon de Petrônio (60 d.C).

Crislayne Fátima dos Anjos1 Bruna Lombardi Parronchi2

Resumo: Quando se pensa em questões decorrentes do sexo, não ocorre a maioria dos

indivíduos que aquele comportamento, talvez discriminado ou repudiado pela sociedade na qual está inserido, tenha sido considerado natural em outros períodos da história. O

Satyricon, obra primária que será analisada para a edificação deste artigo, é uma sátira,

que chegou à modernidade em estado fragmentário. Desde sua redescoberta no século XVI, vem gerando inúmeros e infindáveis debates, isso porque a relação entre pessoas do mesmo sexo vem ganhando maior notoriedade nas discussões que circundam não só a academia, mas a sociedade em um todo. Nossa proposta visa analisar a cultura da sociedade romana, através da sua relação com a sexualidade. O objetivo final não é alcançar uma resolução completa sobre a problemática proposta, pois se trata de um complexo fluido, constante e profundo. Mas, sim abrir possibilidades e agregar discussões ao campo do ensino da história da sexualidade.

Palavras-chave: Satyricon, Homoerotismo, Sexualidade, Cultura.

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Pós-Graduanda de Especialização em Religiões e Religiosidades pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: cris_laine1805@hotmail.com

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Graduanda em História pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: bruna_parronchi@hotmail.com

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I. Sexualidade, amor e erotismo: Debates acerca da sexualidade na Roma Antiga por Satyricon de Petrônio (60 d.C).

A proposta desta pesquisa visa analisar a masculinidade e a virilidade na Roma Antiga a partir da obra Satyricon de Petrônio, escrito provavelmente no ano de 60 d.C. Especificamente no século I d.C., ou melhor, na “Roma de Nero”, a homoafetividade ou homoerotismo3 era vista com naturalidade pela sociedade, e chegava a ser discutida de forma metafísica pelos pensadores da época. Tais relacionamentos estavam associados à espiritualidade e ao desenvolvimento individual, além de influenciarem as relações sociais.

A sociedade romana foi descrita como bissexual por Pierre Grimal, Paul Veyne, por exemplo. Segundo estes historiadores, a moral romana não condenava o homoerotismo, desde que fosse respeitada a virtude (virtus) do homem romano. Por sua vez, Michel Foucault afirma que a palavra homossexualismo “é bem pouco adequada para recobrir uma experiência, formas de valorização e um sistema tão diferente do nosso” (FOUCAULT, 2003, p.167).

Durante o processo de cristianização da cultura pagã, o Cristianismo não encontrou facilidade para a propagação de sua doutrina. A cristandade desde seus primórdios era uma religião negativa quanto ao sexo. Isso expressa que os pensadores cristãos enxergavam o sexo como uma espécie de “mal” necessário, pois o mesmo era indispensável para a reprodução humana, entretanto, ele prejudicava a verdadeira vocação humana, onde cada indivíduo busca a perfeição espiritual, que transcende a carne.

Cristo não havia dito nada sobre o Pecado Original, mas no século II, Clemente de Alexandria vinculou-o diretamente à descoberta do sexo por Adão de Eva. Santo Agostinho aperfeiçoa essa ideia, identificando o Pecado Original com o desejo sexual e não simplesmente com o sexo. (RICHARDS, 1993, p.34).

3 O termo homossexual foi cunhado no século XIX, mais especificamente em 1868, por Karl-Marie

Kertbeny, para designar o comportamento ou a atração sexual por indivíduos do mesmo sexo. Portanto, atribuir o conceito e homossexualismo não se fazem oportuno, uma vez que, a sociedade romana desconhecia tal conceituação. Neste sentido, atribuem-se os termos homoafetividade ou homoerotismo para o que hoje designamos homossexualidade.

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4 Os ensinamentos cristãos provocaram uma ruptura incisiva com a cultura pagã, moldando a conduta e a moral, ocasionando transformações no conceito de sexualidade da humanidade.

I. Representações do homoerotismo na Antiguidade Romana: reflexões no

Satyricon de Petrônio (60 d.C.).

A expressão sexualidade começa a ser empregada a partir do século XIX, assim como elucida Foucault (1988), a sexualidade seria um dispositivo criado na modernidade para apreender as práticas referentes ao sexo e, portanto, sem valor epistemológico para sociedades anteriores ao século XIX. Entretanto, na falta de qualquer outro termo pertinente para designar essa experiência erótica, utilizaremos este termo, sem necessariamente aplicar os valores e a moralidade atual.

A análise da sexualidade integra a historicidade do corpo, do que pode ser por erógeno, das prescrições estabelecidas à prática sexual e de suas emoções, evidenciando variados sentidos, de acordo com os valores socialmente constituídos em grupos, tempos e espaços históricos estabelecidos. (FEITOSA, 2005, p.43).

A sexualidade poderia ser pensada como um fenômeno historicamente localizado e não simplesmente como um dado natural, sendo levados em conta aspectos culturais que variam em tempos e sociedades diferenciadas.

O Satíricon é uma obra de Petrônio, escrita no século I d.C. Infelizmente, o que nos restou do manuscrito original são apenas os capítulos XV e XVI, contudo, é possível ter-se uma visão das propostas do autor e de sua narrativa. O romance descreve as aventuras de três companheiros: Encólpio, Ascilte e Giton.O primeiro é o narrador e mantém uma relação amorosa com Giton, um jovem e belo rapaz, a quem trata por “irmãozinho”. Ao que parece, Ascilte sente-se enciumado com a relação dos dois e tenta várias vezes separar o jovem mancebo de seu amor, Encólpio. Os três, juntos de três outros personagens que vão conhecendo em meio aos caminhos tortuosos, tecem uma trama divertida e às vezes dramática de três homens livres, mas pobres, que tentam ganhar a vida de alguma forma, mesmo que seja preciso valer-se de trapaças e

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5 usufruir sua liberdade através de relacionamentos efêmeros - em muitos dos casos, enganosos -, e tentam de tudo para sobreviverem em uma sociedade hostil e injusta.

O romance foi escrito durante o governo de Nero (54 – 68 d.C.), e mesmo Petrônio sendo um membro da corte do imperador. É importante esplêndido Satyricon é como um pertencente à elite expõe uma visão de mundo, retratando segmentos sociais menos abastados, representando o cotidiano dos homens pobres em meio a trapaças e golpes sórdidos.

Após ter dado uma olhada por toda a cidade, voltei para o quarto. Tendo cobrado os beijos, graças à boa fé finalmente enlaço o garoto com estreitíssimos abraços, e desfruto dos meus desejos de felicidade a ponto de causarem inveja. E com certeza tudo aquilo não tinha ainda acabado, quando Ascilto furtivamente chega de fora e, tendo forçado violentamente as trancas da porta, encontrou-me brincando com meu irmãozinho (PETRÔNIO, 2008, p.21).

O homoerotismo não era considerado um comportamento sexual diferenciado, como na atualidade, mas sim como a manifestação de uma preferência que não excluía relações heterossexuais em uma sociedade que seria predominantemente bissexual. Em Roma, as atividades sexuais tinham desígnio de excitação à fertilidade, para a procriação e para o prazer. O prazer era tão prestigioso quanto à virtude. O “santo membro” – o órgão sexual masculino – era cultuado como símbolo da força geradora inesgotável da natureza e da fertilidade.

Já seria embaraçoso tal comportamento levando em conta as observações de Veyne e Foucault aqui elencadas. Contudo, entre os romanos, segundo Veyne (2008, p. 233), “ser ativo era ser macho, qualquer que fosse o sexo do parceiro dito passivo. Ter virilmente ou dar-se servilmente era tudo”. Portanto, não havia uma reprovação ao homoerotismo na Roma antiga, mas sim à efeminação4 e ao papel passivo. Para Veyne (2008, p. 234), a passividade era um dos efeitos da falta de virilidade, a qual era muito valorizada em uma sociedade que não distinguia o comportamento homossexual do heterossexual, mas que prestava uma atenção exagerada a toda atitude que revelava a falta da virilidade.

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Utilizamos aqui a palavra “efeminado” no conceito atual do termo, no sentido de um homem que assume um comportamento que tradicionalmente se atribui às mulheres. Entre os romanos antigos, o sentido era outro: “Se alguém tivesse um gosto especial pelas mulheres, isto provava, segundo eles, que era um efeminado” (VEYNE, 1985, p. 244).

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6 No caso descrito, o personagem seria um ex-escravo, um liberto, podendo manter qualquer tipo de relação com o garoto, que na obra também é um ex-escravo. É explicito que qualquer outra expectativa de gênero não seria possível para tais personagens segundo estas suposições. Mas é importante refletir como se daria então a relação entre dois homens que não fossem cidadãos. Caberiam a eles os mesmo perfis de relação homoafeitiva que para os cidadãos?

Em Roma, o homoerotismo era aceito quando se restringia às relações entre cidadãos, que deveriam representar o papel de ativo na relação sexual, e escravos, atuando como passivos. Essa relação de domínio através do sexo era favorecida pelo escravismo e pelo machismo e não se restringia aos romanos, mas era comum a boa parte dos povos do Mediterrâneo.

O trio que compõe a obra, Encólpio, Gitão e Ascilto são todos ex-escravos e mantém entre si uma relação conflituosa de amizade, ciúmes e erotismo. Ao serem forçados pela sacerdotisa priápica Quartila a participar de um de seus cultos, Encólpio descreve a situação:

Entra uma bicha, o ser mais sensaborão do mundo e, é claro, típico daquela casa. Mal soltou uns gemidos e desmunhecou, foi logo disparando os seguintes versos: - “Aqui, aqui, venham agora, ai, bichonas,/ estiquem o pé, apressem o passo, os pés... voem sobre eles,/ a perna, a bunda ligeira e as mãos tentadoras,/ ó seus brochas, ó seus velhos, ó seus castrados de Apolo”. Logo que recitou seus versos, ela me babou com um beijo que era a maior imundície. Depois veio para cima de meu leito e despiu-me com toda a força, apesar de minha relutância. Ela ficou durante muito tempo sobre minhas partes; parecia um moinho. Foi totalmente em vão. (PETRÔNIO, 2008, p.37).

Este recorte transparece as estratégias usadas por Encólpio em decorrência do que ele considera como masculino. Em público, ao ser assediado pela “bicha” no culto, o ex-escravo adota postura de aversão. Porém, em contrapartida à outra citação, vemos que o protagonista desloca seu comportamento sexual de acordo com a situação. Ao que parece, não vê problemas em aproveitar de seu “irmãozinho” Gitão, mas se recusa a se relacionar com o outro, numa tentativa atribuir a si mesmo noções de masculinidade ou atividade. Ou seja, para Encólpio, ser masculina vai derivar da situação na qual está inserido.

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7 As comemorações dedicadas a Príapo5 tinha os jardins das casas como locais de adoração, além disso, era cultuado pelos homens, pois estes acreditavam que lhes podia devolver a potência sexual, quando essa se debilitasse, e as mulheres, para se tornarem férteis, deveriam montar em seu membro ereto e grande. A sexualidade libertina existente no império romano e visivelmente mostrado no Satyricon abarca os cultos existentes ligados ao sexo, como no caso das personagens Encólpio e Ascilto que em um das cenas entram sem querer em um culto a Príapo. Na cultura romana, o povo carregava consigo um talismã em forma de pênis, o símbolo fálico tornou-se um ícone a fertilidade, tido como algo positivo trazendo boa sorte e agindo contra os maus espíritos. Dessa forma, as representações sexuais e fálicas demonstravam uma ampla crença e sentimentos dos cidadãos romanos.

Sobre o relacionamento entre Encólpio e Giton é interessante observar que mesmo entre tantas tribulações e intrusos que tentam interferir no amor dos dois, as declarações são constantes e, em algumas situações, pensamos que o sentimento parece crescer entre eles. São várias as passagens que elucidam os momentos secretos e extremamente românticos entre os dois. Mesmo a relação entre homens sendo praticamente um costume da época, era necessário esconderem-se para trocarem carinhos. Depois do famoso banquete de Trimalquião, episódio bastante conhecido do romance, os três amigos retornam para casa e, após uma lacuna no texto, aparece uma passagem que descreve a alegria dos dois amantes ao se deitarem juntos: “Que noite essa, ó deus, ó deusas”! Que suave leito! Um contra o outro, ardentes, colhíamos nos lábios de um e outro os nossos hálitos desfalecidos. Adeus, cuidados mortais. Foi assim que sonhei morrer” (PETRÔNIO, 2008, p.87). Para os romanos, em geral, o prazer traduzia-se no desejo de transferir o próprio sêmen para o corpo de outra pessoa, portanto, somente o ativo gozaria.

O homoerotismo entre os romanos se helenizou, dando lugar ao aparecimento da homoafetividade, componente imprescindível da pederastia, que entre os gregos tinha um caráter educativo e afetivo, ligando um homem a um rapaz. Porém, ao contrário do que ocorria entre os gregos, a relação pederástica em Roma normalmente ainda unia um cidadão a um escravo ou a um liberto. O que mudou foi à atitude dos elegantes, que buscavam nos rapazes imberbes o amor, e não somente a satisfação dos desejos, como acontecia anteriormente. Essa união seria prejudicial ao homem romano, uma vez que,

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8 esse sentimentalismo amoroso podia lhe impor a servidão ao outro, sendo essa atitude inaceitável para a moral antiga. O uso dos escravos como parceiros sexuais passivos era socialmente aceito. A iniciação sexual do romano geralmente ocorria entre os escravos, mulheres ou meninos. De fato, a prática dos homens romanos de terem seus amados, frequentemente entre os escravos da casa, era uma norma socialmente aceita, mas, a partir do casamento, ela deveria ser abandonada. Como nem toda regra é cumprida, não eram poucos os homens que persistiam em procurar rapazinhos após o matrimônio. Para evitar essa prática, alguns contratos de casamento proibiam ao futuro marido manter uma concubina ou um rapazinho. (VEYNE, 1978, p. 50).

A obra Metamorfoses, de Ovídio, é um bom exemplo desse desejo homoafetivo influenciado pelo helenismo. Ovídio apresenta o mito de Jacinto, um dos amantes do deus Febo. Detentor de rara beleza, Jacinto morre quando, brincando com Febo, é atingido por um disco, lançado pelo mesmo, entretanto, desviado pelo ciumento Zéfiro, vento do Oeste, que também se enamorava de Jacinto. Ferido pelo disco, Jacinto falece nos braços de Febo, mesmo depois de todas as tentativas deste que resultam em esforços nulos. Entretanto, Jacinto renasce de outra maneira: a metamorfose de Jacinto ocorre quando Febo faz brotar de seu sangue derramado na relva, uma flor purpúrea e brilhante, que nomeia de Jacinto, em homenagem a sua paixão.

A sexualidade dos antigos, diferentemente da nossa, não era regrada pela religião, pois o politeísmo não era avesso ao homoerotismo, mas pela moral patriarcal. Mulheres e rapazes atuando como passivos não deveriam sentir prazer na relação sexual, mas somente dá-lo. O adultério, que também é abordado no Satyricon, era muito realizado na época e visto como algo não censurável para os homens, sendo que a mulher não deveria cometê-lo por que deveriam manter-se padrões. Na obra de Petrônio, isso não é apontado desta maneira, pois em uma das cenas, a mulher de um cidadão importante vai procurar o leito de uma das personagens principais.

A rígida separação social em Roma parece ter resolvido o “problema grego dos rapazes”, no dizer de Foucault. No mundo grego, a pederastia ocorria entre os socialmente iguais, mas de idades diversas. A honra do futuro cidadão dependia do uso que tinha feito do seu corpo durante a juventude, quando a passividade lhe era permitida. (FOUCAULT, 2003, p. 188). Já a moral romana variava segundo a posição social da pessoa, era uma questão de estatuto, não de virtude. (VEYNE, 1978, p. 47).

Em o banquete de Trimalquião, o recorte mais explorado pela historiografia, também pode trazer alguma luz para pensar outras possibilidades de masculino, além de

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9 pensar as relações de status ou classe social em Roma. O anfitrião, liberto que enriquece com a herança de seu antigo dono, diz que servia aos prazeres tanto de seu patrão, mas também servia à sua patroa enquanto ainda era escravo:

E a fim de ter barba no rosto mais depressa, eu lambuzava a boca com óleo de lucerna. É, mas no entanto fui as delícias do meu patrão durante quatorze anos. E não é nenhuma vergonha o que patrão manda. Eu no entanto satisfazia minha própria patroa também. Vocês sabem o que eu estou falando: vou ficar quieto porque não sou de ficar contando vantagem. (PETRÔNIO, 2008, p.103).

Ao ser abandonado por Gitão, que foge com Ascilto, Encólpio se mostra bastante entristecido, possuído por ciúmes e raiva. E quando se recorda do que seu amante e seu amigo lhe fizeram, pensa: “Mas isso não fica assim. Ora, ou eu não sou homem e livre, ou vingarei com seu sangue malfazejo essa ofensa contra mim.” (PETRÔNIO, 2008, p. 111). Aqui parece que ser homem ou sustentar a insígnia do masculino seria se vingar dos dois. Este plano de Encólpio é totalmente frustrado com o reencontro com o garoto Gitão, onde o primeiro acaba deixando sua ideia de vingança que lhe garantirá o status de homem, para se declarar ao amante:

Então, a portas fechadas, atirei-me em cima dele, cheio de abraços, cobrindo com meu rosto sua boca banhada em lágrimas. Durante um bom tempo, nem um nem outro encontrava palavras. O garoto mesmo tinha o peito encantador sacudido por muitos soluços. - Que injustiça! Que vergonha! – disse eu. – Porque, mesmo abandonado, eu te amo. Neste peito meu não há mais cicatriz, apesar de ter recebido uma profunda ferida. Que é que você tem a dizer, você, que cedeu a um amor alheio? Será que eu mereci essa afronta? (PETRÔNIO, 2008, p. 125-126).

Ao final do romance, o narrador-personagem, Encólpio, vê-se numa momento muito constrangedor. Ele, junto de Giton e do poeta Eumolpo, haviam sobrevivido a um naufrágio e refugiaram-se numa ilha onde estava estabelecida uma cidade. Na localidade, tiveram de montar uma encenação a fim de escaparem ilesos dos julgamentos morais de tal lugar. Foi no mesmo lugar que Encólpio encontrou Circe, uma mulher de rara beleza, que tenta a todo custo seduzir o herói. Este, por haver

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10 falhado duas vezes ao tentar amar Circe, mesmo sentindo-se profundamente atraído por ela, ao ponto de recorrer a magias para tentar solucionar seu problema, chega à conclusão de que não mais pode chegar ao prazer sexual com mulheres e confidencia o seguinte comentário com Giton,: “[...] acredita, irmãozinho, que já não me sinto homem. Está morta e enterrada essa parte de mim que outrora me tornava igual a um Aquiles.”(PETRÔNIO, 2008, p.129).

É importante ressalta que a fonte utilizada trata-se de uma obra de literatura e seus personagens não existiram realmente, mas é possível reconstruir de que maneira Petrônio representou o homoerotismo de seu tempo, uma vez sendo sua narrativa é perpassada pelas concepções, ideias, costumes e códigos da sociedade em analise. O

Satyricon é a representação de uma realidade que Petrônio vê ou quer que seja vista, ou

pode ser ainda uma crítica aos costumes que os permeiam. Independentemente de suas intenções, a obra não deixou de narrar às relações homoeróticas e também a diversidade e a fluidez do masculino.

Nossa proposta foi explicitar a intensidade com que os romanos exerciam sua sexualidade, discutindo sobre os estudos acerca da sexualidade, do erotismo e do amor na sociedade romana, tema de contínuas discussões nas artes, na literatura e, em especial, nos achados arqueológicos da cidade romana de Pompéia.

Fonte.

PETRÔNIO. Satíricon. Tradução e posfácio: Cláudio Aquati. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

Referências Bibliográficas.

FEITOSA, Lourdes Conde. Amor, desejo e poder na Antiguidade: Relações de gênero e representação do feminino. São Paulo, Editora Unicamp, 2003.

FEITOSA, Lourdes Conde. Amor e sexualidade: o masculino e o feminino em grafites de Pompeia. São Paulo: Annablume – FAPESP, 2005.

FEITOSA, Lourdes Conde. Paixão e desejo na sociedade romana: Interpretações Historiográficas. In: FUNARI, P.P.A (Org.). História Antiga: Contribuições brasileiras. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2008.

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11 FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 7 ed. Rio de Janeiro: edições Graal, 1998.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade II: o uso dos prazeres. Tradução de Maria Tereza da Costa Albuquerque. Rio de Janeiro, Edições Graal, 2003.

GRIMAL, Pierre. O amor em Roma. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

GRIMAL, Pierre. A vida em Roma na Antiguidade. Portugal: Biblioteca Universitária, 1981.

VEYNE, Paul. Sexo e poder em Roma. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. VEYNE, Paul. A elegia erótica romana. São Paulo: Brasiliense, 1985.

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