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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO/PUC-SP. Renata Cabral Cuch

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO/PUC-SP

Renata Cabral Cuch

As feminilidades: signos de consumo e a identificação das mulheres com a

capa da Revista Elle Brasil

Mestrado em Comunicação e Semiótica

São Paulo

2016

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1

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO/PUC-SP

Renata Cabral Cuch

As feminilidades: signos de consumo e a identificação das mulheres com a

capa da Revista Elle Brasil

Mestrado em Comunicação e Semiótica

Dissertação apresentada à Banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica sob a orientação do Prof. Dr. Oscar Angel Cesarotto.

São Paulo

2016

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2 BANCA EXAMINADORA ____________________________________ ____________________________________ ____________________________________ ____________________________________ ____________________________________

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3

Dedico este trabalho aos meus filhos Artur (In

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4 AGRADECIMENTOS

Agradeço a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e todos os funcionários desta instituição, aos professores do curso de Semiótica Psicanalítica da Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão da PUC-SP (COGEAE) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) pela bolsa concedida.

Agradeço aos professores do Programa de Comunicação e Semiótica Dra. Leda Tenório pela delicadeza e brilhantismo, a Dra. Lucia Santaella pela competência com a qual se dedica a docência e, especialmente, ao meu orientador Dr. Oscar Angel Cesarotto por ter permitido que caminhasse seguindo meu próprio desejo.

Agradeço a Ana Lucilia por ter me dado seu livro o qual usei em minha dissertação.

Agradeço a Dra. Patrícia Coelho pelo incentivo.

Agradeço a todos os colegas e amigos que fiz na academia, em especial a amiga e companheira de estudo Emanuela e a minha família pela paciência e por entender minha ausência.

Agradeço de todo o meu coração ao meu esposo Flávio pela serenidade, companheirismo e amor dedicado ao nosso filho e a mim.

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5 RESUMO

Esta pesquisa busca, a partir das considerações freud-lacanianas acerca do conceito de identificação, compreender os processos psíquicos no tocante à feminilidade das mulheres-leitoras, quando em contato com os elementos sígnicos dispostos nas capas da revista Elle Brasil. A pesquisa está ancorada no pressuposto de que tais capas mobilizam a atenção das leitoras pela oferta de imagens de modelos que aparentemente detém “tudo o que falta” a elas, incitando assim um efeito de deslocamento do objeto que está a serviço do desejo. Além de evidenciar a existência de artifícios sígnicos que podem operar como objeto de desejo a partir dos processos de identificação, o trabalho faz uma breve distinção entre a feminilidade na psicanálise e o modelo de feminino apresentado pelo universo midiático. Busca ainda, desmitificar o uso da máscara enquanto artifício intrínseco ao feminino e produzir uma análise semiótica psicanalítica das mensagens verbo-visuais mediada pelos signos de consumo utilizados nas capas. A pesquisa foi realizada, primeiramente, pela extração dos artifícios sígnicos das mensagens das capas e, posteriormente, pela leitura psicanalítica destes signos. O

corpus é constituído de quatro edições da revista Elle Brasil, coletadas de forma intercalada

ao longo dos anos de 2014 e 2015. Para alcançar os objetivos foram articulados os conceitos de “máscara”, apresentado inicialmente por Joan Rivière e tomado de empréstimo por Jacques Lacan, quando de sua investigação sobre a dinâmica dos mecanismos da feminilidade; os conceitos relativos à teoria dos signos produzidos pela semiótica de Charles Sanders Peirce, aqui expressos pela ótica de Lucia Santaella; além das considerações de Slavoj Žižek sobre os mecanismos ideológicos e representações significantes a partir do processo de experienciação das leitoras com as ofertas midiáticas. Acredita-se que esses mecanismos podem ser articulados com a dinâmica intrapsíquica que opera no modo como os traços fálicos provocam nas mulheres suas escolhas objetais. Esta pesquisa sugere que as mensagens expostas nas capas de Elle Brasil podem suscitar no inconsciente das mulheres-leitoras a partir das ofertas de objetos, suprir a falta que opera na feminilidade. Para tanto, foram utilizados os conceitos de máscara, véu e semblante na tentativa de compreender os modos de identificação.

PALAVRAS-CHAVE: Semiótica psicanalítica. Mídia impressa. Identificação. Feminilidade. Máscara.

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6 ABSTRACT

This research seeks, from considerations freudian-lacanian about the concept of identification, understanding the mental processes regarding the femininity of women-readers, when in contact with the sign elements arranged on the covers of Elle Brazil magazine. The research is grounded on the assumption that such cases mobilize the attention of readers by offering images of top models that apparently holds "all that remains", thus promoting an object displacement effect that is at the service of desire. In addition to demonstrating the existence of signic devices that can operate as an object of desire from the identification processes, the work makes a brief distinction between femininity in psychoanalysis and female model presented by the media universe. It also aims to demystify the use of the mask as an intrinsic device to the female and produce a psychoanalytical semiotic analysis of verbal-visual messages mediated by the consumption of the signs on the covers. The research was conducted, first, by the extraction of signic artifices of messages of the covers and subsequently by psychoanalytic reading of these signs. The corpus consists of four editions of Elle magazine in Brazil, collected interchangeably over the years 2014 and 2015. To achieve the objectives were articulated the concepts of "mask" presented initially by Joan Rivière and borrowed by Jacques Lacan in his research on the dynamics of femininity mechanisms; the concepts of the theory of signs produced by the semiotics of Charles Sanders Peirce, they are here expressed through the eyes of Lucia Santaella; besides the considerations of Slavoj Žižek about ideological mechanisms and meaningful representations from the experience process of the readers with the media offers. It is believed that these mechanisms can be articulated with intrapsychic dynamics that operate in the way phallic traits influence women choices. This research suggests that the messages displayed in Elle Brazil magazine covers can raise the women-readers unconscious starting from the offerings of objects, filling the gap that operates in femininity. Therefore, the mask concepts, veil and face were used in an attempt to understand the identification modes.

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LISTA DE IMAGENS

IMAGEM 1. Capa da Revista Elle Brasil (maio/2015) ... 9

IMAGEM 2. Capa da Revista Elle Brasil (setembro/2014) ... 44

IMAGEM 3. Capa da Revista Elle Brasil (maio/2015) ... 52

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8 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1. NARCISISMO E IDENTIFICAÇÃO NAS CAPAS DE ELLE BRASIL ... 16

1.1 Do estádio do espelho ao Eu ideal e ao Ideal do eu ... 19

1.2 A feminilidade para a Psicanálise: o enigma da mulher ... 23

1.3 Revista feminina e os signos de consumo ... 25

2. SEMIÓTICA APLICADA À ANÁLISE DAS CAPAS DE ELLE BRASIL ... 29

2.1 A imagem como signo... 30

2.2 Signos de consumo na mídia impressa ... 33

2.3 Conceitos Semióticos de Peirce ... 36

2.3.1 Ícone, Índice e Símbolo ... 36

2.3.2 Objeto dinâmico e Objeto imediato ... 37

2.3.3 Quali-signo / Sin-signo / Legi-signo ... 38

2.4 Uma análise verbo-visual das capas destacadas ... 41

2.4.1 Capa Gisele Bündchen ... 41

2.4.2 Capa #VoceNaCapa: Espelho ... 45

2.4.3 Capa Plus-Size: Jú Romano ... 48

2.4.3 Moda sem Regras: Nina Grando ... 54

2.5 A importância do logotipo e chamadas de capa na revista Elle Brasil ... 58

2.6 As modelos de capa ... 63

3. A MULHER DE ELLE: O ENIGMA DA FEMINILIDADE NAS CAPAS ... 67

3.1 Feminino ideológico versus feminilidade na psicanálise ... 77

3.2 A ideologia como significante fálico para a máscara ... 81

3.3 A mascarada ... 86

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 94

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IMAGEM 1. Capa da Revista Elle Brasil (maio/2015)

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10 INTRODUÇÃO

“‘O inconsciente é o discurso do Outro’: a construção do sujeito se dá pela exterioridade – seja pela marca originária, aquém ainda das identificações, seja pela organização da imagem própria, surgimento do eu. Não havendo resposta em si mesmo, é no Outro que encontra seu desejo (‘desejo do homem, desejo do Outro’), do Outro marcam-se as constelações significantes que fazem história, e faz a estória do sujeito.”

Samira Chalhub1

Esta pesquisa de mestrado surge da inquietação da autora em relação ao universo midiático e ao modo como este pode produzir ofertas de consumo e identificação para mulheres. A partir da experiência da autora com a clínica de orientação psicanalítica, a pesquisa visa inclinar-se para investigar os paradigmas do universo da comunicação, mais especificamente, pela realização de uma análise de capas de revistas femininas, tendo como orientação a ótica da semiótica psicanalítica. Esta, por sua vez, “se caracteriza pelo modo de ler os fenômenos e sintomas do mal-estar na cultura contemporânea” (SANTAELLA; HISGAIL, 2013, p. 11).

Para delimitar o objeto da pesquisa elegemos um dos modelos de mídia impressa feminina oferecida pela Editora Abril, precisamente a revista Elle Brasil. Considerada uma das mais fortes no mercado editorial brasileiro desde a chegada da mídia impressa feminina no país, a revista Elle Brasil nasce em 1945 na França a partir da evolução no universo da moda e desembarca em terras brasileiras em 1988 com o título de Elle Brasil.

A revista é publicada mensalmente e tem, atualmente, 41 edições impressas e 28 versões online publicadas em mais de 60 países no mundo. Suas publicações têm como foco o público feminino, atingindo atualmente cerca de 23 milhões de leitoras, em especial das classes A e B com faixa etária entre 20 e 59 anos.

A revista aborda assuntos que se referem ao universo da moda, beleza, cultura e estilo de vida das mulheres. Podendo, por meio de suas mensagens verbo-visuais endereçadas às leitoras, ser identificada como um espelho para o cenário feminino. Não por acaso, sua edição de aniversário de maio de 2015, traz como estratégia editorialista uma publicação inédita “na qual a capa é um espelho, em que toda mulher pode se ver refletida e, assim, se

1 Em Ideias de Lacan, 2011.

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11 tornar a estrela do mês, que retrata o espírito da selfie, com a hashtag #VocêNaCapa para que as pessoas postem suas fotos e compartilhem nas redes sociais” (ELLE Brasil, 2015a), como ressalta a própria revista. Com esta estratégia qualquer pessoa pode ser a estrela da capa, com a proposta de homenagear todas as mulheres, como explica a diretora da redação da Elle Brasil, Susana Barbosa.2

De acordo com Dulcília Buitoni (2009), desde o avanço da mídia impressa feminina ficou evidente a existência de um público de altíssimo potencial. Fato que pode ser comprovado pela considerável multiplicação das revistas femininas. Elas são deste modo, um interessante lócus a partir do qual se pode compreender a história dos costumes.

A história desta impressa é apaixonante porque nela lemos a história dos costumes: não a “pequena história” feita de anedotas sobre os grandes deste mundo, mas um reflexo significativo da vida cotidiana, da economia doméstica, das relações sociais, das mentalidades, das morais e dos esnobismos apaixonados, no seu monótono frenesi de novidade (SULLEROT, 1963, apud BUITONI, 2009, p.29).

Apoiados na perspectiva da semiótica de Charles Peirce apresentada por Lucia Santaella no livro Semiótica Aplicada (2008) interessa-nos neste estudo extrair os possíveis artifícios sígnicos que compõem as capas das publicações de Elle Brasil. Mediados pelos discursos enunciados em suas chamadas de capas, estes artifícios podem promover identificações nas mulheres-leitoras, público específico do objeto desta pesquisa.

Privilegiar os mecanismos e objetos de identificação que as mulheres desenvolvem a partir das imagens e discursos contidos nas capas de Elle Brasil deve ir além de estudar as questões de gênero e categorias que possam definir os sexos, como já vem sendo desenvolvido, ao longo dos anos, por outros campos de pesquisa. É preciso perceber o universo feminino dentro de suas vicissitudes e contingências propostas pela ótica da psicanálise e, compreender as imagens do consumo, a partir da teoria peirceana dos signos. Segundo esta tradição semiótica, signo “é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele” (SANTAELLA, 2012b, p. 90).

2 GAIO, Camila. Capa histórica da Elle Brasil homenageia você, leitora! Portal M de Mulher, São Paulo, 18 mai. 2015. Disponível em: <http://mdemulher.abril.com.br/moda/elle/capa-historica-da-elle-brasil-celebra-a-diversidade Acesso em: 26 abr. 2016.

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12 As imagens como representações visuais diferem de acordo com a finalidade a que se prestam. Elas podem ter finalidade de aguçar e ampliar nossa capacidade perceptiva, [...] as imagens também podem servir à captura do nosso desejo por adquirir produtos veiculados pela publicidade, para a qual as imagens são imprescindíveis (SANTAELLA, 2012a, p. 19-20).

Seguindo a autora, ao longo da história humana no tocante às construções culturais, a questão da imagem como representação da identidade do ser humano tem sido alvo de discussões teóricas que ora convergem, ora divergem sobre a natureza de suas representações nas sociedades. Diante disso, pode-se refletir sobre a estratégia de criação de uma capa ofertando-se um lugar de produção de imagens como, por exemplo, a edição história #VocêNaCapa. Alberto Manguel (2001) reporta-se ao retrato em seu aspecto mais amplo quando diz que todo retrato é, em certo sentido, um “autorretrato” que reflete o espectador. Sendo assim, pode-se entender que imagem enquanto retrato, ou seja, signo que se reporta a algo ou a alguém enuncia silenciosamente significações que estão muito além do mero olhar humano. Todavia, Santaella (2008) ressalta que o olhar humano não se centra apenas em ver, diz que, a percepção é feita por inferências interpretadas a partir das experiências de cada indivíduo.

Jacques Lacan também se preocupou com a questão da imagem e sua influência especular sobre o sujeito e por isso salientou:

No ser humano, no final das contas, parece que esse é o único ponto que subsiste. Ele desempenha o seu papel, e o faz na medida em que é enganador e ilusório. É nisso que ele vem em socorro de uma atividade à qual, desde logo, o sujeito só se entrega por ter de satisfazer o desejo do Outro e, portanto, almejando iludir esse desejo. Esse é todo o valor da atividade jubilatória da criança diante de seu espelho (LACAN, 1999, p. 233).

Com base no pressuposto lacaniano e traçando um paralelo com as reflexões teóricas acerca da imagem, tentaremos articular sobre o momento do confronto visual: indivíduo versus objeto observado que, no caso desta pesquisa, se dá quando as leitoras fitam uma capa de revista. Pode-se refletir diante das explicações dos autores que o espectador carrega consigo elaborações subjetivas produzidas por suas experiências particulares. Trata-se, portanto, de um ato criativo da psique humana que demonstra que o retrato (foto/ausência dela) pode funcionar como uma forma de espelho, servindo para identificar o que há de si no Outro e vice-versa, como nos descreveu Manguel (2001) anteriormente.

Esta dissertação objetiva de forma geral discutir a desconstrução da mascarada – conceito que traremos nos capítulos seguintes – enquanto artifício feminino. Para tanto,

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13 elegemos uma revista feminina especializada em beleza e moda que possui alto padrão e circulação mundial. O intuito é evidenciar os fatores que podem despertar no público feminino identificações na busca de um Ideal do eu3. Para melhor instanciar nossa investigação serão justapostos como suporte analítico os elementos textuais e iconográficos encontrados nas capas da revista Elle Brasil para situar a distinção entre os objetos ofertados do feminino à feminilidade que atua nas mulheres a qual a mídia endereça suas mensagens sígnicas.

Para alcançar os objetivos específicos propomos realizar uma análise semiótica de extração psicanalítica em quatro capas selecionadas da revista Elle Brasil no período de setembro de 2014 a junho de 2015. O intento é esboçar brevemente como foram extraídos os artifícios sígnicos que compõem suas capas. Desta forma, nossa investigação visa demonstrar como funciona a semiótica aplicada descrita por Lucia Santaella (2008).

Considerando que os signos podem servir ao inconsciente como significantes que endereçam mensagens psíquicas para o público leitor de mídia impressa feminina (SANTAELLA, 2008), pode-se considerar que as imagens verbo-visuais expressas nas capas destas revistas podem suscitar também um ideal narcísico no imaginário dos indivíduos que se espelham nas capas. Esse mecanismo representa uma dinâmica psíquica que se caracteriza pelo investimento exagerado na imagem do Eu como será abordado no primeiro capítulo.

Por isso, será objetivo também desta pesquisa compreender se o processo de identificação das mulheres com a mídia impressa feminina pode ser lido sob a ótica da psicanálise freud-lacaniana ancoradas pelos conceitos de narcisismo, estádio do espelho, Eu ideal e Ideal do eu até chegar ao conceito de mascarada. Trata-se de um estudo qualitativo, de cunho bibliográfico e uma análise do corpus a partir de quatro capas que abordam temas especiais, sendo que uma pode refletir a imagem de qualquer pessoa em sua capa e outras duas trazem imagens de modelos inusitadas, propondo quebra de padrões e novos estilos para as leitoras de Elle Brasil.

Todo o trabalho foi divido da seguinte forma: a introdução, contendo todo o trajeto trilhado para a concretização desta dissertação. Na sequência são descritos três capítulos que se desdobram para melhor evidenciar os objetivos específicos, indo desde a investigação teórica situada no primeiro capítulo, passando pela análise das capas sob a ótica da semiótica aplicada, contidas no segundo capítulo e, no terceiro e último capítulo foi dado enfoque à feminilidade e à identificação e seus modos de operação nas mulheres-leitoras, bem como,

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14 reflexões acerca da máscara do feminino no tocante ao embate de suas vicissitudes. Por fim, as considerações finais seguidas pelas referências.

Como suporte bibliográfico, peso maior desta investigação, destacou-se livros de obras completas de Freud, coleção seminários de Lacan e uma gama de publicações de Santaella, além, das consultas às inúmeras revistas e trabalhos acadêmicos que abordam temas atuais no campo da comunicação. Toda observação foi realizada a partir da análise dos conteúdos verbo-visuais expressos nas capas das revistas Elle Brasil para compreender, se de fato, há nas chamadas de capas representações significantes que direcionam o olhar das leitoras por meio da identificação e que funcionam como mola impulsionadora no consumo dos objetos que adornam as capas.

É preciso notar que a revista parece “[...] até certo ponto, tentar imprimir uma visão ‘feminina’ aos assuntos tratados, embora dentro do estereótipo de superficialidade que se espera da conversa entre mulheres” (BUITONI, 2009, p. 78). Como por exemplo, podemos referenciar o modelo de mulher apresentado pela übermodel Gisele Bündchen que, em entrevista à revista Elle Brasil4 analisada pela pesquisa se descreve como uma mulher versátil,

independente e modelo de revolução feminina. Este conceito de modelo de mulher é encontrado em Buitoni (2009).

Para melhor situar o pressuposto que enoda a operação psíquica da feminilidade com a imagem da mulher investida nas modelos de capas como expressão do feminino para a mídia, recorreremos ao conceito lacaniano sobre a máscara – instância que opera como mecanismo de defesa inconsciente nos indivíduos designados com o sexo feminino. Nesta pesquisa foi importante fazer uma ressalva aos processos da feminilidade para não ocasionar confusões no tocante ao objeto de estudo frente à clivagem do gênero a que ele responde.

Sobre a máscara, vale pensar que em primeira instância parece ocupar a função de artifício de beleza, adorno ou vestimenta – objetos investidos em artifícios sígnicos ofertados pela mídia – que as mulheres poderiam utilizar para atrair o olhar do outro. Todavia, é mergulhando num universo ainda mais complexo que tentaremos entender qual a relação que as mulheres mantêm com os objetos a elas designados pela cultura, mais do que isso, se esses objetos podem estar mascarados de representações fálicas que operam com caráter de significante nas mensagens a elas endereçadas pelas chamadas de capas.

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15 De maneira geral, não foi a análise que descobriu a função do desejo, mas ela nos permitiu perceber a que grau de profundidade é levado o fato de o desejo humano não estar diretamente implicado numa relação pura e simples com o objeto que satisfaz, mas estar ligado a uma posição assumida pelo sujeito na presença desse objeto e a uma posição que ele assume fora de sua relação com o objeto, de tal modo que nada jamais se esgota, pura e simplesmente, na relação com o objeto (LACAN, 1999, p.331).

Sendo assim, espera-se com essa investigação, subjetivar ainda mais a condição de mulher frente ao desejo que seu lugar ocupa na sociedade. Discutir essas questões do ponto de vista da psicanálise é peça fundamental para situar os fenômenos intrapsíquicos que são lidos e experimentados pelas ofertas de objetos externos, mas que respondem à herança deixada pelos eventos pulsionais que marcaram suas experiências de vida. Com efeito, a máscara, que por meio do feminino apela por sua instância latente na feminilidade, e que pelos impulsos paga o preço cobrado pelas exigências do ego, pela castração que lhe confere uma marca simbólica que lhe direciona, como na música de Chico Buarque (1978):

Ó pedaço de mim...

Ó metade arrancada de mim... Leva o que há em ti...

Que a saudade dói como um laço...

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16 1. NARCISISMO E IDENTIFICAÇÃO NAS CAPAS DE ELLE BRASIL

As revistas femininas no cenário brasileiro atual têm trazido grande número de imagens, cores e chamadas de capa que intentam provocar suas leitoras. A partir desse pressuposto, esse trabalho visa analisar a relação que as mulheres contemporâneas têm experimentado com as ofertas midiáticas por meio das imagens e modelos que sugerem deter tudo o que lhes possa faltar. Estas ofertas ocorrem desde a oferta de mulheres-modelos nas capas até à possibilidade de as próprias mulheres-leitoras aparecerem na capa da revista, fazendo desta o reflexo de um espelho.

Para adentrar essa discussão, é necessário apresentar alguns conceitos da psicanálise na tentativa de explicar os processos que operam na constituição psíquica das mulheres, com o intuito de aproximar-se do mecanismo que promove identificações na busca pela imagem de um Ideal do eu5 amparada pelas ofertas midiáticas expostas nas capas de revistas. O intento é

utilizar tais conceitos como base explicativa para a análise semiótica psicanalítica dos artifícios sígnicos que montam as capas das edições de Elle Brasil, e que podem promover identificações nas leitoras por meio de suas imagens.

[...] o processo da maturação fisiológica permite ao sujeito, num dado momento da sua história, integrar efetivamente suas funções motoras, e aceder a um domínio real de seu corpo. Só que é antes desse momento, embora de maneira correlativa, que o sujeito toma consciência do seu corpo como totalidade. É sobre isso que insisto na minha teoria do estádio do espelho – a só vista da forma total do corpo humano dá ao sujeito um domínio imaginário do seu corpo, prematuro em relação ao domínio real. Essa formação é destacada do processo mesmo da maturação e não se confunde com ele. O sujeito antecipa-se ao acabamento do domínio psicológico, e essa antecipação dará seu estilo a todo exercício posterior do domínio motor efetivo (LACAN, 1981, p. 96).

Compreendendo o processo de constituição psíquica no tocante ao estádio do espelho conforme as considerações de Lacan pode-se associar o mecanismo de identificação como parte da construção e formação do Eu do sujeito. A identificação “é um termo empregado pela

5 Segundo Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, não se encontra em Freud uma “distinção conceitual” entre o Ideal do eu (Icheideal) e o eu ideal (Idealich). Todavia, como Freud emprega em diversas ocasiões esses dois termos, alguns autores os diferenciam. Em seu seminário de 1953-1954, “Os escritos técnicos de Freud”, Lacan sustenta que Freud de fato designa duas funções diferentes. Lacan inscreve esta distinção em sua tópica. “O Ich-Ideal, o ideal do eu, é o Outro como falante, o Outro na medida em que mantém comigo uma relação simbólica, sublimada, a qual, em nosso manejo dinâmico, é ao mesmo tempo igual e diferente da libido imaginária.” O eu

ideal, formação essencialmente narcísica, constrói-se, segundo Lacan na dinâmica do estádio do espelho;

decorre, pois, do registro do imaginário e se torna uma ‘aspiração’ ou um ‘sonho’(ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 363).

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17 psicanálise para designar o processo central pelo qual o sujeito se constitui e se transforma” (ROUDINESCO, 1998, p.363). Nessa perspectiva, o conceito assinala que o indivíduo passa por uma fase crucial e, por ela, ele aprende, se assemelha ou projeta no outro coisas de si e para si. Portanto, compreende-se a identificação e o estádio do espelho como dinâmicas fundamentais na constituição do sujeito da psicanálise, pois é por esta via instancial que ele elege e reconhece quem de fato é.

Desde Freud à Lacan, o conceito de identificação para a psicanálise vem ancorado na relação com uma imagem enquanto constitutiva do Eu. Em Lacan, mais detidamente, está situado no registro do imaginário, passando pelo estádio do espelho e pelo complexo de Édipo, sempre viabilizado em instância primeira pelo desejo. Desejo este que responde ao lugar da mãe, ou seja; Outro materno. Todavia esse conceito se desdobra em três modelos de funcionamento: 1) a identificação no sentido de identificar-se com o outro encontrando traços de igualdade; 2) a projeção em tomar para si ou investir no outro, traços que o indivíduo reconhece; e 3)centrífuga – nesse caso, o sujeito identifica o outro a partir de sua própria pessoa.

O conceito de identificação assumiu progressivamente o valor central que faz dela, mais do que um mecanismo psicológico entre outros, a operação pela qual o sujeito humano se constitui. Essa evolução tem relação direta principalmente com a colocação em primeiro plano do complexo de Édipo em seus efeitos estruturais, e também com a remodelação introduzida pela segunda teoria do aparelho psíquico, em que as instâncias que se diferenciam a partir do Id e, são especificadas pelas identificações de que derivam (LAPLANCHE, 1998, p. 227).

Nesse sentido, será utilizada a identificação para destacar as modalidades de suas aparições dentro de um mesmo processo cujo indivíduo pode aproximar-se ou projetar afetos diante de algo ou alguém. Esses elementos comuns à fantasia desenvolvem mecanismos de defesa contraditórios à própria identificação. Todavia, a identificação é um mecanismo balizador de reconhecimento que, compõe uma das bases fundamentais do narcisismo, tal qual pode ser verificada propriamente a partir do mito de Narciso e Eco. Pode-se interpretar até certo modo uma estranheza na estrutura narcísica revelada à luz da repetição desdobrada no eco.

Conta o mito que no diálogo entre Narciso e Eco, o primeiro identificava-se apenas com a ambiguidade do idêntico que ouvia. “Sob este efeito e tomado de paixão, Narciso imaginou dirigir-se a um outro. Narciso morre na ilusão de ter encontrado a plenitude” (FRANÇA, 1997, p. 75). A palavra narcisismo é empregada pela primeira vez em 1887,

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18 apresentada por Alfred Binet (1857-1911), um psicólogo francês que queria designar uma forma de fetichismo6, na qual a ideia seria tomar a própria pessoa como objeto sexual. Esse termo seria utilizado mais tarde por outros autores que tentaram explicar o comportamento perverso a partir do mito de Narciso.

Todavia, Freud utiliza esse termo pela primeira vez em 1905, quando apresenta os Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Mas só em 1914, no texto “Sobre o Narcisismo: uma introdução”, é que Freud atribuiu valor conceitual a este tema “o Narcisismo passou então a ocupar um lugar essencial na teoria do desenvolvimento sexual humano. [...] o narcisismo primário diz respeito à criança e a escolha que ela faz de sua pessoa como objeto de amor, numa etapa precedente à plena capacidade de se voltar para objetos externos” (ROUDINESCO, 1998, p. 531).

A relação entre identificação e narcisismo na constituição psíquica do sujeito parece apontar, de um lado, para as questões do desejo, investido em um primeiro momento pela mãe, no que se refere às atribuições de afeto e reconhecimento; por outro lado, apontar para a alteridade do desejo do próprio indivíduo que opera na via do Eu ideal. Seria então a partir da estrutura narcísica que se pode interrogar acerca da função do olhar para entender o que ela determina. Assim, a identificação parece se constituir exatamente na ambiguidade da imagem daquele que vê frente aquilo que é visto.

O que fascina na estranheza é o reconhecimento da representação estranhamente familiar daquilo que somos feitos; é reconhecer, no primado da morte sobre o sexual, a apresentação narcísica primária. Eis a duplicidade: a força de anulação igual à força de ressurreição – a dimensão da exterioridade, o lugar perdido de onde se renasce: o eu identificado com a sua imagem especular, com a sua imagem perfeita negando na sua paixão narcísica a divisão constituinte. E é essa representação do desejo do Outro que nos lança no abismo da falta de “ser” (FRANÇA, 1997, p. 74).

Sendo assim, essa dualidade conflitiva que constitui a dinâmica psíquica na formação do eu pode ser vista como base fundamental das representações e identificações que o sujeito pode eleger na busca de seus objetos de desejo. Todavia, esses objetos podem ser

6 Fetichismo é um conceito criado por volta de 1750, a partir da palavra fetiche (derivada do português feitiço: sortilégio, artifício), retomado em1887 pelo psicólogo francês Alfred Binet e, em 1905, por Sigmund Freud, que atualizou o conceito. Primeiro para designar uma perversão sexual, caracterizada pelo fato de uma parte do corpo ou um objeto serem escolhidos como substitutos de uma pessoa; depois, para definir uma escolha perversa, em virtude da qual o objeto amoroso (partes do corpo ou objetos relacionados com o corpo) funciona para o sujeito como substituto de um falo atribuído à mulher e cuja ausência é recusada por uma renegação (ROUDINESCO, 1998).

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19 representados na figura de coisas ou pessoas, mas sempre estarão a serviço da falta que é constituinte e marca registrada do sujeito.

Neste trabalho será utilizado para subsidiar a análise o conceito de identificação projetiva, termo utilizado por Melaine Klein, em 1932, para “designar um mecanismo que se traduz por fantasias em que o sujeito introduz a sua própria pessoa totalmente ou em parte no interior do objeto para o lesar [sic], para o possuir [sic] ou para o controlar [sic]” (LAPLANCHE, 1998, p. 232). A identificação projetiva é uma das modalidades da projeção no sentido freudiano (ROUDINESCO; PLON, 1998).

Contudo, tentaremos entender a relação de identificação que as mulheres podem desenvolver com as capas da revista Elle Brasil. Serão levadas em consideração as estratégias editorialistas que apontam a capa da revista como um possível espelho de projeção que sugere a partir deste artifício signíco um cenário de expressão de modelos de beleza, que pode provocar a apreensão do olhar das mulheres-leitoras na busca do Ideal do eu. A psicanálise atesta que o Eu é estruturado a partir da imagem de um outro que se oferta aos olhos como referencial de duplo e é por meio da intervenção desse Outro que a duplicidade e a alteridade criam suas marcas no sujeito. Sendo assim, é nesta via que o sujeito captura o significante que poderá colar-se em objetos externos que irá mobilizá-lo na busca da satisfação.

Poderiam, então, os artifícios sígnicos expostos nas capas, serem investidos de significações fálicas para enlaçar as leitoras da revista Elle Brasil? Serão chamados de artifícios as extrações dos símbolos e signos que serão destacados e nomeados ao longo do trabalho como, por exemplo, as modelos de capa que serão tomadas como representação significante na figura de um outro que propõe suposto ideal de beleza.

Diante disso, será seguida a trilha da construção do Eu para melhor situar o conceito proposto pela teoria psicanalítica.

1.1 Do estádio do espelho ao Eu ideal e ao Ideal do eu

O conceito de estádio do espelho como formador da função do Eu para a psicanálise é de importante contribuição nos processos intrapsíquicos na dinâmica que confere ao sujeito a constituição de sua imago. De acordo com Nasio,

[...] posso ver tudo num espelho exceto o que sinto fisicamente; é impossível vermos refletidas nossas sensações e, muito menos vermos, no espelho, a

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20 intensidade emocional que, saindo de nós, vai até a imagem, a energiza dá-lhe vida e volta a nós (2009, p.82).

Pode-se dizer que a função especular no tocante ao distanciamento de um espelho real chama a atenção para o lugar projetivo do espelho, lugar imaginário que pode ser ocupado pelo olhar do Outro. Então, o Eu, embora se constitua em uma alienação imagética, desconhece esse poder constitutivo e alienante das imagens. Esse paradoxo representa o que se carrega do outro simbólico, assim sendo, o outro semelhante representa imageticamente o nosso próprio corpo.

[...] O estádio do espelho é a fase durante a qual pela primeira vez a criança percebe no espelho uma silhueta humana movente e dinâmica, que se reporta a ela. É igualmente a primeira vez que, vendo sua imagem se mexer ela se percebe como uma entidade, isto é, como um indivíduo diferente dos seres e coisas que o cercam, como as bonecas, os bichinhos de pelúcia, as outras crianças ou o adulto que a carrega nos braços (NASIO, 2009, p. 86).

Por esta razão, nota-se que a formação do Eu [je] se dá a partir desse espelhamento que a criança experiencia com seu cuidador. Por isso, esse conceito torna-se preponderante para compreender as implicações e os desdobramentos que o indivíduo poderá desenvolver quando do seu acesso ao simbólico e em sua relação com o mundo. Estes desdobramentos serão mais bem apresentados durante as descrições acerca do papel do Eu ideal e Ideal do eu para a constituição do sujeito.

Lacan enfatiza esta fase “para designar o momento psíquico e ontológico da evolução humana, situado entre os primeiros seis e dezoito meses de vida, durante o qual a criança antecipa o domínio sobre sua unidade corporal através de uma identificação com a imagem do semelhante e da percepção de sua própria imagem no espelho” (ROUDINESCO, 1998, p. 194). Esta perspectiva destaca o papel da unidade que a imagem pode representar na idealização do indivíduo.

Contudo, parece ser essa fragmentação que posteriormente montará uma unidade que possibilita o sujeito da falta a se apropriar de traços e objetos como se fossem peças de um quebra-cabeça, na tentativa de montar uma imagem perfeita em cores, pela via do desejo que apela por ser interpretado. Daí a importância de destacar a identificação como uma das mais remotas expressões do laço afetivo que o sujeito pode manter com outro.

O caráter ambivalente da identificação pode tornar-se a mais pura expressão do afeto que direciona o desejo, seja com caráter de afastamento ou de aproximação por similaridade. “Podemos

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21 apenas ver que a identificação esforça-se por moldar o próprio ego de uma pessoa segundo o aspecto daquele que foi tomado como modelo” (FREUD, 1996b, p. 116).

Sendo assim, pode-se conceber que a identificação, quando auxiliada pelo narcisismo, torna-se um mecanismo regulador que pode auxiliar na escolha do objeto, e que o ego assume as características desse objeto. Tomando como premissa o pressuposto freudiano da identificação como base especular na formação do Eu, este trabalho se propõe analisar a possibilidade do acontecimento desse mecanismo entre as mulheres leitoras e as capas da revista Elle Brasil. A lógica utilizada será a identificação das leitoras a partir do Eu como mecanismo de busca de uma realização narcísica outrora perdida, que responde ao Eu ideal mais arcaico. “O Eu ideal implica uma imagem idealizada do Eu. Já o Ideal do eu remete ao simbólico, remete aos significantes advindos do Outro aos quais a pessoa se refere para se avaliar” (LEITE, 2013, p. 151).

É, portanto, a partir da idealização que vão se constituir as instâncias ideais da pessoa: o ego ideal e o ideal de ego. Ao tornar as exigências do ego mais intensas, ela se transforma no fator facilitador e condicionante do recalque. Enquanto o ego ideal tem seu modelo no narcisismo primário, o ideal do ego aponta para uma instância diferenciada resultante da convergência do narcisismo e da identificação com a fonte parental (GARCIA-ROZA, 2005, p. 204).

A partir das explicações acima citadas, podemos destacar que o Ideal do eu responde ao modelo de conformação do indivíduo, apontando para duas formas de identificação. A primeira responde ao narcisismo primário que opera na fase pré-edípica e que constitui o Eu ideal. Por conseguinte, na identificação narcísica secundária há uma identificação com o Outro, destacando uma característica fundamental do Ideal do eu.

Por esta razão, “só podemos falar em Ideal do ego a partir do momento em que se introduz o Outro. Como diz Lacan, a partir do momento em que se dá a passagem do imaginário para o simbólico” (GARCIA-ROZA, 2005, p.204). É por esta via de entendimento que será apresentado a edição do espelho #VocêNaCapa a ser articulada junto ao conceito de Ideal do eu para sustentar a proposta de uma possível identificação que as mulheres- leitoras, podem estabelecer com as ofertas midiáticas.

A própria impossibilidade de se fazer coincidir o sujeito do ego como sujeito do inconsciente já é um indicador dessa diferença. Se pudermos falar de um ego inicial, esse ego tem muito pouco que ver com o eu (je), que surge a partir do ingresso no simbólico, e, menos ainda, com o sujeito do desejo. Esse primeiro esboço do ego (moi) característico do imaginário é quando

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22 muito um ego corporal, reflexo especular do desejo da mãe. É um ego sujeitado e não sujeito (GARCIA-ROZA, 2005, p. 224).

Diante dessas considerações, é importante lembrar que o Eu ideal é marcado por um funcionamento regido pelo autoerotismo, voltado para a necessidade de estruturar sua própria imagem corporal, momento no qual a criança volta todas as pulsões e satisfações para si. Como se interpelasse: “quem sou eu?” Todavia, no momento de estruturação do Ideal do eu, o que ocorre parece responder a uma constatação com efeito de uma transformação na demanda e, assim, o sujeito busca o olhar do outro, questionando: “o que o outro quer de mim?”. Eis a linha que liga um dos objetivos deste trabalho ao conceito freudiano.

Tomando por base as formulações do teórico, o trabalho visa utilizar as capas de revistas como lugar de resposta à pergunta, sempre inconclusiva, que o indivíduo faz em seu inconsciente: “quem sou eu?” A trilha seguida será a do emblema em torno do narcisismo primário até chegar às questões acerca da feminilidade para viabilizar o entendimento a respeito das mulheres e as capas de revistas femininas.

Estas considerações justificam, portanto, a escolha das edições da revista Elle Brasil cujas capas serão analisadas. Com base na edição do espelho #VocêNaCapa pode-se tentar responder, por exemplo, a pergunta “o que o outro quer de mim?”. A edição especial de aniversário #VocêNaCapa traz uma modelo plus-size, demonstrando uma tentativa de se homenagear a diversidade da beleza. Tais chamadas de capa podem proporcionar um cenário de identificação a partir das ofertas em aberto, uma vez que a partir de mecanismos inconscientes estas mulheres-leitoras podem mobilizar o desejo de ser como a modelo ou ser a própria modelo, desejo que opera a serviço do Ideal do Eu.

Diante da complexidade da questão torna-se fundamental uma extensão desta pesquisa no sentido de ampará-la por uma possível escuta clínica que vise se aproximar dos afetos e fenômenos com base nos discursos das mulheres-leitoras. Não sendo objetivo deste trabalho privilegiar a escuta das leitoras, tentaremos situar o conceito de feminilidade do ponto de vista teórico com o intuito de viabilizar a lógica que norteia a interrogação sobre a proposta: #VocêNaCapa. A leitura será realizada a partir dos apelos verbos-visuais nas capas de Elle Brasil. O objetivo é compreender quais os artifícios que podem chamar a atenção das mulheres-leitoras por meio dos objetos que adornam as capas.

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23 1.2 A feminilidade para a Psicanálise: o enigma da mulher

A feminilidade em psicanálise, e de maneira geral, é um tema obscuro e, “de acordo com sua natureza peculiar, a psicanálise não tenta descrever o que é a mulher – seria esta, uma tarefa difícil de cumprir –, mas se desempenha em indagar como é que a mulher se forma, como a mulher se desenvolve desde a criança dotada de disposição bissexual” (FREUD, 1996e, p.117).

A psicanálise freudiana caracteriza como marca própria da feminilidade, o embate entre a atividade e a passividade em uma relação de conflito que ocorre desde o nascimento e perpassa por todos os estágios da vida. Tal conflito é condicionado pelo lugar que o indivíduo do sexo feminino ocupa na dinâmica parental. Todavia, é na realização do complexo de Édipo que o ser humano canaliza suas catexias objetais de forma a possibilitar a clivagem entre feminilidade e masculinidade.

Vale destacar que nas pesquisas freudianas não há relatos de um fechamento concreto de uma posição que defina o momento de uma tomada de posse de uma condição feminina. Em outras palavras, o que existe, mais especificamente nas mulheres, é uma bipolaridade que estará presente ao longo da vida em vários níveis da relação que ela irá manter com o outro.

[...] a psicologia é incapaz de solucionar o enigma da feminilidade. Sem dúvida, a explicação deve provir de outras fontes e só pode vir quando houvermos aprendido de que modo, em geral, se efetuou a diferenciação dos organismos vivos em dois sexos. Disto nada sabemos, conquanto a existência de dois sexos seja uma característica muito surpreendente da vida orgânica, que a distingue nitidamente da natureza inanimada (FREUD, 1996e, p. 117).

Eis a problemática estabelecida pelo pensamento freudiano: “dizer que isto não se aplica às senhoras”, apontar que elas são de certa forma uma exceção. Para isso, a investigação acerca do desenvolvimento sexual na mulher carrega dupla possibilidade conflitiva. De um lado, a de lidar com a castração, de outro, o descolamento da escolha do objeto amado – que se inicia na figura da mãe num primeiro momento – para buscar esse objeto no mundo externo, como descreve Freud (1996e) no texto Feminilidade.

Vale salientar que o menino também experiencia um modelo conflitivo que passa pela castração. Porém, é a menina que vivencia um romance com a mãe que também é mulher, demarcando uma relação de homossexualidade. Neste momento, pode-se perceber

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24 que há um furo no interdito que proíbe a permanência dessa relação, obrigando a menina a investir seu amor na figura do pai que, na dissolução do complexo de Édipo, também será barrado para que ela eleja objetos externos para a concretização de sua demanda de amor.

[...] na situação edipiana, porém, a menina tem seu pai como objeto amoroso, e espera-se que no curso normal do desenvolvimento ela haverá de passar desse objeto paterno para sua escolha objetal definitiva. Com o passar do tempo, portanto, uma menina tem de mudar de zona erógena e de objeto – e um menino mantém ambos. Surge então a questão de saber como isto ocorre: particularmente, como é que a menina passa da vinculação com sua mãe para a vinculação com seu pai? Ou, em outros termos, como passa ela da fase masculina a feminina, à qual biologicamente está destinada? (FREUD, 1996e, p. 119).

A ruptura apontada por Freud, que instaura o modelo de escolha afetiva, bem como os modelos de relação que os indivíduos nessa fase irão manter com seus objetos de escolha, chama atenção para o papel do mecanismo que opera na feminilidade. Isso quer dizer, em primeira instância, que nada tem a ver com a anatomia que diferencia homens e mulheres, nem tão pouco compete às questões de gênero. A feminilidade será tratada aqui como uma dinâmica psíquica que pode direcionar o sujeito do inconsciente no modo como atua na vida.

Não por acaso, no texto Feminilidade Freud (1996e) destaca que “atribuímos à feminilidade maior quantidade de narcisismo, que também afeta a escolha objetal da mulher, de modo que, para ela, ser amada é uma necessidade mais forte que amar. A inveja do pênis tem, em parte, como efeito, também a vaidade física das mulheres” (FREUD, 1996e, p. 131), portanto, pode-se conceber que, ao utilizar artifícios que embelezam a mulher, elas parecem estar respondendo à falta fálica que demarca sua condição e, ao mesmo tempo, reclamando por uma demanda de amor e reconhecimento.

Por esta razão recorre-se ao conceito de feminilidade em Freud, na tentativa de entender os mecanismos que levam as mulheres a identificarem-se com as propostas da revista Elle Brasil. Para isso, será realizado um esboço histórico acerca da mídia impressa feminina e as implicações ao longo de sua evolução. O interesse em revisar a história das publicações femininas objetiva compreender como as mulheres se tornaram as consumidoras de maior potencial no universo da mídia impressa, como será visto mais adiante.

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25 1.3 Revista feminina e os signos de consumo

Uma análise da história da mídia impressa deve levar em consideração muitos fatores, principalmente quando se fala em revistas e suas vertentes, como no caso da revista feminina. A primeira revista voltada ao público feminino surgiu na Inglaterra em 1693;

Lady’s Mercury (Mercúrio das Senhoras, em português) trazia pauta variada, abordando

temas relacionados ao casamento, a poesia e a moda. Sua publicação era semanal, tendo sido reproduzida em muitos países. Nessa época, o direcionamento desse tipo de revista tinha ênfase no universo do lar. Muitas vezes, as publicações ofereciam moldes e bordados para facilitar a confecção de roupas para a família. Essa visão possibilitava que as classes operárias pudessem ter acesso às ofertas do figurino da classe burguesa, uma vez que elas mesmas poderiam produzi-lo.

No Brasil, a primeira publicação desse tipo data de 1827. A revista se chamava O

Espelho Diamantino e tratava de assuntos variados como arte, política, moda e literatura. Era

comercializada em um formato simplificado, para alcançar o universo que a mulher ocupava naquele momento da história. Momento em que apenas 10% da população feminina era alfabetizada, já que alguns homens consideravam perigoso o letramento das mulheres, fator crítico e discutido até os dias de hoje:

[...] pouco há de revista feminina na proposta de O Espelho Diamantino, que se apresentava como um periódico dedicado às senhoras brasileiras. Mesmo supondo que apenas as mulheres da elite tinham acesso à leitura é difícil imaginá-las tão interessadas na independência grega ou no sistema de captação financeira praticado pelo Tesouro Nacional (COSTA, 2012, p. 120, grifo do autor).

Frente a essa problemática, em 1852, o jornalista Pierre Plancher – o mesmo que criou o Jornal do Comércio no Rio de Janeiro em 1827 – produziu também o Jornal das

Senhoras, que trazia artigos voltados para a emancipação da mulher. Com essa iniciativa, que

privilegiava o papel e o lugar da mulher na sociedade, Plancher despertou a revolta de grande parte dos homens daquela época. Muitos deles escreviam cartas de repúdio para a redação do jornal em resposta a esse movimento. Este comportamento parecia temer uma possível escalada do poder intelectual feminino, diante do qual o homem daquele contexto parecia sentir-se desprotegido (FANTINI, 2014).

Duas décadas mais tarde, a professora Francisca Diniz lançou a revista O Sexo

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26 categoria de crítica midiática. Em 1872, a jornalista Josefina Alvarez de Azevedo lança a revista Família, que se reportava à leitora já como eleitora e defendia o divórcio – que passaria a valer apenas décadas depois. Na mesma época, era lançada a revista feminina A

Estação, sucessora da La Saison, que era impressa em Paris e trazida para circulação no Brasil

(COSTA, 2012).

Com influência de autores europeus, A Estação vendia cerca de 10 mil exemplares por mês. Era um momento de ascensão no universo da mídia impressa no Brasil, quando surgiam grandes nomes da literatura nacional como, por exemplo, Machado de Assis, que publicou o romance “Quincas Borba” em formato de folhetim. Daí, os romances foram aos poucos, também, aparecendo nas revistas femininas.

Mais tarde as revistas Cigarra e Frou-Frou apresentavam assuntos como esporte, cinema, eventos sociais de famosos, beleza e moda. Em 1918, surge a Revista Feminina, primeira publicação de sucesso voltada ao gênero feminino. Esse êxito foi atribuído à jornalista e editora da publicação, Virgilína de Souza Sales, que inova ao promover a venda de cosméticos, romances e livros de culinária porta a porta. Ela não apenas passou a premiar suas colaboradoras com a aparição nas capas das edições da revista, como também passou a garantir a gratuidade na assinatura àquelas que conseguissem adquirir outras assinantes para suas publicações.

Com esse método, a Revista Feminina passou a vender 20 milhões de exemplares. Ela trazia na capa títulos como “O menu do meu marido”, que serviam como artifício convocatório às leitoras. Tratava-se de uma revista altamente contida politicamente e, por essa razão, muitos dos textos assinados com nomes de mulheres eram escritos por homens, fator comum àquele contexto.

Com a evolução da história das revistas nos anos 1940, conforme descreve Buitoni (1990) e pela influência do rádio como meio midiático, nasce o Jornal das Moças, uma publicação que valorizava ainda mais as qualidades da mulher, enfatizando muito além do que sua condição de esposa. Nesse momento, a mídia impressa entra na era em que a mulher se inclina ao fanatismo pelos ídolos de novelas, fator que iria se estender por décadas.

As revistas femininas ganham ênfase após 1950, quando a mulher passou a ser vista como consumidora em potencial. Surgem nesse período as revistas Manequim (1959), considerada a primeira revista de moda; Cláudia (1961), que abordava moda, beleza e culinária; e NOVA (1970), voltada ao público feminino com idade entre 20 e 35 anos. A revista Elle Brasil, que aparece no final dos anos 1980, propunha-se a ser mais que uma

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27 revista de moda, enfocando um estilo de vida livre e casual, artifícios que ganham ainda mais vida na atualidade.

Os editores de revistas, ou de publicações diversas, sabem que a mulher sempre foi leitora mais fiel do que o homem. “A mulher leitora, desde o império, fora presença assídua no contexto do impresso”, diz a pesquisadora Maria Luiza Martins (2003, p. 371). Como observa a própria autora, essa presença foi limitada em número, além de circunscrita às classes sociais mais abastadas. De leitora a colaboradora ou a produtora de publicações, o passo foi dado aos poucos pelas mulheres (COSTA, 2012, p. 127).

Seguindo o pensamento do autor e apontando para o avanço no mercado editorial e a ascensão da mulher na sociedade, nota-se que as revistas foram ganhando espaço e ênfase no mercado brasileiro. Com essa evolução, as publicações passaram a veicular em suas edições, mais imagens e mensagens imperativas, viabilizando assim, o nascimento das revistas ilustrativas que têm como destaque as mensagens verbo-visuais a partir das marcas e seus logotipos.

Ao longo do século XIX, a revista passa a ter como objetivo levar às leitoras informações sobre os principais fatos da semana, além de variedades e os avanços tecnológicos do mundo pós-guerra. Por essa razão, a mídia impressa tem papel fundamental no que diz respeito aos processos de identificação e formação da ideologia brasileira, principalmente no tocante às questões do feminino, conforme descreve Costa (2012).

Estudar o papel formador das revistas brasileiras no século em que se dá o início da formação identitária de nosso país supõe um diálogo com essas visões. Foi por meio do impresso, como ensina Peter Burke, que se impôs o discurso do ser nacional. Se na visão do historiador, os cafés e clubes inspiraram a criação de comunidades originais de comunicação oral e socialização, foram os impressos que desempenharam esse papel de modo ímpar. Foi por meio das páginas dos jornais e, sobretudo, das revistas, que as populações dos países em formação e consolidação ao longo dos séculos XVIII e XIX aprenderam a se ver como diferentes, como possuidoras de uma nacionalidade – papel que hoje a televisão reforça com seus discursos (COSTA, 2012, p. 56).

De fato, a mídia impressa e a publicidade perpassaram a virada do século XIX para o século XX, chegando à contemporaneidade com ainda mais força, ofertando ao cenário atual possibilidades mercadológicas e políticas de enquadramento às demandas sociais, para os sujeitos que buscam status e reconhecimento a partir de valores distorcidos, como encontramos em Luhmann (2005). Sendo assim, as propostas midiáticas veladas nas capas suscitam nas leitoras um reconhecimento a partir de modelos de Ideal do eu, ligados aos

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28 símbolos ou imagens estampados nas capas de suas edições, que variam de acordo com as tendências e estações do ano.

Não por acaso, a mídia impressa feminina recorreu, desde cedo, a estratégias editorialistas para atrair ainda mais seu público. Desta forma, passou a utilizar uma diagramação, edição e ilustração com o intento de causar efeitos de sentido, ainda mais sedutores, que pudesse causar no leitor o desejo de obter os objetos sígnicos investidos nas marcas. Por isso, as imagens expressas em suas edições precisavam ganhar melhor qualidade para representar, de forma precisa, os conteúdos ofertados em seu interior.

Nesse momento, as imagens que montam as capas das revistas femininas passam também a serem vistas como objetos de consumo, uma vez que as mulheres são compradoras em potencial, como visto anteriormente. Assim, a pesquisa analisa não apenas os artifícios sígnicos mascarados como objetos nas capas da revista Elle Brasil, como também as mensagens metafóricas que serão explicadas no capítulo a seguir à luz da teoria peirceana sobre as imagens e os signos.

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29 2. SEMIÓTICA APLICADA À ANÁLISE DAS CAPAS DE ELLE BRASIL

De acordo com Santaella (2008, p. XIV), os signos crescem de maneira exacerbada e o mundo vem sendo povoado de novos signos o tempo todo. “[...] tenho considerado que a expansão semiosférica, quer dizer, a expansão do reino dos signos que está tomando conta da biosfera, longe de ser apenas fruto da insaciável produção é parte de um programa evolutivo da espécie humana”.

Esta crescente proliferação de signos provoca a necessidade de interpretação e entendimento para alcançar as mensagens expressas por meio de suas aparições, como por exemplo: cinema, rádio, televisão, fotografia, pinturas e, acima de tudo, na atual revolução digital na qual as imagens imperam de maneira preponderante no universo da linguagem midiática. Os signos atuam na gramática especulativa7 de forma verbal e não-verbal, daí a importância de extrair estratégias metodológicas que possibilitem analisar esse manancial conceitual.

[...] música, imagens, arquitetura, rádio, publicidade, literatura, sonhos, filmes, vídeos, hipermídia etc. Embora esse uso da gramática especulativa esteja muito longe daquilo que Peirce havia sonhado para ela, o material teórico que nela podemos encontrar se presta com muita aptidão para esse uso pretendido (SANTAELLA, 2008, p. XIV).

De acordo com essas explicações, pode-se conceber que o universo da imprensa que, por sua vez, está vinculado à proposta do marketing e da publicidade, tem como intuito, vender imagens. Todavia, é nessa relação dinâmica que sobressai a proposta sígnica que dá sentido às ilustrações e provocam a atenção do consumidor de imagens. No que se refere às imagens, pode-se dizer que a mídia se utiliza de seu duplo caráter para montar suas estratégias editorialistas, como por exemplo: a sugestão de uma capa em formato de espelho, na qual a leitora pode se imaginar como modelo e adorno de referencial para as outras mulheres que leem a revista. Formato que desde Virgilína de Souza Salles, tem aparecido em diversas configurações e, com auxilio das redes sociais e a influência exacerbada da era das selfies esse aparato midiático tem conseguido atingir cada vez mais o universo feminino.

É amplo o espectro dos sistemas de signos que as análises tomaram como objeto, justamente para que elas possam servir ao leitor como exemplares dos diversos campos a que

7“A gramática especulativa é o estudo de todos os tipos de signos e formas de pensamento que eles possibilitam. A lógica crítica toma como base as diversas espécies de signos e estuda os tipos de inferências, raciocínios ou argumentos que se estruturam através de signos” (SANTAELLA, 2008, p. 3-4).

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30 a semiótica pode se aplicar: publicidade, embalagens, mídia, arte, vídeos, literatura e instituição (SANTAELLA, 2008, p. XVII).

A partir da visão peirceana da construção dos signos, pode-se perceber que os mesmos bombardeiam o pensamento do sujeito, influenciando nos valores éticos que orientam o modo como o indivíduo percebe o mundo (PEIRCE, 1974). Daí o fundamento do estudo da lógica utilizado por Peirce, cuja preocupação estava, inclusive, no como é realizada a transmissão e produção de um significado de uma mente para a outra e, ainda, como é possível interagir de um estado mental para o outro.

Sendo assim, os signos de consumo podem ser explicados a partir da lógica semiótica de Peirce. Não por acaso, as chamadas midiáticas ou artísticas têm como pano de fundo, imagens que suscitam fatores de identificação no receptor, formas de reconhecimento a partir de objetos de desejo ou de simbolismos que tocam sua vivência singular; identificações que falam do sujeito acima de qualquer coisa:

As diversas facetas que a análise semiótica apresenta podem assim nos levar a compreender qual é a natureza e quais são os poderes de referência dos signos, que informação transmitem, como eles se estruturam em sistemas, como funcionam, como são emitidos, produzidos, utilizados e que tipo de efeito são capazes de provocar no receptor (SANTAELLA, 2008, p. 4).

Com essas explicações nos deparamos com o embate entre a construção de uma imagem e o objeto ao qual ela se refere. Se for tomada como base a representação simbólica que opera na expressão de uma imagem, como visto em Lacan (1998) sobre o estádio do espelho, será possível questionar o caráter sígnico que uma imagem carrega em si e a mensagem que seu objeto endereça ao interpretante como descrito em Peirce. Esta problemática será explicada ao longo deste trabalho na proposta das leituras sígnicas expressas nas capas de revista e pelo poder midiático que fala imperativamente nas chamadas.

2.1 A imagem como signo

Para uma melhor compreensão do universo sígnico é preciso, inicialmente, observar o caráter captador da imagem tal qual ela se apresenta aos olhos, mais precisamente a ação visual, desprezando a interpretação do ato de enxergar. Para esta tarefa, Peirce designou três faculdades como ferramentas essenciais – o que chamou de tricotomias. Em primeiro lugar, a qualidade de ver as coisas como elas são; em seguida, a discriminação resoluta da característica

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31 que se está estudando; e por fim, o poder generalizador que une todas as características de forma abstrata de compreensão da essência do fenômeno (PEIRCE, 1974).

Sendo assim, serão retomadas as construções filosóficas de Peirce para apoiar a leitura dos signos a partir das tricotomias citadas como categorias que operam no fenômeno interpretativo das capas da revista Elle Brasil. Para tanto, será apresentado o pressuposto das categorias retratadas por Peirce como categorias universais da consciência. Neste contexto, terá grande relevância o sentimento, fenômeno que responde à consciência do instante no tempo, uma consciência passiva da qualidade, desprovida de análise, estado puramente de instinto e reflexo, como descreve o autor:

A mera qualidade, ou talidade (suchness), não é uma ocorrência, ver que o objeto vermelho de fato o é; é um mero poder-ser. [...] Quando afirmo que existe uma qualidade, não significo que “ïnere” num sujeito. (...) Os alemães chamam usualmente essas qualidades de sensações de dor e prazer. O que parece ser repetição da tradição, numa submetida ao teste da observação. Posso imaginar uma consciência cuja vida, acordada ou sonhando, consista apenas numa cor violeta ou no cheiro de repolho cozido (PEIRCE, 1974, p. 95).

Diante das explicações de Peirce pode-se dizer que para alcançar a representação que está para além do quadro (capa) será preciso se amparar na consciência de uma interrupção, sentido de resistência, uma parada reflexiva, uma compreensão de que há uma oferta maior do que mera imagem. Nesse caso, responde a uma consciência sintética, a uma reunião de informações, uma junção de fatos e de pensamentos, um aprendizado do todo da experiência visual (insight).

Se forem aceitos esses três modos – tricotômicos – como elementares e fundamentais à consciência, é possível compreender a construção lógica da qualidade e o modo como esta se relaciona com os fenômenos e experiências do indivíduo dentro de dado contexto. Tomando por base a mídia impressa, mais especificamente as capas de revistas, pode-se notar que os aspectos qualitativos do produto são os responsáveis pela primeira impressão que a revista incita no leitor. As qualidades que estão na própria capa da revista são qualidades em potencial. Por exemplo: o amarelo enquanto cor é amarelo antes de aparecer na capa da revista, todavia, nesse contexto ele passa a ter outra conotação, pode assumir a função de destaque.

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32 A fenomenologia tem por função apresentar as categorias formais e universais dos modos como os fenômenos são apreendidos pela mente [...] Há três, e não mais do que três elementos formais e universais em todos os fenômenos que se apresentam à percepção e a mente. Num nível de generalização máxima esses elementos foram chamados de primeiridade, secundidade, terceiridade. A primeiridade aparece em tudo que estiver relacionado com acaso, possibilidade, qualidade, sentimento, originalidade, liberdade, mônada. A secundidade está ligada às ideias de dependência, determinação, dualidade, ação e reação, aqui e agora, conflito, surpresa, dúvida. A terceiridade diz respeito à generalidade, continuidade, crescimento, inteligência (SANTAELLA, 2008, p. 7).

Seguindo o pensamento da autora, compreende-se que a semiótica peirceana apresenta três elementos radicalmente diferentes da consciência. Eles estão ligados à ideia temporal de um-dois-três: sentimento imediato igual à consciência do primeiro; sentido da polaridade igual à consciência do segundo; consciência sintética igual à consciência do terceiro/meio. Para que se alcance uma explicação plausível, se faz necessária a utilização de termos técnicos propostos pelo teórico na tentativa de topografar o acontecimento cognitivo na concepção da consciência. É necessário ver a imagem como um todo completo e ininterrupto.

Num segundo momento, se avalia o número de imagens separadas. Depois é preciso identificá-las como fazendo parte de uma sequência lógica e que seu objeto é uma mensagem. Para Peirce, a evidência desses fenômenos se dá pela forma como são apresentados, pois quando algo se apresenta ao espírito, a primeira característica notada é, certamente, sua presentidade. Mas que não se trata de uma presença física, corpórea, necessariamente, mas de sua influência qualitativa.

Afirmar, contudo, que a presentidade, a presentidade como está presente, a presentidade presente, é abstrata, ser puro, é falsidade tão berrante que apenas se pode dizer [...]. Olhemos o céu lá fora como se apresenta à visão do artista. Será o modo poético assim tão abstrato e incolor? O presente (imediato) é o que é não determinado pelo ausente, passado e futuro. É como tal, ignorando totalmente qualquer coisa outra (PEIRCE, 1974, p. 24).

O autor chama a atenção para o que ocorre na poesia ou na música quando narrados certos fatos, principalmente, quando se fala de afeto. O interpretante recebe a mensagem com tal intensidade que parece estar vivenciando o acontecimento ou o afeto nele envolvido, sem nem ter nada a ver com os indivíduos narrados na história. Se for feita uma análise de toda a produção investida no cenário fotográfico de uma capa de revista, o que temos é uma tentativa

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