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Panorama Macroeconômico

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FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS

Artigos

Diva Benevides Pinho reporta estudo socioeconômico sobre a juventude da periferia da Capital paulista

Iraci del Nero da Costa analisa aspectos dos processos de mudança socioeconômica no âmbito do capitalismo

Ana Carolina Giuberti reporta os resultados de estudo empírico detalhado sobre os efeitos da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre os gastos

dos municípios brasileiros

Edgard Almeida Pimental analisa indicadores qualitativos de educação pública e privada

Panorama Macroeconômico

Segundo a carta Fipe, no Brasil a relação crédito/PIB é muito baixa e

as taxas de juros muito altas. Rodrigo Celoto reporta o desempenho das finanças públicas

no início de 2005 Roberto Troster tece comentários sobre os determinantes dos juros

elevados no Brasil Simão Silber analisa os principais resultados do setor externo no início de

2005 e sugere algumas tendências para o restante do ano Fernando Homem de Mello analisa as perspectivas para a atual safra

brasileira de grãos Manuel Enriquez Garcia comenta os dados oficiais sobre o crescimento em 2004

e analisa alguns indicadores de atividade econômica para o início deste ano

ISSN 1234-5678

Nº 294 Março / 2005

(2)

INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO

ISSN 1234-5678

CONSELHO CURADOR

Maria Cristina Cacciamali (Presidente) André Franco Montoro Filho Carlos Antonio Luque Carlos Roberto Azzoni Hélio Nogueira da Cruz

Ricardo Abramovay Simão Davi Silber DIRETORIA

DIRETOR PRESIDENTE

José Paulo Z. Chahad DIRETOR DE PESQUISA

Antonio Evaldo Comune DIRETOR DE CURSOS

Antonio Carlos Coelho Campino PÓS-GRADUAÇÃO

Fabiana Fontes Rocha SECRETARIA EXECUTIVA

Domingos Pimentel Bortoletto COORDENAÇÃO DE PUBLICAÇÕES - SUPERVISÃO EDITORIAL E PRODUÇÃO

Eny Elza Ceotto EDITOR CHEFE

Gilberto Tadeu Lima CONSELHO EDITORIAL

Ivo Torres Lenina Pomeranz Luiz Martins Lopes José Paulo Z. Chahad Maria Cristina Cacciamali Maria Helena Pallares Zockun Simão Davi Silber ASSISTENTES

Maria de Jesus Soares Luis Dias Pereira PROGRAMAÇÃO VISUAL E COMPOSIÇÃO

Sandra Vilas Boas

Nº 294 MARÇO DE 2005

AS IDÉIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO A OPINIÃO DA FIPE

PANORAMA MACROECONÔMICO

carta Fipe ... 3

finanças públicas ... 4

RODRIGO RODRIGUES CELOTO

política monetária ... 6

ROBERTO LUIS TROSTER

setor externo ... 7

SIMÃO DAVI SILBER

agricultura ... 8

FERNANDO HOMEM DE MELO

nível de atividade e emprego ... 9

MANUEL ENRIQUEZ GARCIA

ARTIGOS 11 ... humanização das cidades pela arte e pelo cooperativismo

DIVA BENEVIDES PINHO

13 ...nota sobre uma busca inglória

IRACI DEL NERO DA COSTA

18 ... efeitos da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre os gastos dos municípios brasileiros

ANA CAROLINA GIUBERTI

20 ... educação no Brasil: comentários sob uma análise qualitativa

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març

o de 2005

panorama macroeconômico

carta Fipe

Um dos mecanismos de atuação da política monetária é a sua atuação no mercado de crédito. Este, por sua vez, tem impacto sobre o consumo e o investimento. Entretanto, no Brasil esse mecanismo é pobre, por duas razões. Em primeiro lugar está a baixa (27%) relação crédito/PIB. Adicionalmente, boa parte desse crédito é subsidiado ou direcionado, casos dos em-préstimos para a agropecuária e os do BNDES. Em segundo lugar está o fato de que o crédito é muito caro. Ele é tão caro que se torna um bem inferior. Os mais ricos (para um dado nível de informação e risco) usam menos que os mais pobres. A primeira lição que os empresários experientes dão aos iniciantes é que não se deve tomar empréstimos em hipótese alguma caso se deseje alcançar sucesso a longo prazo. Para as pessoas físicas não faz sentido tomar em-prestado recursos a uma taxa dez vezes maior que o retorno de emprestar esse mesmo recurso ao banco. Isto só se justificaria para indivíduos com altíssima taxa marginal de substituição entre consumo futuro e presente, ou para aqueles que não pretendem pagar o empréstimo.

Para as empresas, tomar empréstimo a uma taxa de juros maior que o retorno de seus ativos é o sinônimo de destruição de valor e uma questão de tempo para a falência. O retorno sobre os ativos no Brasil é da ordem de 6% a 7% ao ano em termos reais. A taxa média de crédito geral (não direcionado) do sistema financeiro nacional é pelo menos três vezes superior a essa taxa de retorno dos ativos.

Os resultados empíricos com a utilização de dados para os últimos oito anos comprovam essa tese. Nos períodos de crescimento do PIB, tanto as pessoas físicas como as jurídicas tendem a tomar menos cré-dito. Geralmente esse efeito não é percebido por meio de uma redução efetiva do volume de crédito, pois quando o PIB está crescendo as taxas de juros estão caindo. Essa queda das taxas, por sua vez, aumenta a quantidade demandada de crédito. Entretanto, quando se separa o efeito-renda (crescimento do PIB) e o efeito-preço (redução da taxa de juros), nota-se que os dois são negativamente correlacionados com o volume de crédito. Esta conclusão foi verificada para todos os produtos de crédito geral (não direcionado) de pessoa física e jurídica.

Geralmente o efeito-preço domina o efeito-renda. É deste modo que resulta a constatação de crescimento do volume de crédito. A política monetária tem influ-ência sobre o crédito, mas somente no efeito-preço e não no efeito que tem sobre a expectativa de renda. Desse modo, a conclusão a ser tirada é direta. Para que o crédito se torne um forte mecanismo de con-dução da política monetária, ele teria que se tornar um bem superior, de preferência com uma elevada elasticidade-renda. Entretanto, ainda que desejável, para que isso aconteça será preciso que as taxas de juros cobradas nos empréstimos diminuam muito. Isto induziria a que empresários racionais e indivíduos razoáveis se dirijam ao sistema financeiro e tomem empréstimos quando a perspectiva de crescimento da renda aumenta.

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març

o de 2005

R$ milhões Correntes % PIB

2003 2004 2003 2004

Discriminação Jan Ano Jan Jan Ano Jan

Nominal 4 017 47 144 902 3,00 2,68 0,59 Governo central 524 27 033 1 216 0,39 1,54 0,79 Governo federal1/ 2 217 32 976 2 099 1,65 1,87 1,37 Bacen -1 693 -5 943 - 884 -1,26 -0,34 -0,58 Governos regionais 1 438 33 982 -1 426 1,07 1,93 -0,93 Governos estaduais 1 152 27 497 - 765 0,86 1,56 -0,50 Governos municipais 287 6 485 - 661 0,21 0,37 -0,43 Empresas estatais 2 054 -13 872 1 113 1,53 -0,79 0,73 Empresas estatais federais 2 295 -14 645 2 058 1,71 -0,83 1,34 Empresas estatais estaduais - 268 642 - 956 -0,20 0,04 -0,62 Empresas estatais municipais 27 132 11 0,02 0,01 0,01

Juros nominais 10 967 128 256 12 275 8,18 7,29 8,02 Governo central 7 702 79 419 9 723 5,74 4,51 6,35 Governo federal1/ 9 399 85 698 10 624 7,01 4,87 6,94 Bacen -1 696 -6 279 - 901 -1,27 -0,36 -0,59 Governos regionais 3 199 51 464 1 837 2,39 2,92 1,20 Governos estaduais 2 681 43 558 1 354 2,00 2,48 0,88 Governos municipais 518 7 906 483 0,39 0,45 0,32 Empresas estatais 65 -2 626 715 0,05 -0,15 0,47 Empresas estatais federais - 298 -5 708 534 -0,22 -0,32 0,35 Empresas estatais estaduais 343 2 887 165 0,26 0,16 0,11 Empresas estatais municipais 20 194 16 0,01 0,01 0,01

Primário -6 950 -81 112 -11 373 -5,18 -4,61 -7,43 Governo central -7 178 -52 385 -8 507 -5,35 -2,98 -5,56 Governo federal -10 189 -84 707 -10 975 -7,60 -4,81 -7,17 Bacen 4 336 17 0,00 0,02 0,01 INSS 3 007 31 985 2 451 2,24 1,82 1,60 Governos regionais -1 761 -17 482 -3 263 -1,31 -0,99 -2,13 Governos estaduais -1 529 -16 060 -2 119 -1,14 -0,91 -1,38 Governos municipais - 232 -1 422 -1 144 -0,17 -0,08 -0,75 Empresas estatais 1 989 -11 245 398 1,48 -0,64 0,26 Empresas estatais federais 2 593 -8 937 1 524 1,93 -0,51 1,00 Empresas estatais estaduais - 611 -2 245 -1 121 -0,46 -0,13 -0,73 Empresas estatais municipais 7 - 62 - 5 0,01 0,00 0,00

RODRIGO RODRIGUES CELOTO (*)

finanças públicas

Necessidade de Financiamento do Setor Público – Janeiro de 2005

O resultado primário de janeiro de 2005 foi de R$ 11,4 bilhões contra R$ 6,9 bilhões em janeiro do ano passado, representando 7,43% do PIB contra 5,18% do PIB em janeiro de 2004.

O governo central obteve um superávit primário de R$ 8,5 bilhões, os governos regionais R$ 3,3 bilhões e

as empresas estatais obtiveram um déficit de aproxi-madamente R$ 400 milhões.

Os juros em janeiro foram de R$ 12,27 bilhões (8,02% do PIB) contra R$ 10,9 bilhões (8,18% do PIB) em janeiro do ano passado.

A despesa do governo central com juros foi de R$ 9,7 bilhões (6,35% do PIB), dos governos regionais foi de R$ 1,8 bilhões (1,2% do PIB) e das estatais foi de R$ 715 milhões (0,47% do PIB)

Fonte: BCB.

Notas: 1 - Inclui o INSS. (+) déficit (-) superávit.

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març o de 2005 janeiro 2004 2005 % 04/03 Receita Total 34.882 41.417 18,7% Receitas do Tesouro 28.958 33.305 15,0% Receita da Previdência 5.850 8.047 37,6% Transferências 5.482 7.396 34,9% Receita Líquida 29.399 34.021 15,7% Despesa Total 22.200 25.666 15,6% Pessoal e encargos 7.606 8.171 7,4% Benefícios previdenciários 8.857 10.498 18,5% Custeio e Capital 5.622 6.906 22,8% Transferências ao Banco Central 37 9 -76,8% Despesas do Banco Central 78 83 6,2% Resultado Primário Gov. Central 7.200 8.354 16,0% Tesouro Nacional 10.210 10.822 6,0% Previdência Social (3.007) (2.451) -18,5%

Banco Central (4) (17) 355,3%

Resultado Primário Governo/PIB 5,37% 5,46% 1,7% O resultado nominal consistiu em um déficit de R$

902 milhões (0,59% do PIB) contra R$ 4 bilhões (3% do PIB) em janeiro de 2004. O governo central obteve um déficit nominal equivalente a R$ 1,2 bilhão (0,79% do PIB) contra um déficit de R$ 524 milhões (0,39% do PIB) no ano passado. Os governos regionais tiveram um superávit de R$ 1,4 bilhão (0,93% do PIB) contra um déficit de R$ 1,43 bilhão (1,07% do PIB) em janeiro do ano passado. As estatais apresentaram um déficit de R$ 1,1 bilhão (0,73% do PIB) contra um déficit de R$ 2,05 milhões (1,53 % do PIB) em janeiro do ano passado.

Resultado do Tesouro Nacional – Janeiro de 2005

A receita total do governo central foi de R$ 41,4 bilhões em janeiro contra R$ 34,8 bilhões em janeiro de 2004, um crescimento de 18,7%. As receitas do Tesouro cresceram 15% e as da previdência cresceram 37,6%. As transferências aumentaram 34,9%, o que resultou num acréscimo da receita líquida para o governo central de 15,7%.

As despesas totais em janeiro ficaram em R$ 25,7 bilhões, contra R$ 22,2 bilhões em janeiro de 2004, o que representa um crescimento de 15,6%. As des-pesas com pessoal e encargos cresceram 7,4%, com benefícios previdenciários 18,5% e com custeio e capital 22,8%.

O resultado primário do governo central ficou em R$ 8,3 bilhões (5,46% do PIB) contra R$ 7,2 bilhões (5,37% do PIB) em janeiro do ano passado, sendo de R$ 10,8 bilhões o superávit do Tesouro e de R$ 2,4 bilhões o déficit da previdência.

Fonte: STN.

tabela 1 - resultado do Tesouro Nacional - R$ milhões

(*) Economista – Participante do Grupo de Conjuntura da FIPE.

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març

o de 2005

ROBERTO LUIS TROSTER (*)

política monetária

Eliminar as causas dos juros básicos altos é condição necessária para um crescimento sustentado a taxas elevadas. A causa mais relevante é o déficit fiscal crônico, cuja origem remonta à época da Colônia. A história econômica do Brasil está permeada de relatos de inflação corroendo nossa poupança, de moratórias manchando nossa reputação externa, de crises cambiais paralisando nossa economia, de surtos de crescimento seguidos de recessões e de juros reais elevados nas últimas décadas. Todos são sintomas do mesmo mal: o descontrole das finanças do governo. Desde a vinda de Dom João VI, com honrosas exce-ções, a dificuldade em controlar as contas públicas minou, e segue minando, o nosso desenvolvimento. A conseqüência mais palpável da irresponsabilidade fiscal é o efeito deslocamento, também chamado de

crowding out; é o fato de que a dívida pública ocupa o

espaço do crédito bancário. A colocação de um volume maior de títulos públicos eleva a taxa de juros básica diminuindo a demanda de crédito do setor privado. Enquanto em dezembro de 1994 o crédito total do sistema financeiro nacional era ligeiramente superior à dívida pública (121,4%), dez anos depois represen-tava apenas a metade (50,6%). Em uma década, o endividamento público aumentou 624%, enquanto o crédito subiu apenas 260%, ilustrando o efeito deslocamento.

O problema é agravado pela dinâmica do endivi-damento do governo. Um valor presente da dívida pública elevado pressiona a taxa básica e, conse-qüentemente, todo o espectro de juros, gerando uma dinâmica perversa, o que piora com o encurtamento da maturidade média dos instrumentos financeiros.

agregados financeiros – R$ milhões

Estoque em A - Crédito total B - Dívida líquida A/B –Crédito/ dívida Dezembro de 1994 186.003 153.163 1,214 Dezembro de 1995 237.495 208.460 1,139 Dezembro de 1996 251.095 269.193 0,933 Dezembro de 1997 257.914 308.426 0,836 Dezembro de 1998 274.730 385.870 0,712 Dezembro de 1999 285.775 516.579 0,553 Dezembro de 1900 320.022 563.163 0,568 Dezembro de 2001 332.383 660.867 0,503 Dezembro de 2002 378.307 881.108 0,429 Dezembro de 2003 409.876 913.145 0,449 Dezembro de 2004 483.973 956.996 0,506

Fonte: Banco Central do Brasil.

Um exemplo pode ser visto na curva de futuros de juros: enquanto em alguns mercados as maturações dos futuros de juros têm, literalmente, décadas, no Brasil, a duração máxima é de alguns meses, e de elevada volatilidade. Essa volatilidade do mercado de juros faz com que a duração média dos contratos de empréstimos seja baixa.

A agenda para baixar os juros inclui outros itens, como o aumento da eficiência dos mecanismos de transmissão da política monetária, a racionalização da tributação, diminuição dos subsídios cruzados e melhorias no quadro institucional.

A tabela mostra avanços recentes. Todavia, essas condições têm uma inércia grande e fazem com que a taxa de juros básica de equilíbrio se mova devagar. Isto aponta para a necessidade de melhorias consistentes e duradouras nos indicadores macroeconômicos, o que demanda muita determinação política para baixar o juro básico de forma segura e alargar nossos horizon-tes temporais para patamares compatíveis com nossa ambição de crescimento.

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març

o de 2005

Finalmente, depois de repetidos comprometimentos oficiais com metas ambiciosas de exportação, o País atingiu a cifra emblemática de US$ 100 bilhões anuais, considerando-se os últimos doze meses encerrados em fevereiro de 2005. Trata-se de um resultado impor-tante, que deve ser atribuído às políticas econômicas domésticas de longo prazo e a uma conjuntura in-ternacional extremamente favorável. Internamente, as duas mudanças estruturais mais relevantes, nas duas últimas décadas, foram a abertura da economia às importações, ao investimento direto estrangeiro e ao capital financeiro e a mudança para o regime de câmbio flutuante. A abertura da economia possibilitou uma desverticalização do parque produtivo, um maior respeito ao princípio das vantagens comparativas, no lugar da autonomia a qualquer custo, e permitiu que o setor produtivo doméstico se modernizasse e aumentasse sua competitividade internacional. Para se ter um parâmetro desta mudança, no início dos anos noventa o setor industrial brasileiro exportava 8% de sua produção; em 2004, esta proporção já se situava em 16%. Adicionalmente, a mudança do regi-me cambial a partir de 1999 permitiu uma importante desvalorização real da moeda brasileira, aumentando a competitividade e a rentabilidade das exportações. Não se deve esquecer que uma política tecnológica consistente para o agronegócio, desenvolvida nos últimos trinta anos, contribuiu decisivamente para o desempenho exportador brasileiro.

Nos últimos doze meses encerrados em fevereiro, o superávit comercial atingiu US$ 35 bilhões, e um des-taque muito favorável é que isto foi conseguido com o aumento das importações, que se situam atualmente em US$ 65 bilhões ao ano, valor nunca antes alcança-do. Em termos de taxas de crescimento, as exportações brasileiras estão se expandindo a uma taxa anual de 33%, enquanto que as importações estão crescendo a uma taxa de 32%. Um desempenho comercial tão

sig-nificativo coloca em dúvida a validade das críticas que são feitas à apreciação cambial observada no País nos últimos dois anos. Em primeiro lugar, deve-se destacar que o real teve uma apreciação cambial significativa com relação ao dólar dos Estados Unidos, mas este é um fenômeno mundial: a maioria das moedas do mundo está se valorizando com relação ao US$. Por-tanto, a taxa de câmbio relevante para a avaliação da apreciação cambial é a taxa de câmbio efetiva real. Por este parâmetro, a taxa de câmbio brasileira não está tão apreciada, situando-se atualmente no patamar de meados dos anos oitenta, quando o País obtinha elevados superávits comerciais. Portanto, não temos nenhum desalinhamento cambial dramático. Além disto, no regime de câmbio flutuante, a taxa reflete as forças de mercado, sem artificialismos e controles. Com uma maior oferta de moeda estrangeira no Brasil, o que se observa é uma maior estabilidade da taxa de câmbio, sem as grandes ultrapassagens (desvaloriza-ções) ocorridas no passado recente. Isto representa uma ótima notícia para o País: qualquer disparada do câmbio é rapidamente repassada para a inflação, para os juros e há desaceleração do crescimento da economia. Portanto, pedir desvalorização cambial é pedir recessão e empobrecimento do trabalhador brasileiro, além de aumentar indevidamente o custo dos investimentos produtivos. Deve-se também en-fatizar que os resultados comerciais brasileiros estão ligados a uma fase de grande crescimento da econo-mia mundial. Após a desaceleração econômica mun-dial de 2001, a economia munmun-dial entrou em franca recuperação, atingindo um crescimento excepcional de 5% em 2004, devendo apresentar um resultado semelhante em 2005.

(*) Professor da FEA-USP.

SIMÃO DAVI SILBER (*)

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març

o de 2005

Aconteceu o inesperado. Um inesperado negativo. Ele foi uma expressiva quebra, por razões climáticas, da safra brasileira de grãos, especialmente para as culturas de milho e soja, e nos Estados da região Sul. O Rio Grande do Sul sofre com a seca pelo segundo ano consecutivo. Só que neste ano, ao contrário de 2004, temos preços baixos para os grãos. Esta é a mais perversa das combinações para os produtores: produção menor por razões climáticas e preços me-nores. Felizmente, isto não ocorre em todas as regiões produtoras. Na maior parte do Centro-Oeste, por exemplo, a safra está normal, ainda que os preços sejam menores que no primeiro semestre de 2004, apesar da recente reação.

Antes de entrarmos em mais detalhes sobre os preços (em dólares e em reais), vejamos os principais núme-ros sobre os prejuízos climáticos. Comparando-se as previsões da CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento – de dezembro e de fevereiro (divul-gadas em março), a quebra total na produção de grãos foi de 8.514 mil toneladas. Pela data do levantamento (meados de fevereiro) é possível que a quebra seja maior. O milho ficou com uma quebra de 4.108 mil toneladas, enquanto a soja, com menos 4.381 mil toneladas. Alguns analistas falam em uma safra de soja inferior a 54 milhões de toneladas, enquanto a CONAB ainda a estima em 57 milhões de toneladas. Mesmo assim, a safra de grãos poderá ser 3,6% maior que a de 2004 (123.408 mil toneladas contra 119.152 mil toneladas no ano passado).

A combinação perversa de produção e preços meno-res motivou uma grande reação dos produtomeno-res e a realização da reunião de Rio Verde – Goiás no início de março, envolvendo produtores, governadores e o ministro da Agricultura. Nela foi anunciado um pa-cote agrícola de socorro que pode trazer algum alívio aos produtores mais afetados. Tratamento especial deveria ser dado aos produtores da região Sul, em especial os do Rio Grande do Sul. Em face das restri-ções orçamentárias do governo federal, os montantes disponíveis não foram muito expressivos.

Evidentemente, os produtores estão reclamando dos preços recebidos em reais. O cenário de menores pre-ços em dólares já estava, no caso da soja, delineado desde o primeiro semestre de 2004. As razões estavam relacionadas às recuperações das produções dessa ole-aginosa nos três principais países produtores, Estados Unidos, Brasil e Argentina. O que não se contava era com a forte apreciação de nossa taxa de câmbio. Em junho de 2004, momento de comercialização e de compra de insumos, ela estava em R$ 3,13/US$. Em setembro, momento do início do plantio, a cotação já havia caído para R$ 2,89/US$. De outro lado, em feve-reiro de 2005, momento de início de comercialização da nova safra, a cotação era de apenas R$ 2,60/US$. É interessante notar a correlação negativa entre a cotação do câmbio e o início da subida de juros pelo Banco Central. De uma SELIC de 16,00% em setem-bro de 2004, passou-se para 18,75% em fevereiro de 2005 e a apreciação da taxa de câmbio foi de 10,0% nominal.

O problema agrícola brasileiro em 2005 é muito mais causado pela política macroeconômica de juros ele-vados e câmbio valorizado do que pela queda dos preços em dólares. Por trás dela está uma meta de inflação excessivamente ambiciosa e uma tentativa quase religiosa em atingi-la. Daí resultam problemas para a agricultura, para o agronegócio e para outros setores da economia. O problema maior não está no preço em dólares da soja. Os preços previstos para 2005 são maiores que os realizados em 2001 e 2002, ainda que menores que os de 2003 e 2004. Felizmente, já ocorreu uma pequena melhoria, com a cotação cam-bial superando R$ 2,70/US$, e os preços em dólares apresentando alguma reação.

(*) Professor Titular do Departamento de Economia da FEA-USP e Pesquisador da FIPE.

FERNANDO HOMEMDE MELO (*)

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març

o de 2005

mo do Governo cresceu 0,7%, as Exportações de Bens e Serviços cresceram 17,9%, enquanto que as Importa-ções de Bens e Serviços elevaram-se em 14,3%. Há que se fazer menção ao fato de que dados mais recentes do IBGE e referentes à Produção Industrial mostraram continuidade de queda da produção industrial. Em janeiro/05, o Produto Industrial expe-rimentou queda da ordem de –0,5%, ante o mês de dezembro de 2004. Tal variação negativa deveu-se ao recuo observado em 13 dos 23 ramos de atividade pesquisados. Por categorias de uso, e em relação ao mês imediatamente anterior, com exceção do setor de Bens de Consumo Semiduráveis e Não-Duráveis, que registrou crescimento de +3,7%, todos os demais apresentaram fortes recuos em suas taxas de cresci-mento: Bens de Consumo Duráveis (–4,3%), Bens de Capital, com variação negativa de –1,5%, e Bens Intermediários, com queda de –1,4%.

Quanto ao emprego, no mês de janeiro de 2005, os dados da Pesquisa Mensal de Emprego, realizada pelo IBGE nas seis principais regiões metropolitanas do País, apontaram para uma variação positiva de +0,4% ante o mês imediatamente anterior, enquanto que o índice de horas pagas aos trabalhadores da Indústria, nesse mesmo período de comparação, registrou recuo de –0,9%. Ainda em janeiro/05 o indicador da folha de pagamento real do pessoal ocupado na indústria re-gistrou crescimento de +6,2% em relação a dezembro de 2004, já descontadas as influências sazonais. Enfim, há um conjunto de indicadores que têm evi-denciado uma reversão importante nas expectativas dos agentes econômicos, fazendo acreditar que tere-mos, nos próximos períodos de tempo, moderadas taxas de crescimento do nível de atividade, porém acompanhadas de uma recuperação, também mode-rada, do emprego.

(*) Professor da FEA-USP.

Dados preliminares do IBGE, calculados a partir das Contas Nacionais, apontam para uma taxa de cresci-mento do PIB (Produto Interno Bruto), em 2004, da ordem de +5,2%. Essa variação positiva, segundo o IBGE, resultou ser a maior taxa observada desde 1994 e foi devida ao forte desempenho da Indústria (+6,2%), da Agropecuária (+5,3%) e dos Serviços (+3,7%). Dentre os subsetores da Indústria, as infor-mações do IBGE destacam as variações positivas: da Indústria de Transformação (+7,7%), da Construção Civil (+5,7%) e dos Serviços Industriais de Utilidade Pública (+5,0%), bem como o incremento negativo da Extrativa Mineral, da ordem de –0,7%, resultado do fraco desempenho da produção de petróleo e gás. Nos Serviços, destacaram-se, com maiores altas, Co-mércio (+7,9%), Outros Serviços (+5,6%), seguidos de Transporte (+4,9%), Instituições Financeiras (+4,3%) e Comunicações (+2,0%). Por sua vez, menores taxas de crescimento foram registradas em Aluguéis (+1,8%) e Administração Pública (+1,6%).

A despesa agregada, como se sabe, é composta pelo consumo das famílias, consumo do governo, gastos com formação bruta de capital fixo, exportações, e importações. Os dados do IBGE revelam que o Con-sumo das Famílias cresceu +4,3% em 2004, compara-tivamente a 2003, devido, de um lado, ao aumento da massa salarial (+1,5%) e, de outro, ao forte crescimento (+22,2%) do saldo das operações de crédito efetuadas pelo sistema financeiro para as pessoas físicas. Ainda sob a ótica da despesa, as informações do IBGE mostram, nesse mesmo período de tempo, que os gas-tos de investimento (Formação bruta de Capital Fixo) aumentaram em 10,9%, a maior taxa desde o terceiro trimestre de 1997. O segmento de Construção Civil experimentou taxa de crescimento de +5,9%, enquanto que o setor de Máquinas e Equipamentos registrou forte crescimento (+19,3%). Os demais componentes da demanda agregada, em igual período de comparação, também registraram incrementos positivos: o

Consu-MANUEL ENRIQUEZ GARCIA (*)

nível de atividade e emprego

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març

o de 2005

artigos

DIVA BENEVIDES PINHO (*)

humanização das cidades pela arte

e pelo cooperativismo

Este texto reúne informações a respeito da 1a fase de

meu estudo sobre a juventude da periferia da Capital paulista, como parte de uma pesquisa mais ampla intitulada – Humanização das cida-des pela arte e pela cooperação.

1. Pesquisa de campo

1.1. Delimitação: Em 2005 a pesquisa exploratória está

limitada às atividades artísticas (música, dança, te-atro, cinema, fotografia, grafite e outras) de grupos de jovens da periferia da Capital paulista, entre 16 e 23 anos.

1.2 Objetivos principais da pesquisa:

- estudar as manifestações artísticas dos jovens da periferia e a possibilidade de reuni-los em asso-ciações e outras formas de cooperação de trabalho artístico e de microcrédito;

- oferecer contribuição às ações públicas e privadas desenvolvidas nas áreas de arte e de cooperação direcionadas à juventude da periferia da Capital paulista.

1.3 Fases básicas da pesquisa:

1a Fase - levantamento bibliográfico e análise das

prin-cipais manifestações artísticas da juventude

da periferia urbana – rap, hip-hop, música, dança, cinema, teatro, fotografia, grafite e

outras;

2a Fase - identificação de grupos de

jo-vens de bairros periféricos da Capital paulista, com idade entre 16 e 23 anos, que desenvolvem uma ou várias ativida-des artísticas há três anos, no mínimo;

3a Fase - entrevista dos jovens dos grupos

seleciona-dos, análise do material e relatório final da pesquisa de campo.

2. Planejamento

O planejamento de atividades de sensibilização dos grupos de jovens artistas selecionados na periferia da Capital paulista, nas áreas de arte priorizadas neste estudo, objetiva motivar os jovens para a cultura da

cooperação e orientá-los para dois tipos básicos de

associações - de trabalho artístico e de microcrédito. Nesta fase será solicitada a colaboração de entidades que atuam em São Paulo: USP e Faculdades especiali-zadas em arte-educação; e na área da cooperação - Ses-coop-São Paulo, Sebrae e representação, em São Paulo, da Senaes (Secretaria Nacional de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho e Emprego), dos sistemas de crédito cooperativo - Sicoob e Sicredi etc.

Capital Paulista

– Arte e cooperação

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3. Fundamentação da pesquisa:

Por que investir nos jovens? Aos tradicionais argu-mentos de que “os jovens representam o amanhã”, “o futuro de uma nação”, acrescentam-se as conse-qüências do grave desbalanceamento da repartição demográfica de jovens no mundo.

As estatísticas mostram a crescente concentração de jovens em países de recursos escassos, sem as mínimas condições de oferecer-lhes adequados serviços, sobre-tudo de educação e saúde. Daí o aumento do que tem sido chamado de resíduos humanos descartáveis - “seres” excluídos, sem escolaridade, sem possibilidade de trabalho remunerado, sem perspectiva de mudan-ça, freqüentemente sem família e sem domicílio fixo... “Seres” que a modernidade tornou “supérfluos”... É o caso de significativa parte da juventude urbana brasi-leira marginalizada: não consegue se preparar para enfrentar o mundo assimetricamente globalizado e cada vez mais exigente de talentos humanos que dominem as modernas tecnologias voltadas para o desenvolvimento, a competitividade, o aumento da produtividade, da qualidade e da eficiência.

Nesse sentido, aliás, todas as organizações internacio-nais (ONU e suas Agências, FAO, BIT e outras) enfati-zam a importância de se investir nos jovens, quer para o desenvolvimento econômico e social presente, quer para o futuro das nações. E destacam que a juventude merece atenção especial por seu potencial como força propulsora de ações coletivas em busca de sociedades mais humanas e equitativas.

3.1 Concentração da renda - no próximo século,

prevê-se, a renda continuará altamente concentrada em uma minoria da população mundial que habita os países desenvolvidos e os reduzidos enclaves de prosperidade dos países emergentes. E, assim, as oportunidades de melhor qualidade de vida indivi-dual e coletiva continuarão sendo muito desiguais entre os países e no interior de cada um deles. Então, apesar do extraordinário avanço tecnológico de nossa época, a maioria das pessoas que nascerem neste século, não conseguirá usufruir os benefícios da alta tecnologia nas áreas de saúde, educação,

comunicação, transporte e outras. Para repetir ad-vertências de economistas e de cientistas sociais, a maioria não terá recursos para viajar de avião ou comprar um computador; e terão sorte aqueles que conseguirem aprender a usar lápis e papel, ou forem tratados com algum medicamento mais caro do que uma aspirina...

3.2 Aumento da desigualdade: estima-se que a

desi-gualdade, que já existe no mundo, será muito maior e mais visível em um futuro bem próximo. Somente uma pequena parte da população mundial conti-nuará recebendo as vantagens de tecnologias cada vez mais avançadas, de educação especial, de lazer “diferenciado” e “distanciado” da massa popular, ou de sofisticados tratamentos médicos que pode-rão melhorar a qualidade da vida humana. Esses problemas são mais preocupantes quando

se considera que a maior parte da população do mundo está concentrada nos países em desen-volvimento, cujos escassos recursos econômicos e financeiros são insuficientes para atender até mesmo às demandas de parte de sua população atual.

3.3 Mais jovens nos países mais pobres: nos países

emergentes concentram-se 80%, mais ou menos, dos jovens do mundo. Ou seja, entre o final do século XX e o início do século XXI havia mais de 2 bilhões de jovens entre 10 e 24 anos neste planeta, enquanto a população total (incluindo a China), na mesma data, era estimada em mais de 6 bilhões de pessoas.

Quantitativamente, a maior população jovem en-contra-se na Ásia - cerca de 1 bilhão e 500 milhões de jovens. Em segundo lugar vem a África, com cerca de 240 milhões; depois as Américas, com mais de 200 milhões (dos quais cerca de 150 milhões somente na América Latina). Seguem a Europa, com 153 milhões, e bem distante a Oceania, com apenas 7 milhões de jovens.

3.4 Carências de todos os tipos: a análise das condições

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carências de todos os tipos e em todos os setores, sem previsão de que possam ser superadas em um futuro próximo. É o que se verifica, por exemplo, da comparação dos índices do PNUD sobre o

desen-volvimento humano (como longevidade, taxas de

alfabetização, renda per capita e outras) dos países desenvolvidos, dos países de desenvolvimento médio e dos países menos desenvolvidos.

3.5 Falta de perspectivas: em relação aos países mais

pobres, a interpretação das informações do PNUD sinaliza que se torna cada vez mais difícil qualquer programa econômico e social de superação da miserabilidade em que vive sua população, se a grande maioria de seus jovens continuarem mar-ginalizados, analfabeta, sem trabalho e sem futuro. E, como se sabe, essa população jovem excluída praticamente não terá condições de participar do comando dos destinos de sua comunidade e de sua nação.

4. Importância de se educar a população jovem

O poder jovem, que se tornou especialmente visível com o movimento estudantil de maio de 1968, quando se irradiou da França para as universidades do mundo ocidental, revelou grande preocupação com os problemas sociais da comunidade. E a rev-olução cultural daí decorrente tornou-se a matriz de outras mais amplas, de liberação pessoal e social, e de rejeição de normas burocráticas e de valores das gerações mais velhas.

A sociedade atual deposita esperança cada vez maior no idealismo, coragem e capacidade de automobili-zação dos jovens, bem como na força política de sua expressão numérica, principalmente nos grandes centros urbanos. A experiência tem mostrado, aliás, que os estudantes universitários, em vários países, apóiam com entusiasmo as propostas que priorizam o ser humano como centro de um desenvolvimento sustentado.

Considerando-se o grave problema de marginalização de importante contingente da população brasileira jovem, esta pesquisa exploratória, limitada à Capi-tal paulista (1a fase), objetiva identificar grupos da

periferia dedicados às artes, entre 16 e 23 anos, para sua inserção social, por meio de formas especiais de associações de trabalho e renda.

No próximo número: apesar da complexidade da questão, a Autora propõe, como ponto de partida, começar a integrar a juventude marginalizada pela educação artística e pela cooperação.

(*) Economista, bacharel em direito (USP), profa. titular da FEA-USP, pesquisadora (FIPE, FIA); Membro do Conselho Consultivo do Dep. Economia da FEA-USP.

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A nosso ver, alguns pensadores marxistas ainda se prendem ferrenhamente à idéia de que uma eventual mudança socioeconômica radical dependerá, neces-sariamente, da liderança ideológica e da condução política de uma classe social revolucionária.

Dadas as transformações ocorridas no seio do ve-lho proletariado, alguns buscam um novo “sujeito revolucionário” no seio de segmentos mais bem pre-parados do ponto de vista intelectual e profissional; integrantes de tais segmentos, aptos a chegarem a um refinamento ideológico mais sofisticado, agluti-nar-se-iam numa elite politicamente atuante a qual viria a comandar as esperadas mudanças radicais. Já outros, procuram esse “indivíduo universal” nos estratos menos abonados da sociedade, entre os que “não têm nada a perder, a não ser as correntes que os agrilhoam”.

De toda sorte, estejam onde estiverem, tais elementos terão de estar em algum lugar de nossa complexa sociedade de inícios do século XXI. Tudo se passa como se o momento tido como “objetivo” tivesse pre-eminência absoluta sobre o elemento considerado de ordem “subjetiva”. A nosso juízo, a permanência de tal visão cediça, que já se mostrava limitada e ultra-passada no passado, é muito perniciosa e impede que se “limpe o terreno do pensamento marxista” a fim de que possamos formular novas formas de encarar a realidade atual e de atuar sobre ela; realidade essa fundamente marcada e alterada, tanto objetiva como subjetivamente, pela derrocada do assim chamado “socialismo real”.

Uma das mudanças significativas decorrentes da ex-periência histórica acumulada no correr dos últimos cento e cinqüenta anos talvez tenha sido a de liberar uma eventual revolução social futura das amarras que, como se supunha, a prendiam a uma dada classe

social.

Segundo pensamos, o papel ativo e historicamente significativo do proletariado culmina e se esgota com a formulação da crítica do capital efetuada por Marx. Pode-se dizer que a classe operária desempenhou papel fundamental para indicar à humanidade (aqui personalizada em Marx), de uma parte, a possibilida-de possibilida-de se subverter a sociedapossibilida-de burguesa e, possibilida-de outra, a de evidenciar a direção básica dessa mudança: a supressão da propriedade privada sobre os meios de produção.

A contar da obra de Marx, a revolução deixa de ser uma tarefa desta ou daquela classe e se torna um programa de mudanças que se impõe a toda a hu-manidade. Tal alteração no caráter de uma eventual revolução futura não é aleatório, pois resulta tanto de causas de ordem objetiva como de razões de ordem subjetiva. Vejamos, inda que superficialmente, alguns desses condicionantes.

A concepção de um descolamento da mudança re-volucionária de corte socialista com respeito à classe operária, ou a uma dada classe social, parece-nos muito incipiente e está a demandar uma sistemati-zação teórica de largo fôlego; embora saibamos que não estamos pessoalmente preparados para efetuá-la, sentimos que podemos intuir sua necessidade e cremos que elementos teóricos embrionários de tal descolamento já se encontram presentes no pen-samento de Marx, Engels e Lukács. Assim, lê-se no Manifesto Comunista: “Todas as classes dominantes

anteriores procuraram garantir sua posição submetendo a sociedade às suas condições de apropriação. Os proletários só podem se apoderar das forças produtivas sociais se abolirem o modo de apropriação típico destas e, por conseguinte, todo o modo de apropriação em vigor até hoje. Os proletários nada têm de seu para salvaguardar; eles têm que destruir todas as IRACIDEL NERODA COSTA (*)

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seguranças e todas as garantias da propriedade privada até aqui existentes.” (Marx e Engels, 1998, p. 18-19).

Coube a Georg Lukács lançar luz sobre essa obser-vação de Marx e Engels, destarte, em Historia y

cons-ciencia de clase, encontramos, calcada na citação acima

posta, uma longa explanação sobre as tarefas de novo tipo que se imporiam ao proletariado: “Pues las clases

que en anteriores sociedades se vieron llamadas al dominio y, por lo tanto, fueron capaces de realizar revoluciones victoriosas, se encontraron subjetivamente ante una tarea mucho más fácil, a causa precisamente de la inadecuación de su consciencia de clase respecto de la estructura económica objetiva, o sea, a causa de su inconsciencia respecto de su propia función en el proceso del desarrollo social. Les bastó con imponer sus intereses inmediatos mediante la fuerza de que disponían, y el sentido social de sus acciones les quedó siempre oculto, entregado a la ‘astucia de la razón’ en el proce-so proce-social determinado. Pero como el proletariado se encuentra en la historia con la tarea de una transformación consciente de la sociedad, tiene que producirse en su consciencia de clase la contradicción dialéctica entre el interés inmediato y la meta última, entre el momento singular y el todo. Pues el momento singular del proceso, la situación concreta con sus concretas exigencias, es por su naturaleza inmanente a la actual sociedad, a la sociedad capitalista, se encuentra sometida a sus leyes y a su estructura económica. Y no se hace revolucionaria más que se inserta en la concepción total del proceso, cuando se introduce con referencia al objetivo último, remitiendo concreta y conscientemente más allá de la sociedad capitalista. Pero eso significa, subjetivamente considerado, para la consciencia de clase del proletariado, que la relación dialéctica entre él interés inmediato y la acción objetiva orientada al todo de la sociedad queda situada en la consciencia del proletariado mismo, en vez de desarrollarse, como ocurrió con todas las clases anteriores, más allá de la consciencia (atribuible), como proceso puramente objetivo. La victoria revolucionaria del proletariado no es pues, como para las demás clases anteriores, la realización inmediata del ser socialmente dado de la clase, sino – como ya lo vio y formuló agudamente el joven Marx – la autosuperación de la clase. El Manifiesto Comunista formula esa diferencia del siguiente modo: ‘Todas las clases anteriores que conquista-ron para sí el dominio intentaconquista-ron asegurar la posición que ja havian logrado en la vida sometiendo la sociedad entera

a las condiciones de su logro. Los proletarios no pueden conquistar para sí las fuerzas sociales de producción más que suprimiendo su propio anterior modo de apropiación y, con ello, todo modo de apropiación existido hasta ahora’.”

(Lukács, 1975, p. 77-78).

Como se vê imediatamente, o cerne da questão repou-sa no caráter totalmente original das transformações a serem implementadas. Não se trata mais da subor-dinação de uma ou mais classes sociais aos interesses imediatos de um segmento social dominante, mas da própria superação das classes sociais; não se trata de impor uma nova forma de expropriação, mas de eliminar a possibilidade de que a exploração possa ocorrer. Este elemento de ordem objetiva empresta um conteúdo novo à própria idéia de revolução, tor-nando-a uma tarefa aberta à participação de todas as classes e segmentos sociais, enfim de toda a parcela da Humanidade favorável à emergência de uma so-ciedade mais equânime, ademais, confere um novo

status ao momento subjetivo.

Encontramo-nos, de fato, em face de uma situação limite na qual o elemento de ordem objetiva deixa de ter um caráter transformador per se e o elemento subjetivo assume papel determinante, pois o passo transformador definitivo depende agora, necessaria-mente, da ação consciente dos homens.

Para nós, como apontado em trabalhos anteriores realizados juntamente com José Flávio Motta, o desenvolvimento das formas mercadoria, dinheiro e capital conhece seu ponto culminante com a emer-gência da mercadoria força de trabalho, ou seja, com o estabelecimento do capitalismo, no âmbito do qual se dá o pleno amadurecimento de tais formas. Esta-belecido em espaço geográfico considerável, passou ele a operar de maneira a subordinar e recriar, à sua feição, todo o espaço social, econômico e físico com o qual entrava em contato. Observa-se, assim, não só a emergência da história universal, mas também de uma mudança qualitativa na própria história da humanidade; a partir de então só persiste o modo de produção capitalista – que a tudo ilumina, como se diria em termos clássicos – tudo subordinando, condicionando e determinando.

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De outra parte, justamente por ter ocorrido o desen-volvimento superior daquelas formas, chega-se à derradeira forma de sociabilidade natural da huma-nidade; a partir de então – e à medida que o capital industrial traz implícitas as condições de sua repro-dução, de sua reposição – apenas um movimento do espírito, da ação conscientemente, poderá conduzir à superação das condições dadas, vale dizer, do capi-talismo, o qual, caso contrário, repor-se-á indefinida-mente. O primeiro passo necessário à sua superação estará, pois, no estabelecimento da crítica teórica das condições dadas, estudo este que deverá fundamentar a ação consciente no sentido da negação do statu quo; assim, a crítica da lógica de funcionamento do capital industrial e do capitalismo define-se como pressupos-to imprescindível à aludida superação.

A nosso ver, as análises cujo apogeu atingiu-se com a elaboração e a publicação de O Capital representaram o primeiro momento do referido movimento do espírito indispensável à criação das condições subjetivas para que a humanidade pudesse propor-se a negação do capitalismo e, portanto, passar a empenhar-se nessa tarefa.

Do exposto, infere-se a existência de dois elementos que estão a condicionar a possibilidade de se superar o modo de produção capitalista. Um primeiro, óbvio, de ordem objetiva: a constituição e a universalização do próprio capitalismo. Outro de ordem subjetiva: a crítica do sistema (da lógica de funcionamento do capital industrial) e a formulação, ainda que num mero bosquejo, de uma nova forma de sociabilidade, a primeira a se assentar inteiramente no espírito e que, portanto, terá de ser por ele sustentada (isto é, terá como suporte a ação consciente de homens livre-mente associados).

Como afirmado, a história natural do homem esgo-tou-se, chegou à sua forma superior com a existência do modo de produção capitalista; impõe-se, agora, sua história “cultural”, uma história propriamente humana uma vez que posta pelo “espírito” e não uma simples decorrência da acomodação do homem à situação objetiva que, embora sendo fruto de sua ação, lhe aparece como algo dado, como uma criação

que lhe é exterior; não como um fato social, mas como um fato natural.

Já não basta aos homens perseguirem seus interesses imediatos para dar-se a transformação revolucioná-ria, é preciso que eles transcendam seus eventuais interesses “egoísticos”, para usar uma linguagem própria de Antonio Gramsci; o “político” sobrepõe-se ao “econômico”, o “subjetivo” sobrepuja o “objetivo”. Quais elementosdeveriam, afinal, estar presentes no bosquejo acima referido? Sem pretendermos sequer arranhar a resposta definitiva a esta questão, não nos furtamos a tecer os breves comentários que se seguem com o intuito de encaminhar a discussão. Em primeiro lugar, considerando que terá de haver livre assentimento com respeito à nova forma de sociabilidade, é indispensável uma ambiência de-mocrática, vale dizer, a democracia e os direitos que expressam a cidadania têm de prevalecer, absoluta e irrestritamente, e a ambos, obviamente, há de estar aliado o maior grau possível de liberdade pessoal e coletiva. Em segundo, tal sociedade terá de se erigir com base na negação da propriedade privada sobre os meios de produção, uma vez que não pode haver, por hipótese, qualquer mediação entre a produção de bens e serviços e sua distribuição consoante às ne-cessidades dos indivíduos. Em terceiro, para a gestão da vida econômica dessa sociedade “pós-capitalista” precisar-se-á de uma engenharia econômica que não se confunde com a(s) engenharia(s) de hoje, nem com a administração como a conhecemos, nem com a economia como a praticamos nos dias correntes; a essa nova engenharia cumprirá estabelecer as relações que vincularão a produção física com os recursos e as técnicas disponíveis e com as demandas de caráter individual e social.

Em suma, temos, no capitalismo, um sistema “natu-ral” integrado, auto-regulado, no qual até mesmo as formas de pensar (a seu favor) encontram-se “natu-ralmente” delineadas. De outra parte, deparamo-nos com o embrionário pensamento da esquerda, ainda incapaz de compor um quadro coerente e articulado do que deverá vir a ser, em idéia, o sistema pelo qual almejam os críticos radicais do capitalismo. Pensa-mento este que nos parecerá muito mais rudimentar

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se tivermos presente o quanto lhe resta por avançar, pois, por se tratar de algo “antinatural”, tudo, ou quase tudo, ainda está por ser elaborado. Pensamento que, por esta mesma causa, defronta-se com o fato de que não há nenhuma razão de ordem natural conducente ao estabelecimento e à persistência no tempo de uma nova forma de sociabilidade humana (as questões aqui sumariadas são tratadas mais detidamente nos seguintes trabalhos: Motta e Costa, 2000 e Motta e Costa, 2004).

Talvez seja oportuno lembrar, a esta altura desta nota, que o empuxo transformador de caráter objetivo devido à ação da classe operária e do campesinato é bastante para colocar o capitalismo em xeque, mas, na ausência do elemento subjetivo aqui referido, o movimento revolucionário passa a “patinar”, e sua direção pode ser empolgada por grupos políticos que conduzem o corpo social a situações em que domina o elemento repressivo ou totalitário e nas quais podem vir a predominar aparelhos burocráticos corruptos e/ou em que a ineficiência se mostra generalizada. Exemplos de casos como tais encontramos na URSS, nos países do leste europeu, na China e em nossa tão desventurada Cuba.

Se as opiniões acima reportadas estiverem corretas, é forçoso reconhecer que a tarefa colocada ao pensa-mento de esquerda não é a de encontrar uma “nova classe redentora”, mas a de mobilizar consciências para a execução de um projeto político-ideológico consistente e abrangente, projeto este que nos cabe formular, pois ele ainda nem sequer foi esboçado em todas as suas dimensões.

Referências Bibliográficas

Lukács, Georg. Historia y consciencia de clase. Barcelona: Editorial Grijalbo, 1975. (Instrumentos, 1).

Marx, Karl; Engels, Friedrich. O Manifesto Comunista. In: Reis Filho, Daniel Aarão (organizador). O Manifesto Comunista 150 anos depois. Rio de Janeiro: Contraponto/São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998, 208 p.

Motta, José Flávio; Costa, Iraci del Nero da. Hegel e o fim da história: algumas especulações sobre o futuro da sociabilidade humana. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras, número 7, p. 33-54, dez. 2000.

Motta, José Flávio; Costa, Iraci del Nero da. A mercadoria força de trabalho, o capitalismo e a emergência de uma nova forma de sociabilidade humana. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras, número 14, p. 32-47, jun. 2004.

(*) Professor Livre-docente, aposentado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo.

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Os temas déficit público e dívida pública permeiam as discussões sobre política econômica tanto no meio acadêmico quanto na sociedade. De fato, déficits pú-blicos persistentes e o acúmulo de dívida que deles resultam são fatores de preocupação pelo efeito que produzem sobre a economia. Governos que recorrem repetidas vezes ao endividamento para cobrir déficits orçamentários necessitam elevar suas taxas de juros freqüentemente para continuar financiando suas dívidas. Uma das conseqüências desse aumento de juros é o aumento da incerteza quanto à capacidade de o governo honrar seus compromissos. Juros mais altos e maior incerteza se refletem numa menor taxa de crescimento do PIB.

Diante disto, o controle do gasto público é foco de atenção dentro da literatura econômica. Diversos trabalhos dentro do ramo conhecido como Econo-mia Política positiva advogam em favor de regras orçamentárias como instrumentos de controle. Estas regras regulariam o processo segundo o qual os orça-mentos públicos são elaborados, aprovados e execu-tados e/ou imporiam limites quantitativos a variáveis econômicas consideradas chaves para o controle do déficit e da dívida pública. Isto porque este ramo da literatura vê o acúmulo de dívida como o resultado da interação entre formuladores de políticas com preferências distintas. A forma como esta interação ocorre bem como o ambiente no qual ela está inserida dependem, por sua vez, das características político-institucionais da economia. Assim, a imposição de uma regra orçamentária adequada que limite o gasto excessivo gerado por essas características é vista como benéfica para a sociedade.

No Brasil, as questões do déficit e da dívida públicas são bastante recorrentes dada a situação fiscal do País. Esta situação pode ser ilustrada pelo alto nível de endividamento do setor público – os dados do Banco Central mostram que a razão Dívida Líquida/PIB do setor público consolidado se manteve acima dos 50% nos últimos três anos, e pela crise de endividamento enfrentada pelos Estados que culminou, em 1997, no refinanciamento da dívida de 25 dos 27 Estados brasi-leiros pelo Governo Federal.1 É neste contexto que foi

promulgada, em maio de 2000, a Lei Complementar nº 101, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Esta regra orçamentária visa o equilíbrio do gasto público e a redução dos níveis de endividamen-to, e para tanto estabelece dois limites para controlar os gastos públicos: limite de endividamento e limite de gasto com pessoal. Além disso, busca controlar todos os demais aspectos do orçamento desde a formulação até a execução, e privilegia a questão da transparência ao exigir a publicação de relatórios de execução. Em relação ao limite de gasto com pessoal, a Lei es-tabelece tanto para Estados quanto para municípios que este não deve ultrapassar 60% da receita corrente líquida do ente. O controle sobre este item de des-pesa tem por finalidade contribuir para a redução do déficit orçamentário do ente, o que, no caso dos Estados, estava ligado ao histórico de gastos com pessoal bastante elevado, equivalente, em média, a 79,1% da receita corrente líquida em 1995, 65,4% em 1996, e 59,8% em 1997, e superando 100% no caso do Rio de Janeiro entre 1995 e 1996. Entretanto, no caso dos municípios, não há estudos que mostram qual era sua situação fiscal e se ela requeria o mesmo

tra-ANA CAROLINA GIUBERTI (*)

efeitos da Lei de Responsabilidade

Fiscal sobre os gastos dos

municípios brasileiros

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tamento dado, à época, aos Estados. Isto porque existe um “trade-off” associado à imposição de uma regra: ao mesmo tempo que limitar o gasto público pode trazer benefícios para a sociedade, este limite pode reduzir as políticas à disposição dos governantes para enfrentar crises econômicas. Se não há a necessidade de se impor uma regra, ou se o foco da regra não é adequado, existe a possibilidade de se ter prejuízos com a adoção da mesma.

Neste contexto, Giuberti (2005) procura mostrar qual era a situação fiscal dos municípios brasileiros, tanto em relação aos déficits e ao endividamento quanto do ponto de vista do gasto com pessoal, quando a LRF foi promulgada e, dada a sua situação fiscal, se os municípios se beneficiaram com o tratamento dado pela LRF, em especial no caso da despesa com pes-soal.2 O escopo da análise envolve uma amostra não

balanceada dos municípios brasileiros para os quais foi possível obter dados sobre a execução orçamentária para o período de 1997 a 2003. A análise da situação fiscal procura mostrar, para o conjunto dos municí-pios, qual foi o gasto médio com pessoal em relação à receita corrente líquida, a situação do déficit fiscal e o nível de endividamento, enquanto que o efeito da LRF sobre o gasto com pessoal é avaliado por dois modelos econométricos: uma análise em painel acerca do efeito da Lei sobre esse item de despesa e uma análise do efeito da LRF sobre os municípios que apresentavam elevado gasto com pessoal (modelo logit).

Em termos gerais, os resultados encontrados mostram que o conjunto dos municípios brasileiros não se en-contra na situação de crise fiscal pela qual passaram os Estados. A questão do endividamento excessivo não é um fenômeno generalizado, e se concentra em alguns poucos municípios, em geral com população superior a um milhão de habitantes. Apenas um pequeno porcentual dos municípios obteve déficit corrente no período analisado, porcentual este que apresenta uma acentuada queda após 2000. Em 1997, 24,5% dos municípios tiveram déficit corrente, passando este nú-mero para 14,7% em 2000 e atingindo 1,4% em 2003. Vale ressaltar que a maior parte desses municípios que apresentaram déficit corrente são municípios

peque-nos cuja população é inferior a 50.000 habitantes. Do mesmo modo, no que diz respeito ao gasto com pes-soal, a média se manteve em torno de 44% da receita corrente líquida (RCL) ao longo do período analisado, e variando entre 45% em 1997 e 42% em 2003, valores consideravelmente abaixo do estipulado pela Lei. Este padrão se reproduz independentemente do porte do município. Por último, tem-se que o porcentual de municípios com gasto com pessoal acima de 60% da RCL é baixo e apresenta acentuada queda após 2000. Em 1997, 11,4% dos municípios gastaram com pessoal acima do limitado pela Lei; em 2000, foram 7,2%; e em 2003, 0,9%. Novamente, ressalta-se que a maior parte desses são municípios com população inferior a 50.000 habitantes. Entretanto, a correspondência entre os municípios que ultrapassaram o limite de gasto com pessoal e os municípios que apresentaram déficit corrente é baixa, ficando abaixo dos 40% ao longo do período, com exceção dos anos de 1997 (61%) e 1998 (46%).

Os resultados acima permitem concluir que o limite imposto pela Lei não afeta, na média, os municípios (ou, para usar uma expressão da literatura internacio-nal, “it’s not binding”). Se há a necessidade de controlar os déficits excessivos dos municípios, o que não parece ser o caso nos últimos anos, a escolha do item despesa com pessoal como prioritária pode não ser adequada, como o foi para os Estados. Entretanto, a acentuada queda no porcentual de Municípios que apresentaram gasto com pessoal acima de 60% permite inferir que: ainda que a maioria dos municípios brasileiros não apresentasse uma situação de gasto que necessitasse ser contida por meio de uma regra, aqueles que a apre-sentaram se beneficiaram com a sua promulgação. Estas conclusões são corroboradas pelos resultados dos modelos econométricos. De fato, a estimação do modelo em painel para o conjunto dos municípios mostra que a LRF não contribui para uma queda no gasto com pessoal, como esperado. Pelo contrário, ela apresenta uma influência positiva. No entanto, isto não representa, necessariamente, que a Lei não está sendo cumprida, uma vez que há espaço, dentro do limite estabelecido, para o crescimento das despesas nesse item do orçamento. Por outro lado, o resultado

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do modelo logit mostra que a LRF influenciou, de modo positivo, na queda do número de municípios que gastavam acima do limite de 60% da RCL. Por último, vale ressaltar o resultado encontrado em relação às transferências intergovernamentais. Os municípios brasileiros possuem alto grau de de-pendência das transferências intergovernamentais, principalmente no que diz respeito às transferências da União. A média do porcentual da receita corrente oriunda de transferências da União se manteve aci-ma dos 50% para o conjunto dos municípios, sendo esta dependência maior quanto menor o tamanho do município. De fato, a maior parte dos municípios pequenos não tem base tributária suficiente para so-breviver sem as receitas oriundas de transferências. No entanto, a questão que se coloca é o efeito que essa dependência tem sobre o gasto público. Como os recursos das transferências provêm de uma base tributária que engloba todo o País, o governo local não internaliza o custo total de um aumento no seu gasto público. Com isso, tem-se o chamado efeito “flypaper”, no qual o aumento de recursos, cuja fonte são as transferências intergovernamentais, gera um crescimento no gasto público maior do que o cresci-mento verificado quando a origem do aucresci-mento de recursos é uma maior arrecadação de impostos no próprio município. A presença deste efeito é indicada por ambos os modelos econométricos estimados.

1 Os Estados do Tocantins e Amapá não tiveram suas dívidas refinanciadas.

2 A Resolução do Senado Federal nº 20, de 7 de novembro de 2003, ampliou o prazo para o cumprimento dos limites de endivida-mento estabelecidos, que voltam a vigorar a partir de maio deste ano. Com isso, não foi possível analisar o efeito da LRF sobre a dívida dos municípios.

Referência:

Giuberti, A. C. O efeito da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre os gastos dos municípios brasileiros. 2005. Dissertação (Mestrado), Departa-mento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, da Universidade de São Paulo. Março.

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1. Introdução

Uma relevante questão presente no debate acerca da sociedade brasileira diz respeito às diferenças de qualidade entre os estabelecimentos educacionais de natureza pública e aqueles de natureza privada. De acordo com o senso comum, os estabelecimen-tos privados oferecem cursos de melhor qualidade, professores mais bem preparados e instalações mais adequadas. Segundo tal opinião, os estabelecimentos públicos não contariam com a mesma infra-estrutura e nem tampouco os professores receberiam os mesmos salários dos professores de escolas particulares. Aqui procuramos discutir em que medida existem, efetivamente, diferenças entre os professores de escolas públicas e de escolas privadas, em termos de dois indicadores bastante simples: o número médio de anos de estudo e a remuneração total média. Para mensurarmos essas diferenças utilizamos os microdados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD), por meio das variáveis “anos de estudo” e “renda do trabalho principal”, para indivídu-os cujo trabalho principal é lecionar em escola pública ou privada. São calculadas rendas e escolaridades médias para os 27 Estados brasileiros, bem como para o País como um todo.

2. Educação: por que será que importa?

Existe na literatura econômica um pensamento bastante consolidado acerca da importância da edu-cação. Trata-se da idéia de que esta característica do indivíduo é uma espécie de sinalizador de suas com-petências. Na verdade, o indivíduo assume um custo de recrutamento que caberia à firma, adquirindo uma

espécie de certificação de que possui, de fato, alguma qualificação.

Sabemos, ademais, que é crescente a importância do ensino superior para os indivíduos que pretendem seja ingressar, ascender, ou até mesmo apenas se man-ter no mercado de trabalho. Em suma, a sinalização proveniente do fato de o indivíduo possuir um curso de nível superior tem sido cada vez mais valorizada. Por outro lado, estudos recentes, que se preocupam em analisar as desigualdades existentes na realidade econômica do Brasil, têm mostrado que além de uma concentração muito intensa de renda, o País também possui uma alta concentração do capital humano. Em outras palavras, o acesso à educação no Brasil seria tão restrito (ou até mais) quanto que o acesso à renda propriamente dita. Existem, por um lado, as escolas privadas que ministram um ensino com algum grau de qualidade, enquanto que, por outro, há as esco-las públicas que não fornecem a devida formação à criança ou adolescente. Em vista disso, o que se pode perceber, por exemplo, é que o acesso à Universida-de é mais fácil e as chances Universida-de ingresso são maiores para um aluno que freqüentou uma escola particular do que para aquele que cursou uma escola pública. No vestibular de 2005, 71,9% dos convocados para a matrícula, segundo a Fundação Universitária para o Vestibular (FUVEST), realizaram seus estudos de nível médio apenas em escolas particulares. Assim, o indivíduo pobre, que já não pode pagar pelos estudos de ensino médio, tampouco poderá fazê-lo no que diz respeito aos estudos de nível superior. Por essa razão, é impedido de continuar estudando.

Essa cadeia de fatos indica que o acesso a um sinaliza-dor importante ao mercado de trabalho e, mais ainda, uma força importante de rompimento do ciclo de

po-EDGARD ALMEIDA PIMENTEL (*)

educação no Brasil: comentários sob

uma análise qualitativa

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breza – a educação – é também, a exemplo da renda, concentrada no País. Talvez não quantitativamente, devido ao grande esforço recente de expansão das redes de ensino fundamental e médio no País, mas quiçá qualitativamente, a educação de qualidade, ou aquela que é capaz de romper a armadilha de pobre-za, estaria, sim, concentrada tanto quanto a renda. Esta concentração poderia estar relacionada tanto à diferença, em termos de qualidade, existente entre o ensino ministrado por escolas públicas e escolas parti-culares quanto à questão da qualidade dos professores envolvidos no funcionamento das mesmas.

Por essa razão, é interessante saber se existem, de fato, diferenças significativas entre o capital humano em-pregado tanto nas escolas públicas como nas escolas particulares, de modo a encontrar indícios de que a formação obtida em cada uma delas se diferencia largamente. Sabemos que o volume de investimento aplicado em cada classe de estabelecimento terá forte impacto sobre a dimensão qualitativa de seu trabalho. Entretanto, esta perspectiva não está inserida no es-copo deste trabalho.

3. Resultados

Primeiramente, apresentamos os resultados obtidos no âmbito nacional. O Gráfico 1 mostra os rendimen-tos auferidos pelos professores de estabelecimenrendimen-tos públicos e privados de ensino.

gráfico 1 – rendimento médio de professores empregados em estabelecimentos da rede pública e privada de ensino (em R$) em 2001, Brasil

Fonte: elaboração própria com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD).

A observação do Gráfico 1 nos permite inferir que, tomando-se o País como um todo, os professores da rede privada de ensino recebem um salário aproxi-madamente duzentos reais mais elevado que aquele recebido pelos seus pares na escola pública.

O segundo resultado relevante que podemos extrair dos dados diz respeito a uma série de outras caracte-rísticas, que podem ser visualizadas no Gráfico 2, a seguir. Podemos perceber, pela análise do gráfico em questão, que a porcentagem de professores do sexo masculino, bem como a porcentagem de professores brancos, é maior nos estabelecimentos de ensino do tipo privado. Ainda que a porcentagem de professores brancos seja 60% superior, mesmo no caso das esco-las públicas, e a porcentagem de professores do sexo masculino seja inferior a 30%, mesmo no caso das escolas privadas, as diferenças entre essas duas classes são razoáveis. Por outro lado, a média de idade dos professores da escola pública é mais elevada do que a média de idade dos professores da escola privada. Nosso ponto de maior interesse, entretanto, é a es-colaridade média. Com relação a este aspecto, nota-mos que apesar de os professores da escola privada apresentarem maiores níveis de escolaridade do que os professores de escolas públicas, esta diferença é bastante modesta.

gráfico 2 – perfil dos professores empregados em estabeleci- mentos da rede pública e privada de ensino, 2001, Brasil

Fonte: elaboração própria com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD).

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Nossa segunda perspectiva de análise é a divisão ter-ritorial brasileira em seus 27 Estados. Aqui, apresenta-mos os resultados alcançados, em terapresenta-mos das variáveis anteriores, para cada unidade da Federação.

figura 1 – mapa de desvios padrão da diferença de esco laridade entre professores da rede privada e rede pública de ensino

Fonte: elaborado pelo autor.

gráfico 3 – remuneração dos professores ligados a estabel ecimentos públicos e privados de ensino (em R$) em 2001, Brasil, por unidades da Federação

Fonte: elaborado pelo autor.

A observação da figura ao lado nos permite inferir pela existência de uma elevada diferença entre os níveis de escolaridade dos professores da rede priva-da e pública nos Estados priva-da macrorregião Nordeste. Neste caso, os professores de estabelecimentos pú-blicos apresentam, em média, níveis educacionais mais baixos. Nos Estados mais importantes do País esta diferença é mínima ou, até mesmo, negativa, indicando que os professores da escola pública e da escola privada têm níveis educacionais similares. Isto pode ser melhor entendido se levarmos em conta que grande parte dos docentes ministra aulas nos dois tipos de estabelecimento.

O Gráfico 3, a seguir, apresenta outras características pertinentes à nossa população de estudo.

Como podemos perceber pela visualização do Gráfico 3 existe uma predominância de Estados nos quais a remuneração dos professores ligados a estabeleci-mentos do tipo público é inferior àquela auferida por professores ligados à rede privada.

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4. Conclusões

Este breve artigo nos permite fazer alguns diagnós-ticos interessantes acerca da dimensão qualitativa do ensino superior no País com base na escolaridade dos professores envolvidos, bem como na remuneração por eles auferida.

Constatamos que, em média, os professores de escolas públicas no País recebem um salário aproximadamen-te duzentos reais inferior àquele auferido pelos profes-sores de escolas particulares, além de apresentarem, como um todo, menor nível de escolaridade.

Para a realidade dos Estados, esse quadro se repete para a maioria deles, sendo que em termos da escola-ridade podemos constatar uma aglomeração onde essa diferença é mais acentuada nas escolas localizadas no Nordeste do País. No que tange à remuneração, essa diferença não apresenta um padrão espacial claro, mas é positiva em dezessete dos vinte e sete Estados brasileiros.

Em resumo, se esses indicadores refletem, de fato, a qualidade do ensino nas distintas classes de estabele-cimentos de ensino consideradas, o que parece plau-sível, então existe, estatisticamente, uma diferença qualitativa que aponta para a superioridade do ensino ministrado nos estabelecimentos privados no País, o que vai de encontro à expectativa do senso comum.

(*) Pesquisador do Núcleo de Economia Regional da Universidade de São Paulo (NEREUS).

Referências

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