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BOSENBECKER, VANESSA P. (1); TREICHEL, SUZANA Z. (2); THUM, CARMO (3)

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Academic year: 2021

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ARQUITETURA EMPÍRICA NA SERRA DOS TAPES, RS:

características das edificações produzidas por descendentes de

pomeranos. Perpetuação de características construtivas e

organizacionais europeias em solo brasileiro.

BOSENBECKER, VANESSA P. (1); TREICHEL, SUZANA Z. (2); THUM, CARMO (3)

1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), Câmpus Rio

Grande, Núcleo de Arquitetura.

Rua Eng. Alfredo Huch, 475, Bairro Centro, CEP: 96201-460, Rio Grande, RS.

vanessa.bosenbecker@riogrande.ifrs.edu.br

2. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), Câmpus Rio Grande, Núcleo de Arquitetura.

Rua Eng. Alfredo Huch, 475, Bairro Centro, CEP: 96201-460, Rio Grande, RS.

suzana.treichel@riogrande.ifrs.edu.br

3. Fundação Universidade do Rio Grande (FURG), Instituto de Educação, Núcleo Educamemória. Av. Itália s/n, Km 8. Campus Carreiros. Prédio 4. Sala 2F. CEP: 96203-000, Rio Grande, RS

carthum2004@yahoo.com.br

RESUMO

Este estudo foi desenvolvido a partir da análise de alguns dos dados coletados nas pesquisas exploratórias realizadas durante a realização do projeto intitulado “Memória, Educação e Patrimônio: a paisagem arquitetônica, o mundo da casa e as técnicas construtivas da Serra dos Tapes” do Núcleo Educamemória da Fundação Universidade do Rio Grande (FURG) e do Núcleo de Arquitetura do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) Câmpus Rio Grande. Nele são analisados sítios de descendentes de pomeranos residentes na Serra dos Tapes do Rio Grande do Sul. O projeto tem como objetivo fazer a documentação dos exemplares arquitetônicos empíricos produzidos pelos pomeranos e por seus descendentes em solo sul-riograndense, visando a salvaguarda dos bens de maior representatividade, com suporte na literatura e na legislação específicas da área, como, por exemplo, a Declaração de Tlaxcala (1982) que afirma a necessidade de valorização e preservação do patrimônio das pequenas aglomerações. A pesquisa aqui apresentada teve como objetivo principal identificar permanências, adaptações e rupturas no modo de construir e organizar as funções nas propriedades dos pomeranos imigrantes e de seus descendentes que permaneceram em solo brasileiro. Para atingir os objetivos, foram adotados dez procedimentos: análise da bibliografia referente à arquitetura produzida na Europa Central, região onde se localizava a extinta Pomerânia; definição da zona interessante para o estudo: distritos rurais dos municípios de São Lourenço do Sul e arredores; percurso e filmagem de um trajeto predeterminado pelos pesquisadores e bolsistas com uma câmera GoPro® afixada ao veículo; registro das

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coordenadas geográficas de alguns pontos com aparelho GPS; sistematização, análise e classificação das imagens obtidas nestas saídas de campo; definição dos três tipos arquitetônicos recorrentes na região; seleção de exemplares de cada um dos tipos; realização de levantamentos físico-espaciais e fotografias das propriedades selecionadas e entrevistas aos atuais moradores destes edifícios; sistematização dos dados utilizando softwares adequados e; por fim, comparação dos dados obtidos nas saídas de campo entre si e com os dados trazidos pela historiografia referente à arquitetura produzida pelos pomeranos em sua terra natal e pelos imigrantes pomeranos em solo sul-riograndense, assim como a algumas das outras arquiteturas produzidas por imigrantes de outras etnias coexistentes com a pomerana (principalmente BERTUSSI, 1987; BOSENBECKER, 2012; CORONA, 2012; MACEDO, 1987 e WEIMER, 2005). Até o momento, constatou-se que existe um padrão na maneira de construir e organizar as funções nas residências e nos sítios destas famílias. Padrão, este, que remete ao documentado pelos estudiosos da arquitetura de origem deste povo.

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Introdução

A cultura pomerana tem sido negligenciada e silenciada há mais de um século nos territórios que receberam imigrantes da região do Mar Báltico. No sul do Rio Grande do Sul, área onde este estudo vem sendo desenvolvido, não é diferente. No Pampa Sul-riograndense, o idioma pomerano é referido por muitos como um dialeto e o povo pomerano e sua cultura, como uma vertente menos importante da cultura hegemônica alemã.Esse processo de “silenciamento” da cultura pomerana foi profundo ao ponto de os pomeranos negarem sua própria história e origem étnica (THUM, 2009).

Devido a essa desvalorização da cultura pomerana, diversos aspectos das manifestações deste povo têm sido negligenciadas pelos pesquisadores. A arquitetura é uma destas vertentes culturais que carece de investigação, pois os estudos acerca deste tema tão rico são raras e insipientes.

Segundo Mujica (2013) o povo pomerano tem origem de um território compreendido atualmente no norte da Alemanha e da Polônia, na costa Sul do mar Báltico. O território pomerano era alvo de constantes guerras e batalhas, e com a transição do sistema feudal para o capitalismo nos séculos XVII - XVIII muitos camponeses pomeranos perderam parte ou todas as suas terras,ou ainda direito de posse . Dessa forma, foram obrigados a se submeterem a relações de trabalho precarizado. Com essa situação, sem posse de terras e de aquele território não ter se constituído em um país, os manteve numa relação de submissão cultural-econômica. Por outro lado, havia uma propaganda institucional do império brasileiro de que na América do Sul havia terras que jorravam 'leite e mel', assim muitos pomeranos emigraram para o Brasil e também para outros continentes (SALAMONI, 2000; THUM, 2009 ROCHE, 1969)

No Brasil, o povo pomerano se concentra basicamente em dois estados, no estado do Rio Grande do Sul e no estado do Espírito Santo, e ainda em algumas comunidades isoladas em municípios do estado de Santa Catarina. Já os Pomeranos de Rondônia, Paraná e Minas Gerais são comunidades constituídas a partir de migrações internas. No Rio Grande do Sul os pomeranos se concentram em grande massa na região da Serra dos Tapes, que abrange o município de São Lourenço do Sul, Canguçu, Pelotas, Turuçu, Arrio do Padre, Cristal, Camaquã. Ainda existem comunidades isoladas em São Paulo das Missões e Roque Gonzales , porém são fruto de imigração interna para a região de Serro Azul nos idos de 1900, que partiram da Colônia de São Lourenço do Sul em busca de áreas de terras para as novas gerações, visto que nessa região não haviam mais lotes a serem comercializados. Há

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também Núcleos de comunidades pomeranas em Santa Cruz do Sul e região de Cachoeira do Sul e Agudo.

Bosenbecker (2012) apresenta alguns aspectos da arquitetura produzida pelos descendentes de pomeranos na zona rural do município de Pelotas, RS. Entretanto, o mencionado estudo foi desenvolvido em um pequeno território de um dos municípios que receberam imigrantes ou que foram destino dos descendentes destes imigrantes. O presente artigo amplia a zona de abrangência daquele estudo, inspirando-se e aperfeiçoando a metodologia, visando estabelecer características que definam a arquitetura estudada como pertencente a um povo específico: o povo pomerano.

Atualmente está sendo desenvolvido um projeto intitulado “Memória, Educação e Patrimônio: A Arquitetura do Povo Tradicional Pomerano”, foi contemplado e atualmente administra uma verba advinda do Programa de Extensão do MEC (PROEXT). O principal objetivo do projeto é constituir um acervo de exemplares de arquitetura pomerana para que seja possível estabelecer as características que aproximam estes edifícios entre si e dos edifícios da Europa Central, que os diferem dos demais prédios da região do estudo e, ainda registrar o “saber fazer” deste povo, para que não seja substituído pelo modo de construir hegemônico e esquecido sob o argumento de que aquelas são técnicas construtivas menos importantes por pertencerem a um grupo sem conhecimento acadêmico.

Até o mês de maio de 2017, o projeto têm 126 casas catalogadas (vídeos e fotografias) e sete detalhadamente registradas (fotografias, plantas, cortes, fachadas e entrevistas com moradores). A partir deste acervo, foi possível constatar que existem três tipos arquitetônicos distintos e identificar características peculiares destas edificações independente do tipo, por exemplo: inexistência de corredor e dimensões favorecendo a cozinha sobre a sala de estar; cumeeira sempre alinhada com a estrada em frente à residência e acesso principal posicionado sempre na parede de maior dimensão, nunca na parede do oitão. E, ainda, características presentes em tipos específicos, como exemplo: quando a cozinha está inserida na casa principal, ela é o ambiente integrador, além de juntamente com a sala de estar distribuir aos demais cômodos. E em modelos mais recentes, as casas contam com alpendres nos acessos.

Ainda, existem peculiaridades na maneira de organizar os sítios: preservação da mata nativa, afastamento da via pública, cultivo de jardim, pomar e horta próximos à residência, potreiro contíguo à área da sede e pátios com funções definidas pelos prédios adjacentes. E nas técnicas construtivas: telhados de caibros e paredes de enxaimel primitivo dos galpões.

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Devido à insterdisciplinaridade do projeto, aspectos culturais são analisados através do olhar subjetivo da memória, buscando compreender as relações interpessoais que permeiam a renovação da tradição construtiva entre os descendentes de imigrantes pomeranos.

A Declaração de Tlaxcala (1982) justifica a preservação da cultura pomerana. A Declaração trata da Conservação do Patrimônio Monumental “Revitalização das Pequenas Aglomerações”, e afirma a necessidade de valorização e preservação do patrimônio das pequenas aglomerações, pois são elas que conferem a identidade de seus habitantes. Nesta declaração, é constatado que os meios de comunicação e o sistema capitalista favorecem a destruição do patrimônio cultural por facilitarem o desprezo aos próprios valores e destaca que este fato acontece especialmente nas pequenas aglomerações.

Considerando o exposto pela mencionada declaração e o observado nas saídas de campo, observa-se que as casas pomeranas da Serra dos Tapes tendem à descaracterização. A justificativa para estudos acerca da arquitetura deste povo baseia-se em dois pilares: registrar o modo de construção deste povo, perpetuando o seu “saber fazer” e buscar oferecer subsídios técnicos para desenvolver as noções de pertencimento e valorização da cultura deste povo tradicional pelos próprios indivíduos que compõem este povo.

Os imigrantes pomeranos, expulsos de sua terra natal, devido às tensões internas centro-européias, foram figuras importantes para a consolidação do território rio-grandense e, tendo abandonado seus locais de origem, muitas vezes apenas com um pequeno baú com objetos pessoais, roupas, ferramentas e expectativas, tentaram recriar um espaço com características semelhantes às dos aldeamentos centro-europeus.

Da mesma forma, os descendentes desses imigrantes seguiram repetindo o modelo organizacional dos sítios e das residências e, ainda utilizando técnicas construtivas amplamente conhecidas pelos seus grupos de origem. Muitas vezes, através da complementação de conhecimentos.

As técnicas construtivas e o modo de organizar as funções permanecem e revelam uma continuidade na tradição arquitetônica destas famílias. Portanto, estes espaços que perpassaram as gerações, que abrigam e carregam consigo as tradições, utilizando técnicas construtivas conhecidas há décadas (quiçá séculos) pelo grupo, são ilustrações dos

sócio-transmissores que Candau (2002) conceitua como efetivadores da protomemória, enunciadores da memória de alto nível e como combustível da metamemória.

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Para o autor, de acordo com o estudo publicado em 1996 sob o título “Anthropologie de La Memóire”, a memória individual é dividida em três níveis: protomemória, memória e metamemória, conforme sistematizado pelo professor doutor de história da UNESP, Wilton C. L. Silva (2010):

1) memória de baixo nível ou protomemória, composta pelo saber e pela experiência mais profundos e mais compartilhados pelos membros de uma sociedade e que se inserem na categoria de memória procedimental (repetitiva ou hábito) de Bérgson, socialmente compartilhada e fruto das primeiras socializações;

2) memória de alto nível ou memória de lembranças (ou de reconhecimento), que incorpora vivências, saberes, crenças, sentimentos e sensações, podendo contar com extensões artificiais ou suportes de memória; e

3) a metamemória, ou seja, tanto a representação que cada indivíduo faz de sua própria memória, quanto aquilo que fala sobre ela, em uma dinâmica de ligação entre o indivíduo e seu passado, como uma memória reivindicada. Enquanto o primeiro e o segundo nível dependem da faculdade de memorização, o terceiro é uma representação sobre essa faculdade. Justamente por essa característica ser uma enunciação, é a única dimensão compartilhada de forma intersubjetiva, enquanto memória coletiva, ou seja, produção social de alguns acerca de heranças supostamente comuns aos membros de um determinado grupo.

Conforme o exposto, a protomemória, uma memória de baixo nível, é imperceptível e figura no campo da inconsciência, e o fato de todos seguirem com suas rotinas domésticas e rurais com singelas alterações, seria um exemplo disto. Entretanto, o exemplo de protomemória que mais interessa a este trabalho é a repetição do uso das técnicas construtivas e do modelo organizacional que perpassa todo o trabalho. O “saber fazer” que é transmitido sem exigir didática.

Além deste conceito, o de memória propriamente dita ou de alto nível engloba as recordações autobiográficas ou de reconhecimento (saberes, crenças, sensações, sentimentos...). Esta memória é um elo forte entre as famílias estudadas, responsável pela sensação de pertencimento que eles têm, responsável pela definição das suas identidades. As famílias estudadas possuem uma origem comum. Todos têm histórias de sacrifícios, dificuldades financeiras e processos de construção de família e patrimônio semelhantes. Analisando cada uma das três histórias é possível perceber várias similitudes. Ainda podemos relacionar este conceito ao conceito de tradição de Javier Marco Arévalo (2004, p.928):

Na tradição, o nexo de continuidade entre o passado e o presente, existe um aspecto permanente e outro sucetível à mudança. A tradição resulta de um processo de decantação cultural e da hibridação que deriva do passado transformado e de sua incorporação ao presente.

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A área de estudo do presente artigo se concentra na zona Rural do Município de São Lourenço do Sul, local que recebeu em grande escala imigrantes pomeranos e alemães em meados do século XIX. Os colonos pomeranos chegaram a São Lourenço do Sul a partir do ano de 1859. Segundo Hammes (2010), ao chegarem ao município, os colonos foram levados até um local conhecido hoje como São João da Reserva, e a partir desse ponto, ainda mais para dentro do município começaram a se distribuir os lotes. Nessa época, praticamente toda a área da Zona Rural do município ainda era coberta por florestas e mato, os pomeranos foram os que desbravaram a região. Os primeiros lotes foram distribuídos em direção a Oeste de São João da Reserva, que atualmente fica no 6º distrito (Figura 1). Sendo assim se percebe a importância que as edificações do povo pomerano possuem para o Município de São Lourenço do Sul.

A Figura 1 mostra a área do estudo, apresentando os distritos do município. Boa Vista é o 6º distrito e Harmonia é o 4º distrito, nestes dois distritos, como mencionado, foram distribuídos os primeiros lotes para os pomeranos, e é neles também que se concentram a grande maioria das casas estudadas neste artigo.

Figura 1: Apresentação da área do estudo Fonte: Os autores

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Metodologia

Para atingir os objetivos, foram adotados os seguintes procedimentos:

 análise da bibliografia referente à arquitetura produzida na Europa Central, região onde se localizava a extinta Pomerânia;

 definição da zona interessante para o estudo: distritos rurais dos municípios de São Lourenço do Sul e arredores;

 percurso e filmagem de um trajeto predeterminado pelos pesquisadores e bolsistas com uma câmera GoPro® afixada ao veículo; registro das coordenadas geográficas de alguns pontos com aparelho GPS;

 sistematização, análise e classificação das imagens obtidas nestas saídas de campo;  definição dos quatro tipos arquitetônicos recorrentes na região;

 seleção de exemplares de cada um dos tipos; realização de levantamentos físico-espaciais e fotografias das propriedades selecionadas e entrevistas aos atuais moradores destes edifícios;

 sistematização dos dados utilizando softwares adequados e;

 comparação dos dados obtidos nas saídas de campo entre si e com os dados trazidos pela historiografia referente à arquitetura produzida pelos pomeranos em sua terra natal e pelos imigrantes pomeranos em solo sul-riograndense, assim como a algumas das outras arquiteturas produzidas por imigrantes de outras etnias coexistentes com a pomerana (principalmente BERTUSSI, 1987; BOSENBECKER, 2012; CORONA, 2012; MACEDO, 1987 e WEIMER, 2005).

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Partido Arquitetônico e Evolução da Planta Baixa Pomerana

Na região da Europa Central onde se localizava a Pomerânia, devido à posterior incorporação de parte da área à Polônia, poucos estudos foram realizados e, portanto, poucos dados são encontrados. Segundo Weimer, nessa região, os agricultores não puderam desenvolver uma arquitetura tão exuberante quanto em outras regiões de onde também partiram imigrantes, por causa do regime feudal que persistiu até o início do século XIX (2005, 80). A região foi conquistada pelos saxões provenientes do Schleswig e da Prússia, que foram migrando ao longo da costa do mar báltico e de lá o domínio foi se estendendo para o interior. A penetração foi acompanhada de um processo de miscigenação com os povos eslavos (MOORE, 1967 apud WEIMER, 2005, 80).

“[...] na Pomerânia se configuravam três faixas de partido-tipo paralelos à costa. Junto ao mar se impôs a Arquitetura baixo-saxã com um partido das casas do norte da Alemanha, as chamadas Gulfhäuser, com seus telhados cobertos de palha, de quatro águas, muito agudos e cantos arredondados; pés-direitos muito baixos e, na maior parte das vezes, executadas em alvenaria de pedra, rebocadas e caiadas. A terra era baixa, úmida e salgada. Isso contribuiu também para a pobreza da Arquitetura, na qual a madeira era pouco aplicada, era rara ou tinha de ser trazida de longe. As casas pareciam uma miniatura das grandes construções da costa do Schleswig e mantinham, no topo de seus telhados, duas madeiras cruzadas com esculturas de cabeças de cavalo, pedindo a bênção do deus equino Wothan1.

Mais para o interior, havia florestas que forneciam a madeira para a construção em enxaimel. Na faixa média desenvolveram-se as chamadas ‘casas a leste do Elba’ (Ostelbische Häuser). Essas casas eram de duas águas e tinham um esquema de divisão interna semelhante ao das casas baixo-saxãs, com algumas modificações funcionais importantes. Enquanto nestas havia uma continuidade espacial, nas casas do interior da Pomerânia as diversas funções eram separadas por paredes. [...] Na terceira faixa, a mais interior, que se localizava mais a leste, desde a confluência do Neise com o Oder até a Prússia oriental, se impuseram as casas alpendradas (Vorlauben Häuser). Elas se caracterizavam por ter o acesso principal implantado ao lado da empena, ao contrário da faixa intermediária, em que ele se encontrava na elevação do frontão. A porta principal abria para o vestíbulo. O nome dessas casas decorre do fato de terem o acesso principal protegido por um alpendre coberto por um telhado de duas águas ortogonais àquelas da construção principal [...]” (WEIMER, 2005, 80-81)

Baur-Heinhold afirma que a origem dos partidos gerais das zonas de influência eslava é devida ao fato de que, entre estes povos, a divisão do espaço unitário foi feita em três partes distintas: residência, cozinha, estábulos. Como o clima dessa região é especialmente rigoroso, houve necessidade de incorporar um elemento intermediário entre o micro clima

1 “Essas cabeças de cavalo em forma de cruz-de-santo-andré eram encontradas em todas as regiões

da Baixa Saxônia e, em especial, na Vestfália, onde a penetração de cultos pré-cristãos era especialmente profunda” (ZENDER, 1965 apud WEIMER, 2005, 80).

Segundo Weimer, muitas destas crenças foram trazidas para o Rio Grande do Sul, como as benzeduras e o curandeirismo. Na Arquitetura, não encontramos cabeças de cavalos cruzadas, mas é frequente encontrar-se ferraduras pregadas nas soleiras ou vergas das portas externas. (2005, 81)

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interno (da casa) e o ambiente externo, que veio a ser o vestíbulo (1961 apud WEIMER, 2005, 82). Na figura 2, podemos visualizar tal evolução através do esquema elaborado por Weimer.

Figura 2: Evolução do partido pomerano. Fonte: WEIMER, Günter. Arquitetura Popular da Imigração Alemã. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS , 2005, p.80-81.

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Arquitetura produzida pelo povo pomerano no Brasil

Corona (2012) analisou casas pomeranas no Espírito Santo e afirma que organização da casa do imigrante pomerano daquele estado é semelhante à organização da casa dos pomeranos ainda na Europa. De acordo com a autora, a casa pomerana não possui corredor, assim a sala é o ambiente central, e os demais cômodos ficam dispostos em sua volta, na parte frontal da sala se dá o acesso à varanda.

As fachadas das casas pomeranas do Espirito Santo, segundo Corona (2012), apresentam como característica forte a simetria, onde a maioria das casas possuem quatro janelas na fachada principal, duas no recuo da varanda, dispostas uma ao lado esquerdo, outra ao lado direito da porta central e as outras duas que se localizam nas alvenarias avançadas, uma a esquerda e outra a direita e o telhado geralmente de duas águas.

O sistema construtivo das casas analisadas por Corona (2012), no estado do Espirito Santo, se constituía basicamente da taipa de mão e do adobe, técnicas conhecidas para construções rudimentares, como celeiros e currais ou para moradias mais humildes na Europa. A taipa de mão consiste basicamente em uma estrutura de varas entremeadas na forma de gradeamento, preenchido de barro atirado com as mãos, resultando em paredes leves de aproximadamente 15 cm. Já o adobe ou também tijolo cru, é um tijolo que não sofre um processo de cozimento é secado apenas ao sol. Outra característica construtiva das casas pomeranas no Espirito Santo é a presença de um porão alto e aberto, que na Europa era fechado e erguido com pedras, essa foi uma solução encontrada pelos imigrantes para obterem um melhor conforto térmico nas residências, já que o clima do estado do ES é caracterizado como quente e seco (CORONA, 2012).

A técnica construtiva utilizada no telhado das casas pomeranas capixabas, que geralmente é de duas águas, é uma estrutura simples de madeira, porém destaca-se por possuir encaixes retos. Eram utilizadas telhas de madeira que posteriormente foram substituídas por telhas cerâmicas (CORONA, 2012).

A seguir, na figura 3, a imagem “a” exemplifica o que Bianca Corona descreveu em sua pesquisa.

No Rio Grande do Sul, os imigrantes receberam, das companhias colonizadoras, lotes com formatos retangulares alongados (ROCHE, 1969, p.95), ao longo de estradas, nas chamadas picadas e foi impossível reproduzir a organização das residências e das benfeitorias da forma como era na Europa Central. Assim, os imigrantes recriaram as

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aldeias - espaços públicos - dentro de seus lotes - espaços privados. Organizaram as benfeitorias, a residência, os pomares, as hortas, as lavouras, os potreiros, conforme estavam habituados.

Se na Pomerânia as casas eram organizadas em torno de uma devesa, no RS, a casa e as benfeitorias passaram a conformar estes pátios de serviços ou para cuidado dos animais. A residência passou a ser o prédio mais importante do conjunto edificado, ocupando um lugar de destaque nesta organização. Próximo às edificações ficam as hortas, pomares e o potreiro, para que se tenha mais fácil acesso às frutas e verduras que são consumidas diariamente e para ter os animais à vista e próximos para oferecer os cuidados diários que os mesmos exigem. As plantações seguem sendo organizadas como na Pomerânia, em “felders”, nas faixas distintas para cada produção e a faixa de mata virgem, permanece sendo preservada. Weimer diz que praticamente todos os sítios:

“[...] conservam um pedaço de mato no local mais íngreme ou nos fundos do lote. Quando perguntávamos da razão da sua existência, respondiam-nos que era por tradição ou nos diziam: Donde já se viu uma terra sem mato! [...] Nada se extrai dele, atualmente. Trata-se, portanto, de um elemento disfuncional dentro da propriedade. Com o potreiro acontece o contrário. Todo o colono possui, pelo menos, algumas cabeças de gado que necessitam de uma área gramada para pastar. Para tanto, o agricultor dispõe entre 10% e 24% de área de suas propriedades, o que corresponde de 11% a 28% da terra cultivada. A característica desses potreiros é que eles sempre se encontram junto à sede da propriedade, o que é perfeitamente justificável porque o gado necessita ser tratado, no estábulo, de manhã e à noite, quando as vacas são ordenhadas.

O resto da terra é ocupado pela agricultura, salvo um pequeno trecho de dimensões não plenamente definíveis, no qual está implantada a sede da propriedade – residência, benfeitorias, jardim, pomar e horta – cuja área se situa em torno de meio hectare. [...]” (2005, 342)

Weimer (2005) analisou quatro tipos de casas pomeranas, classificando-as de acordo com os sistemas construtivos: estrutura de enxaimel com vedação em taipa; estrutura de enxaimel com vedação em grés; casa de cantaria sem reboco e; casa de cantaria rebocada. O autor descreve as plantas das casas da seguinte maneira: três cômodos na casa de dormir: vestíbulo, sala e quarto e a cozinha separada. Outro modelo descrito por ele é a casa com escadaria monumental que leva ao vestíbulo central, distribuído aos lados sala de estar e dois dormitórios, porão habitado parcialmente e sótão usado como depósito. Por fim, a casa de cantaria rebocada (imagem b da figura 3) que possui uma sala de convivência central, com um quarto de cada lado e cozinha ao fundo, que dá acesso a um terceiro quarto.

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Bosenbecker (2012) descreve algumas casas de pomeranos de Pelotas, RS. A autora afirma que o acesso principal é em uma sala de convivência central e se dá por uma varanda frontal. Ao lado da sala estão dois dormitórios e no fundo a cozinha que, às vezes, tem uma sala de jantar ao lado e, em outras, um terceiro dormitório (imagem c, figura 3).

Figura 3: Plantas baixas e fachadas de casas pomeranas no Espírito Santo e no Rio Grande do Sul. Fontes: a) CORONA, 2012; b) WEIMER, 2005 e; c) BOSENBECKER, 2012

Até o presente momento, a equipe do projeto percorreu estradas em diferentes distritos da zona rural do município de São Lourenço do Sul, RS. Nestes percursos, foi utilizada uma câmera GoPro® afixada na parte frontal do veículo que fez um registro de todas as edificações presentes naquele território. Após a sistematização dos vídeos, constituiu-se um acervo de imagens de 126 casas. Destas, 34 não são interessantes para o estudo pois não se enquadram nas características tipológicas do estudo, a maioria delas foi edificada com recursos de programas do governo federal, com projetos pré-estabelecidos pelas instituições responsáveis pelos recursos financeiros. As demais apresentam características bem definidas e que as assemelham. As casas foram separadas por algumas características, o que levou ao estudo da definição preliminar dos tipos, são estas: Tipo 1, se caracteriza pelo telhado de duas águas com telhas de zinco e sem a presença do alpendre; Tipo 2, se caracteriza pelo telhado de duas águas com telhas de zinco, porém com a presença de alpendre; Tipo 3, se caracteriza pelo telhado de quatro águas com

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telhas cerâmicas e sem a presença do alpendre; Tipo 4, se caracteriza pelo telhado de quatro águas com telhas cerâmicas, porém com a presença do alpendre.

Após observar um panorama das edificações existentes no território analisado, foram selecionadas exemplares de cada um dos tipos para que fossem realizados levantamentos arquitetônicos completos. Até o presente momento, foram realizados sete levantamentos, sendo sete do tipo 01; três do tipo 02 e; seis do tipo quatro2. Destes levantamentos,

chegamos ao padrão de casa de cada tipo, conforme representado na figura 02 a seguir. Da esquerda para a direita: tipo 01 com cozinha separada da casa de dormir; tipo 01 com cozinha anexa; tipo 02 com cozinha separada; tipo 02 com cozinha anexa e tipo 04.

Figura 4: Modelos de casas pomeranas em São Lourenço do Sul

Fonte: Elaborado por Suzana Treichel para a qualificação do projeto de dissertação “Avaliação do Desempenho Térmico da Arquitetura Pomerana da Serra Dos Tapes – RS” desenvolvido na

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Uniersidade Federal de Pelotas (FAUrb-UFPel)

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Discussão

Até o presente momento, identificou-se quatro tipos arquitetônicos: casas com telhados de duas águas com ou sem varanda e casas com telhados de quatro águas com ou sem varanda (sendo que os dois primeiros tipos podem ter modelos com cozinha separada da casa de dormir ou integrada.

Estes tipos estão intimamente relacionados com uma evolução da arquitetura deste povo, pois os tipos 1 e 2 analisados têm suas edificações datadas em períodos entre 1870 e 1930, enquanto os tipos 3 e 4 datam de um período compreendido entre 1920 e 1970.

Atribui-se o uso da cozinha separada da casa de dormir ao receio de ameaça de incêndio. Essa não é uma característica exclusiva da arquitetura produzida por este povo, era uma prática recorrente nas edificações rurais daquele período.

Identificou-se que, assim como descreve Corona (2012), as linhas de cumeeira de todos os modelos estudados se mantém alinhados à estrada, demonstrando que a orientação solar não é uma variável levada em consideração na hora de decidir a implantação do prédio. Assim como as cumeeiras, a fachada principal sempre está de frente para a estrada. Em nenhuma casa estudada encontramos fachadas principais nas paredes do oitão.

As funções nas casas estudadas seguem uma lógica de distribuição semelhante entre si e com similaridades, também, com as casas estudadas por Corona e Weimer: a sala de estar, primeira dependência acessada na casa tem contato com a cozinha e com alguns dos dormitórios; de modo geral, não existem corredores. A cozinha e a sala de estar, espaços de convivência da residência, distribuem as funções. A partir delas se acessam os dormitórios, espaços íntimos e; a cozinha comumente é a dependência mais utilizada da casa pomerana, é o espaço integrador da família e, por isso, possui grandes dimensões e atribui-se as dimensões das cozinhas ao fato deste povo valorizar sobremaneira a gastronomia.

Como se viu, tanto memória quanto tradição agrupam características trazidas do passado, modificadas e agregadas ao presente. Não se pode acreditar, por exemplo, que no século XX as técnicas construtivas utilizadas em um país do Novo Mundo seriam as mesmas utilizadas dois ou três séculos antes na Europa Central. Algumas características permanecem, outras são substituídas por aquelas que se mostram mais eficazes.

Entretanto, é inegável que existem características bastante peculiares na arquitetura desenvolvida por este povo. Em cada região que recebeu imigrantes, a arquitetura se desenvolveu de uma forma distinta. Seja devido às características climáticas ou topográficas

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do local, pela tradição construtiva da região de onde veio o imigrante ou pelos materiais de construção disponíveis. Mesmo assim, é possível identificar algumas características que perpassam o tempo e que se repetem em regiões relativamente distantes.

É preciso manter em mente que o imigrante pomerano, assim como as primeiras gerações de seus descendentes, não contavam com meios de comunicação ou transporte eficientes. Para Roche (1969) São Lourenço do Sul era uma ilha agrícola numa mancha florestal, no meio de uma zona luso-brasileira de pecuária, na planície”. Esta definição precisa apresentada por Roche ampara a compreensão de que estes construtores-amadores (agricultores que edificavam suas casas) não tinham influências de construtores profissionais ou de arquiteturas de outras etnias. As outras localidades, os outros povos moravam muito distante dos pomeranos de São Lourenço do Sul.

Este isolamento provocou diversos prejuízos àquela comunidade, mas , simultaneamente, favoreceu para que sua cultura fosse preservada por tanto tempo. A arquitetura, bem como diversas outras manifestações culturais do povo tradicional pomerano de São Lourenço do Sul se manteve com características semelhantes às encontradas na antiga Pomerânia.

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Referências Bibliográficas

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BOSENBECKER, Vanessa Patzlaff. Influência Cultural Pomerana. Permanência e

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Referências

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