R EEN C O N T R O DE S T R O M B U S C O S T A T U S GM ELIN, 1791 (GASTROPODA, STROM BIDAE) NO LIT O R A L DO ESTADO DE SÃO PAULO , BRASIL
O SM A R DOMANESCHI D e p a r t a m e n t o de Zoologia, Instituto de B i o c i ências, U n i v e r s i d a d e de São Paulo - C.P. 20.520 - 01498 - SP Brasil, (recebido em 3 0 . IX.1986)
R E S U M O - E s p é c i m e s viv o s de S t r o m b u s c o s t a t u s Gmelin, 1791 fo ram e n c o n t r a d o s no e x t r e m o norte da Ilha de São S e bastião (23°44'S), l i toral do E s t a d o de São Paulo, d e c o r r i d o s a p r o x i m a d a m e n t e q u a r e n t a anos do r e g i s t r o feito por M o r r e t e s (1949) de um e x e m p l a r p r o v e n i e n t e da m e s m a ilha. Es s e autor não in - formou, e n tretanto, se o b t e v e o animal c o m p l e t o ou apenas a concha, d eixando, pa r a alguns, d ú v i d a s q u a n t o à real e x i s t ê n cia da e s p é c i e na região. M a t t h e w s (1980) e Rios (1970, 1975, 1985) c o n s i d e r a r a m a Ilha da Trindade, na lati t u d e 20°30'S , como o e x t r e m o sul da d i s t r i b u i ç ã o de S. costatus, não reconhe cendo, p ortanto, o r e g i s t r o feito por Morretes. O presente tra b a l h o v e m c o m p r o v a r a e x i s t ê n c i a dessa es p é c i e no litoral do E s t a d o de São P a u l o e e s t e n d e r seu limite meridi o n a l de d istribuição. S. c o s t a t u s p e r m a n e c e conhe c i d a apenas de l o c a lidades r e s t r i t a s d e n t r o dos limites c o n s i d e r a d o s por Balech (1951) e Ekman (1953) para a P r ovíncia Antilhana, e v i d e n c i a n do ser e n d ê m i c a dessa região z o o g e o g r á f i c a .
A B S T R A C T - L i v i n g spec i m e n s of S t r o m b u s c o s t a t u s Gmelin , 1791 w e r e found at São S e b a s t i ã o Island (23°44'S), São Paulo State l ittoral, abo u t fourty years after the record by M o r r etes (1949) of a s p ecimen from the same island. That author did not m e n t i o n w h e t h e r he had a whole animal or its shell o n ly, c a u s i n g t h e r e f o r e doubts about the v a l i d i t y of his record M a t t h e w s (1980) and Rios (1970, 1975, 1985) co n s i d e r e d Trinda de I s land (20°30'S) as the s o u t h e r n m o s t limit of the occurren ce of th i s species, not r e c o g n i z i n g Morretes' record. The p r e s e n t p a per c o n f i r m s the pre s e n c e of S. c o s t a t u s in São Pau lo State lit t o r a l and extends its meridi o n a l limit of d i s t r i bution. S. c o s t a t u s remains known only from l ocalities inside the b o u n d e r i e s c o n s i d e r e d by B a lech (1951) and Ekman (1953) for the A n t i l l e a n Province, eviden c i n g that it is endemic of this z o o g e o g r a p h i c region.
312 0. Domaneschi
IN T R O D U Ç Ã O
0 e n c o n t r o recente de uma p o p u l a ç ã o de Stro m b u s c o s t a - tus Gmelin, 1791, na Ilha de São Sebastião, litoral norte do E s t a d o de São Paulo, p o s s i b i l i t o u a r e v i s ã o da d i s t r i b u i ç ã o da esp é c i e em águas brasileiras, uma vez que os traba l h o s de Rios (1970, 1975, 1985) que p r o c u r a m a t u a l i z a r a cata l o g a ç ã o e d i s t r i b u i ç ã o dos m o l u s c o s do litoral brasileiro, ass i m como o de M a t t h e w s (1980) que reúne os c o n h e c i m e n t o s sobre espé cies b r a s i l e i r a s de Stro m b u s L i n n é , 1758, não m e n c i o n a m a ocor rência de S. c o s t a t u s no litoral paulista.
M o r r e t e s (1949) regi s t r o u o e n c o n t r o de um e x emplar de S. c o s t a t u s "apan h a d o na rede" na loc a l i d a d e do Sombrio, Baía dos C astelhanos, Ilha de São S e b a s t i ã o (SP) Contudo, não e s c l a r e c e u se o b t e v e o e s pécime v i v o ou apenas a concha, deixan do, para alguns, dúvidas q u a n t o à real ex i s t ê n c i a da espécie na região. M a t t h e w s (1980) fez m e n ç ã o e x p l í c i t a ao registro de M o r r e t e s e Rios (1970, 1975, 1985) incluiu Mor r e t e s e r e s pectiva obra em sua bibliografia; contudo, ambos c o n s i d e r a r a m a Ilha da Trindade, na latitude 20°30'S, c o m o o limite sul da d i s t r i b u i ç ã o de S. costatus, não r econhecendo, portanto, o en c o n t r o p u b l i c a d o por aquele autor
M a t t h e w s (op. cit. ) ao rever a b i b l i o g r a f i a que m e n e i o na a o c o r r ê n c i a de e s pécies de S t r o m b u s no Brasil v e rificou que S. c o s t a t u s foi registrada por: C l e n c h & A b b o t t (1941) pa ra a Bahia; M o r r e t e s (1949) para São Paulo; M e l o (1964) para o Rio G r a n d e do Norte; Fausto-Filho, M a t t h e w s & Li m a (1966) e M a t t h e w s & Rios (1967) para o Ceará; M a t t h e w s (1967) para o n o rdeste br a s i l e i r o (não e s p e c i f i c o u as localidades); Kempf & M a t t h e w s (1968) para o M a r a n h ã o e Rios (1970) para o M a r a nhão, Ceará, R i o Gran d e do Norte, Pernambuco, Alagoas, Bahia e Ilha da Trindade. M a tthews (1980) c o n s i d e r o u F l órida (EUA) e Ilha da Trin d a d e (Brasil) como os p o ntos e x t r e m o s da distri^ b u i ç ã o da espécie; Rios (1985) a t u a l i z o u e s ses d a d o s a m p l i a n do apenas o limite setentrional até a C a r o l i n a do Norte (EUA) e Bermuda e r e iterou a ocorrê n c i a da e s p é c i e no Brasil d o M a ranhão à Ilha da Trindade.
M A T E R I A L E X AMINADO E SUA P R O C E D Ê N C I A
E s t a d o de São Paulo: e x t remo norte da Ilha de São Seba s t i ã o ( 2 3 °44'S e 45°17'W), p r o x i midade da Praia de Jabaquara, sobre fundo a reno-lodoso, a oito metros de profun d i d a d e ; B i ó l o g o G u i l h e r m e M e n d e s Furgler col. e leg., 05/86; três e s p é c i m e s : 1 9 (Foto 1) e 2 conchas vazias (o c o r p o dos an i m a i s foram re m o vidos e i n u t i lizados pelo coletor)
. i _ s t r o m b u s c o s t a t u s Gmelin, 1791. Espécime fêmea pro sdente do litoral norte da Ilha de São S e bastião (SP) Com- r i mento da concha: 18 cm.
314 0. Domaneschi
D I S C U S S Ã O E C O N C L U S Õ E S
0 e n c o n t r o de e s pécimes vivos de S t r o m b u s c o s t a t u s no i n f r a l i t o r a l da Ilha de São Sebastião, r e gião s u deste do B r a sil (Fig. 1), p e r m i t i u a c o m p r o v a ç ã o da sua ex i s t ê n c i a no E s t a d o de São Paulo, fato a p o n t a d o por M o r r e t e s (1949) e não c o n s i d e r a d o em obras de a u tores posteriores. Esse encontro e v i d e n c i a que a es p é c i e se es t e n d e a uma l a titude sul al é m da Ilha da T r i n d a d e (20°30'S) local i d a d e esta m e n c i o n a d a por Rios (1985) co m o o ext r e m o me r i d i o n a l da d i s t r i b u i ç ã o de S. c o s t a t u s .
No litoral paulista os e s p é c i m e s foram enc o n t r a d o s so bre fundo a r e n o - l o d o s o , em água cuja t e m p e r a t u r a e salinida - de, a dez m e t r o s de profundidade, oscilam, r e s p e c t i v a m e n t e ent r e 21-24°C e 34-35%, (Matsuura, 1986) A temp e r a t u r a da água na região pode sofrer v a riações maiores, parti c u l a r m e n t e no verão, p e r í o d o em que a p e n e t r a ç ã o e subida de águas frias, de o r i g e m subtropical, até próximo'à s u p e r f í c i e (Matsuura et al. 1985) o c a s i o n a m re s f r i a m e n t o s signi f i c a t i v o s .
No nordeste br a s i l e i r o S. c o s t a t u s é encont r a d a g e r a l m e n t e em p r o f u n d i d a d e s maiores que q u a r e n t a metr o s e, se m e lhante ao que foi o b s e r v a d o por A b bott (1960) para os espécji mes das Índias Ocidentais, em águas de c o n d i ç õ e s o c e â n i c a s , quentes, bem salinas e límpidas (Matthews, 1980) N a q uele a m biente a e s p écie vive em s u b s t r a t o arenoso, ent r e as algas cal cárias (R h o d o p h y c e a e , Melobesiae); estas o c o r r e m desde os v i nte m e t r o s de p r o f u n d i d a d e até a quebra do talude continen- ta 1.
Na região sudeste, devido ao f e nômeno de r essurgência d e t e c t a d o por Mats u u r a et al. (op. cit.) S. c o s t a t u s deve o cupar apenas o substrato aquém dos v i n t e metros, onde as tem p era t u r a s da água são mais elevadas ao longo do ano.
S e gundo Stuardo (1964), S t r o m b u s está entre os gêneros de mol u s c o s mais importantes da fauna A n t i l h a n a ou Caribeana, a qual consi d e r a tip i c a m e n t e tropical. De a c o r d o com Carcelles (1944) a Província A ntilhana tem seu limite norte no Cabo Hatteras ( 3 5 ° 1 4 ’N) e inclui o Mar das A n t i l h a s e a costa do Brasil até o Cabo Santa Marta Gran d e (28°28' lat. S) Balech (1951) consi d e r a 23°-24°lat. S o limite m e r i d i o n a l dessa r e gi ã o de águas quentes, com t emperatura média anual pouco vari ável, não inferior a 24°C e salinidade s u perior a 36%, ; Ekman (1953) c o m p a rtilha esse pon t o de vista ao limitar essa mes m a região à latitude do Rio de Jan e i r o (22°30'S) ou p o u c o mais ao sul
Entre os limites m e r i d i o n a i s c o n s i d e r a d o s pelos a u t o - res citados existe, segundo Stuardo (op. cit.), uma zona de t r a n s i ç ã o que separaria as Províncias A n t i l h a n a e A r g e n t i n a ou Patagônica e que representaria os limites pr i n c i p a i s de dispersão' para a fauna de molu s c o s de ambas as províncias.
0 e n c o n t r o de S. costatus no litoral paulista após um l a p so de q u a s e quarenta anos do pri m e i r o r e g i s t r o pode ser a t r i buído, em parte, à falta de coletas s i s t e m á t i c a s no infralito ral dessa região, mas é possível que ent r e outras razões ocor
F igu r a 1 - O c o r r ê n c i a de S t r o m b u s cos t a t u s Gmelin, 1791 no litoral brasileiro.
316 0. Domaneschi
uma d i s t r i b u i ç ã o mais ampla. A p esar da a m p l i a ç ã o de seu limite de d i s p e r s ã o até o Estado de São Paulo, p r ó x i m o dos 24° lat. S, todas as loca l i d a d e s de o corrência da es p é c i e pe r m a n e c e m restr i t a s à área proposta por Bale c h (op. cit. ) e Ekman (op. cit.) para a P r o v í n c i a Antilhana, e v i d e n c i a n d o que S. c o s t a - tus é endê m i c a dessa região z o o g e o g r á f i c a . Tal fato corrobora a idéia de Stu a r d o (op. cit. ) de que S t r o m b u s é t ipicamente tropical; nessa latitude a es p é c i e e s t aria m u i t o próxima de seu limite mais ext r e m o de d i s t r i b u i ç ã o no h e m i s f é r i o sul.
A G R A D E C I M E N T O S - Ao biólogo G u i l h e r m e Mend e s F u rgler que, ao soli c i t a r a id e n t i f i c a ç ã o do m a terial ao autor, soube c o m p r e ender a importância de sua descob e r t a e doou os e s p é c i m e s que p o s s i b i l i t a r a m o presente trabalho; ao bi ó l o g o Fábio Mo- retzsohn de C a stro Jr pela e x e c u ç ã o da foto.
R E F E R Ê N C I A S
ABBOTT, R.T. 1960 The genus S t rombus in the I n d o - P a c i f i c . In- d o - P a c i f i c Mollusca, Philadelphia, 1(2):33-146.
BALECH, E. 1951 Division zoogeo g r á f i c a del litoral sudamerica no. Rev t a Biol.mar., Valparaiso, 4:184-95.
CARCELLES, A. 1944 Cat á l o g o de los m o l u s c o s m a r i n o s de Puerto Quequén. R e v t a Mus. La Plata, N.S., Z o o l ., La Plata, 3: 233-309.
EKMAN, S. 1953 zooge o g r a p h y of t h e sea. 417 p., Sidg w a c k and Jackson, London.
MATSUURA, Y. J.C. AMARAL; G. SATO & S.T.J. TAMÃSSIA. 1985 Ocorrê n c i a de peixes p e lágicos e a e s t r u t u r a o c e a n o g r á f i c a da região entre Cabo de São Tomé (RJ) e C a n a n é i a (SP) em
j a n .- f e v ./ 1 9 7 9 . PDP/SUDEPE, Doc.Téc. (33):3-70.
MATSUURA, Y 1986 C o n t r i b u i ç ã o ao e s t u d o da e s t r u t u r a o c eano- gráfica da região sudeste e n tre Ca b o Frio (RJ) e Cabo de Santa Marta Grande (SC) C iênc.Cult. S . Paulo, 3 8 ( 8 ) : 1 4 3 9 - 50.
MATTHEWS, H.R. 1980 M o l u s c o s b r a s i l e i r o s da família Strombi - dae (Gastropoda, P r o s o b r a n c h i a ) . C o l e ç ã o Mos s o r o e n s e v. 129, 141 p. Escola Superior de A gricultura, Mossoró.
MORRETES, F.L. 1949 Ensaio de C a t á l o g o de M o l u s c o s do Brasil. A r c h o s M u s.parana. Curitiba, 7:5-216.
RIOS, E.C. 1970 C o a stal B r a z i l i a n Seashells. 255 p., F u n d a ç ã o U n i v e r s i d a d e de Rio Grande, Rio Grande, RS.
RIOS, E.C. 197 5 B r azilian M a r i n e M o l l u s k s Iconography. 331
p.,
F u n d a ç ã o U n i v e r s i d a d e de Rio Grande, Rio Grande, RS.RIOS, E.C. 1985 S e ashells of Brazil. 328 p., F u n d a ç ã o U n i v e r s idade de R i o Grande, Rio Grande, RS.
STUARDO, B.J. 1964 D istribución de los m o l u s c o s m a r i n o s lito- rales en L a t i n o a m e r i c a . Boln I n s t . B i o l . m a r . , M a r del P l a ta, 7:79-91.