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A Ética em Geografia: Geografia com Ética? Jorge Carvalho Arroteia

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A Ética em Geografia: Geografia com

Ética?

Jorge Carvalho Arroteia

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2 Ficha Técnica:

Edição: Estudos Gerais de Monte Redondo ISBN:

Título: A Ética em Geografia: Geografia com Ética? Autor: Jorge Carvalho Arroteia1

Suporte: Eletrónico Formato: PDF/PDF/A Série: Cadernos 1

1 Geógrafo

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JUSTIFICAÇÃO

A oportunidade de participar neste encontro sobre “Ética na Investigação Científica”, em boa hora organizado pelo Conselho de Ética e Deontologia da Universidade de Aveiro, conduziu a esta breve reflexão relacionada com os procedimentos éticos em geografia. Uma reflexão marcada pelo interesse dos fenómenos territoriais, identidades e realidades sociais, que evoca as preocupações de uma actividade profissional e trabalho com colegas de diferentes áreas científicas e formações académicas.

Com estes aprendemos a analisar situações complexas e a perscrutar, através do método científico, as causas e as razões estruturantes de certos fenómenos sociais numa perspectiva transdisciplinar. Neste domínio a formação académica na área das ciências sociais, que veio completar a formação base em geografia, permitiu-nos compreender a complexidade das sociedades actuais, o domínio dos grupos estabelecidos, a validade da crítica científica e, acima de tudo, a leitura da realidade social “em todos os seus níveis de profundidade” e a sua apreciação em ambiente académico.

Em contexto de abertura do sistema de educação terciária, de diversidade de diferentes interesses científicos mas de convergência em torno de projectos diferenciados na sua origem, desenvolvimento e evolução, o diálogo com outros parceiros e actores sociais não foi tarefa fácil. A construção de diferentes grupos de investigação e a sua orientação especializada, nem sempre se coadunou com interesses individuais e colectivos sobre temas relevantes da sociedade portuguesa. Daí que tenhamos tido necessidade de ancorar o trabalho desenvolvido em metodologias baseadas na análise e estudos dos fenómenos físicos e humanos descritos por diversos geógrafos, nomeadamente por Orlando Ribeiro, Ilídio do Amaral, Pierre George, Paul Claval, J. B. Racine e outros. Este trabalho foi completado pela leitura de trabalhos de outos cientistas sociais como Durkheim, Gurvitch, Grawitz, Aron, Boudon, Sedas Nunes, V. M. Godinho e outros.

A referência a estes autores, que se impuseram na criação de diferentes “escolas”, serve-nos de guia na construção desta nota: Ética em Geografia: Geografia com Ética? Temos presente a Logos2 (1990.2, 334) e a origem etimológica do termo, como

“costume, uso, maneira de proceder; maneira de ser, carácter" na “dupla significação

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sugerida pelos seus étimos originais, sublinhando a vinculação ao sujeito que o termo êthos implica” (op. cit., 335). Se aplicada à investigação científica, esta deve ser

entendida como um “código de práticas intelectuais e de acção”3 seguindo os princípios básicos da verdade, justiça, equidade e integridade (Martineau, 2007)4.

PENSAMENTO GEOGRÁFICO

A construção da geografia como ciência prossegue um longo caminho desde a Antiguidade clássica e as descrições de natureza histórica e geográfica sobre a antiga Grécia e do mundo mediterrânico. Dos amantes da história e da filosofia natural onde se filia a geografia, a obra de Estrabão (63 a.C. – 24 d. C.) – Geografia - fundada na descrição do mundo conhecido e das viagens realizadas pelo autor na Europa, em África e na Ásia, constitui um marco na história desta ciência e nos ramos de especialização que cultivou ao longo de séculos. Dos mais antigos a cosmografia e a cartografia, tiveram um lugar pioneiro nas viagens terrestres e marítimas, abrindo novas portas à descrição das terras e das gentes (geografia humana), do clima, relevo e da vegetação (geografia física), dos países e das gentes (geografia política), da unidade das paisagens e regiões (geografia regional) em diversos cantos do globo.

Através destes trabalhos consolidaram-se conhecimentos e aprendizagens que acompanharam alguns povos e movimentos da população – como os árabes (Al-Idrisi; 1099-1165?), os portugueses e os exploradores europeus que no decurso da Idade Moderna e sobretudo na Idade Contemporânea integraram o rol de cientistas naturais e físicos responsáveis pelo avanço e conquista da ecúmena. Neste domínio cita-se o manuscrito do cosmógrafo português Duarte Pacheco Pereira – “Esmeraldo de situ

orbis” (1505-1508), com o relato das suas viagens e informações cartográficas sobre os

lugares ao tempo conhecidos ou os trabalhos de astronomia e de matemática do cosmógrafo Pedro Nunes (1502-1578).

Entre os trabalhos incontornáveis da evolução do pensamento geográfico e da afirmação da nova ciência contam-se o “Kosmos” (1845-1862) de F. Humboldt - ensaio

3

“L’espace social: méthodes et outils, objets et éthique” – École d’Été de Geographie Sociale; Université de Rennes, 2008. In: http://eso.cnrs.fr/_attachments/n-27-mars-2008-travaux-et-documents/2appel_contribution.pdf?download=true. 7JUL2015

4Martineau, Stéphane (2007) – “L´´ethique en recherche qualitative: queslques pistes de

réflexion”. In: Actes do coloque - Recherche qualitative: les questions de l’heure.

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de astronomia e descrição física do globo; o “Die Erdkunde” (1816-1859) de K. Ritter evidenciando, sobretudo as relações geográficas entre o homem e a natureza numa perspectiva comparada ou a “Antropogeografia” (1882-1891)5 que juntamente com outros trabalhos do mesmo autor, nomeadamente a sua geografia política (1893), vieram a afirmar-se como referência no estudo da geografia humana e da geografia política, entendida por Vidal la Blache 6, como sendo, “em sentido estrito, um desenvolvimento

especial da geografia humana”. De acordo com este autor (1954, 30), “os factos de Geografia humana ligam-se a um conjunto terrestre e apenas por este são explicáveis; relacionam-se com o meio que, em cada lugar da Terra, resulta da combinação das condições físicas”.

Sobre os trabalhos de geografia política desenvolvidos por Ratzel assinala V. la Blache 7 as preocupação daquele autor em estudar as ”relações entre o homem e o meio

no qual se exerce sua actividade”, levam-no “a agrupar os fatos e extrair leis, a fim de colocar à disposição da geografia política um fundo de idéias sobre o qual ela possa viver”. Observa no entanto a necessidade dela “própria se definir, o que não pode fazer senão tornando precisa a natureza da relação que a une ao conjunto da geografia“,

fazendo tal depender do “método a ser seguido, em particular o discernimento a ser

praticado entre os fatos que ela deve reivindicar como seu patrimônio, e aqueles que ela deve eliminar como parasitas (…)”.

O conjunto destas referências servem para recordar o entendimento deste autor em situar a geografia, nomeadamente a geografia política de Ratzel, “entre as diferentes

ciências que têm por objeto comum decifrar a fisionomia da Terra”. Para tanto as

exigências relativas à delimitação do domínio de estudo – não podendo “viver de uma

pequena fração da superfície terrestre” (V. la Blache, loc. cit.) - e a escolha do método

são fundamentais para que seja aceite a sua autonomia. A este respeito, precisa: “os fatos

da geografia política não são entidades fixas que basta registrar por uma simples constatação. Cidades e Estados representam formas que já evoluíram até chegar ao ponto em que as apreendemos, e talvez ainda estejam evoluindo. É preciso assim considerá-las como fatos em movimento.”

5

Antropogeografia – fundamentos da aplicação da Geografia à História

6

A Geografia Política: a propósito dos escritos de Friedrich Ratzel. In:

http://www.uff.br/geographia/ojs/index.php/geographia/article/download/81/79. 7JUL2015

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Ao determinismo imposto pela natureza sobre o homem, sugerido por Ratzel, defende este último autor o “possibilismo geográfico” resultante da sua relação e interdependência. É esta a relação entre os fenómenos terrestres que acentua a sua complexidade e permite entender as suas causas e consequências, a sua individualização face às outras ciências.

Perante a necessidade da sua afirmação no domínio científico, a identificação do método geográfico constitui uma das bases da afirmação da geografia. Contudo a diversidade de domínios em que esta se veio a interessar, nomeadamente os aspectos físicos da paisagem na sua ligação com as ciências naturais, ou para os seus traços humanos, conduzem à separação de cada um destes ramos sugerindo reflexões mais aprofundadas de natureza descritiva ou mais orientada para a identificação e explicação dos fenómenos humanos e das práticas sociais a eles associadas.

ÉTICA EM GEOGRAFIA

A afiliação dos interesses da Geografia com as ciências da natureza por um lado e as ciências sociais por outro, está conforme a evolução do pensamento científico e a afirmação de novas áreas deste conhecimento e em consonância com a tradicional divisão nas suas duas componentes principais: Geografia Física e Geografia Humana.

A resultante desta dupla perspectiva anima os defensores da síntese geográfica, como Orlando Ribeiro, que defende a sua “unicidade” (Ribeiro, 1970b, 73)8 - “a unidade da

Ciência é hoje apenas a unidade dos seus fins e da atitude dos que prosseguem a sua busca: a aproximação da verdade”. Por sua vez, a síntese, “objecto último do trabalho do geógrafo” (Ribeiro, 1968, 649) corresponde à “expressão de forças variadas, como parte constituinte de um todo que lhe importa compreender, como causa e consequência, nas múltiplas relações com outros fenómenos conexos” (O. Ribeiro (1960, 69)9

.

O conjunto destas questões leva-nos ao assunto central desta nota: a identificação do objecto e sobretudo do método em geografia, necessário ao aprofundamento da investigação neste domínio. Seguindo o pensamento de Emmanuel De Martonne (1953, 18)10, a geografia geral orienta-se pelos seguintes princípios:

8

Ribeiro, Orlando, Variações sobre temas de ciência. Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1970b.

9

Ribeiro, Orlando, Atitude e explicação em geografia humana. Porto, Galaica, 1960.

10

“Traité de Géographie Physique”, 1909. Na versão portuguesa, publicado em 1953, por Edições Cosmos (Lisboa)

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7

- “princípio de extensão”, assim formulado: “o estudo geográfico de um fenómeno

implica a preocupação constante dos fenómenos análogos que podem apresentar-se em outros pontos do globo”,

- “princípio de generalização”, segundo o qual “o estudo geográfico de um fenómeno

implica a preocupação constante dos fenómenos análogos que podem apresentar-se em outros pontos do globo”;

-“princípio da causalidade”, o qual, de acordo com o referido autor, “nunca

contentar-se com o exame de um fenómeno sem tentar remontar às causas que determinam a sua extensão e procurar as suas consequências (...)”.

Se atendermos à prática da Geografia Humana - entendida por Orlando Ribeiro (1960, p. 65), como o “ramo de saber que especialmente se ocupa da descrição e interpretação

das formas visíveis da superfície terrestre” e dos “espaços humanos

” -

esta vai permitir uma leitura adequada da “expressão humana das paisagens” e das marcas da civilização construídas pelas gerações passadas.

Seguindo as orientações deste autor, Ribeiro, (1970a, XVI)11, ”A Geografia é uma

ciência de observação: o seu fim é descrever e interpretar”. Por isso recorre à

observação de uma realidade física e humana, identificada pela diversidade das suas paisagens, por acidentes naturais, com um ‘habitat’ distinto, e núcleos de povoamento diferenciados, possíveis de apreciar através do recurso a mapas. Estes permitem a localização dos principais acidentes e fenómenos, a apreciação da sua extensão no espaço, da sua distribuição nos territórios vizinhos. Neste domínio o recurso à cartografia é fundamental, permitindo uma leitura ampla e diversificada dos fenómenos físicos e humanos expressos nos mapas e cartogramas.

Prossegue o mesmo autor (Ribeiro, 1960, 26), defendendo que “a maneira de utilizar

a natureza e de organizar o espaço (que é, no fundo, o seu modo de ‘habitar a terra)” –

resultantes da ‘civilização’ – servem-nos de base a uma descrição, exaustiva na sua forma e conteúdo, das continuidades e descontinuidades à escala terrestre, da identificação de fenómenos análogos na estruturação do território.

A interpretação é a tarefa que vai permitir entender as dinâmicas da natureza e da própria sociedade responsáveis pela transformação da paisagem terrestre. No dizer de O. Ribeiro (1970, 112), “Como em todas as ciências humanas, interpretar é menos

11

Ribeiro, Orlando (1970ª) - Ensaios de Geografia Humana e Regional. Lisboa, Livraria Sá da Costa.

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encontrar relações causais do que aproximar factos, sugerir encadeamentos, e deixar o caminho aberto à reflexão e à dúvida renovadora”, evidenciando a relação entre si, a sua

evolução e dinamismo.

A oportunidade da comparação permite aprofundar aspectos diversos relacionados com a observação geográfica. O “método comparativo” permite assim apreciar a prevalência dos mesmos fenómenos em contextos semelhantes, dando origem à construção de modelos Como assinalam Chorley e Hagget (1975, 3), o modelo é “uma

estruturação simplificada da realidade que apresenta supostamente características ou relações sob forma generalizada” (Op. cit., p. 4). Assim procederam Van Thunen,

Christaller, Reilly e Thiessen, Hagerstrand (cf: Chorley, R. J. e Hagget (1967)12.

Indo além das preocupações com a paisagem e a organização do espaço, a Geografia tende a dedicar-se cada vez mais ao estudo do homem na sociedade, na sua ligação com a história e cultura e relação com organização espácio-territorial. Esta é a nova geografia (Paul Claval, 1987, 86)13 que defende a emergência de uma nova geografia cultural e histórica, referida por este autor como “o complemento necessário ao esforço que a

geografia humana geral ou regional prosseguem”(loc. cit.).

Anteriormente já Pierre George (1977.I, 347)14 – seguindo Durkheim e o objecto da sua “Morfologia Social” (Girard, 1982, 135)15

que aproxima, pelo seu objecto e método de estudo, a geografia, a outras ciências sociais - havia defendido a “Geografia Sociológica” (op. cit., p. 348). De acordo com o referido autor esta deveria conduzir-nos, num primeiro momento, a entender “os quadros da morfologia social”; num segundo momento, identificar a “diversidade dos factos sociais e das combinações sociais no

mundo” (loc. cit.), fazendo realçar as especificidades e os “tipos regionais”.

Utilizando diversas fontes: directas, recolhidas pelo investigador ou então alógenas os dados utilizados constituem o nosso “sistema geográfico” de informação. A sua utilização permite à Geografia, como escreveu Ribeiro (1970, 51) ser “ao mesmo tempo, uma

12

Chorley, R. J. e Hagget, (1975) – Modelos socio-económicos em geografia. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo

13

Claval, Paul, Geografia do homem: cultura-economia-sociedade. Coimbra, Livraria Almedina, 1987.

14

George, Pierre, “Sociologia geográfica”. in: Gurvitch (1977) - Tratado de sociologia. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 1977 (II Vols), pp. 347-37.

15

Girard, Alain, “A demografia”. In: Gazeneuve, Vitoroff (1982) – Dicionário de Sociologia. Lisboa, Verbo, pp. 133-158.

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ciência de base e de convergência, um ponto de partida e um lugar de encontro: como uma encruzilhada, portanto, onde se chega e donde se sai por vários caminhos”.

A investigação deve conduzir a resultados ajustados que compete ao autor analisar à luz do quadro conceptual, do cumprimento do protocolo de investigação que inclua, no caso da recolha directa, de critérios de ordem ética de informação, da revisão crítica das fontes, do adequado procedimento metodológico que seja garante da validade e fiabilidade dos resultados.

Uma palavra para a prática da recolha de informação em Geografia. Neste domínio as regras imanentes da deontologia profissional obrigam à indicação dos autores e das obras essenciais ao desenvolvimento de um trabalho. Completando a muita informação recolhida junto dos sistemas de informação geográfica, sobretudo os de natureza cartográfica, estatística e documental, a explicação dos fenómenos sociais exige ainda a recolha directa de informação através da observação, da realização de inquéritos e de entrevistas o que exige uma dimensão ética na fase de recolha, de tratamento e de divulgação dos resultados.

Pensamos, a propósito, nos direitos dos cidadãos que colaboram nesses estudos e na postura que o investigador assume relacionada com os procedimentos que assume com os seus interlocutores nomeadamente no que concerne ao respeito pela dignidade e conhecimento dessas pessoas; às práticas diárias com os deveres de confidencialidade, validade e protecção de dados; à divulgação de resultados científicos; às suas relações com a comunidade académica.

Seguindo o rigor científico imposto pela investigação assim se cumpre a Ética em Geografia.

GEOGRAFIA COM ÉTICA?

Tal como anteriormente assinalado, a transversalidade da análise que se exige em Geografia leva a encarar o seu contributo, o seu pensamento e acção, como uma das ciências sociais relevantes para o estudo dos fenómenos sociais que afectam o nosso sistema social e político. Tal como a análise do território testemunha, a sua evolução e a estrutura compósita e diferenciada revelam, nos seus diferentes “níveis” de análise, sentimentos distintos de utilidade e apropriação do espaço físico, do espaço cultural e de relação. Estes inscrevem-se no território ao longo de diferentes gerações, como reflexo de

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diferentes actores, contextos e trajectórias de desenvolvimento, resultante da melhoria das condições de vida da população e da mudança das estruturas da sociedade.

Para a geografia a constatação desta realidade pode ser completada com uma acção directa e postura normativa baseada “na concepção do homem na sociedade e dos

objectivos comuns que a existência social deve realizar” (Birou, 1978, 153)16

, exigindo iniciativas concretas e estratégias para a sua remediação.

Como escreveu O. Dollfus (1973, 6)17, a análise do espaço geográfico, como “un

espace changeant et différencié dont l’apparence visible est le paysage », realça a

importância cada vez maior da acção “dos grupos humanos organizados e das suas

relações com o meio geográfico” (Martins. in: La Blache, 1954, “À guisa de Prefácio”).

Assim o reconheceu O. Ribeiro (1961, 14), ao assinalar que “as formas, os sítios, as

paisagens, constituem o campo de trabalho do geógrafo. Mas, partindo da observação, ele ascende ao homem, não só na sua vida hodierna como na longa caminhada que as civilizações percorrem no tempo, enriquecendo-se ou deteriorando-se”.

Tal representa o seu contributo como “um poderoso agente de transformação das

paisagens” (Ribeiro, 1970, 85) e actor na construção do território. Assim o entende O.

Dollfus (1973, 6) para quem: “l’espace géographique apparaît donc comme le support de

sythèmes de relations, les uns de déterminant à partir des données du milieu physique (...),» em relação constante com o tipo de civilização. O conjunto destas observações

sugere a relação cada vez mais estreita entre a Geografia, entendida por Pierre George (1972, p. 8)18, como “‘ciência humana’, tem por objecto o estudo global e diferencial de

tudo o que condiciona e de tudo o que interessa à vida das diferentes colectividades humanas que constituem a população do globo”, com as demais ciências sociais:

História, Sociologia, Economia, Demografia.

Como em tempo foi assinalado por Gurvitch (1979, 17)19, a Geografia é uma das ciências que permite conhecer a “crosta exterior da sociedade” e a marcha dos “fenómenos sociais totais” entendidos por este autor entendidos por este autor (op. cit., 27), como “totalidades reais em marcha, em movimento permanente” que permitem a leitura da base geográfica, demografia e cultural da sociedade. Esta é dominada por

“aparelhos organizados” (op. cit., 126), associados ao exercício do poder de diferente

16

Birou, A. (1976) – Dicionário das Ciências Sociais. Lisboa, D. Quixote (4ª Ed.)

17

Dollfus, Olivier, L’analyse géographique. Paris, PUF (Que sais-je, 1456), 1971

18

George, Pierre, Sociologie et géographie. Paris, Presses Universitaires de France, 1972.

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natureza exercido pelo governo central, pelos municípios, pelos stakeholders e por outros actores privilegiados.

Contudo à geografia não basta “saber pensar o espaço”: é necessário que os seus actores saibam compreender melhor as sociedades para que possam agir como profissionais e cidadãos responsáveis. Esta a leitura de vários autores – Philipponneau, Lacoste e George et alii. (1966)20. Ao defenderem a importância da geografia ativa, a proposta destes autores (op. cit, 24) dirige-se ao conhecimento de “situações” geográficas que traduzem a “relatividade das relações entre as acções humanas e o meio” e à afirmação da “geografia sintética ativa” (loc. cit.).

Tal resulta de um trabalho científico sendo distinta da aplicação dos “dados fornecidos

pela geografia, que é tarefa de administradores sensíveis por essência e por obrigação a outras considerações e a outras pressões, que as que decorrem da pesquisa científica”.

Neste caso a análise geográfica orienta-se mais para o conhecimento da mudança operada no passado e presente, das contradições sociais e obstáculos, das “tendências de

desenvolvimento e seus antagonistas” (op. cit., 30) com vista à preparação e “de um domínio do futuro”.

Completa esta referência o pensamento de J. B. Racine (2010)21 para quem “La

géographie se voulant science « active » (George, 1965), c’est-à-dire « dans la vie », et conçue comme étude réflexive et critique – comme toute entreprise scientifique –, cette réflexivité critique est invitée ici à déboucher sur un horizon qui peut-être la dépasse “.

Tal leva-nos a levantar uma outra questão: como se pratica a Geografia com Ética?

De acordo com J. B. Racine (2010): “Géographie, éthique et valeurs”22 a Geografia encerra “um valor em si” – ao incentivar uma análise cada vez mais compreensiva (Weber) das diferentes situações que têm lugar no palco da Nação e no seio da Sociedade. Como assinala este autor (op. cit., 2010),“La géographie, avant de servir « à

faire la guerre » a surtout été utilisée pour faire la Nation par l’intermédiaire de la matérialisation qu’apportaient la carte topo ou la carte en relief d’un pays partagé”.

20

George, P.; Guglielmo, R.; Lacoste, Y.; Kayser, B. (1964) – La geographie active. Paris, P. U. F. (V. brasileira - A geografia ativa (1966). São Paulo, Difusão Européia do Livro

21

J. B. Racine (2010): “Géographie, éthique et valeurs” In: http://gc.revues.org/1726

22

J. B. Racine (2010): “Géographie, éthique et valeurs” In: http://gc.revues.org/1726

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Esta leitura segue o pensamento de Lacoste (1976)23 de que a Geografia, “enquanto

descrição metodológica dos espaços, tanto sob os aspectos que se convencionou chamar ‘físicos’, como sob suas características económicas, sociais, demográficas, políticas (…) deve absolutamente ser recolocada, como prática e como poder, no quadro das funções que exerce no aparelho de Estado para o controle e a organização dos homens que povoam seu território e para a guerra”.

De acordo com o exposto cabe à geografia desempenhar uma função explicativa, de carácter compreensivo, sobre a realidade cultural e social dominante no território - quer se tratem de espaços rurais ou urbanos, onde os traços de unidade e, sobretudo, os de diversidade, que traduzem assimetrias espaciais e sociais, geradoras de desigualdades que acompanham as diferenças geográficas e naturais - mas também tomar parte activa nas propostas de alteração destas situações. Nestas circunstâncias o contributo da geografia, no seu pensamento e acção, como uma das ciências sociais relevante para o estudo dos muitos fenómenos que afectam o nosso sistema social e a encarar a aplicação prática desse aprofundamento.

Face ao anteriormente exposto o exercício da profissão de geógrafo exige, justamente, o cumprimento de métodos de análise adequados, assentes numa sequência lógica de apresentação e de exploração dos temas geográficos, económicos, sociais e ambientais, alicerçado na compreensão do homem e das suas marcas - vulgarmente conhecidas por traços da “civilização” - nos diversos contextos da “ecúmena”. Tal deve conduzir a estudos assertivos relacionados com as situações reveladoras de desequilíbrios geográficos, sociais e culturais dominantes e da postura crítica e de intervenção sobre a sua remediação.

De acordo com o proposto para reflexão na École d’Été de Géographie Sociale24 a investigação em geografia deve situar-se tanto nos domínios da disciplina, como do domínio público, “entre académisme et activisme (ou militantisme)” prosseguindo “le

cheminement d’une recherche et s’interroger sur les méthodes et les outils mobilisés aujourd’hui en sciences sociales, dans une démarche interdisciplinaire”.

23

Yves Lacoste (1976) – La géographie, ça sert, d’abord, à faire la guerre. Paros, Ed. Maspero

24

“L’espace social: méthodes et outils, objets et éthique” – École d’Été de Geographie Sociale; Université de Rennes, 2008. In: http://eso.cnrs.fr/_attachments/n-27-mars-2008-travaux-et-documents/2appel_contribution.pdf?download=true. 7JUL2015

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Esta é a ética que gostaríamos que acompanhasse a prática do geógrafo na actualidade balizada por um “código de práticas intelectuais e de acção”25 em prol do bem comum e defesa da casa onde habitamos. Uma exigência que acompanha as reflexões de V. M. Godinho (1964 – Geografia e Geografia Aplicada) sobre a necessidade de pensar os problemas humanos em função dos espaços e dos tempos geohumanos, “numa

‘geometria’ dinâmica una a múltiplas dimensões”26

.

Assim o entende também Claval (2013, 158)27 ao afirmar que “a geografia aparece

como um campo que se refunda permanentemente: porque o real muda (…), porque as mentalidades se transformam (…), e porque a imagem que fazem dos saberes populares, da ciência e de seu futuro evolui”. Seguindo do pensamento deste autor (Claval, 2008)28

caberá ainda a esta ciência a sua participação “à la construction d’un monde reconcilié

avec Dieu”?

Jorge Carvalho Arroteia 23OUT2015

25

“L’espace social: méthodes et outils, objets et éthique” – École d’Été de Geographie Sociale; Université de Rennes, 2008. In: http://eso.cnrs.fr/_attachments/n-27-mars-2008-travaux-et-documents/2appel_contribution.pdf?download=true. 7JUL2015

26

Phlipponneau, Michel (1964) – Geografia e acção: introdução à geografia aplicada. Lisboa, Cosmos

27Almeida, M. G. e Arrais, T. A. – Org. (2013) – É geografia, é Paul Claval. Arrais – Goiânia,

FUNAPE

In: http://projetos.extras.ufg.br/posgeo/wp-content/uploads/2013/09/e-geografia_e-paul-claval.pdf. 14JUL2015

28

Claval, Paul (2008) – “Religion et idéologie. Perspectives géographiques. Paris, Presses Universitaires Paris-Sorbonne (cit.: J. B. Racine (2010): “Géographie, éthique et valeurs”

Referências

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