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A historiografia (re)visita os sujeitos: uma breve análise do campo biográfico.

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uma breve análise do campo biográfico

uma breve análise do campo biográfico

uma breve análise do campo biográfico

uma breve análise do campo biográfico

uma breve análise do campo biográfico

Rodrigo Ribeiro Paziani*

* Professor dos cursos de História e Geografia da Fundação Educacional de Fernandópolis (SP). Coordenador de Pesquisa do Centro de Documentação e Pesquisa (CDP), pela mesma instituição. Professor do curso de pós-graduação em História da Faculdade Dom Bosco de Monte Aprazível (SP).

The historiography to revisit the citizens:

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one soon analysis of the biographical field

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RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO:

RESUMO: Nas últimas décadas, a biografia vem ocupando um lugar de destaque na historiografia, em virtude das novas perspectivas metodológicas assumidas por muitos historiadores diante da crise dos estruturalismos, dos estudos quan-titativos e das mentalidades. Por outro lado, o gênero biográfico conquistou um novo patamar graças às possibilidades abertas pela chamada “nova” história cultural (suas vertentes francesa, italiana e norte-americana) que se voltou decidi-damente para os valores de grupos particulares, em locais e períodos bem circunscritos, justificando assim a necessidade do “retorno” do papel dos sujeitos por meio das técnicas de narração, de estudos de caso, do cotidiano e da revisão da história política. Nosso trabalho pretende realizar uma breve discussão em torno da valorização do eixo biográfico. P

PP

PPALALALALALAAAAAVRAS-VRAS-CHAVRAS-VRAS-VRAS-CHACHACHAVE:CHAVE:VE:VE: Biografia, história, metodologia, campo temático.VE:

ABSTRACT ABSTRACT ABSTRACT ABSTRACT

ABSTRACT: : : : : In the last few decades, the biography occupies a place of prominence in the historiography, in virtue of the new methodological perspectives assumed by many historians facing of the structuralism crisis, the quantitative studies and the mentalities. On the other hand, the biographical genre conquered a new platform thanks to the possibilities opened by the called “the new” cultural history (French, Italian and North American sources) which turned decidedly toward the values of specific groups, in well circumscribed places and periods, justifying thus the necessity of the “return” of the subject role through techniques of narration, studies of case, the everyday and the revision of politics history. This paper intends to carry out a short discussion around the valorization of the biographical axle.

KEYWORDS: KEYWORDS: KEYWORDS: KEYWORDS:

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Introdução Introdução Introdução Introdução Introdução

Nas últimas décadas, a tão propalada “crise dos paradigmas” que se abateu sobre as ciências huma-nas e, especificamente, sobre a escrita da história, permitiu a explosão (muitas vezes, travestida de modismo) de estudos na área da cultura – ou, como diz Peter Burke, a “virada cultural” (Burke, 2005: 08)1

– surgidos na esteira da terceira e quarta gerações dos “Annales”, da historiografia marxista britânica, da história cultural norte-americana e da micro-his-tória italiana.

Por outro lado, desde o seu nascimento na Antigüi-dade até as décadas edificantes da história “metódi-ca” do século XIX e a crítica teórica e a renovação metodológica introduzida pelos “Annales” (especial-mente com Lucien Febvre), o gênero biográfico pa-recer ter sofrido face a tal “crise de paradigmas” um tratamento diferenciado no interior da historiografia. Parece.

Em livro recente, no qual enveredou-se por uma “ar-queologia” da história cultural, a historiadora Sandra Jatahy Pesavento teceu uma análise crítica das diver-sas correntes desta historiografia, suas múltiplas abor-dagens, objetos e domínios, com destaque para uma especial contribuição sintomática dos estudos de cultura (compreendida como o domínio do simbóli-co, das narrativas, dos discursos, das representações etc.): a presença de “campos temáticos de pesqui-sa”, dentre eles, história e literatura, cidades,

ima-gens, memória e identidades (PESAVENTO, 2003: 77-92). Curiosamente, a historiadora pouco dissertou acerca do campo biográfico2. Daí surge uma

indaga-ção: seria a biografia um “campo temático de pes-quisas”? Desenvolvimento Desenvolvimento Desenvolvimento Desenvolvimento Desenvolvimento

Sabe-se que a emergência dos estudos biográficos constituem um elo sensível das mudanças paradigmáticas sofridas por Clio entre as décadas de 1970 e 1980, especialmente a crítica ao método quan-titativo, às mentalidades e à voga estruturalista que dominou os círculos historiográficos franceses (Dosse, 1994)3. Ao lado de temas como o cotidiano,

ela representa ainda uma guinada metodológica nos estudos de “história cultural”, destacando-se o in-tenso diálogo com a antropologia social e a teoria literária (Levallois, 2002: 82).4

Graças à crise epistemológica que se abateu sobre as ciências humanas e, em especial, sobre a escrita da história, o gênero biográfico ganhou novo fôlego no interior do saber historiográfico, impulsionado, em grande parte, pela denominada “micro-história”. Existem algumas razões para se crer que tal perspec-tiva abra novas possibilidades de análise, mas tam-bém encete novos desafios.

É muito comum entre os historiadores o uso da pa-lavra “retorno” ao referirem-se à emergência dos estudos biográficos. Associada a outros dois

“retor-1 Segundo Burke (2005: 09): “A virada cultural é, ela mesma, parte da história cultural da última geração. Fora do domínio acadêmico, está ligada a uma mudança na percepção manifestada em expressões cada vez mais comuns, como ‘cultura da pobreza’, ‘cultura do medo’, ‘cultura das armas’, ‘cultura dos adolescentes’ ou ‘cultura corporativa’ [...] Diversas pessoas atualmente falam de ‘cultura’ a respeito de situações cotidianas que há 20 ou 30 anos teriam merecido o substantivo ‘sociedade’.”.

2 O mesmo pode-se dizer de Peter Burke que, em “O que é história cultural?” (2005), praticamente não menciona as possibilidades do campo biográfico, exceção feita a um pequenino trecho do capítulo 03, “A vez da Antropologia Histórica” (na página 61), em que trata dos estudos microscópicos elaborados por alguns historiadores italianos e franceses ligados à “micro-história”, em especial o reingresso das experiências individuais ou locais na história. 3 Falamos aqui da coleção em três volumes publicada no início da década de 1970 sob a organização de Jacques e Le Goff

e Pierre Nora com os títulos de “História: novos problemas”, “História: novos objetos” e “História: novas abordagens”. 4 Em contraposição ao estruturalismo dominante ainda nos anos de 1970, especialmente na França, tanto em sua vertente antropológica (Lèvi-Strauss), quanto psicanalítica (Freud/Lacan), que privilegiava a análise da estrutura inconsciente sobre a qual se fundava a existência do indivíduo, restando-lhe quase nenhum espaço de ação e racionalidade.

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nos” na historiografia, os da política (Remond, 2003; Ferreira, 1992) e da narrativa (Stone, 1979; Burke, 1992), a biografia (assim como a autobiografia) con-quistou um lugar indiscutível na sociedade moderna através do mercado editorial, das livrarias, de pro-gramas de televisão ou dos documentários cinema-tográficos.

Pode-se vislumbrar neste cenário de “retornos” al-guns dos paradoxos da (ou mesmo reações à) “globalização” contemporânea, casos da ascensão da intimidade e das relações interpessoais (face ao declínio da vida pública) (Sennett, 1998: 190-242), da valorização de “culturas regionais” e dos “conheci-mentos locais” (Geertz, 1989; Amado, 1990; Burke, 2005), da liberdade individual diante de normas apa-rentemente fixas e, finalmente, do reforço da ética individualista (Borges, 2005: 207). Mas, ao mesmo tempo, a idéia de retorno não parece consensual. Questionando essa tese, assim ponderou Vavy Pacheco Borges:

Na década de 1980 falou-se de um ‘retorno’ da biografia. No campo de estudo dos histori-adores, o que é por vezes apresentado como retorno não é, a meu ver, verdadeiramente um retorno. Narrações de vidas lineares e factuais existem há tempos [...] Esse tipo tem tido e continuará tendo sucesso (embora ten-tando inutilmente abarcar toda a riqueza in-comensurável de uma vida e dando uma vi-são simplificada e por isso mesmo falsificada de seu biografado) [...] Na verdade, a idéia de falar em retorno me parece algo bastante fran-cês [...] (BORGES, 2005: 207-208)

Por outro lado, o novo “status” da biografia, verifi-cado a partir da década de 1980, converge com as perspectivas historiográficas abertas pela “nova his-tória cultural”, cujas vertentes voltaram-se decidida-mente para os valores de grupos particulares, em locais e períodos bem circunscritos, justificando as-sim a necessidade do “retorno” da análise de “traje-tórias” por meio das técnicas de narração e da revi-são da história social e política (Duby, 1988; Rebeschini, 2006).

Se se trata de uma “das maneiras mais difíceis de fazer história”, no dizer de Le Goff, porque “con-fronta hoje o historiador com os problemas essen-ciais – porém clássicos – de seu ofício de um modo particularmente agudo e complexo”(Le Goff, 1999: 20), também não é menos verossímil afirmar que a biografia foi alvo de versões, reversões e controvér-sias não somente na historiografia, mas em outros “campos”, como a literatura e a filosofia.

Pode-se dizer que desde a Grécia antiga, vários fo-ram os pensadores – entre biógrafos, políticos, filólogos, filósofos, historiadores etc. – que debate-ram a relevância da biografia não apenas como mé-todo de apreensão do conhecimento (as idéias de “razão” e “verdade”), mas também enquanto gênero historiográfico propriamente dito (Loriga, 1998: 228-229; Momigliano, 1974).

Até meados do século XX, vários historiadores (es-pecialmente na França), seguindo os passos de François Simiand e, posteriormente, Claude Levi-Strauss, criticaram o “sujeito da filosofia”, ao mes-mo tempo em que se afastavam do ídolo individual e da ciência do singular para analisar as estruturas, as contingências, a geo-história e a história serial.

Se tais afirmações podem ser dirigidas às perspecti-vas macroeconômicas e aos modelos estruturalistas de Ernest Labrousse e Fernand Braudel, que tenta-ram construir uma “história sem atores” (Lepetit, 2001: 230; Burke, 1991; Dosse, 1994/2003), e à ter-ceira geração dos Annales, em sua defesa do estudo das “mentalidades” – ao privilegiar o coletivo ao in-vés do individual e por tratar as esferas da represen-tação e da ação de maneira separadas (Lepetit, 2001: 231) –, o mesmo não deve ser dito dos pais funda-dores dos Annales, especialmente Lucien Febvre que jamais defendeu a bandeira anti-biográfica, comba-tendo, isto sim, um certo “modelo” de indivíduo heroicizado e descontextualizado de seu mundo (Candar, 2000: 12-13; Febvre, 1970). 5

Nas décadas de 1970 e 1980, a biografia adquire nova roupagem com a “virada cultural” da historiografia

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britânica, francesa e norte-americana. Nomes como Daniel Roche, Georges Duby, Natalie Zemon-Davis, Judith Brown, Keith Thomas, Christopher Hill, para não citar outros, enveredaram-se, em maior ou me-nor grau, pela análise de trajetórias individuais.

As ressalvas, porém, não demoraram a aparecer. Na década de 1980, Pierre Bourdieu (1986 in Amado & Ferreira, 1996: 183-191) e Jean-Claude Passeron (1989) formularam algumas críticas àquilo que ambos deno-minaram de “ilusão” biográfica, ou seja, o liame das análises sociológicas (e quiçá históricas) aos parâmetros lineares, estáveis e reducionistas da “his-tória de vidas”:

[...] Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como o relato coe-rente de uma seqüência de acontecimentos com significado e direção, talvez seja confor-mar-se com uma ilusão retórica, uma repre-sentação comum da existência que toda uma tradição literária não deixou e não deixa de reforçar [...] (Bourdieu, 1986 in Amado & Ferreira, 1996: 185).

Em 1995, o historiador Bernard Lepetit saiu em de-fesa de um novo paradigma temporal das subjetivi-dades e da ação individual na história, ao publicar um polêmico artigo na revista francesa Espaces Temps

denominado “A história leva os atores a sério?” (Lepetit, 2001).

Partindo do pressuposto teórico-metodológico de que a historiografia francesa – tanto na “era Braudel”, quanto no auge das “mentalidades” – dedicou à esfe-ra da ação uma atenção deveesfe-ras limitada (por associá-la ao tempo curto e a uma suposta “cortina de

fuma-ça” da política), Lepetit reconhece que “O desapare-cimento do ator e a desqualificação de fato dos mo-delos de auto-instituição do social caminham jun-tos” (Lepetit, 2001: 235) e aponta para as contribui-ções do modelo interpretativo, hermenêutico, que introduz um princípio pragmático fundamental. Nele:

[...] Os atores sociais inscrevem-se num siste-ma de posições e de relações estabelecidas e definidas na situação, na interação que os une por um momento. Também as identidades sociais (o tecelão, o manufaturador) ou os elos sociais (instituídos, por exemplo, pela organi-zação técnica da produção ou por uma disci-plina de ateliê) não têm mais natureza, apenas usos. Isso significa que, dentro dos limites impostos pela situação, eles efetivamente ocorrem de maneira não monótona.

Definida desse modo, a sociedade encontra-se pri-vada de princípios de coerência a priori. Nenhuma determinação exógena, nenhuma estrutura macroscópica essencial (o Estado, a empresa ou a família; a nobreza ou a burguesia) assegura sua esta-bilidade, já que, a cada momento, elas se tornam aquilo que, provisoriamente, os homens e as mulhe-res engajados na ação fazem que elas sejam [...] (Lepetit, 2001: 239-240).

Mais recentemente, Jacques Le Goff (1999: 23-24) procurou escapar à “ilusão” denunciada por Pierre Bourdieu, logo na Introdução de sua obra São Luís, atentando para a dificuldade do empreendimento bi-ográfico e para a necessidade de articular a persona-gem ao contexto de seu tempo, aceitando tantos os acasos, quanto as escolhas e hesitações individuais, sem abandonar, contudo, um projeto de

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(re)construção de uma “história global” através da modalidade biográfica:

Habituado por minha formação de historiador a tentar uma história global, fui rapidamente tocado, pela exigência da biografia, a fazer da personagem em questão o que consideramos, Pierre Toubert e eu, um sujeito “globalizante” em torno do qual se organiza todo o campo da pesquisa [...] São Luís participa simultaneamen-te do econômico, do social, do político, do re-ligioso, do cultural; age em todos esses domí-nios, pensando-os de uma maneira que o his-toriador deve analisar e explicar – mesmo quan-do a busca quan-do conhecimento integral quan-do individuo em questão se torna uma “procura utópica” [...] (Le Goff, 1999: 21)

No rastro das concepções hermenêutica e “psicologizante” do sujeito – já presente em Dilthey, mas revertida a uma nova teoria da história por Febvre –, para Le Goff considerar a trajetória individual numa perspectiva “globalizante” significava reconhecer que “a época explica o indivíduo e o indivíduo exprime sua época” (REIS, 2000: 72). Ao escolher a figura monárquica de São Luís e afirmar que esta persona-gem participou e agiu, ao mesmo tempo, em todos os domínios, ele estava sugerindo ao historiador que reconhecesse nas escolhas, contradições, hesitações e decisões da personagem os contornos particula-res, porém concretos, de uma história “total”. (Le Goff, 1999: 21-24; Revel, 1998: 22).

Entretanto, a nosso ver, foi a chamada “micro-histó-ria italiana”, entre o final da década de 1970 e início dos anos de 1980, quem abriu novas possibilidades epistemológicas de discussão do gênero biográfico ao intensificar os diálogos com a antropologia soci-al, a lingüística e a semiótica e oferecer uma linha condutora “[...] que parte da microanálise de casos bem delimitados, mas cujo estudo intensivo revela problemas de ordem mais geral”. (Ginzburg, 1991: X; Levi, 1992: 133).

Conforme afirmou o historiador Henrique Espada Lima:

A micro-história foi formulada, nos seus prin-cípios, como um conjunto de proposições e

questionamentos sobre os métodos e os pro-cedimentos da história social, articulando dis-cussões esparsas em torno da relação com as outras ciências sociais [...] Um tecido de diálo-gos amplo e multifacetado que, em suas vári-as vertentes, era influenciado por proposições tão diversas quanto a historiografia francesa ligada à revista Annales, a história social britâ-nica, as tradições marxistas e socialistas italia-nas ou a antropologia social. Os termos do debate, após seus primeiros passos, passaram a agregar um espectro variado de temas e questões. Isso desde a crítica às noções globalizantes e abstratas da historiografia tra-dicional – chamando a atenção para a neces-sidade da redução da escala de análise, para as discrepâncias e ambigüidades dos contex-tos estudados pelos historiadores – até a reproposição do papel dos agentes históri-cos individuais, e o esforço de pensar um paradigma para a história por meio do méto-do “indiciário” (Lima, 2006: 16)

Segundo Roger Chartier (1991, 1994) ao renunciar à tradição durkheimiana das regularidades e normatizações sociais e criticar as “microfísicas” de controle ou de poder caras a Foucault, a micro-his-tória apostou nas representações e práticas dos su-jeitos na história (Chartier, 1991: 173-174) com o objetivo de apreender “[...] as racionalidades e as estratégias acionadas pelas comunidades, as paren-telas, as famílias, os indivíduos”(Chartier, 1994: 98 e segs.).

Deste ponto de vista, a guinada da “micro-história” conduziu a um esforço teórico-metodológico em destacar não apenas o valor heurístico das escalas e dos indícios aos historiadores, mas, em virtude mesmo destes aspectos, destacar também a “ressignificação” das singularidades na história (Lima, 2006: 17; Ginzburg, 1999).

No interior dos Annales, por sua vez, foi Georges Duby quem denominou, num contexto histórico se-melhante ao da micro-história, de “zona de sonolên-cia” (Borges, 2005: 209) ao estado em que permane-ceu a biografia, pelo menos na França, até a década de 1970. Embora propugnasse novas abordagens, novos problemas e novos objetos, a “Nouvelle

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Histoire” naquele contexto não conseguiu superar os cânones da história quantitativa.

Na década de 1980, com a re-emergência das rela-ções entre história e literatura (Levi, 1996: 168-170; Duby, 1993), historiadores italianos como Carlo Ginzburg (1991) e Giovanni Levi (2000) exploraram novas possibilidades de articular os fios e as tramas complexas que ligam o individual ao coletivo e vice-versa (Espig, 2006; Lima, 2006) ao “[...] apresentar de modo menos esquemático os mecanismos pelos quais se constituem redes de relações, estratos e grupos sociais”(Levi, 1996: 173), e enfatizar, inclusi-ve, as singularidades e as ações dos indivíduos den-tro do contexto histórico e do cotidiano de sua época (Ginzburg, 1991: 74-75).

Em A herança imaterial – obra publicada em 1985 e

que entrecruza micro-história e biografia histórica – Levi (2000) investigou a trajetória pessoal de um padre exorcista, de nome Giovan Battista Chiesa, no povoado piemontês de Santena no século XVII, atra-vés de uma interface entre as especificidades histó-ricas e o cotidiano de uma pequena cidade (e seus personagens) com os diversos contextos (político, social, psicológico, econômico etc.) “no” local (Geertz, 1989) e “para além” do local (Biersack, 1995: 125).

Para Levi, os raios de liberdade e de ação dos indiví-duos encontram-se além, mas nunca fora, das limita-ções impostas pelos sistemas normativos, sejam eles de ordem jurídico-institucionais, ou mesmo de or-dem social. Em artigo sobre os “usos” da biografia, ele define sintomaticamente o valor heurístico des-te gênero historiográfico:

A meu ver, a maioria das questões metodológicas da historiografia contempo-rânea diz respeito à biografia, sobretudo as relações com as ciências sociais, os proble-mas de escalas de análise e das relações entre regras e práticas, bem como aqueles, mais complexos, referentes aos limites da liberda-de e da racionalidaliberda-de humanas (Levi, 1996: 168).

Uma outra forma de apreendermos as nuances e os intercâmbios culturais entre local e global, individuo e sociedade, micro e macrossocial, talvez seja a de abordar a biografia na perspectiva de um “sujeito globalizante” (Le Goff, 1999: 21), proposta que não renuncia o desafio de estudar aquele “hombre com-pleto y en el marco de las sociedades que ha forja-do”de que falava Lucien Febvre (1970: 40).

Giovanni Levi (1996), Jacques Revel (1998) e Carlo Ginzburg (2006) demonstraram, por vieses específi-cos, que o redimensionamento da escala de obser-vação e de análise do objeto proposto pela micro-história, especialmente para aqueles que fazem “usos” do campo biográfico, não coaduna com os métodos que tentam enquadrar os indivíduos na malha das regularidades sociais, das “mentalidades” ou das ins-tituições de poder.

Sabina Loriga (1998: 249) fez uso do conceito de “bi-ografia coral” para conceber o singular como ele-mento de tensão de uma multiplicidade de movimen-tos e conflimovimen-tos sociais, enquanto Le Goff, na linha tênue entre história e narrativa, trabalhou com o “método biográfico”, porque “[...] mais ainda que os outros métodos históricos, (ele) visa a produzir ‘efeitos do real’ [...]”, aproximando-o assim do mé-todo do romancista(Le Goff, 1999: 21).

Conclusão Conclusão Conclusão Conclusão Conclusão

Sobre as recentes possibilidades de diálogo entre a história e a biografia, outros intelectuais como Gilles Candar (2000), Anne Levallois (2002), Philippe Levillan (2003) e Mônica Rebeschini (2006) realizaram um balanço crítico do gênero, procurando destacar sua contribuição para a requalificação do campo historiográfico (história e ciência política, história e psicanálise, história e literatura, história e sociolo-gia etc.), bem como apontar os limites metodológicos da “aposta biográfica”, notadamente a questão da legitimidade da autonomia do indiví-duo face às normas da sociedade (Loriga, 1998: 225-227).

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Enfim, se podemos afirmar que o “estatuto biográfi-co” na escrita histórica ainda é marcado por algumas lacunas, críticas e ponderações de âmbito epistemológico – como, por exemplo, os perigos de se cair num “individualismo metodológico” (Revel, 1998: 23; Passeron, 1989) – não menos verdade é a constatação de que ele vem possibilitando, há mais de uma década, uma reconstrução teórica dos paradigmas historiográficos (num contexto domina-do pela “crise domina-dos paradigmas”), uma renovação metodológica dentro dos campos temáticos de pes-quisa (graças à abordagem micro-histórica), bem como uma constante reflexão acerca do estilo narra-tivo dos próprios historiadores (ao menos, para os denominados “historiadores da cultura”).

Daí nossa desconfiança em relação aos postulados que defendem tanto as incongruências do gênero biográfico (como foi o caso de Pierre Bourdieu), quanto um “retorno” da biografia (Sgambati, 1995; Borges, 2005), em benefício de uma outra tese: a de que os estudos biográficos permitem uma reelaboração de sentidos e de significados qualitati-vos às pesquisas históricas – sinalizados pelo “mé-todo biográfico” de Le Goff exposto acima –, pois, conforme assinalou sabiamente Peter Burke: “Afinal de contas, podemos encontrar biografias, se não, [...] ‘em todas as épocas e países’, ao menos em muitas culturas e períodos”(Burke, 1997: 01).

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Referências

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