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A identidade LGB e o medo da intimidade: um retrato exploratório

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Academic year: 2021

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Agradecimentos

À minha mãe, por tudo quanto as palavras não são capazes de ilustrar, mas que nunca se iludirá aos gestos.

Ao meu pai e à Luísa, pela compreensão.

Ao meu irmão António, por me fazer querer ser o irmão que ele concebe.

À Margarida, pela paciência incomensurável. Ao Miguel, por me relembrar que quando gostamos, cuidamos.

Aos meus participantes, cuja boa vontade e paciência tornaram este estudo possível.

Às instituições que colaboraram comigo, a minha gratidão e o reconhecimento do mérito do vosso trabalho.

Aos meus amigos, não só pelos reacertos circadianos da fase final, mas também pelos reacertos e reajustes dos últimos cinco anos com que nos construímos em conjunto.

À Prof. Emília Costa, pela paciência e pelas revisões e reflexões durante estes dois anos. Garanto que me esforcei em simplificar a escrita.

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Abreviaturas

DP – desvio padrão

EDH – Ego dystonic homosexuality

FICQ – Fear of Intimacy Components Questionnaire FLO – fear of losing self; medo de perder o self FLS – fear of losing other; medo de perder o outro LG – lésbica e gay

LBG – lésbica, gay e bissexual

LGBIS – Lesbian, Gay and Bisexual Identity Scale LGBT – lésbica, gay, bissexual e trans-(género/sexual) N – número de sujeitos

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Resumo

Este estudo conjuga o modelo multidimensional da identidade LGB de Mohr e Fassinger, o modelo de stress de minorias de Meyer e a proposta integrativa do desenvolvimento da intimidade de Costa, pretendendo explorar a existência de relações entre as duas dimensões do medo da intimidade – medo de perder o self e medo de perder o outro – e as várias dimensões que compõem a identidade sexual LGB, com um foco particular na homofobia internalizada. O estudo explora, igualmente, a possível existência de relações entre o medo da intimidade e a autoidentificação no espectro heterossexual-homossexual, bem como entre o primeiro constructo e o número de parceiros nos últimos seis meses. Com este intuito foram aplicados o Fear of Intimacy Components

Questionnaire (Sobral & Costa, sub) e o Lesbian, Gay and Bisexual Identity Scale (Kendra

& Mohr, 2008) numa amostra de 163 indivíduos do sexo masculino.

Os resultados apresentados indiciam que a autoidentificação adquire um papel de relevo no desenvolvimento saudável da identidade homossexual, contribuindo para uma maior adaptação não só a nível intrapessoal como também na dinâmica entre o indivíduo e os seus contextos desenvolvimentais. Verificaram-se, suplementarmente, relações entre as várias dimensões da identidade LGB e o medo da intimidade, sugerindo que os modelos do

self e do outro se podem repercutir no desenvolvimento da identidade sexual destes

indivíduos. Os resultados foram, finalmente, discutidos e enquadrados na teoria subjacente.

Palavras-chave: homossexualidade, medo da intimidade, identidade, homofobia internalizada.

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Abstract

This study grounds itself on Mohr and Fassinger’s multidimensional model of the LGB iddentity, along with Meyer’s minority stress model and Costa’s integrative proposal of the development of intimacy, having aimed to explore the existence of relationships between the two dimensions underlying the concept of fear of intimacy – fear of losing the self and fear of losing the other – and the several dimensions that compose the LGB sexual identity. This study also explores the possible existence of connections between fear of intimacy and self-identification within the straight-gay spectrum, as well as connections between the first construct and the number of sexual partners in the last six months. Thus, the Fear of Intimacy Components Questionnaire (Sobral & Costa, sub) and the Lesbian,

Gay and Bisexual Identity Scale (Kendra & Mohr, 2008) were used in a sample of 163

homosexual males.

The results hint that self-identification acquires a main role in the healthy development of the homossexual identity, contributing not only to a better adaptation in an intrapersonal level but also in the dynamics between the individual and their developmental contexts.

Relationships between fear of intimacy and the several dimensions of LGB identity surfaced, pointing towards repercussions of the models of self and other within the development of these individuals’ sexual identity. The results were, finally, discussed and framed within the theory presented.

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Resumé

Cette étude combine le modèle multidimensionnel de l'identité LGB de Mohr et Fassinger, le modèle de stress de minorité de Meyer et la proposition intégrative de développer l'intimité de la côte, avec l'intention d'explorer l'existence de relations entre les deux dimensions de la peur de l'intimité – crainte de perdre l'individu et la peur de perdre l'autre – et les différentes dimensions qui composent l'identité sexuelle de LGB, en mettant l'accent sur l'homophobie intériorisée. L'étude explore également la possible existence d'un lien entre la peur de l'intimité et l'auto-identification dans le spectre hétérosexuel-homosexuel, ainsi que la construction de la première et le nombre de partenaires dans les six derniers mois. Avec cette commande étaient appliquées de peur d'intimité composants Questionnaire (Sobral Costa, sub) et les lesbiennes, Gay et bisexuels identité échelle (Kendra Mohr, 2008) dans un échantillon de 163 hommes.

Les résultats présentés suggèrent que l'auto-identification acquiert un rôle majeur dans le développement sain de l'identité homosexuelle, contribuant à une plus grande adaptation non seulement l'intrapersonnel niveau ainsi dans la dynamique entre l'individu et de leurs contextes du développement. Il y a, en outre, les relations entre les différentes dimensions de l'identité de la GCM et la peur de l'intimité, ce qui suggère que les modèles de soi et l'autre peuvent avoir un impact sur le développement de l'identité sexuelle de ces personnes. Les résultats ont été finalement discutés et encadrés dans la théorie sous-jacente.

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Índice

Capítulo I: De uma perspetiva a preto e branco ao colorir da intimidade 2

1. Homossexualidade – A tela que deixou de estar em negro 2

2. Identidade LGB – Traços que definem 6

3. Evolução dos traços: modelos úteis na compreensão da Identidade LGB na

Psicologia 7

3.1. Modelos desenvolvimentais 7

3.2. Modelos Multidimensionais 1

3.3. Modelo de Stress de Minorias 11

4. Medo da intimidade e homofobia internalizada – Traços que constrangem 14

4.1. Homofobia internalizada como stressor proximal 14

4.2. Impacto da Homofobia Internalizada 15

4.3. Proposta integrativa do desenvolvimento da intimidade 17

4.4. Intimidade e medo da intimidade 18

4.5. Cruzamentos e divergências 19

Capítulo II. Metodologia - A estrutura da tela 21

1. Introdução 21

2. Objetivos de investigação 21

3. Método 21

3.1. Amostra 21

3.2. Instrumentos 22

3.2.1. Formulário de Consentimento Informado 22

3.2.2. Questionário sociodemográfico 23

3.2.3. Fear of Intimacy Components Questionnaire (FICQ) 23 3.2.4. Lesbian, Gay and Bisexual Identity Scale (LGBIS) 24

4. Procedimentos 25

4.1. Recolha de dados 25

4.2. Análise dos dados 28

Capítulo III. Apresentação e discussão dos resultados – Esboços, riscos,

mistura de cores 29

1. Análise descritiva dos resultados 29

1.1. Dados sociodemográficos 29

1.2. Medo da Intimidade 31

1.3. Dimensões da identidade LGB 31

2. Análises Correlacionais 32

2.1. Correlações entre dimensões da identidade LGB e grupos etários 32 2.2. Correlações entre dimensões da identidade LGB e autoidentificação 32 2.3. Correlações entre dimensões da identidade LGB e número de parceiros 33 2.4. Correlações envolvendo os componentes do medo da intimidade

2.5. Correlações entre os componentes do medo da intimidade e as dimensões da identidade LGB

34

3. Análises Diferenciais 35

3.1. Análise de diferenças entre dimensões da identidade LGB e grupos etários 35 3.2. Análise de diferenças entre dimensões da identidade LGB e número de

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3.3. Análise de diferenças entre dimensões da identidade LGB e

autoidentificação 36

3.4. Análise das diferenças entre as dimensões do medo da intimidade e grupos

etários 37

3.5. Análise das diferenças entre as dimensões do medo da intimidade e número

de parceiros 37

3.6. Análise das diferenças entre as dimensões do medo da intimidade e

autoidentificação 37

4. Discussão dos Resultados 38

Capítulo IV. Conclusões - O emolduramento 43

1. Conclusões e considerações finais 43

2. Limitações e sugestões de investigação futura 44

3. Referências Bibliográficas – Inspirações 45

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Índice de Tabelas

Tabela 1 Caracterização da amostra relativamente à idade, estado civil e escolaridade

27

Tabela 2 Frequências das variáveis “autoidentificação” e “número de parceiros nos últimos seis meses”

28

Tabela 3 Médias das variáveis relativas ao medo da intimidade 29 Tabela 4 Médias das variáveis relativas às dimensões da identidade

LGB

29

Tabela 5 Correlações entre dimensões da identidade LGB e grupos etários

30

Tabela 6 Correlações entre dimensões da identidade LGB e autoidentificação

31

Tabela 7 Correlações entre dimensões da identidade LGB e componentes do medo da intimidade

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Índice de anexos

1. Consentimento informado

2. Fear of Intimacy Components Questionnaire 3. Lesbian, Gay, and Bisexual Identity Scale

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Introdução

A motivação para este estudo surge no sentido de legitimar a exploração das relações não heterossexuais, reconhecendo que estas se pintam de matizes semelhantes às relações heterossexuais.

O primeiro capítulo assume um cariz empírico, quantitativo, descritivo e exploratório, cujas temáticas centrais são os conceitos de medo da intimidade e homofobia internalizada, analisados numa amostra de 163 homossexuais do sexo masculino.

Os principais objetivos da investigação pretenderam: a) verificar se as várias dimensões da identidade LGB – em particular a homofobia internalizada – estão relacionadas com o grupo etário, autoidentificação ou número de parceiros; b) confirmar se existe uma relação entre o medo da intimidade e as várias dimensões da identidade LGB; c) explorar se existem relações entre as dimensões do medo da intimidade e a homofobia internalizada; d) constatar se existem relações entre as outras dimensões da identidade LGB e o medo da intimidade; e) verificar se existem relações entre o medo da intimidade e o grupo etário, autoidentificação e número de parceiros.

Consoante os contornos desta tela assumem a sua forma e esta se permite ser colorida, o presente trabalho poderá contribuir, ainda que modestamente, para o enriquecimento do que nela se tem vindo a plasmar.

Deste modo, a presente investigação organiza-se em quatro capítulos principais, considerando a seguinte estrutura: no primeiro concretiza-se um enquadramento conceptual com vista a permitir uma melhor compreensão dos traços que desenham as identidades LGB reconhecendo e valorizando a unicidade das suas experiencias, tanto ao nível individual como ao nível de pertença a esta comunidade. O segundo capítulo é dedicado à estrutura da tela onde se delineiam os passos principais da metodologia que constituiu o cavalete do retrato que se pinta. O terceiro capítulo adquire uma função de admirar e refletir acerca das silhuetas que emergiram neste processo exploratório. Por último passamos ao emolduramento da tela onde sugerimos novas aguarelas com as quais pintar posteriores retratos, a par das implicações que emergiram da presente pintura.

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Capítulo I: De uma perspetiva a preto e branco ao colorir da intimidade

A bandeira representativa do movimento LGBT, também conhecida por bandeira do arco-íris1 nasceu em 1978 e constitui-se originalmente por oito listas diferentes, cada uma com seu significado: rosa (sexualidade), vermelho (vida), laranja (cura), amarelo (luz solar), verde (natureza), turquesa (magia), azul índigo (serenidade) e violeta (espírito), mas num período de um ano, as cores rosa e violeta foram abandonadas. Mantem-se até hoje como um símbolo de diversidade, a cujo colorido não se pode ficar alheio.

Não tão colorido foi o trilho que a definição do conceito de homossexualidade foi percorrendo na história recente do ocidente, com reflexos múltiplos em todos aqueles que se encontravam, em termos de orientação e de identidade sexual, a tentar posicionar-se, e às suas experiências sexuais não normativas, num mundo a preto e branco.

1. Homossexualidade – a tela que deixou de estar a negro

Alfred Kinsey (1948, cit. in Brown & Fee, 2003), cujos contributos para a reflexão crítica sobre a sexualidade humana são reconhecidos e inequívocos, refere no seu livro

Sexual Behavior In The Human Male a propósito da etimologia do conceito nuclear para o

presente ponto desta dissertação, que "derivado da raiz grega "homo", em oposição à expressão do Latim para "homem", o termo ["homossexual"] enfatiza a semelhança entre os dois indivíduos que estão envolvidos numa relação sexual. O termo é (...) constituído à imagem do termo "heterossexual" — que se aplica a uma relação entre indivíduos de diferentes sexos — cuja antítese pretende representar”.

No entanto, uma definição literal tem necessariamente de ser complementada com uma abordagem científica. No seu artigo "Who's Gay? Does It Matter?", Savin-Williams (2005, in Frost & Meyer, 2009) contrasta a abordagem das ciências da saúde e da biologia com a perspetiva das ciências sociais, que incluem a psicologia. A primeira caracteriza-se por inferir a orientação sexual "com base no comportamento sexual no último ano ou desde a puberdade". O estabelecimento do critério de orientação sexual baseada no comportamento sexual leva o autor a apontar que um único evento de comportamento sexual relacionado

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com elementos do mesmo sexo coloca o indivíduo na categoria homossexual, sem contabilizar o contexto sexual, o que constitui sexo, a desejabilidade ou prazer associados ao ato ou a frequência da prática deste tipo de comportamentos. Simultaneamente, exclui indivíduos que se sintam atraídos pelo mesmo sexo mas que nunca tenham ido relações sexuais, bem como os indivíduos que mantenham relações apenas com indivíduos do sexo oposto apesar de sentirem atração por elementos do mesmo sexo. Alternativamente, o autor aponta que pode ser estabelecido o critério de atração sexual, não havendo, no entanto, consenso quanto à proporção das atrações de um indivíduo que devem ser direcionadas para o mesmo sexo, ou quanto à sua intensidade, para que este seja considerado homossexual.

Já no que se refere às ciências sociais, Savin-Williams (idem) sublinha que estas privilegiam a determinação da orientação com recurso à identidade sexual — gay, lésbica, bissexual, heterossexual ou outra. Ao excluir sujeitos que, manifestando atração e/ou comportamento orientado para o mesmo sexo, não se identifiquem como gay, lésbica ou bissexual, este critério não reúne as condições ideais. No entanto, a sua natureza contorna a necessidade de recorrer a uma categorização rígida imposta pelo observador e reporta-se à perceção do próprio indivíduo acerca da sua identidade enquanto critério de inclusão.

Apresentam-se pois, como cenário, orientações teóricas que, de acordo com o domínio de conhecimento de onde emergem, se cruzam, sobrepõem e por vezes se distanciam. No entanto, na sua obra intitulada “Born to be gay – a history of homosexuality” (2006), William Naphy sublinha a existência de duas questões transversais às reflexões que podem ser feitas no domínio global da sexualidade humana, e no particular da homossexualidade.

Naphy (ibidem) constata que a reflexão científica sobre a homossexualidade — nomeadamente no que diz respeito à sua etiologia — prima por dicotomias: homossexualidade vs heterossexualidade, onde a abreviatura de "versus" evidencia a oposição entre conceitos (o mundo a preto e branco) e apresenta a tradicional interrogação "nature vs nurture", comummente traduzida como "natureza vs ambiente" como pano de fundo para esta ponderação. Face a este panorama predominantemente polarizado, o autor acima referido acrescenta um outro debate: essencialismo vs construcionismo, num domínio essencial à abordagem da sexualidade que é a identidade sexual.

Como ilustração desta dicotomia na abordagem das temáticas subjacentes ao tema desta dissertação, transcreve-se um excerto:

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“Essentialists basically argue that there are such things as homosexuality, bisexuality

and heterosexuality. Societies may use various labels and may response in diverse ways to individuals that are homosexual, bisexual or heterosexual. However, the fundamental point remains that these are ‘real’ identities that are inherent (or essential) to individuals and the human condition. Constructionists, on the other hand, would argue that such terms (homosexual) are simply categories created by cultures and societies. They do not really exist apart from these labels. Thus, a ‘homosexual’ is someone who understands who and what she/he is as homosexual (or ‘gay’) because she/he lives in a society that labels her/his behavior in a certain way. In cultures where no such labels exist there would be no inherent categories or boundaries”. (Naphy, 2006, p. 9).

A História é testemunha deste imperativo essencialista, mas também da evolução que várias correntes das ciências médicas e psicológicas conseguiram empreender, na abordagem da homossexualidade.

No que diz respeito à História moderna da homossexualidade como um diagnóstico psiquiátrico, sobressai uma classificação que conceptualiza a homossexualidade em função de três categorias (Drescher, 1998a, 2002a): como variação da normalidade, como resultado de imaturidade e como patologia.

As teorias da variação da normalidade tratam a homossexualidade como um fenómeno que ocorre naturalmente: consideram os indivíduos homossexuais como tendo nascido diferentes, num registo semelhante aos indivíduos com uso predominante da mão esquerda, pelo que não reconhecem a inclusão da homossexualidade num manual de diagnóstico psiquiátrico.

Já as teorias de imaturidade consideram as expressões de homossexualidade como sentimentos ou comportamento típicos da juventude, como um passo normal em direção à heterossexualidade adulta. Idealmente, a homossexualidade é uma fase que se supera.

As teorias centradas na patologia consideram a homossexualidade adulta uma doença, uma condição que se desvia do desenvolvimento heterossexual designado "normal", como comportamento atípico de género. Procuram como explicação da “doença” defeitos internos ou agentes patogénicos externos (exposição hormonal intrauterina, excessiva maternalidade, paternidade inadequada ou hostil, abuso sexual). São estas as linhas de referência que incluíram até 1973 a homossexualidade no Manual de Classificação das

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Como exemplo desta evolução e sustentados na importância das categorias e rótulos na génese de classificações que, pretendendo-se objetivas e reificadoras, se vêm revelando frágeis e mutáveis, apresenta-se o percurso que dá conta da conquista que foi a exclusão da homossexualidade das edições do manual DSM.

Quando, em 1952, a APA publicou sua primeira edição do Diagnostic and Statistical

Manual of Mental Disorders (DSM), este classificava a "homossexualidade" como um

"distúrbio de personalidade sociopata". No DSM-II, publicado em 1968, a homossexualidade foi reclassificada como um "desvio sexual". No entanto, por volta de 1970, reclamando a dimensão não-patológica da homossexualidade, a investigação científica fez sucessivas chamadas de atenção à APA. Como Bayer (1981, 1987) observou, fatores exteriores e interiores a esta Associação conduziriam a uma reconceptualização da homossexualidade no manual de diagnóstico. Para além dos estudos realizados, pode assinalar-se o contributo do movimento anti-psiquiatria (Szasz, 1960) e mudanças na hierarquia da APA, com líderes mais jovens incentivadores de uma maior consciência social por parte da organização (Drescher, 2006a). No entanto, o mais importante catalisador para mudança de diagnóstico foi o ativismo gay que imputou à APA um contributo de relevo na estigmatização social anti-homossexual. Finalmente, em Dezembro de 1973, o Conselho de curadores a APA decidiu remover a homossexualidade do DSM, mas nem a mudança de diagnóstico ocorreu imediatamente, nem a patologização de algumas apresentações da homossexualidade cessou. No lugar da "homossexualidade", o DSM-II continha um novo diagnóstico: Perturbação de Orientação Sexual2 aplicável aos indivíduos com atração pelo mesmo sexo que viviam esta condição de forma angustiante e desejando a mudança (Spitzer, 1981; Stoller et al., 1973).

O novo diagnóstico serviu o propósito de legitimar a prática das terapias de conversão sexual, mesmo não sendo a homossexualidade considerada uma doença. Este também contemplava a possibilidade improvável de que uma pessoa infeliz com uma orientação heterossexual poderia procurar tratamento para tornar-se gay. Em 1980, o DSM-III abandonou o código SOD, substituído pela homossexualidade ego-distónica3 (Spitzer, 1981), que por sua vez, desapareceu na revisão seguinte, DSM-III-R, em 1987 (Krajeski, 1996). Ao fazê-lo, a APA aceita uma visão da homossexualidade variante da normalidade, concessão que não tinha sido possível 14 anos mais cedo.

2

Sexual Orientation Disorder (SOD) 3 "Ego Dystonic Homosexuality" (EDH)

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Estas conquistas relativas à exclusão do mundo das classificações das doenças psiquiátricas (um mundo em negro) não finalizaram o processo de clarificação e aprofundamento dos conceitos e dos entendimentos necessários a uma abordagem científica da homossexualidade.

Nesta linha de pensamento, encontra-se na revista Journal of Homosexuality (1984) a preocupação de V.C. Cass, quando se refere ao estado da arte de então na seguinte transcrição:

“Despite the fact that the concept homosexual identity has been used extensively in the

literature on homosexuality since the late 1960s, investigators have shown little concern for defining or discussing the manner in which it is used. As a result, the study of homosexual identity has been characterized by confusion, disarray, and ambiguity. A multiplicity of terminologies makes comparisons between studies difficult. There has been little attempt to place theoretical proposals or data within the framework of existing psychological literature on identity” (p.105).

Hoje, quase 30 anos volvidos, a produção de conhecimento no âmbito das populações LGBT clarificou em muito a indefinição de contornos, o acumular de sombras que caracterizavam este domínio. A exclusão, a estigmatização, a patologização que contribuíram para o negro que tingia o fundo desta tela passaram a coexistir com movimentos que trouxeram formas, cores e luz, num registo de acrescento constante, de transformação e de desafio ao mundo a preto e branco das dicotomias e dos opostos.

2. Identidade LGB — Traços que definem

Quando nos debruçamos sobre um tema ou conceito que temos o privilégio de observar em progresso — assumindo a metáfora da produção de algo colorido e luminoso numa tela negra — torna-se patente a necessidade de linhas básicas, pinceladas de diferentes matizes que se vão sobrepondo e configurando um espaço em que a ausência de cor deixa de fazer sentido. No que respeita à identidade LGB, estes correspondem aos vários modelos que se dedicaram à reflexão sobre esta temática no domínio da Psicologia.

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3. Evolução dos traços: os modelos compreensivos da identidade LGB na psicologia

A identidade é concebida por Erikson como a principal tarefa desenvolvimental da adolescência e do início da adultez, no quinto estádio da teoria de desenvolvimento psicossocial proposta pelo autor. Este conceito, construído e revisto ao longo de toda a existência do indivíduo contribuindo para um sentido coerente do self, inclui segundo Worthington, Navarro, Bielstein Savoy e Hampton (2008) papéis desempenhados pelo sujeito que incluem, entre outros (género, raça, etnia, classe social, espiritualidade), a sexualidade. A identidade sexual constitui, na óptica destes autores, um dos componentes do constructo mais amplo da identidade.

As abordagens na investigação em psicologia sobre as identidades homossexuais e bissexuais alteraram-se dramaticamente nos últimos 60 anos. As primeiras conceções sobre identidades LGB em psicologia foram pautadas por um viés patologizante (Clarke, Ellis, Peel e Riggs, 2010 cit. in Oliveira, Lopes, Costa & Nogueira, 2012). Estes estudos foram criticados por Hooker (1957), Hopkins (1969) e Siegelman (1972; cit in Oliveira et al, 2012) que evidenciaram o viés destas conceções. No entanto, a linha de argumentação proposta era sustentada na comparação sistemática entre homossexuais e heterossexuais com o intuito de provar que os homossexuais e lésbicas eram psicologicamente saudáveis, ilustrando a heteronormatividade subjacente a estas investigações (Warner, 1953, cit in Oliveira et al, 2012). Verificou-se, portanto, a transição de uma perspetiva objetivamente patologizante para uma abordagem que, não considerando a homossexualidade uma doença, partia do pressuposto de que a normatividade se encontra na orientação para o sexo oposto. As orientações não-heterossexuais são contrapostas ao critério heterossexual, sem reconhecimento da legitimidade da sua natureza única.

3.1. Modelos desenvolvimentais

Emerge posteriormente, na década de 1980, uma mudança de paradigma teórico, com a apresentação de modelos baseados na psicologia afirmativa LGB. Esta abordagem, que reconhece os processos de formação da identidade não-heterossexual como normativos, pretende definir-se como "um conjunto de princípios que norteiam a intervenção junto de indivíduos LGB" (Carneiro, 2006) e foca-se na descrição das identidades sexuais LGB postulando que "a homossexualidade e bissexualidade se apresentam como modos de estruturação tão válidos e passíveis de vivência satisfatória e gratificante quanto a

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heterossexualidade, tentando descentrar as preocupações do saber psicológico das noções de défice ou patologia para o reconhecimento do modo como as configurações heterossexistas e homofóbicas dos contextos socioculturais, ideológicos e políticos são justificativas das dificuldades levantadas ao desenvolvimento e integração da identidade sexual não-heterossexual" (ibidem). Torna-se assim evidente que a ênfase no ambiente do

sujeito é um pilar desta perspetiva teórica: o núcleo do problema não é a orientação sexual

do indivíduo, mas o preconceito irracional, homofóbico, do meio onde ele se desenvolve (Moita, 2001).

Os primeiros modelos de identidade não-heterossexual (Cass, 1984; Coleman, 1982; Fassinger e Miller, 1996; Troiden, 1979; in Oliveira et al, 2012), focados apenas na identidade gay e lésbica, estruturaram a formação da identidade LG como um processo desenvolvimental, dividido em estádios que culminam na assunção completa da identidade. Estes modelos iniciais reconhecem uma influência relativa do contexto do indivíduo, já que um dos pressupostos do desenvolvimento de uma identidade LG positiva e segura é lidar com o estigma de ser homossexual em sociedades heterossexistas (Clarke et al, 2010 in Sherry, 2007). No entanto, Oliveira e colaboradores (2012) apresentam algumas críticas à abordagem desenvolvimental da identidade e aos modelos até lá apresentados, na medida em que estes deixam espaço para o que constitui (segundo Conler e Hammack, 2007 in Oliveira et al, 2012) a "narrativa de luta e sucesso", disposta como um percurso individual de conquistas pessoais, não reconhecendo o papel fulcral que as dimensões social, económica, cultural e política desempenham na constituição identitária.

Complementarmente, os modelos desenvolvimentais assentam no pressuposto de que a sexualidade e identidade são biologicamente determinadas ou adquiridas muito precocemente e que ao indivíduo apenas cabe suprimir, negar, reconhecer e/ou aceitá-las (Clarke et al, 2010, in Oliveira et al, 2012). Este mesmo pressuposto não reconhece a identidade como sendo construída e concretizada sob normas sociais e interações interpessoais (Oliveira et al, 2012). Finalmente, a conceptualização dos modelos em estádios pressupõe uma constância e estabilidade que não são completamente suportadas pela investigação subsequente (idem).

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3.2. Modelos multidimensionais

Assim, os modelos desenvolvimentais em estádios deram lugar a modelos mais recentes que, valorizando o contributo dos seus antecessores no reconhecimento e valorização da identidade sexual como um processo diacrónico, focam-se nos componentes multidimensionais das identidades sexuais, acarretando consequentemente uma nova mudança paradigmática. O modelo da identidade gay e lésbica de Mohr e Fassinger4 identifica sete componentes da identidade LGB: (a) insatisfação identitária, que mede o grau em que os indivíduos avaliam a sua orientação sexual LGB; (b) incerteza identitária, focada na confusão e estabilidade quanto à orientação; (c) sensibilidade ao estigma, centrada em expectativas ansiogénicas de rejeição com base na sua orientação sexual; (d) centralidade da identidade, que diz respeito à importância da identidade sexual e das noções da orientação sexual na vida do sujeito; (e) dificuldades no processo identitário, patentes na perceção dos desafios encontrados na formação da identidade LGB; (f) motivação para a dissimulação identitária, assente na ocultação da sua identidade no seu contexto; e (g) superioridade identitária, relacionada com a perceção da orientação LGB enquanto possuindo mais valor que uma orientação heterossexual (Oliveira et al, 2012).

A identidade é concebida pelos autores como "a identificação do self enquanto pessoa LGB, bem como a identificação com valores, crenças, traços ou comportamentos e vinculações que o indivíduo associa ao coletivo LGB" (Mohr e Fassinger, 2006).

O modelo multidimensional de Mohr e Fassinger apresenta-se como relevante por várias razões. Em primeiro lugar, este modelo alicerça-se num corpo de teoria e investigação que reconhece que as dificuldades sentidas pelos indivíduos LGB se devem à intolerância e marginalização societais (Oliveira et al, 2012), que considera as expectativas do indivíduo acerca da sua própria estigmatização, bem como as suas motivações e esforços para esconder a sua orientação e identidade sexuais (Kendra e Mohr, 2008; Mohr e Fassinger, 2000; Mohr e Daly, 2008 cit in Oliveira et al, 2012) e que discutem aspetos da identidade que enfatizam a hostilidade tanto do clima social em geral como das normas culturais que caracterizam a orientação sexual como um conceito dicotómico. Por fim, o modelo apresenta-se como útil ao providenciar uma operacionalização eficaz sob a forma da escala LGBIS.

4 modelo apresentado em 2000 — e simultaneamente operacionalizado na LGIS: Lesbian and Gay Identity

Scale —, revisto em 2006 para incluir a identidade bissexual e operacionalizado em 2008 por Mohr e Kendra sob a forma da LGBIS: Lesbian, Gay and Bisexual Identity Scale.

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O foco específico no primeiro componente referido, a insatisfação identitária, deve-se ao facto de este se apresentar na revisão da literatura como uma dimensão da identidade sexual do indivíduo derivada das suas circunstâncias contextuais, em particular do estigma social percepcionado, progressivamente incorporado na sua realidade individual. Este primeiro componente constituirá um pilar do presente trabalho, dada a sua ênfase na interiorização do estigma percebido.

A construção desta identidade sexual estigmatizada desenvolve-se num fluxo orgânico simultâneo ao processo através dos quais o indivíduo imbui de significado as suas experiências de vida, que os interliga. De acordo com Gagnon & Simon (1977), Lewin & Helmius (1983), Helmius (1990), Lewin (1991), Træen (1993) (cit. in Træen & Sørensen, 2000), as expressões da sexualidade são aprendidas e internalizadas através de um processo de socialização sexual: desde cedo aprendemos onde, quando, com quem e com quantos outros podemos exprimir a nossa sexualidade biologicamente alicerçada (Træen & Sørensen, 2000). A socialização sexual pode ser vista como um processo de aprendizagem do modo através do qual se forma uma associação entre determinadas atividades sexuais e significados específicos (Mead, 1962; Gagnon & Simon, 1977, Træen, & Sørensen, 2000). Enfatizando a determinação social das expressões sexuais, Træen e Sørensen (idem) estabelecem que os comportamentos que se desviam do que é percebido como "normal" e "natural" são melhor compreendidos como uma "contravenção das normas sociais" que como comportamentos "anti-natura" ou "anormais".

Em sintonia com a socialização sexual e a interiorização das perceções sociais das orientações não-heterossexuais que lhe é subjacente, Savin-Williams e Diamond (2000, in Mohr & Fassinger, 2006) reconhecem que o processo de desenvolver uma identidade lésbica, gay ou bissexual pressupõe lidar com o estigma social concomitante e se inicia bastante antes da primeira relação romântica da maioria dos indivíduos LGB.

Sullivan (1953 in Costa, 2005) estabelece que, na puberdade, as experiências de intimidade potenciam a validação do mundo interior do adolescente, "um processo fundamental para a construção da identidade" (Costa, 2005); este processo, que decorre no estádio de desenvolvimento psicossocial imediatamente anterior ao estádio cuja crise é a intimidade, produzirá uma identidade mais ou menos integrada do indivíduo. No caso de um indivíduo LGB, as suas experiências de intimidade assumem-se como um espaço paradoxal, no qual as experiências com o mesmo sexo poderão ser positivas, mas o juízo

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3.3. Modelo de stress de minorias

Os indivíduos LGB deparam-se, portanto, com o desafio de desenvolver uma identidade positiva face a uma realidade de estigma social e marginalização (Mohr & Kendra, 2011). Historicamente, de acordo com Meyer (2003), o estigma que envolve a sexualidade colocou um fardo nos ombros dos indivíduos que não se (auto-)identificam como heterossexuais, referidos coletivamente como "minorias sexuais". A teoria de Stress de Minorias (ibidem), apresentada pelo autor, providencia um enquadramento conceptual útil para compreender o impacto potencialmente prejudicial que várias manifestações de heterossexismo podem ter em relações românticas do mesmo sexo (Szymanski & Hilton, 2013).

Alicerçando-se no substrato teórico da psicologia e sociologia que sugere que o indivíduo deve ser observado em interação com o seu ambiente social (Allport, 1954, in Meyer, 2003), o autor afirma que o conceito de stress social expande as teorias de stress existentes ao sugerir que o ambiente social (e não apenas eventos pessoais) é uma fonte de stress que pode levar a consequências de saúde mental e física.

Assim, um contexto ansiogénico pode ter um impacto significativo nas vidas de pessoas pertencentes a categorias sociais estigmatizadas, incluindo categorias relativas ao estatuto socioeconómico, raça ou etnia, género ou sexualidade: preconceito e discriminação relacionados com estes elementos, tal como mudanças precipitadas por eventos de vida pessoais, podem requerer adaptação e consequentemente ser conceptualizados como ansiogénicos (Allison, 1998; Barnett, Biener, & Baruch, 1987; Clark, Anderson, Clark, & Williams, 1999; Meyer, 1995; Mirowsky & Ross, 1989; Pearlin, 1999b in Meyer, 2003).

Deste modo, os indivíduos pertencentes a estes grupos sociais de estatuto minoritário podem, em última análise, experienciar stress excessivo e eventos de vida negativos, induzindo ou exacerbando problemas de saúde física, mental e relacional (Szymanski & Hilton, 2013).

Partindo da definição de stressores como "quaisquer factores ou condições que levem à mudança e requeiram adaptação por parte dos indivíduos" (Dohrenwend, 1998; Lazarus e Folkman, 1984; Pearlin, 1999; in Frost & Meyer, 2009), os stressores de minoria são então conceptualizados como "constrangendo indivíduos que se encontrem numa posição social desvantajosa, por requererem adaptação a um ambiente social inóspito, como o ambiente social heterossexista de um indivíduo LGB" (Meyer, Schwartz e Frost, 2008).

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Meyer (2003) afirma que o stress de minorias deriva de sistemas, instituições e processos socioculturais subjacentes e relativamente estáveis fora do alcance do indivíduo, em oposição a circunstâncias individuais ou eventos que caracterizam os stressores gerais, ou de características biológicas da pessoa. Complementarmente, o autor caracteriza este fenómeno como "único, crónico e baseado socioculturalmente", exercendo uma pressão complementar aos stressores gerais experienciados por todas as pessoas e requerendo, portanto, maior adaptação.

Szymanski e Sung (2010) exemplificam a realidade da população LGB nesta óptica: viver num contexto heterossexista cria um fluxo contínuo de eventos ansiogénicos que podem forçar muitos indivíduos homossexuais ou bissexuais a manter-se constantemente vigilantes pela sua segurança física, psicológica e relacional, possuindo muito pouco controlo sobre estas experiências.

O modelo do Stress de Minorias estabelece um contínuum de proximidade ao self ao longo dos quais os processos de stress de minorias se dispõem. Stressores mais distais do

self (também designados por "stressores externos") são considerados stressores objectivos:

eventos e circunstâncias que acontecem independentemente das ações e características do indivíduo.

Assim, para o indivíduo LGB, estes stressores são baseados no ambiente heterossexista, expresso em experiências de preconceito, rejeição, assédio, discriminação e violência baseada no seu estatuto minoritário (Meyer, 2003), tanto no que concerne aos seus contextos sociais imediatos (podendo experienciar ou antecipar tratamento preconceituoso e discriminatório proveniente de familiares, pares e da comunidade — Bauermeister et al, 2008; Herek e Capitano, 1999 in Bauermeister, Johns, Sandfort, Eisenberg, Grossman, & D’Augelli, 2010) como no contexto macrossocial.

A significação social da homossexualidade é consideravelmente enfatizada pelo facto de que tanto o cristianismo como o judaísmo considerarem, ao longo da sua história, este aspeto da sexualidade humana como sendo anormal e imoral (Kinsey et al, 1948 cit. in Brown & Fee, 2003). Adicionalmente, o debate atual a nível internacional sobre os direitos ao casamento homossexual cria uma "tirania da maioria" (Riggle, Thomas e Rostosky, 2005 cit. in Frost & Meyer, 2009) que é por si só psicologicamente prejudicial para os indivíduos LGB, ao desvalorizar as relações deste cariz e consolidar o que Meyer e Dean (1998, cit. in Frost & Meyer, 2009) designaram por "estruturas de oportunidade

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Por outro lado, apesar de os indivíduos LGB estarem a ver reconhecidos direitos que não tinham e de o estigma social que envolvia a vida LGB estar a declinar (Savin-Williams, 2005 cit. in Frost & Meyer, 2009), as representações negativas das relações íntimas homossexuais persistem: atitudes negativas e mitos socialmente construídos associados à estigmatização das orientações sexuais para o mesmo género são prontamente absorvidas pela identidade homossexual, que incluem "a maioria dos homens homossexuais é efeminada", "todos os homens homossexuais são infelizes, sozinhos e perturbados psicologicamente", "as relações homossexuais masculinas nunca duram", "as orientações sexuais direcionadas para o mesmo género não são naturais" (McVinney, 1998 cit. in Dew & Chaney, 2005), "indivíduos LGB são incapazes de intimidade e de manter relações a longo prazo" e "indivíduos LGB são suscetíveis de morrer sozinhos e sem família" (Meyer e Dean, 1998 cit. in Frost & Meyer, 2009).

Os stressores de minoria distais ou objetivos fazem-se acompanhar pelos stressores proximais (ou "stressores internalizados"; Meyer, 2003), que incluem a ocultação da orientação sexual, expectativas de rejeição devido à identidade de minoria sexual do sujeito e a homofobia internalizada. Esta última é referida como "o mais insidioso dos processos de stress de minorias no sentido em que, originando no entanto nas atitudes sociais heterossexistas [um fator ambiental externo], pode tornar-se auto-generativo e persistir mesmo quando os indivíduos não estão a experienciar desvalorização externa direta" (Meyer e Dean, 1998, cit. in Frost & Meyer, 2009).

Delineados os traços que definem o conceito nuclear de Identidade LGB — ainda que em forma de esboço pelo espaço confinado desta dissertação — evidencia-se que a tela assumida como metáfora das abordagens à intimidade LGB, associada ao negro pelo cariz patologizante e pelo potencial estigmatizante acima referidos, se apresenta com alguns rasgos de cor e de luz; não deixa de assumir, no entanto, a forma de projeto em curso, de obra inacabada, que assim permanecerá mesmo quando repleta de cor, por representar um domínio da experiência humana que reflete uma configuração complexa de fatores individuais, sociais, políticos, religiosos na sua génese e evolução.

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4. Medo da Intimidade e Homofobia internalizada e medo da intimidade — Traços que constrangem

No ponto anterior foram apresentados os modelos de reflexão sobre a Identidade LGB como traços de cor que se sobrepõem ao negro. No atual, são introduzidos dois conceitos que metaforicamente limitam a experiência plena da intimidade por indivíduos LGB, como se dos contornos da tela se tratasse. O espaço relacional e a vivência da intimidade refletem os constrangimentos externos e são estas linhas que definem a área disponível para que, em cada caso, a cor e as formas possam distinguir-se.

4.1. Homofobia internalizada como stressor proximal de minorias

A homofobia internalizada (também designada na literatura por homonegatividade internalizada5 e heterossexismo internalizado6) enquadra-se no modelo de stress de minorias como um stressor proximal e é definida como a interiorização das atitudes negativas relativas à homossexualidade que resultam da exposição a atitudes, crenças, mensagens e instituições heterossexistas, por parte do indivíduo membro de uma minoria sexual (Meyer, 2003).

Shidlo (1994, cit. in Smolenski, Diamond, Ross & Rosser, 2010) postula que a sua génese se reporta à aquisição precoce de estereótipos e atitudes negativas acerca de pessoas homossexuais, vindos da sociedade em geral, atitudes estas que contribuem para uma impressão negativa do self a respeito da sua identificação enquanto gay, lésbica ou bissexual mais tarde na vida. Herek (2004, cit. in Frost & Meyer, 2009) caracteriza, complementarmente, a homofobia internalizada como "um conflito intrapsíquico entre experiências de afeto ou desejo por indivíduos do mesmo sexo e a sensação de necessidade de ser heterossexual".

Como já foi referido, apesar de a homossexualidade ter sido removida do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) em 1974, a partir da sétima

5

Ross & Rosser (1996), D’Augelli et al, (2001), Sherry (2007), Dew & Chaney (2005), Worthington et al (2008), Frost & Meyer (2009), Ahmad & Bhugra (2010), Smolenski et al, (2010), Ross et al (2010), Wang & Schale (2010) e Mohr & Kendra (2011)

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impressão da sua segunda edição, o manual manteve inicialmente uma perturbação psicossexual designada por "homossexualidade egodistónica". Esta "perturbação" referia-se à prereferia-sença de distress persistente num indivíduo, atribuído à sua preferência pelo mesmo sexo e à sua dificuldade em iniciar ou manter relações heterossexuais, bem como ao experienciar de uma necessidade premente de mudar o seu comportamento ou, pelo menos, de aliviar o distress associado à sua preferência homossexual (Cameron, Collins, Drinkwater, Hickson, Reid, Roberts, Stephens & Weatherburn, 2009), incluindo o que é atualmente descrito como homofobia internalizada (Cabaj, 1998 cit. in Ross & Rosser, 1996). Foi posteriormente concluído que, "uma vez que seria racional e normal as mulheres lésbicas e os homens homossexuais desejarem não sofrer o distress do abuso e da hostilidade, a retenção desta "perturbação" no manual foi objeto de discussão extensa entre 1973 e 1987" (Cameron et al, idem), ocasião em que a "homossexualidade egodistónica" foi retirada do manual.

Em consonância com o Modelo de Stress de Minorias, Russell e Bohan (2006) consideram a homofobia internalizada na sua origem social derivada do heterossexismo e preconceito sexual prevalecentes, e não de patologia interna ou de um traço de personalidade, apesar do seu carácter internalizado e insidioso.

O reconhecimento da homofobia internalizada enquanto fenómeno comummente experienciado no processo de desenvolvimento da identidade LGB remonta aos modelos desenvolvimentais da identidade LGB (Cass, 1979; Fingerhut, Peplau, & Ghavami, 2005; Mayfield, 2001; Rowen & Malcolm, 2002; Troiden, 1979, 1989, cit. in Frost & Meyer, 2009) e estende-se até ao modelo multidimensional de Mohr e Fassinger (2006): Oliveira et al, 2010) referem uma correlação forte e positiva entre a sub-escala de insatisfação identitária do LGBIS (instrumento que consiste na operacionalização do modelo; Mohr & Kendra, 2008) e a Internalized Homophobia Scale de Martin e Dean (1992).

4.2. Impacto da homofobia internalizada

A homofobia internalizada repercute-se no indivíduo em várias dimensões da sua vida: Frost e Meyer (2009) menciona investigações de Allen e Oleson (1999), Herek, Gogan, Gillis e Glunt (1998), Meyer e Dean (1998) e de Rowen e Malcolm (2002) que indiciam um impacto deste fenómeno no autoconceito dos indivíduos LGB, nomeadamente na sua saúde mental e bem-estar, e o próprio modelo de Stress de Minorias conceptualiza este

(26)

fenómeno como um stressor que causa problemas de saúde mental, incluindo sintomas depressivos (Meyer, 2003).

Por seu lado, Martin, Dean, Garcia e Hall consideram este stressor um dos maiores impedimentos à saúde mental dos homossexuais, devido à sua influência na autoestima, elaboração de defesas, integridade psicológica e formação da identidade (1989, cit. in Dew & Chaney, 2005). De acordo com Frost e Meyer (2009), o modo como a homofobia internalizada se faz sentir no indivíduo pode levar, na sua forma extrema, à rejeição da própria orientação sexual (um dos componentes da identidade sexual). Na perspectiva de Meyer (2007 cit. in Mohr & Kendra, 2011), diferenças individuais na adaptação a uma identidade estigmatizada podem ter consequências significativas para o funcionamento psicossocial, incluindo o bem-estar psicológico, a capacidade de lidar com o preconceito e discriminação e a qualidade das relações interpessoais.

Com efeito, os contextos de relações interpessoais com outros indivíduos LGB são espaços onde podem emergir ansiedade, vergonha e desvalorização tanto destes mesmos indivíduos (devido ao seu estatuto LGB) como do próprio self — características inerentes à homofobia internalizada (Coleman, Rosser e Strapko, 1992 cit. in Frost & Meyer, 2009) — e, consoante o grau de internalização destas noções, fazerem acompanhar-se por problemas relacionados com a intimidade (Frost & Meyer, 2009). Mohr e Fassinger (2006) exemplificam: parceiros românticos do mesmo sexo com níveis elevados de homofobia internalizada encontram-se numa posição em que desejam um parceiro que possui a característica pela qual os indivíduos se rejeitam a si mesmos (i.e., uma orientação LGB), aparentando gerar, naturalmente, um sentido de ambivalência a respeito da relação romântica. Frost e Meyer (idem) sugerem que, neste formato, o parceiro e as experiências partilhadas funcionam como lembranças constantes da orientação sexual do indivíduo.

Investigações centradas na associação entre homofobia internalizada e intimidade (Balsam e Szymanski, 2005; Gains et al, 2005; Otis, Rostosky, Riggle e Hamrin, 2006 cit. in Frost & Meyer, 2009) indicam que a primeira parece estar associada a má qualidade relacional em relações do mesmo sexo, tanto entre casais compostos por elementos do sexo feminino como do sexo masculino. O vivenciar dos sentimentos negativos subjacentes à homofobia internalizada aumenta a probabilidade de decréscimo da qualidade das relações íntimas e da satisfação relacional (Frost & Meyer, idem), podendo ainda conduzir a problemas relacionados com ambivalência e conflito relacional (Mohr & Fassinger, 2006);

(27)

Em consequência, o indivíduo pode evitar relações profundas ou duradouras com outros indivíduos LGB e/ou procurar outras vias de expressão sexual desprovida de intimidade e proximidade interpessoal (ibidem).

4.3. Proposta integrativa do desenvolvimento da intimidade de Costa

As relações românticas — independentemente da orientação do indivíduo — apresentam-se, de facto, como um contexto desenvolvimental do indivíduo, nomeadamente no estádio de resolução do conflito entre intimidade e isolamento, tal como postulado por Erikson. Na sua proposta integrativa de desenvolvimento da intimidade, Costa (2005) reconhece e conjuga os contributos da teoria deste autor com os da teoria da vinculação de John Bowlby que, em conjunto, servem "de guião de reflexão sobre a intimidade".

A intimidade é caracterizada como uma capacidade individual e relacional, desenvolvida ao longo do ciclo de vida e tomando formas, significados e complexidades diferentes em diferentes relações de amor (Costa, 2005) e pressupõe a partilha de experiências íntimas (designada por self disclosure) e a confiança no outro (Erikson, 1963 in Sobral, 2008), já que este desempenha o papel de figura de vinculação na adultez (Hazan & Shaver, 1987). Sendo a confiança uma dimensão central para a compreensão do fenómeno da intimidade, torna-se imperativo incorrer numa revisão sintética da teoria de vinculação de Bowlby, onde a confiança é um pilar central do modelo interno dinâmico gerado e revisto pelo indivíduo ao longo do seu curso de vida. Este modelo constitui um conjunto de regras conscientes e inconscientes que organizam informação relevante sobre experiências, sentimentos e pensamentos relacionados com a vinculação e condicionam o acesso a essa mesma informação. O modelo interno dinâmico de cada indivíduo, cuja construção se inicia com a vinculação aos prestadores de cuidados primários (habitualmente a mãe), inclui um modelo do self — como passível, ou não, de ser amado — e do outro — enquanto capaz de dar resposta às suas necessidades de vinculação. É na relação de intimidade que o indivíduo vai construir, atualizar e consolidar um padrão de vinculação com o parceiro romântico e é com base na construção e revisão deste padrão que as relações de intimidade se desenvolvem.

A perceção do parceiro romântico como uma figura digna de confiança e que providencia segurança proporcionará uma maior predisposição para o self disclosure por parte do indivíduo, o que — acompanhado por uma perceção recíproca de self disclosure

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pelo parceiro — promoverá por sua vez a consolidação na confiança no outro e na relação (Sobral, 2008). Para além do seu papel junto do self disclosure, a confiança — desta vez, no self — exerce uma função central na manutenção da integridade da identidade do sujeito na relação. Carter e McGoldrick (1989 cit. in Sobral, 2008) sublinham a centralidade de um forte sentido de self, de confiança em quem o indivíduo é e no facto de querer crescer em relação com a outra pessoa, para uma relação de intimidade. Deste modo, o indivíduo pode assumir o compromisso sem medo de perder a sua individualidade, alcançando um equilíbrio dinâmico entre autonomia e dependência (Brown & Amatea, 2000; Costa, 2005 cit. in Sobral e Costa, sub).

4.4. Intimidade e Medo da intimidade

O medo da intimidade surge em contraposição ao constructo da intimidade, reportando-se à capacidade individual do indivíduo para a intimidade (Sobral, 2008). Salienta-se, contudo, que a sua definição engloba tanto a dimensão intrapessoal como a interpessoal (Costa, 2005 cit. in Sobral, 2008). Este conceito caracteriza-se, portanto, pelo receio do indivíduo em expor-se, proceder ao self disclosure e em ser rejeitado pelo outro (correspondendo a um modelo negativo do self), bem como receio em depender do parceiro, da fusão entre os dois elementos da relação e da abdicação do controlo na díade (em consonância com um modelo negativo do outro). A relação constitui um cenário onde o indivíduo receia a intimidade por a conceptualizar como uma potencial ameaça à sua autonomia e identidade (Kirkpatrick, 1975 in Sobral, 2008), bem como um contexto onde o medo de se magoar e de ser abandonado impele o sujeito a confiar e investir menos no parceiro romântico (Brunell, Pilkington & Webster, 2007; Descutner & Thelen, 1991), diminuindo a satisfação relacional percebida (Brunell et al, 2007) e aumentando a probabilidade da sua dissolução (O'Connor, Pickering, Dunn e Golding, 1999 cit. in Sobral, 2008).

Este panorama conota potenciais relações como igualmente propícias à mágoa e abandono, diminuindo a probabilidade de o indivíduo se envolver numa nova relação (Calabrese, 1998; Orlofsky, Marcia e Lesser, 1973; Pilkington e Richardson, 1998 in Sobral 2008), e conduzindo ao aumento do medo da intimidade através da diminuição da confiança e self disclosure — fechando assim o ciclo.

(29)

estádio representa apenas o período em que uma determinada tarefa atinge o seu ponto crítico: nas palavras da autora, em cada estádio os componentes de cada uma das oito tarefas estão presentes simultaneamente como percursores, derivados ou como conflito nuclear (crise) específico da tarefa em questão (idem). Valorizando a influência das várias tarefas desenvolvimentais no decurso da vida do indivíduo, a compreensão da resolução da tarefa da intimidade deve ser enquadrada no seio do processo de resolução das tarefas anteriores, pelo que uma análise integrada deverá ter em conta o estádio desenvolvimental da construção identitária.

Na relação de intimidade, não só cada um dos elementos do casal traz a sua própria identidade, no âmbito da co-construção do "nós", como prosseguem, cada um, na construção e atualização desta mesma identidade individual. É, portanto, necessário um equilíbrio dinâmico entre proximidade e distância para proteção desta identidade, de modo a que o sujeito cuide da diferenciação da sua identidade enquanto ela se desenvolve, e se mantenha distinto do outro (em oposição a permitir a ocorrência da fusão).

4.5. Cruzamentos e divergências

Tendo em conta as premissas revistas acima, o presente trabalho vem, neste sentido, postular que a identidade e o seu desenvolvimento poderão assumir contornos específicos na população homossexual, devido ao estigma social presente nos vários contextos desenvolvimentais do indivíduo LGB: a interiorização do estigma e perceções negativos patentes no discurso societal (constituindo um stressor de minorias distal) e posterior imbuição na estrutura identitária do indivíduo na forma de homofobia internalizada (um stressor de minorias proximal) potenciam a construção de um modelo de self definido como menos merecedor de afeto devido ao seu estatuto LGB — com um futuro solitário, infeliz e psicologicamente perturbado (McVinney, 1998 in Fuhrman, Flannagan & Matamoros, 2009) —, bem como de um modelo do outro menos confiável no papel de figura onde o sujeito procure afeto e proteção, subjacente às construções do discurso societal dos indivíduos LGB como incapazes de intimidade e de manter relações longas (Meyer e Dean, 1998 cit. in Frost & Meyer, 2009).

As investigações que apontam para a homofobia internalizada como impactando a comunicação, resolução de conflitos e qualidade relacional, conduzindo ao evitamento de

(30)

relações íntimas — consequências que se sobrepõem às do medo da intimidade — levam a crer que, na população LGB, estes constructos se entrelaçam.

Consoante os contornos desta tela assumem a sua forma e esta se permite ser colorida, o presente trabalho poderá contribuir, ainda que modestamente, para o enriquecimento do que nela se tem vindo a plasmar.

Com este intuito em mente dá-se início a um outro capítulo desta dissertação, centrado num estudo empírico que a identidade sexual LGB se pode relacionar com o medo da intimidade nesta população.

(31)

Capítulo II. Metodologia – a estrutura da tela

1. Introdução

A sustentação de uma tela é condição básica para que nela se possa trabalhar. Geralmente na forma de esquadria de madeira, esta estrutura confere segurança e permite que a criação possa fluir.

O presente capítulo assume um cariz empírico, quantitativo, descritivo e exploratório, cujas temáticas centrais são os conceitos de medo da intimidade e homofobia internalizada, analisados numa amostra de homossexuais do sexo masculino.

2. Objetivos de investigação

1.Verificar se as várias dimensões da identidade LGB – em particular a homofobia internalizada – estão relacionadas com o grupo etário, autoidentificação ou número de parceiros.

2. Verificar se existe uma relação entre o medo da intimidade e as várias dimensões da identidade LGB.

3. Verificar se existem relações entre as dimensões do medo da intimidade e a homofobia internalizada.

4. Verificar se existem relações entre as outras dimensões da identidade LGB e o medo da intimidade.

5.Verificar se existem relações entre o medo da intimidade e o grupo etário, autoidentificação e número de parceiros.

3. Método

3.1 Amostra

A amostra analisada na presente investigação é considerada não probabilística ou de conveniência — sendo esta abordagem de recolha usada quer em estudos em grupos cujos elementos são difíceis de identificar e contactar, quer em estudos com grupos específicos em que razões éticas impedem que se identifiquem todos os elementos desses grupos, pelo que se entrevistam apenas voluntários — e adquire o formato de amostragem intencional,

(32)

de "bola de neve", dado que o investigador estabelece contacto inicial com alguns sujeitos previamente identificados como membros do grupo que se pretende estudar e estes sujeitos põem o investigador em contacto com outros membros desse grupo, repetindo-se o processo sucessivamente.

Os critérios de recolha da amostra estabelecidos para a presente investigação procuraram a inclusão de participantes portugueses de ambos os sexos que se identificassem como homens homossexuais e mulheres lésbicas.

3.2 Instrumentos

Alicerçando-se nos referenciais teóricos — a proposta integrativa do modelo de intimidade de Costa e o modelo multidimensional de identidade LGB de Mohr e Fassinger — e procurando dar resposta às hipóteses colocadas, a investigação teve por base a utilização de dois instrumentos: o Fear of Intimacy Components Questionnaire (FICQ; Costa & Sobral, sub) para avaliação do medo da intimidade e o Lesbian, Gay and Bisexual

Identity Scale (LGBIS; Kendra & Mohr, 2008) como instrumento de medida da homofobia

internalizada.

Abaixo serão apresentados os instrumentos, bem como uma descrição das análises efetuadas com a amostra presente para o teste das qualidades psicométricas dos mesmos, nomeadamente a sua estrutura fatorial e consistência interna.

3.2.1 Formulário de consentimento informado

Este termo de consentimento (Cf. Anexo 1) foi apresentado no início do questionário, com o objetivo de assegurar os participantes do ponto de vista ético e científico a sua anuência consciente e informada na presente investigação, salvaguardando adicionalmente a sua desistência em qualquer momento do processo de recolha.

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3.2.2 Questionário sociodemográfico

Este constituiu a primeira secção do questionário, incluindo questões relacionadas com a idade, estado civil atual, nível de escolaridade, número de parceiros nos últimos seis meses e, finalmente, uma questão acerca da sua autoidentificação numa escala de sete itens (de "1 - exclusivamente heterossexual" a "7 - exclusivamente homossexual"), consistindo num item do Klein Sexual Orientation Grid (um instrumento que avalia várias dimensões da orientação sexual incluindo a autoidentificação) que foi submetido a tradução e reversão com o intuito de garantir que o seu conteúdo não sofreu alterações.

3.2.3 Fear of Intimacy Components Questionnaire (FICQ)

Com o intuito de avaliar o medo da intimidade, a recolha de dados incluiu o Fear of

Intimacy Components Questionnaire (Cf. Anexo 2). Este instrumento foi desenvolvido por

Costa e Sobral, de modo a operacionalizar uma conceção de medo da intimidade que conjuga a teoria de desenvolvimento psicossocial de Erikson e a teoria de vinculação de Bowlby e trabalhos posteriores (ex. Hazan & Shaver na vinculação com o par romântico) e baseia-se em duas dimensões: medo de perder o self e medo de perder o outro.

Esta escala é composta por 10 itens — distribuídos equitativamente pelas duas dimensões subjacentes — emersos de um processo de discussão com especialistas e de reflexão com sete sujeitos, produzindo 23 itens posteriormente reduzidos através de análises estatísticas para o formato final. Os itens finais foram operacionalizados numa escala tipo Likert de 5 itens (Discordo totalmente, Discordo, Discordo e concordo, Concordo, e Concordo totalmente) focados no receio de self disclosure e receio de dependência na relação atual dos indivíduos. O critério de foco na sua relação atual reconhece que a reflexão sobre várias relações românticas dificulta a identificação de um padrão que delas emirja e restringe-se assim à relação em que o indivíduo está atualmente envolvido.

Uma vez que, na presente investigação, o envolvimento atual numa relação romântica foi uma variável controlada mas não um critério de inclusão, as instruções que acompanharam este instrumento mantiveram-se iguais às originais, acrescentando apenas uma nota que indicou aos sujeitos atualmente não envolvidos numa relação romântica que se reportassem à última relação que tiveram.

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Após uma análise fatorial confirmatória (n = 163), os dois fatores resultantes correspondem aos pré-definidos na investigação original de Costa e Sobral, dizendo respeito ao medo de perder o self (FLS; 5 itens; α = .769) bem como ao medo de perder o outro (FLO; 5 itens; α = .824). A amostra foi considerada adequada para este procedimento dado o valor do teste de esfericidade de Bartlett (χ 2 (45) = 562,68, p < .001) e a medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = .846).

3.2.4. Lesbian, Gay and Bisexual Identity Scale (LGBIS)

De modo a avaliar as várias dimensões da identidade LGB, a investigação presente serviu-se do Lesbian, Gay and Bisexual Identity Scale (Cf. Anexo 3). Esta escala foi desenvolvida por Kendra e Mohr (2008) com base no modelo multidimensional da identidade LGB de Mohr e Fassinger (2006), por forma a poder avaliar empiricamente a identidade LGB com um enquadramento teórico subjacente adstrito a este modelo.

A versão utilizada no presente trabalho rege-se pelo modelo de 28 itens apresentado por Oliveira e colaboradores (2012) numa investigação focada na validação da estrutura fatorial do instrumento para a população LGB portuguesa. No entanto, a investigação em questão apresenta o instrumento em língua inglesa; consequentemente, de modo a contornar um processo de tradução e reversão da escala que arriscaria o empobrecimento dos significados subjacentes, optou-se por partir de uma versão anterior da mesma escala em língua portuguesa (Oliveira & Nogueira, 2010), com 33 itens, e utilizar os itens que se mantiveram presentes na versão de Oliveira e colaboradores (2012).

O instrumento consiste portanto em 28 itens, apresentados numa escala tipo Likert de 1 a 7 (desde Discordo totalmente até Concordo totalmente), distribuídos por sete fatores: a) insatisfação identitária, b) incerteza acerca da identidade, c) motivação para a dissimulação identitária, d) processo difícil, d) centralidade da identidade, e) sensibilidade ao estigma e f) superioridade identitária.

Os scores da sub-escala de insatisfação identitária correlacionam-se forte e positivamente (Oliveira & Nogueira, 2010) com a Internalised Homophobia Scale de Martin e Dean (1992), instrumento desenhado para aceder ao constructo de homofobia internalizada tal como este é definido pela teoria de stress de minorias de Meyer (2003).

Referências

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