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O CONGELAMENTO DA ATIVIDADE JUDICANTE NO DIREITO DO CONSUMIDOR Um estudo a partir dos contratos bancários MESTRADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

GISELE ILANA LENZI

O CONGELAMENTO DA ATIVIDADE JUDICANTE NO DIREITO DO

CONSUMIDOR

Um estudo a partir dos contratos bancários

MESTRADO EM DIREITO

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

GISELE ILANA LENZI

O CONGELAMENTO DA ATIVIDADE JUDICANTE NO DIREITO DO

CONSUMIDOR

Um estudo a partir dos contratos bancários

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais – Direitos Difusos e Coletivos, sob a orientação da Professora Doutora Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi.

(3)

31/05/2012.

Errata

Folh a

Linha Onde se lê Leia-se

12 17 Supremo Superior

13 23 STF STJ

22 01 prestigiando desprestigiando

30 07 muito bem não

36 15 convalidação não convalidação

54 05 quadra vale

55 10 autoriza determina

58 09 da Ø

60 13 caráter secundário finalismo aprofundado

70 01 observado observada

73 17

19

que

excluída

Ø

incluída

79 21 Supremo Superior

81 03 quadra vale

82 04 Supremo Superior

(4)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

(5)

Dedico este trabalho à minha mãe, Maria Idinardis Lenzi, que me conduziu aos caminhos do Direito.

Ao meu pai, Mauro Lenzi, por me ensinar o valor do conhecimento.

Aos meus irmãos Patrícia Lenzi e Fábio Alexandre Lenzi, por laços tão amorosos.

(6)

AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), a oportunidade de ser agraciada com a bolsa integral para o Curso de Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pois sem o seu apoio financeiro não teria sido possível a realização deste meu projeto de vida: alcançar o título de mestre.

Sinceros agradecimentos à minha orientadora, Professora Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi, por todos os ensinamentos, pelo estímulo à reflexão sobre o papel da justiça, e também por todo apoio, paciência e confiança, durante a elaboração deste trabalho.

Deixo aqui registrada, também, a minha eterna gratidão ao professor e amigo Álvaro de Azevedo Gonzaga, um verdadeiro anjo da guarda, que me acompanhou durante todo o tempo de estudo, pelo seu auxílio, estímulo e torcida pelo meu sucesso.

(7)

“Embora a justiça seja, desde sempre, um espetáculo, ela não existe para isso, mas para bem decidir e para bem fazer.”

(8)

RESUMO

LENZI, Gisele Ilana. O congelamento da atividade judicante no direito do consumidor: um estudo a partir dos contratos bancários. 2012. 121f. Dissertação

(Mestrado em Direito)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

O tema escolhido para desenvolver esta dissertação abrange o direito do consumidor e os contratos bancários, especificamente quanto à disciplina contida na Súmula 381, emanada do Superior Tribunal de Justiça. O objetivo é analisar a aplicabilidade deste comando legal e suas consequências nas relações de consumo que tangenciam os contratos bancários. Para esta tarefa foi utilizada como suporte metodológico a pesquisa exploratória com raciocínio de ordem dedutiva e a técnica bibliográfica para reunir doutrina e jurisprudência, além de dados sobre a ação dos bancos no mercado de consumo. Quanto à organização, o trabalho está dividido em três capítulos, necessários para circundar a temática proposta. Primeiramente é analisada a base do negócio jurídico contratual geral e sua submissão aos ditames constitucionais e civis. Passa-se, em seguida, a discorrer sobre o direito do consumidor, abarcando os princípios em destaque, as partes e as cláusulas contratuais abusivas e eventual revisão. No terceiro capítulo, com a abordagem do contrato especial bancário, foca-se o fenômeno do congelamento da atividade judicante, demonstrando os institutos processuais para aceleração da solução de demandas e, nesse contexto, o processo de escolha da melhor decisão, pelo julgador, principalmente pelo prisma do pensamento que orienta a proporcionalidade e a razoabilidade. O resultado da pesquisa aponta o efeito desarmônico causado pela eventual aplicação da Súmula 381 do Supremo Tribunal de Justiça ao sistema de defesa do consumidor, merecendo ser extirpado tal comando do ordenamento jurídico por não cumprir com a sua finalidade, já que desrespeita frontalmente os direitos do consumidor com um privilégio exclusivo ao banco-fornecedor, além de sua aplicação desprestigiar o ideal da justiça ao tratar o sujeito de direito como objeto.

(9)

ABSTRACT

LENZI, Gisele Ilana. Judicial activity freezing in consumers’ right: a study based on bank contracts. 2012. 121p. Dissertation (Master Degree in Law)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brazil, 2012.

This dissertation was developed and grounded on Consumers‟ Rights and Bank Contracts, more specifically on the Precedent 381 of the Superior Court of Justice (Brazil).The aim of this paper is to analyze the applicability of the statutory control and its consequences in consumption relationships of bank contracts. Exploratory research with deductive reasoning supported by bibliographic techniques to assemble jurists‟ prevailing opinion, and court precedents, including bank actions data in the consumption market were applied. It is organized in three chapters to enable encompassing proposed theme. Firstly, we analyze the general contractual legal transaction basis and its compliance with constitutional and civil principles. Then, we discuss the consumers‟ rights and their principles, contractual abusive terms and clauses with occasional reviews. In the third chapter, we approach bank special contracts focusing on the judicial activity-freezing phenomenon, showing procedural institutes to advance and accelerate lawsuits solution. We also approach the choice process for the best decision of the arbitrator/justice, mainly on grounds of reasonableness and proportionality. The result of the research indicates the incoherent effect caused by occasional use of the Precedent 381 of the Superior Court of Justice in the defense of the consumer, considering the elimination of such statutory control, provided it does not meet its purpose, disrespecting consumers‟ rights, with an exclusive privilege to supply bank. Furthermore, it discredits the ideal of justice by treating subjects of rights as objects.

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO 1 – CONTRATOS EM GERAL... 15

1.1 A BASE DOS CONTRATOS ... 15

1.1.1 Elementos essenciais do negócio jurídico ... 17

1.1.1.1 Sujeito capaz ... 18

1.1.1.2 Objeto idôneo ... 20

1.1.1.3 Forma substancial ... 21

1.2 DITAMES CONSTITUCIONAIS ... 22

1.2.1 Dignidade da pessoa humana ... 24

1.2.2 Função social da propriedade ... 26

1.2.3 Livre iniciativa e concorrência ... 27

1.2.4 Proteção do consumidor ... 29

1.3 O DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL... 30

1.3.1 Cláusulas gerais ... 32

1.3.1.1 Autonomia privada ... 33

1.3.1.2 Respeito à ordem pública ... 34

1.3.1.3 Função social do contrato ... 35

1.3.1.4 Boa-fé objetiva ... 37

CAPÍTULO 2 – RELAÇÃO DE CONSUMO E CONTRATO BANCÁRIO ... 40

2.1 DAS RELAÇÕES DE CONSUMO ... 40

2.2 NATUREZA DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA ... 41

2.3 PRINCÍPIOS ORIENTADORES DAS RELAÇÕES DE CONSUMO ... 44

2.3.1 Princípio da vulnerabilidade ... 44

2.3.2 Princípio da hipossuficiência ... 47

2.3.3 Princípio da boa-fé objetiva ... 48

2.3.4 Princípio da confiança ... 49

(11)

2.3.6 Princípio da responsabilidade objetiva ... 52

2.3.7 Princípio da intervenção estatal ... 55

2.4 DAS PARTES ... 58

2.4.1 Consumidor ... 58

2.4.2 Fornecedor ... 61

2.5 OBJETO DA RELAÇÃO DE CONSUMO: PRODUTO E/OU SERVIÇO ... 63

2.6 DO CONTRATO BANCÁRIO ... 65

2.6.1 Características ... 66

2.6.1.1 Contratos de adesão ... 66

2.6.1.2 Contratos cativos de longa duração ... 69

2.7 DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS ... 71

2.8 DA REVISÃO DOS CONTRATOS ... 75

CAPÍTULO 3 CONGELAMENTO JUDICANTE DO CONTRATO DE NATUREZA BANCÁRIA EM RAZÃO DE MATÉRIA SUMULADA ... 78

3.1 SÚMULA: CONCEITO... 78

3.2 SÚMULA 381 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ... 79

3.2.1 Os contratos bancários e a Súmula 381: apontamentos ... 80

3.2.1.1 Contrato bancário: fornecedor versus consumidor ... 80

3.2.1.2 Normas de ordem pública e interesse social ... 80

3.2.1.3 A atividade do julgador ... 81

3.2.1.4 Cláusula abusiva ... 82

3.2.1.5 Celeridade processual ... 83

3.3 CAUSAS DE CONGELAMENTO DA ATIVIDADE JUDICANTE ... 84

3.3.1 Súmula impeditiva de recurso ... 84

3.3.2 Ações repetitivas ... 86

3.3.3 Recursos repetitivos ... 87

3.3.4 Repercussão geral ... 89

3.4 JUSTIÇA DA DECISÃO: PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE ... 91

3.4.1 O papel do juiz na aplicação da decisão ... 92

(12)

CONCLUSÃO ... 101

REFERÊNCIAS ... 108

ANEXO A - RANKING DOS 100 MAIORES LITIGANTES NA JUSTIÇA

BRASILEIRA ... 117

ANEXO B - INDICE DE SOLUÇÃO EM FASE PRELIMINAR PROCON-SP

Índice de Solução em Fase Preliminar - PROCON-SP ... 120

(13)

INTRODUÇÃO

Legislação protetiva do consumidor e contrato de natureza bancária é o tema que circunda a presente dissertação. O objeto fica delimitado no estudo do congelamento da atividade judicante, no âmbito do direito que regula as relações de consumo – direito do consumidor –, aí incluídos os contratos de natureza bancária, em razão do comando inserido na Súmula 381, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo o qual: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”.

Antes, porém, de apresentar o que se pretende com essa proposta de investigação das relações que se travam entre as instituições financeiras – fornecedores – e os clientes/usuários de operações bancárias – consumidores, no “mercado” financeiro brasileiro, é necessário fazer uma breve contextualização da temática escolhida.

Pois bem. A relação humana, desde os tempos mais remotos, é baseada no costume de se fazer acordo de vontades, concretizado pelo instituto legal dos contratos. As diferentes espécies de contratos foram definidas em virtude da necessidade de haver um instrumento capaz de se amoldar à vontade das partes, no momento da celebração de determinado pacto, garantindo, assim, uma maior segurança para os envolvidos na avença.

No Estado Liberal do século XIX, a ideia de formação de lei entre as partes pelo uso do contrato (pacta sunt servanda) era absoluta. O Estado não

intervinha no contrato, para não causar desequilíbrio, já que o instrumento se propunha a garantir justamente a igualdade dos contratantes. As partes, então, tinham liberdade para contratar, mas, uma vez acordadas as condições, assumiam a responsabilidade pelos compromissos estabelecidos. A intervenção supletória do Estado, representado pela figura do juiz, ocorreria apenas para fazer cumprir o acordo celebrado ou para negar-lhe efeito.

(14)

o homem social vive em relação de interdependência com todos os outros elementos desse meio.

A nova ordem jurídica social, com característica protetiva aos mais fracos,

veio, então,desempenhar papel limitador, diante da constatação de que a “liberdade absoluta” de contratar não era benéfica porque, em realidade, não havia equilíbrio entre as partes.

Na sociedade massificada atual, em que os acordos ocorrem de forma acelerada, os fornecedores utilizam cotidianamente os chamados contratos de adesão ou formulários, cuja característica é a pré-elaboração unilateral.

As instituições financeiras, figurando como fornecedoras de produtos e serviços no mercado de consumo, de comprovada importância nos dias atuais no sentido econômico de circulação de riquezas, utilizam essa prática – contratos de adesão ou formulários – para a rápida concretização do negócio, muitas vezes, aproveitando-se da desvantagem da parte aderente para se beneficiar com a fixação de cláusulas abusivas.

A reflexão sobre o fenômeno do congelamento da atividade judicante no direito do consumidor ocorreu após a edição da Súmula 318 do Supremo Tribunal de Justiça, que consolidou o entendimento de que o juiz não agirá de ofício para anular cláusulas abusivas de contratos bancários.

O conteúdo da referida súmula, em rigor, choca-se com a disciplina do artigo 1º do Código de Defesa de Consumidor, segundo a qual as leis nele contidas são elevadas ao patamar de norma de ordem pública e interesse social, que demandariam necessário papel ativo do julgador, in verbis: “Art. 1º O presente

código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.”

(15)

por ocasionar o engessamento da atividade do julgador e consequente lesão ao consumidor. Essa é, pois, a principal justificativa para o desenvolvimento deste trabalho.

Pontualmente, o objetivo é estudar a relação entre os institutos legais abstratos que abarcam o tema, relacionando-os com a realidade concreta. Neste sentido, será analisada a aplicação da Súmula 381 em destaque, com o aperfeiçoamento das técnicas processuais relacionadas à celeridade, no termo dos litígios judiciais, como ações repetitivas, recursos repetitivos e repercussão geral.

A adaptação de todos os universos de direitos envolvidos na relação consumerista será investigada, primando-se pelo postulado da razoabilidade e proporcionalidade a ser conferido na relação das partes no cotidiano do mercado de consumo, com o intuito de tornar efetiva a aplicabilidade do direito do consumidor, uma tutela jurisdicional adequada, isto é, apta a descongelar, tanto o direito de ação do consumidor, em juízo ou fora dele, quanto o importante papel do magistrado na aplicação da justiça real.

Para empreender a tarefa então proposta, definiu-se a pesquisa monográfica do tipo exploratória, orientada pela abordagem dedutiva, pois busca primeiro reunir, por meio da técnica da pesquisa bibliográfica, o referencial teórico necessário para encontrar as respostas para a problemática posta, e isto será feito com base em doutrinas e jurisprudências que tratam a matéria, além de dados informativos sobre a ação das instituições financeiras no mercado de consumo.

(16)

sistema processual de aceleração do término dos litígios judiciais, que acaba por obstruir a ação dos interessados, especialmente no caso da aplicação de matéria sumulada. Finda este capítulo uma abordagem sobre a melhor forma de se alcançar, por meio do Estado-juiz, a decisão adequada e justa, e isto com o suporte dos conceitos de proporcionalidade e razoabilidade, com apontamentos sobre a “Lógica do razoável” de Ricaséns Siches.

(17)

CAPÍTULO 1 – DOS CONTRATOS EM GERAL

1.1 A BASE DOS CONTRATOS

As relações humanas, especialmente no que se refere à circulação de riquezas, é fato concreto e anterior a qualquer regulamentação. Como é natural, diferencia-se à medida que evolui a sociedade e se modificam os seus valores.

Com o direito não é diferente, pois, progressivamente, adapta-se às novas realidades1, com a imposição de normas cogentes a serem observadas pela sociedade. Assim aconteceu com o contrato, um instrumento criado pelo direito, desde os tempos mais remotos, para orientar e regular a atividade das partes contratantes, objetivando conferir maior segurança nas transações da vida comum.

O contrato é uma fonte obrigacional, que nasce de fato humano e origina um vínculo genérico de obrigação.

Washington de Barros Monteiro2 relata que Ulpiano, no direito romano,

definia contrato como o mútuo consentimento entre duas ou mais partes sobre o mesmo objeto. Aristóteles conceituava contrato como a lei feita por particulares, objetivando determinado negócio. Para Kelsen era a criação de uma norma jurídica particular.

Na teoria contratual clássica, a autonomia da vontade significava a liberdade de vinculação dos interessados, considerados iguais e, com mútuo consentimento, tornavam o contrato lei entre eles, mediante celebração do instrumento específico.3

1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre

as garantias do código de defesa do consumidor e os princípios gerais do direito civil e processual. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 2.

(18)

Enzo Roppo4, sobre a obrigação atribuída às partes contratantes, anota:

A liberdade, [...] tendencialmente ilimitada, de contratar ou de não contratar, de contratar nestas ou naquelas condições, no sistema, por outro lado, correspondia, como necessário contraponto desta, uma tendencialmente ilimitada responsabilidade pelos compromissos assim assumidos, configurados como um vínculo tão forte e inderrogável que poderia equiparar-se à lei.

No liberalismo, lembra João Calvão da Silva5, as partes eram consideradas iguais, não havendo necessidade de qualquer tutela de proteção do Estado. Todavia, sem a tutela estatal, a relação contratual podia ficar desequilibrada, o que acabava submetendo a vontade do contratante mais fraco.

A Revolução Industrial transformou os contratos privados do Estado Liberal, em contratos de massa, seguindo a mudança ocorrida na sociedade. Assim, este instrumento passou a adaptar-se à rapidez das relações, com documento pré-fabricado e assinado pela outra parte, não raro, sem o conhecimento integral das cláusulas nele inseridas. Neste cenário, o Estado se torna intervencionista, relativizando o dogma da autonomia da vontade, de caráter individual, no sentido de adaptá-lo à atualidade das preocupações de ordem social.6

Para Emilio Betti, citado por Cláudia Lima Marques7, a vontade livre e

consciente das partes para contratar começa a caracterizar a autonomia privada, que significa a autorregulamentação dos interesses das partes dentro dos limites legais, diferentemente da autonomia da vontade de outrora, que estava relacionada com a autorregulamentação de interesses particulares. Nasce, assim, o negócio jurídico como atividade criadora, modificadora ou extintora de relações jurídicas, isto é, trata-se da causa geradora de relação jurídica8, objetivando a ocorrência de um determinado efeito jurídico.9

4 ROPPO, Enzo. O Contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra:

Almedina, 1988. p. 34.

5 SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor. Coimbra: Almedina, 1999. p. 20. 6 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das

relações contratuais. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 211.

7 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das

relações contratuais, p. 211.

8 LOTUFO, Renan. Curso avançado de direito civil: parte geral. 2. ed. rev. e atual. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2003. v. 1. p. 218.

9 LOPES, Miguel Maria de Cerpa. Curso de direito civil: introdução. Parte geral e teoria dos

(19)

A função da ciência do direito é proteger a vontade original do acordo celebrado, de modo a garantir que os seus efeitos ocorram conforme o desejo dos envolvidos.10

Portanto, revela o “consentimento ou mútuo consenso”11, observando-se

sempre o sinalagma contratual que determina proporcionalidade entre direitos e deveres das partes envolvidas, em regime de comutatividade.

A vontade como fundamento do vínculo entre os indivíduos, caso seja maculada por qualquer vício de consentimento, previstos nos artigo 138 a 165 do Código Civil, torna passível de anulação o contrato celebrado. Sendo assim, o consentimento viciado não obriga o indivíduo.12

1.1.1 Elementos essenciais do negócio jurídico

Como espécie de negócio jurídico, o contrato se submete às regras previstas para a sua validade13. Esses elementos essenciais do negócio jurídico

encontram previsão legal no artigo 10414 do Código Civil vigente, os quais, nas

seções seguintes, passaremos a analisar.

10 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das

relações contratuais, p. 60.

11 VENOSA, Silvio de Sálvio. Direito civil: parte geral. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. 1. (Coleção

Direito Civil). p. 398.

12 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das

relações contratuais, p. 68-69.

13 NOVAIS, Alinne Arquette Leite. A teoria contratual e o código de defesa do consumidor. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. v. 17. (Biblioteca de Direito do Consumidor). p. 38.

14 CC:

Art. 104. “A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz;

(20)

1.1.1.1 Sujeito capaz

Em nosso estudo, a capacidade negocial15ou base subjetiva do negócio16 ganha destaque, devendo ser observada no momento do ato, isto é, quando a vontade é declarada. Isso significa dizer que o sujeito tem de possuir capacidade plena para exteriorizar, de forma válida e eficaz, a sua vontade, ou seja, o agente deve possuir discernimento suficiente para compreender as consequências de sua escolha, que gerará direito e obrigações.17

A propósito, o requisito essencial para o exercício dos atos relacionados à vida civil é fixado pela lei, já a capacidade de “gozo”18 ou de direito19 sempre

existirá porque é inerente ao detentor de personalidade.

De acordo com a teoria das incapacidades20, o legislador criou exceções à capacidade e a intenção foi a de proteger pessoas que não estejam aptas para julgar seus próprios interesses.

O agente relativamente capaz, descrito no artigo 4º21 do Código Civil, deve, pois, ser assistido porque não possui liberdade plena para gerenciar os seus direitos civis. Caso o negócio jurídico seja celebrado sem a complementar segurança do assistente, será considerado anulável22, passível de ratificação.23

15 VENOSA, Silvio de Sálvio. Direito civil: parte geral, p. 403.

16 NERY JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil comentado. 4. ed. rev. ampl. e atual. até o dia 20 de

maio de 2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 240.

17 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: teoria geral do direito civil. 6. ed. São Paulo:

Saraiva, 2010. v.1. p. 193, 385.

18 VENOSA, Silvio de Sálvio. Direito civil: parte geral, p. 403. 19 NERY JUNIOR, Nelson. Código Civil comentado, p. 169.

20 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 41. 21

CC: “Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.”

22 NERY JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil comentado, p. 240.

23 MACHADO, Antônio Costa. (Org.). Código civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por

(21)

Quanto aos absolutamente incapazes elencados no artigo 3º24 do Código

Civil, há a necessidade de serem representados (pelos pais, curadores e tutores). Em regra, os atos praticados sem representação, nos termos do artigo 166, inciso I25, do Código Civil, são nulos.26

Importante atentar que, na atualidade, há casos concretos em que o incapaz pratica atos negociais à margem das exigências legais; são situações, porém, corriqueiras, costumeiramente aceitas pela sociedade (normas consuetudinárias), no entanto deve ser observado que o objeto de referido ato negocial está de acordo com a realidade econômica do incapaz, pressupondo-se de pequeno valor.27 É o caso dos atos negociais realizados por incapaz, como o de uma criança que compra seu lanche no intervalo da escola, vai ao mercado a pedido da mãe para comprar refrigerante, ou que compra figurinhas em uma banca de jornal.

Caio Mario da Silva Pereira28 ensina que: “Quanto às condições subjetivas, devemos salientar que a capacidade do agente é indispensável à sua perfeita participação no mundo jurídico”.

Fran Martins29 intitula a nulidade de contrato realizado por incapaz “de

pleno direito”, portanto, de ordem pública, podendo ser alegada por qualquer interessado e impedir, por estas características, a confirmação da avença no decurso do tempo.

Sendo assim, não haverá qualquer convalidação no sentido de se aceitar a validade de um negócio jurídico realizado por incapaz.

24

CC: “Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:I - os

menores de dezesseis anos;

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.”

25

CC: “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; [...]”.

26 VENOSA, Silvio de Sálvio. Direito civil: parte, p. 160.

27 NADER, Paulo. Curso de direito civil: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. 1. p. 311-312. 28 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 19. 29 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro, Forense,

(22)

1.1.1.2 Objeto idôneo

O objeto lícito é aquele permitido por lei, em consonância com a moral e os bons costumes.30 Em oposição, estão os negócios jurídicos contrários à moral, aqueles cujas cláusulas atentem contra a equidade e/ou sejam atentatórias aos valores consagrados de liberdade e dignidade. Contudo, leciona Antônio Costa Machado31,tal questão variará de acordo com o pensamento social de cada época.

Esse conteúdo do negócio compreende as determinações dos comportamentos que obrigam as partes em um negócio jurídico, de caráter negativo, pois pressupõem violação do ordenamento jurídico.32

Para que o objeto seja possível, ele deve existir no comércio33, inclusive com relação à coisa futura (salvo exceção legal). Quando o objeto é irrealizável, por qualquer pessoa, ocorrerá a impossibilidade absoluta; será, porém, relativa, se

impossível apenas para o devedor, mas não para terceiro, determinando uma mudança no conteúdo obrigacional (qualitativa ou quantitativa).34

O objeto do contrato há ainda de ser determinado ou determinável, caso contrário, o negócio jurídico será nulo. O artigo 243 do Código Civil exige ao menos a definição do gênero e da quantidade.35

Em importante lição, o civilista Caio Mário da Silva Pereira36 resume que a

condição objetiva do negócio jurídico é a licitude do objeto, elemento este substancial, isto é, essencial à validade do negócio jurídico. Se o objeto for ilícito, por outro lado, não há como criar direitos, tendo como consequência o desfazimento do negócio jurídico porque inválido, ou resulta a penalidade de reparar eventual dano que venha a atingir a esfera jurídica alheia.

30 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 193. 385.

31 MACHADO, Antônio Costa. (Org.). Código civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por

parágrafo, p. 143.

32 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed. rev. atual. e aum. Rio de Janeiro: Renovar,

2008. p. 420.

33 LOPES, Miguel Maria de Cerpa. Curso de direito civil: introdução. Parte geral e teoria dos

negócios jurídicos, p. 478.

34 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução, p. 421.

35 NADER, Paulo, Curso de direito civil: parte geral, p. 311-314.

(23)

O autor também anota como condição objetiva de validade do negócio jurídico a “possibilidade”. E explica: o objeto pode ser fisicamente impossível quando insuscetível de se realizar materialmente, equiparando-se, assim, à inexistência do objeto, portanto a impossibilidade do se realizar o negócio jurídico é absoluta. Caso a impossibilidade do objeto seja relativa, não haverá ônus para o negócio jurídico, já que a prestação poderá ser realizada por outrem que não o devedor, ou poderá ser determinável.37

1.1.1.3 Forma substancial

Ensina Caio Mário da Silva Pereira38 que a “forma do negócio jurídico é o meio técnico, que o direito institui, para a externação da vontade. É a projeção ambiental da elaboração volitiva, a expressão exterior do querer do agente”.

A forma do negócio jurídico está ligada à manifestação de vontade, isto é, à exteriorização da vontade psíquica, adicionados os requisitos materiais e extrínsecos que a lei dota para revestir o negócio jurídico de eficácia, apurando-se a sua existência.39

A forma ou o meio pelo qual o negócio jurídico deve ser realizado, expresso no artigo 10740 do Código Civil, segue o princípio da liberdade, portanto, o

negócio jurídico apenas obedecerá às formalidades se exigido tal requisito por lei.41 Nesse sentido, é importante observar que os efeitos do progresso e das mudanças sociais nas relações comerciais, com o passar do tempo foram exigindo

37 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p. 487. 38 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p. 487. 39 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p. 488. 40

CC: “Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”

(24)

cada vez mais velocidade, prestigiando as solenidades. Assim, quando obrigatórias por lei e não realizadas, acarretavam a ineficácia do negócio jurídico.42

O progresso, de fato, tornou as relações mais céleres e fez com que a forma fosse perdendo seu prestígio relativamente à solenidade, usando-se como regra o consensualismo ou o princípio da forma livre. A solenidade apenas é observada se determinada por lei.43

Sendo assim, os atos solenes são os ditados pela lei e necessitam observar uma determinada forma para terem eficácia, já os atos não solenes são válidos independente do veículo utilizado para as partes manifestarem a sua vontade.

1.2 DITAMES CONSTITUCIONAIS

A sociedade de massa causou uma mudança significativa nas relações sociais, autorizando o dirigismo contratual, isto é a intervenção do Estado para

conter abusos e reequilibrar as prestações.

A Constituição Federal, de essência capitalista, é hierarquicamente superior às demais leis do ordenamento jurídico porque forma as bases da justiça, obrigando a todos aqueles que estão sob o seu jugo, por meio de suas determinações denominadas imperativas ou cogentes.

Elias Diaz, citado por José Afonso da Silva44, também anota que a Carta

Magna de 1988, de índole protecionista, integrou o Estado no seio da sociedade com a finalidade de alcançar a justiça social.

42 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p. 489-490.

43 PLANIOL, Ribert e Boulanger, Traité Élémentaire, I, n. 296 apud PEREIRA, Caio Mário da Silva.

Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 2007. p. 489.

44 DIAZ, Elias. Estado de derecho y sociedade democrática. Madrid: Editorial Cuadernos para el

(25)

Nessa esteira, a vigência do novo texto constitucional obrigou a reforma da interpretação de outros diplomas legais que, por seu poder, afrontavam a lei soberana. Houve uma releitura dos conceitos de clássicos do direito, como é o caso do contrato.

A doutrina de Miguel Reale45 ratifica essa assertiva:

[...] exemplo da mudança verificada na compreensão do contrato é a faculdade conferida ao Estado para, através da lei, interferir em certos tipos de relações contratuais, toda vez que fique comprovado o risco de ficarem os pactos à mercê dos economicamente mais fortes. Trata-se, como se vê, do chamado dirigismo contratual, ou da publicização do contrato, [...]

O desenvolvimento nacional respeita as determinações da Carta Magna, que aponta o “dever ser”, isto é, os caminhos que devem ser seguidos pelo país, a partir da realidade socioeconômica atual, até alcançar a meta ideal de vida.46

Pois bem. Dentro dos ditames constitucionais que não podem, sob nenhuma hipótese, ser desrespeitados, conforme estatuídos no art. 17047, estão a dignidade da pessoa humana, a função social do contrato, a liberdade de livre iniciativa e concorrência, e a proteção do consumidor. Esses preceitos afetam, de maneira imperiosa, as relações no mercado de consumo. É o que se passa a estudar nas seções seguintes.

45 REALE, Miguel. Temas de direito positivo. São Paulo: RT, 1992. p. 16-17.

46 TAVARES, Andre Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São

Paulo: Método, 2011. p. 82.

47CF: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,

tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]

II - propriedade privada;

(26)

1.2.1 Dignidade da pessoa humana

Entre os objetivos da República Federativa do Brasil está a dignidade da pessoa humana, expressa no artigo 1º, inciso III48, da Constituição Federal.

A dignidade da pessoa humana está relacionada a direitos sociais, como saúde e educação, em destaque nos artigos 6º49 e 22550 do mandamento constitucional em vigor. Estes direitos, denominados por Celso Antônio Pacheco Fiorillo51 de "mínimo vital", são básicos, justo porque essenciais a qualquer ser humano.

André Ramos Tavares52 corrobora ao afirmar que a dignidade da pessoa humana se relaciona com a existência digna do indivíduo e acrescenta que os aspectos econômicos influenciam neste "mínimo existencial".

Apesar da dificuldade de definição do termo, a dignidade é inerente a toda pessoa, razão por que o constituinte a elevou ao patamar de garantia fundamental. Violar a dignidade humana, não há dúvida, atinge o direito pessoal.53 Bem por isso, o homem é sujeito de direito, o detentor e a razão de existir o direito, jamais podendo estar no papel de objeto de direito, como se coisa fosse.54

48

CF: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]

III - a dignidade da pessoa humana; [...]”.

49 CF

: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

50CF: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum

do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

51 RIZZATO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário. 6. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2003. p. 25.

52 TAVARES, Andre Ramos. Direito constitucional econômico, p. 129. 53 RIZZATO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário, p. 24-26.

54 NERY JÚNIOR, Nelson. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. São

(27)

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery55 também lecionam

que a dignidade da pessoa humana é princípio e razão de todo o direito, possuindo papel central no ordenamento jurídico, especialmente como fundamento da república democrática. Por essa razão, a Constituição Federal prima pela impossibilidade de exploração do homem pelo homem e ressalta a responsabilidade que cada indivíduo carrega, obrigatoriamente, em relação ao seu semelhante.

Uma das importantes competências do princípio da dignidade da pessoa humana é o de organizar a sociedade, ou seja, implementar o respeito e a paz na convivência das pessoas56. Este postulado se relaciona com o princípio da solidariedade, no sentido de prevalência dos valores sociais sobre os individuais, assim como o compromisso de dependência recíproca entre os indivíduos.

A propósito da solidariedade, Daniel Sarmento57 a interpreta como um valor que "implica o reconhecimento de que, embora cada um de nós componha uma individualidade, irredutível ao todo, estamos também todos juntos e, de alguma forma, irmanados por um destino comum".

Para se alcançar a solidariedade, a justiça social, consoante a previsão dos artigos 3º, inciso I58 e 19359, ambos da Constituição Federal, faz-se necessário

melhorar os elementos formadores da sociedade, e aí reside, igualmente, a necessidade de intervenção do poder do Estado.

55 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição federal comentada e

legislação constitucional. Atualizada até 10 de abril de 2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 118.

56 NERY JÚNIOR, Nelson. Constituição Federal comentada e legislação constitucional, p. 118. 57 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2004 p. 338.

58

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária [...].”

59CF: “Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e

(28)

1.2.2 Função social da propriedade

Apesar de a Carta Magna possuir índole capitalista, pela sua característica de respeito à propriedade, ela deve cumprir a sua função social, conforme previsão do artigo 5º, inciso XXIII60.

André Ramos Tavares61 entende que para cumprir o primado da função social, é necessário satisfazer as condições de interesse público, sem, entretanto, transformar a propriedade em bem comum.

Em rigor, o direito à propriedade privada está condicionado ao cumprimento do requisito da função social, relacionado com o interesse público, que exigirá do proprietário o bom uso de sua propriedade.62

Encontramos previsão legal da função social da propriedade, consoante os princípios da ordem econômica elencados no artigo 170, inciso II e III, da Constituição Federal, que toca de perto o instituto do contrato, especialmente como impulsionador da circulação de riquezas e do desenvolvimento da economia.

Nesse sentido é a lição de Eros Grau63, para quem:

O princípio da função social da propriedade, logo se vê, ganha substancialidade precisamente quando aplicado à propriedade dos bens de produção, ou seja, na disciplina jurídica da propriedade de tais bens, implementada sob o compromisso com a sua destinação. A propriedade sobre a qual maior intensidade refletem os efeitos do princípio é justamente a propriedade, dinâmica, dos bens de produção. Na verdade, ao nos referimos à função social dos bens de produção em dinamismo, estamos a aludir a função social da empresa.

Por último, segundo Gustavo Tepedino64, a função social da propriedade, contando com a participação ativa do Estado, colabora para a erradicação da

60

CF: “Art. 5º [...], XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;”.

61 TAVARES, Andre Ramos. Direito constitucional econômico, p. 147-153.

62 MACHADO, Antônio Claudio Costa et al. Constituição Federal interpretada: artigo por artigo,

parágrafo por parágrafo. 3. ed. Barueri, SP: Manole, 2012. p. 905.

63 GRAU, Eros. Elementos de direito econômico. São Paulo: RT. 1981. p. 128.

64 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4. ed. edição revista e atualizada. Rio de Janeiro:

(29)

pobreza, a redução das desigualdades sociais e a redistribuição de riquezas, aspectos estes alinhados com os objetivos fundamentais da República, expressos no artigo 3º, inciso III65, da Constituição Federal.

1.2.3 Livre iniciativa e livre concorrência

O artigo 17066 da Constituição Federal consagra o Brasil como detentor de uma economia de mercado, de natureza capitalista; sem este reconhecimento não há como garantir a liberdade de iniciativa, no que se refere à indústria e ao comércio.67

A propósito, sobre o significado de mercado, da doutrina consumerista de Luiz Antônio Rizzatto Nunes68 extraímos a seguinte lição:

O mercado é uma ficção econômica, mas também uma realidade concreta. Como dissemos, ele pertence à sociedade. Não é da propriedade, posse ou uso de ninguém em particular e também não é exclusivo de nenhum grupo específico. A existência do mercado é confirmada por sua exploração diuturna concreta e histórica. Mas essa exploração não pode ser tal que possa prejudicar o próprio mercado ou a sociedade.

José Afonso da Silva69 completa o pensamento afirmando que o desenvolvimento das empresas é limitado pelo interesse da justiça social, que não pode ter por fim o lucro puro e individual, mas sim assegurar a todos uma existência digna.

65 CF: “Art 3º [...] III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais; [...]”.

66

CF: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]”.

67 AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo,p. 795.

68 RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 4. ed, São

Paulo: Saraiva, 2009. p. 56.

(30)

Essa liberdade de iniciativa envolve a possibilidade de as pessoas escolherem figurar como parte em um determinado instrumento contratual, inclusive decidir com quem entendem contratar, com a garantia de, eventualmente, acionar a justiça para fazer valer os seus direitos.70

Importante atentar para o fato de que, para o exercício da livre iniciativa, os contratos são essenciais, sem o que não há como se declarar a propriedade do que quer que seja, quanto a circulação de riquezas e fixação de obrigações entre as partes.71 Em outras palavras, não há o livre exercício do direito de propriedade.

Relacionada à livre iniciativa está à livre concorrência, prevista no artigo 170, inciso IV72, da Constituição Federal.

Sobre o tema, Antônio Costa Machado73 explica que o Estado tem o dever de impor condutas gerais aos agentes econômicos, com o fim de preservar a competição no mercado e evitar a formação de monopólios que concentram determinada produção.

Na avaliação de André Ramos Tavares74, o direito de competição entre

produtos semelhantes é incentivado, já que o mercado consumidor é beneficiado, pois, no afã de conquistar o consumidor, os fornecedores são obrigados a investir em seu produto para ganhar a disputa com outros concorrentes.

Vale destacar que o empreendedor é quem escolhe a atividade que quer desempenhar no mercado e, por isso, arca com os riscos inerentes à atividade. Isso significa dizer que, em caso de lucro, será legítimo o seu ganho, mas em caso de prejuízo, deverá arcar sozinho, estando proibido de repassar para o consumidor.75

Diante das liberdades descritas, é clara a necessidade de haver uma harmonização dos interesses envolvidos, garantindo assim a segurança jurídica das atividades negociais. Nesta senda, o Estado, por sua vez, deve ser o instrumento

70 TAVARES, Andre Ramos. Direito constitucional econômico, p. 236.

71 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio

entre as garantias do código de defesa do consumidor e os princípios gerais do direito civil e processual, p. 16.

72CF: “Art. 170. [...] IV - livre concorrência; [...]”.

73 MACHADO, Antônio Costa. (Org.). Constituição Federal interpretada: artigo por artigo, parágrafo

por parágrafo, p. 904.

74 TAVARES, Andre Ramos. Direito constitucional econômico, p. 255-257.

(31)

garantidor, ao mesmo tempo, das liberdades próprias do mercado capitalista e das relações e interesses das partes que atuam neste mercado.

1.2.4 Proteção do consumidor

O Código de Defesa do Consumidor, em rigor, resulta de previsão constitucional expressa, conforme se extrai da disciplina do artigo 5º, inciso XXXII76. Abarcando direitos e garantias fundamentais, encontra-se o comando de que o Estado promoverá a defesa do consumidor, intervindo nas relações de consumo, a fim de socorrer o consumidor que sofre a influência do fornecedor por ser a parte mais fraca, na tentativa de prevenir injustiças.77

O artigo 4878 do Titulo X dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) contém a determinação constitucional de elaboração do diploma consumerista protetivo, inspirado nos direitos e garantias fundamentais, especialmente o princípio aristotélico da igualdade, com o objetivo de corrigir as distorções das práticas do mercado.79

Como comentamos linhas atrás, a previsão legal contida no artigo 170, inciso V, da Constituição Federal, estabelece como princípio da atividade econômica a defesa do consumidor, já que se trata da parte mais indefesa do ajuste consumerista, necessitando, por tal razão, de amparo específico para garantir um mercado sadio.

André Ramos Tavares80 analisa que o desenvolvimento tecnológico relacionado aos meios de produção permitiu o aumento da oferta de produtos e

76

CF: “Art. 5. [...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;[...]”

77 MACHADO, Antônio Claudio Costa et al. Constituição Federal interpretada: artigo por artigo,

parágrafo por parágrafo, p. 22.

78 ADCT: “Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da

Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.”

79 MACHADO, Antônio Claudio Costa et al. Constituição Federal interpretada: artigo por artigo,

parágrafo por parágrafo, p. 1.249.

(32)

serviços no mercado, mas acabou por desencadear o aumento do consumo. Assim, o avanço do consumismo, que é a compra desnecessária pelo tão só desejo de possuir, acabou deturpando valores referentes às necessidades reais ínsitas no ato de consumir.

Nesse sentido, é certo dizer que o consumidor, seduzido pelas práticas mercadológicas dos fornecedores, observados os ditames constitucionais que regem os contratos em geral, pode muito bem influenciar o consumo sadio e desejável desenvolvimento econômico. O outro lado desta moeda é a voracidade do mercado sendo guiada pela busca do lucro incessante, desprezando a dignidade do consumidor que, não raro, torna-se inadimplente e marginalizado.

Nessa direção, caminha a proteção constitucional endereçada ao consumidor para preservar os direitos básicos do indivíduo, como a dignidade da pessoa humana, caso não ocorra o devido equilíbrio nas relações comerciais.

1.3 O DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

O direito público, durante muito tempo, não interferiu nas relações privadas, o que só veio a acontecer com a vigência do Código Civil, ganhando este, papel monopolizador e exclusivo. Entretanto, leis excepcionais foram elaboradas pelo Estado, com o fim de dirimir fatos ou conflitos de interesses ainda não regulamentados pelo legislador.81

Gustavo Tepenido82, a propósito, conta que os problemas enfrentados pela sociedade, como as consequências da industrialização e da guerra, que abalaram de modo importante a economia dos países, deram azo a doutrinas reivindicacionistas na busca de deveres de direitos sociais.

(33)

Esse novo papel participativo do cidadão fez com que o Estado mudasse seu comportamento, conferindo uma natureza híbrida aos novos temas sociais, ao invés de simplesmente classificá-los como público ou privado. Por essa razão, não se justifica uma distinção temática entre os contratos de consumo e a teoria geral do direito civil, desde que ambos sigam as bases constitucionais do instituto.83

Segundo a doutrina da Roberto Senise Lisboa84, na concepção pós-moderna, é a pessoa humana enquanto indivíduo que tem papel de destaque nas relações cotidianas e não as riquezas, exaltando-se, por este motivo, a garantia do patrimônio mínimo necessário para o exercício de suas atividades e do desenvolvimento social.

Nesse contexto, o Código Civil passou a ter uma função meramente residual, formando-se, nas palavras de Gustavo Tepedino85, "[...] um polissistema, onde gravitariam universos isolados, que normatizariam inteiras matérias [...] Assim esses novos microssistemas funcionariam com independência temática”.

A transição do ordenamento jurídico, anota Fabio de Souza Trajano86, dá

lugar à constitucionalização dos direitos, obrigando as normas jurídicas e as decisões a se adequar aos valores consagrados na Constituição Federal.

Nessa linha de pensamento, o Código Civil tomou, então, o seu lugar de norma geral, permitindo que as normas especiais, como o Código de Direito do Consumidor, assumissem as suas competências específicas.

83 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil, p. 21. 84 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, p. 188. 85 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil, p. 12.

86 TRAJANO, Fabio de Souza. A inconstitucionalidade da Súmula 381 do Superior Tribunal de

(34)

1.3.1 Cláusulas gerais

Pelo papel essencial que os contratos possuem nas relações humanas, o Código Civil dispôs como requisito preliminar aos mais diversos pactos as cláusulas gerais, assim entendidas as normas que utilizam intencionalmente conceitos vagos e abertos a serem preenchidos pelo operador do direito no tempo do caso concreto e de acordo com os valores sociais da época do julgamento, conforme analisa Arnoldo Wald.87

Por cláusula geral, portanto, entende-se uma técnica legislativa que busca garantir a relação entre o direito e a realidade social, possibilitando que no sistema jurídico aberto se realizem adaptações de acordo com os valores do tempo do fato que interessa para o mundo jurídico, de modo a alcançar resultados justos e adequados.88

De acordo com Gustavo Tepedino89, o legislador criou as cláusulas gerais

diante da incapacidade de a lei se atualizar na mesma velocidade que o mundo do sujeito de direito, com relação à tecnologia e aos valores, tendo assim a capacidade de ser aplicada, de forma direta e imediata, nos casos concretos inéditos, o que torna atual o ordenamento jurídico estático.

O autor citado completa o seu raciocínio dizendo que o intérprete do direito, diante dessa realidade dinâmica, não deve ficar paralisado à espera de normas específicas para casos inéditos. Ao contrário, deve desapegar-se da regulamentação ultrapassada, sob pena de não conseguir acompanhar a realidade social que está à sua frente.90

Passaremos, nas seções seguintes, a analisar as cláusulas gerais do Código Civil ligadas ao direito do consumidor, uma vez que são consideradas

87 WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. 16. ed. rev. ampl. e atual. de acordo com o Código de

2002, com a colaboração do Prof. Semy Glanz. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 192.

88 WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. 16. ed. rev. ampl. e atual. de acordo com o Código de

2002, com a colaboração do Prof. Semy Glanz, p. 192.

(35)

expoentes de qualquer relação jurídica contratual. E, com as relações que se travam no mercado de consumo isso não é diferente.

1.3.1.1 Autonomia privada

As partes, no exercício de seu direito privado, possuem a garantia da liberdade de contratar, desde que declarada fique a sua vontade e que qualquer ação neste sentido não relegue o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, consubstanciado no artigo 1º da Constituição Federal.91

Para Flavio Tartuce92, a autonomia privada não se confunde com a autonomia da vontade, apesar de ambas tratarem da autorregulamentação dos interesses da parte. A primeira possui característica objetiva pela possibilidade de o sujeito exercer o poder de escolha baseado no direito e submetido às limitações das normas de ordem pública. Já a segunda remete ao aspecto subjetivo, psicológico do indivíduo de se vincular a um negócio jurídico, que envolve obrigações e deveres.

Importante destacar que parte da doutrina divide a autonomia da vontade em liberdade contratar e liberdade contratual. A primeira é a faculdade de realizar determinado contrato e a segunda diz respeito à possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato, podendo sofrer limitações em virtude da ordem publica.Neste o dirigismo contratual restringiu a autonomia da vontade fixando requisitos mínimos que devem ser observados no instrumento, transformando seu conteúdo em direito público, afirma Arnoldo Wald.93

Nos dias atuais, o “princípio da relatividade dos efeitos do contrato”, ante o corolário de que os efeitos dos contratos atingem apenas as partes deste instrumento94 está mitigado, já que eventual acordo pode atingir não somente as partes envolvidas individualmente, mas também terceiros ou uma coletividade de

91 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado, p. 410. 92 TARTUCE, Flávio. Direito civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie, p. 80-82. 93 WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos, p. 190-191.

(36)

pessoas95. Resulta daí a necessária obediência, por parte dos particulares, das

normas de ordem pública e interesse social constitucionais, que são preponderantes sobre o direito privado.96

A doutrinadora Alinne Aquette Leite Novais97 arremata a análise quando destaca que a liberdade contratual sempre sofreu limitações, pela submissão às normas de ordem pública. O homem como ser social, para conviver de forma pacífica, deve abrir mão do interesse individual, pensando no grupo. E exemplifica mencionando o período da Idade Média, quando se desenvolveram a cláusula rebus sic stantibus, considerada implícita nos contratos de duração continuada, caso

houvesse modificação de suas circunstâncias durante a execução, o que autorizava a possibilidade legítima de seu descumprimento, evoluindo posteriormente para a teoria da imprevisão, que possuía a capacidade de afastar a força obrigatória dos contratos no caso de acontecimento imprevisíveis.

1.3.1.2 Respeito à ordem pública

A ordem pública se constitui em um emaranhado de princípios fundamentais indispensáveis à organização social, que não poderão ser afastados pela vontade dos interessados, significando, neste sentido, uma forma de limitar a autonomia da vontade privada.

De plano, cabe registrar que a ordem pública se refere às normas. O artigo 2.03598, da disciplina das disposições finais e transitórias do Código Civil, a

95

Citamos o Enunciado 23 da Jornada I do STJ: “A função social do contrato, prevista no artigo 421, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”.

96 FIGUEIREDO, Fabio Vieira et al. Minicódigo de defesa do consumidor anotado. São Paulo:

Saraiva, 2011. p. 43.

97 NOVAIS, Alinne Aquette Leite. A teoria contratual e o código de defesa do consumidor, p.

60-61.

98CC: “Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em

(37)

propósito, determina que as convenções devem respeito às normas de ordem pública.

Sobre a norma de ordem pública, considerando o escopo do nosso estudo, quando violada, implica o conhecimento e a aplicação ex officio, pelo juiz,

independente de pedido.

A propósito, trataremos da ordem pública, de forma mais aprofundada, mais à frente.

1.3.1.3 Função social do contrato

Os negócios jurídicos disciplinam interesses sociais, criando uma ordem jurídica especial e ao mesmo tempo restringindo a liberdade contratual individual plena, conforme determinação do artigo 42199 do Código de Civil vigente, baseado

na função social constitucional.

Nessa linha de pensamento, adverte Nelson Nery Junior100, o contrato

atual deve ser visto como verdadeiro instrumento de convívio social e de preservação de interesses da coletividade, já que além de útil, o contrato deve ser justo.

O instrumento de avença tem como finalidade geral a disposição econômica e a circulação de riquezas, mas deve também observar os efeitos advindos da relação entre as partes acordantes, que engloba valores jurídicos,

efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.”

99

CC: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

100 NERY JÚNIOR. Nelson. Contratos no novo Código Civil: apontamentos gerais. Contratos no novo

(38)

morais e sociais. Neste sentido, a interpretação dos contratos deve ser feita de acordo com os valores do meio social em que se encontram as partes, evitando-se as desigualdades.101

O valor da função social decorre dos princípios sociais da solidariedade e da construção de uma sociedade livre justa e solidária, já aprovados constitucionalmente, pois a coletividade não pode ser prejudicada por atos entre particulares nem merece ser beneficiada por esses mesmos atos. Essa socialidade do contrato demonstra não apenas a sua importância no convívio das pessoas, enquanto grupo social, mas também a repercussão de seus efeitos em outros instrumentos do mesmo tipo, devendo alcançar utilidade prática e justiça102. Decorre daí a necessidade de o contrato atual ser visto como verdadeiro instrumento de interação das pessoas porque, além de útil, há que ser justo.103

Não é por outra razão que, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery104, nas suas análises, afirmam que o desatendimento da função social autoriza o juiz a declarar a inexistência do contrato, a nulidade por fraude à lei imperativa, a convalidação do contrato anulável e até a indenização à parte que desatendeu ao requisito.

Por fim, Humberto Theodoro Junior105 entende ser correto interpretar a

função social como forma de se obter a segurança jurídica, já que ela confere estabilidade nas relações sociais em concordância com os ditames consumeristas.

101 TARTUCE, Flávio. Direito civil, p. 84.

102 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado, Projeto do código civil. RT 775/20 apud NERY JUNIOR, Nelson;

NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado, p. 412.

103 NERY JÚNIOR. Nelson. Contratos no novo Código Civil: apontamentos gerais. Contratos no novo

Código Civil: Apontamentos Gerais. In: FRANCIULLI NETTO, Domingos; MENDES, Gilmar Ferreira Mendes; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Coords.). O novo Código Civil: estudos em homenagem ao Prof. Miguel Reale, p. 427.

104 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado, p. 411.

105 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio

(39)

1.3.1.4 Boa-fé objetiva

O contrato depende, para sua validade, da obediência do princípio da boa-fé, expresso nos artigos 113106 e 422107, ambos do Código Civil.

A boa-fé é princípio e base da vida dos negócios, pois determina que as partes devam ter uma conduta conforme a honestidade para conseguir alcançar os objetivos almejados por ambas, estampados no instrumento contratual, com esteio no princípio da razoabilidade.108

A boa-fé expressa no Código Civil é a objetiva109 e estabelece que a conduta entre os interessados comuns em contratar determinado objeto deve ter base “na confiança, na lealdade, na honestidade, na lisura, na certeza e na segurança, vedado o abuso de direito por parte dos contratantes. Todas as partes envolvidas devem respeitar essa condição inicial110, sendo, portanto, necessário

“que as partes atuem de acordo com os padrões usuais”111, na tentativa de se

alcançar uma relação ideal que garanta respeito entre as partes e evite condutas de qualquer natureza lesivas.112

Já a boa-fé subjetiva está ligada ao aspecto psicológico da parte, como a regra de conduta do dever de lealdade, agindo com respeito aos usos e costumes

106CC: “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar

de sua celebração.”

107

CC: “Art. 422 Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé.”

108 MACHADO, Antônio Claudio Costa et al. Código civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo

por parágrafo: leis processuais civis extravagantes anotadas. 5. ed. Barueri, SP: Manole, 2012. p. 136.

109

Enunciado 26 da Jornada I do Superior Tribunal de Justiça: “A cláusula geral contida no CC 422 impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes”. Cf. AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Os contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Brasília, DF. Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2003. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/revista/seriepesquisas11.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2012.

110 MACHADO, Antônio Claudio Costa et al. Código de processo civil interpretado: artigo por

artigo, parágrafo por parágrafo: leis processuais civis extravagantes anotadas. p. 136.

111 WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos, p. 193.

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