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CAPÍTULO 3 – CONGELAMENTO JUDICANTE DO CONTRATO DE

3.4 JUSTIÇA DA DECISÃO: PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE

3.4.1 O papel do juiz na aplicação da decisão

É cediço que o Estado Democrático de Direito garante ao indivíduo liberdade para escolher sua conduta perante os outros indivíduos e que apenas a lei pode limitar tais ações. Também é certo que o legislador, ao elaborar as leis, cria hipóteses para a sua aplicação, consideradas em um mundo abstrato ideal do “dever-ser”. Entretanto, o mundo real, isto é, o mundo do “ser”, encontra-se em constante mutatividade e esta realidade impede que todo tipo de comportamento seja regulado pelo ordenamento jurídico.321

Na atualidade, o sistema jurídico não é mais visto como um conjunto fechado de regras porque é impossível haver regras para todos os casos concretos, inclusive casos não imaginados no momento da consolidação de uma norma.322

A missão do aplicador do direito se resume a encontrar na norma abstrata comando a ser aplicado no caso concreto, pois é sua a responsabilidade de interpretar a ordem dada pelo legislador e determinar o seu alcance, tudo isso em harmonia com os valores que influenciam o comportamento social.323

O uso da proporcionalidade é um princípio fundamental porque carregado da ideia de justiça e de razoabilidade e o objetivo é solucionar, da melhor forma, um

320 PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende. A lesão nos contratos e o princípio da proporcionalidade. In: MAZZEI, Rodrigo (Coord.). Questões processuais do novo código civil. p. 67-68.

321 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do código de defesa do consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 250.

322 MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais, p. 115.

323 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do código de defesa do consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual, p. 251.

determinado conflito, não previsto no ordenamento jurídico, que a princípio não teria solução.324

Vale dizer que a regra da proporcionalidade é comumente usada nas decisões sobre dano moral325 Vejamos:

DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ADIMPLENTE COM O PAGAMENTO DO CARTÃO DE CRÉDITO. TEORIA DO RISCO DO NEGÓCIO OU DA ATIVIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INSCRIÇÃO INDEVIDA NOS CADASTROS DE CONSUMO. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO. [...] A controvérsia deve ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), que por sua vez regulamenta o direito fundamental de proteção do consumidor (art. 5º, XXXII, da Constituição Federal). [...]. A teoria do risco do negócio ou atividade é a base da responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor, a qual harmoniza-se com o sistema de produção e consumo em massa, protegendo a parte mais frágil da relação jurídica, razão pela qual não se perquire a existência ou não de culpa da consumidora. Nos termos do art. 14, §3º, do Código de Defesa do Consumidor, o ônus da prova, em caso de causa excludente de ilicitude, é do fornecedor/recorrente, o qual não demonstrou haver qualquer causa excludente da responsabilização, as quais romperiam com o nexo de causalidade entre sua conduta e o dano experimentado pela consumidora. [...]. A doutrina e a jurisprudência estão apoiadas na assertiva de que o prejuízo imaterial é uma decorrência natural (lógica) da própria violação do direito da personalidade ou da prática do ato ilícito. O quantum a ser fixado deverá observar as seguintes finalidades: preventiva, punitiva e compensatória, além do grau de culpa do agente, do potencial econômico e características pessoais das partes, a repercussão do fato no meio social e a natureza do direito violado, obedecidos os critérios da equidade, proporcionalidade e razoabilidade. [Grifos nossos].

O princípio em tela possui a característica da relatividade, portanto, não é absoluto, a ponto de ser necessariamente acatado em qualquer caso concreto.

O Estado Democrático de Direito depende para seu bom funcionamento da aplicação do princípio da proporcionalidade também chamado de "mandamento

324 MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais, p. 116.

325 BRASÍLIA. Juizados Especiais do Distrito Federal. 3ª Turma Recursal. 2011 10 1 009133-2 ACJ - 0009133-84.2011.807.0010 (Res.65 - CNJ). Relator Juiz HECTOR VALVERDE SANTANA. Julgado em 27/03/2012. Publicado em 30/03/2012. Disponível em: <http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgibin/tjcgi1?DOCNUM=2&PGATU=1&l=20&ID=62547,43662,4063&MGWLP N=SERVIDOR1&NXTPGM=jrhtm03&OPT=&ORIGEM=INTER&pq1=proporcionalidade e razoabilidade no direito do consumidor>. Acesso em: 30 mar. 2012.

da proibição de excesso", que retira a rigidez das regras, aplicando com sabedoria a fluidez dos institutos.326

Nesta linha de pensamento, não basta ao julgador saber a norma, ele necessita conhecer o fato concreto a partir do qual deve resolver o conflito, analisando suas causas e seus efeitos.327

Antes de fato jurídico, o caso concreto é um caso social, por isso, cumpre ao julgador observar os anseios da sociedade, naquela realidade em que determinado fato ocorreu.328

Como realizador da vontade concreta da lei, o juiz deve buscar a justiça, compatibilizando a finalidade da norma com o momento em que está sendo aplicada.329 Entretanto, importante atentar, o homem é sujeito de direito, não

326 MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais, p. 117.

327

“[...] Em síntese, sustenta o agravante que o quantum fixado a título de multa astreintes gerará enriquecimento sem causa à agravada, além de desrespeito ao princípio da proporcionalidade. [...] O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou acerca da possibilidade, em se tratando de obrigação de fazer, de cominação de pena de multa diária, a qual tem como objetivo compelir a parte ao cumprimento da determinação judicial. Vejamos: „PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. FAZENDA PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. IMPOSIÇÃO DE MULTA [...] II - Não se pode acoimar de desfundamentado o v. acórdão quanto aos critérios para a fixação do valor da multa, tendo em vista que o mesmo asseverou que o valor fixado, além de não se afigurar desmedido na espécie, foi fixado segundo o critério da razoabilidade, fundado no senso comum e no prudente arbítrio do juiz.‟ (STJ, 5ª Turma, Resp 451017/SP, Rel. Min. Felix Fischer) [...]. Não há que se falar também em desproporcionalidade, uma vez que a fixação da multa não pode ter como parâmetro único o valor da contraprestação pecuniária pretendida pela parte adversa, mas sim, forçar o cumprimento da decisão. Ademais, considerando o porte da instituição financeira agravante, o valor fixado não representa exorbitância capaz de lhe causar dano irreparável e irreversível. [Grifos nossos]”. Cf. BRASÍLIA. Juizados Especiais do Distrito Federal. 1ª Turma Recursal. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0011434-48.2012.8.16.0000 (896.716-0).Relator Juiz sal.Des. Hélio Henrique Lopes Fernandes Lima. Paraná, Pr. Julgado em 23/03/2012. Publicado em 27/03/2012. Disponível em: <http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/11250228/Decisão%20Monocrática-896716-0>. Acesso em: 30 mar. 2012.

328 AMORIM, Edgar Carlos de. O juiz e a aplicação das leis. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. n. 5, p. 9-10.

329

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CUMULADA COM PEDIDO DECLARATÓRIO. NEGATIVAÇÃO DO NOME NOS ÓRGÃOS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DO AUTOR NÃO DERRUÍDO PELO BANCO. ARTIGO 333, II, DO CÓDIGO DE RITOS. DEVER DE COMPENSAR. QUANTUM COMPENSATÓRIO. FIXAÇÃO SEGUINDO OS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. A negativação do nome nos órgãos de proteção ao crédito por dívida já quitada gera ao causador o dever de compensar todo o abalo de ordem moral que seu ato desencadear. O dano moral é o prejuízo de natureza não patrimonial que afeta o estado anímico da vítima, seja relacionado à dor, às angústias e a todo sentimento de repercussão negativa na personalidade do indivíduo. Na quantificação de numerário suficiente para compensar o abalo experimentado, deve o magistrado pautar-se por critérios ligados à proporcionalidade e à razoabilidade, ou seja, deve analisar as condições financeiras das partes envolvidas, as circunstâncias que geraram o dano e a amplitude do abalo experimentado, a fim de encontrar um valor que não seja exorbitante o suficiente para

podendo ser tratado como objeto, pelo fenômeno da coisificação. Sendo o homem a razão de ser do direito e, por sua vez, sendo o direito feito pelo homem, não há como aceitar a análise objetiva de um ser complexo, extremamente subjetivo.

O ordenamento jurídico pátrio não apoia o juiz como construtor da lei (judge made law), como o direito norte-americano, nos termos da determinação expressa no artigo 126 do Código Civil e do artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), que apenas confere tal prerrogativa em caso de lacuna legal, quando então serão utilizados a analogia, os costumes ou os princípios gerais do direito.330

Importante destacar que o legislador, ao criar as cláusulas gerais, que possuem a característica de utilizar conceitos vagos e indeterminados, confere força criadora ao juiz, na solução do caso concreto levado a seu julgamento. Não se está, aqui, tratando de atividade arbitrária do julgador, pois ele deverá fundamentar suas decisões de acordo com os mandamentos do ordenamento jurídico a que se submete.331

No ato de julgar, o juiz não poderá exercer um poder discricionário, tradicionalmente relacionado com a conveniência e a oportunidade do Judiciário, tampouco lançar mão do binômio de justificação pelo choque entre interesses que maculam a finalidade de se atingir uma decisão justa no caso concreto.332

Com efeito, a discricionariedade difere das cláusulas gerais que são indeterminadas porque nestas o juiz executa um trabalho de interpretação da lei, dando-lhe vida, em conformidade com as bases gerais do direito, por intermédio dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.333

gerar enriquecimento ilícito, nem irrisório a ponto de dar azo à renitência delitiva [Grifos nossos]”. Cf. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Terceira Câmara de Direito Civil. 2009.066954- 0 Apelação Cível. Relator Des. Fernando Carioni. Santa Catarina, SC. Julgado em 13/03/2012. Publicado em 22/03/2012. Disponível em:

<http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoSelecaoProcesso2Grau.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&Pesquisar=P esquisar&dePesquisa=20090669540>. Acesso em: 30 mar. 2012.

330 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do código de defesa do consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual, p. 257.

331 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do código de defesa do consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual, p. 258.

332 MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais, p. 87-88.

333 MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais, p. 91.

A atividade judicante quanto às cláusulas gerais terá como critério, no dizer de José Miguel Garcia Medina334 e outros, "o binômio interpretação e aplicação

com argumentação".

A disposição normativa atribui ao juiz a competência para desenvolver a lei, submetendo a validade deste poder à motivação da escolha de uma determinada decisão, gravada nos termos do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.

A proporcionalidade possui status de princípio ordenador fundamental porque tem afinidade com o princípio da isonomia, de onde advêm os pensamentos de "igualdade proporcional" e de "justiça distributiva".335

Zelmo Denari ensina que “[...] a tarefa do juiz não é puramente cognociva, muito menos mecânica, mas valorativa dos interesses em conflito, além de criativa de novas normas [...]”.336

Nesse sentido, colacionamos o seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE PENHOR. SUBORDINAÇÃO TEMÁTICA. RECURSO ADESIVO. PRELIMINAR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ADMISSIBILIDADE. ROUBO DAS JÓIAS. INDENIZAÇÃO. VALOR DE MERCADO. AVALIAÇÃO UNILATERAL. DANOS MORAIS. RAZOABILIDADE. PROPORCIONALIDADE. [...] Os contratos de penhor devem submeter-se ao Código de Defesa do Consumidor. É que nessa relação, o consumidor, pessoa física que deseja adquirir um empréstimo, procura o agente financeiro para que este lhe empreste dinheiro para efetuar a pretendida transação. Quando o banco efetivamente concede o empréstimo solicitado, está se concretizando uma relação de consumo, onde além da instituição financeira prestar o serviço (financiamento), também fornece o produto (no caso o dinheiro).- A vulnerabilidade do consumidor sempre resta presente no contexto das relações de consumo, e isso independentemente de seu grau cultural ou econômico.- Vulnerabilidade não se confunde com a hipossuficiência; a primeira tem um caráter geral e independe de quaisquer outro tipo de consideração acerca da pessoa envolvida na relação de consumo, já que decorre de presunção; já a hipossuficiência é uma característica pessoal do consumidor, que pode advir de sua condição econômica, social, cultural ou qualquer outra que possa influir no seu juízo sobre a relação tratada. [...] A indenização segue a norma do artigo 774,

334 MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais, p. 91.

335 MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais, p. 11.

336 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.

inciso IV, do mesmo diploma legal, não se admitindo cláusula limitativa da responsabilidade do devedor. A aplicação do Código de Defesa do Consumidor, ademais, determina que essa indenização seja a mais ampla e realista possível, preservando o equilíbrio contratual, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial. - Por outro lado, o contrato bancário de penhor é contrato de adesão, pois apresenta todas as cláusulas predispostas por uma das partes, cabendo ao aderente somente aceitá-las ou repeli-las. Nestes termos, deve ser interpretado e revisto em favor do consumidor. [...]. Além disso, os contratos firmados com a CEF desatendem ao disposto no artigo 770 do Código Civil, que impõe sejam minuciosamente descritos os bens empenhados. - Esse proceder da apelante incorre em deixar o consumidor à mercê de cláusula abusiva, por onerosidade excessiva, bem como contrária à boa-fé, a qual é nula de pleno direito, a teor do disposto no artigo 51 do Código de Proteção ao Consumidor. [...] - A Constituição Federal garante a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, assegurando a indenização pelos danos morais daí decorrentes, de sorte que deve ser considerado dano moral toda lesão não patrimonial que venha a sofrer o indivíduo que cause repercussão no seu interior. - No presente caso, o sofrimento moral da recorrente resta comprovado, eis que as fotografias acostadas, onde consta a utilização, no seio da família, dos objetos empenhados, fazem concluir pela existência de carga sentimental em sua composição, de modo que a sua retirada da esfera de proteção do depositário implica em violação ao íntimo de sua proprietária. [...]. - O valor indenizável a título de dano moral não observa regra fixa, oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstanciais, devendo ser levado em consideração os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, bem como a punição do ofensor, a fim de que não volte a reincidir, de tal modo que, considerando as condições pessoais, sociais e econômicas da ofendida e do causador do dano, o grau de sua culpa, a intensidade do elemento volitivo, bem como com a finalidade de vedar eventual enriquecimento ilícito da ofendida, fixo o valor dos danos morais em três vezes o salário- mínimo vigente. [...].337

Por derradeiro, pode-se afirmar que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são ferramentas indispensáveis ao julgador, para resolver qualquer conflito potencial, com a finalidade de conceder a solução mais justa aos jurisdicionados.

337 BRASIL. Tribunal Regional Federal. TRF3. AC 200061000126586. Quinta Turma. Relatora Des. Federal Suzana Camargo. Publicado em DJU 27/03/2007. p. 504. Disponível em: <http://www.trf3.gov.br>. Acesso em: 12 mar. 2012.

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